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Natural do Porto 13 de Fevereiro de 1946
Era um dia frio de Fevereiro de 1946, no Porto. Na Clínica da Lapa nascia Artur Jorge. O pai trabalhava numa casa comercial, o avô tinha oficina de torneiro na Rua da Ponte Nova, mesmo à beirinha da casa do filho. Perto da oficina começou, meio palminho de gente, Artur a jogar futebol, num terreiro que por lá havia. Quando faltava a bola, mesmo trapeira, a petizada fazia o gosto ao pé com as pedras da calçada ou as latas velhas que se atiravam para a berma! Por isso duravam pouco, os sapatos. O pai não se importava. Antes pelo contrário. De tal forma que haveria de tornar-se o seu primeiro treinador, pois, ao aperceber-se de que o filho apenas pontapeava com o pé direito, obrigava-o, ao fim do dia, a chutar apenas com o pé esquerdo uma bola de borracha que comprara para isso mesmo...
Quando entrou para o Liceu D. Manuel II, na Carvalhosa, Artur Jorge demonstrou o seu talento no voleibol e no basquetebol. Convidaram-no a seguir por aí. Não quis. Tinha 14 anos e decidiu fundar um clube de... futebol. Centro Académico Futebol Clube lhe chamou, escolhendo para equipamento as camisolas da Mocidade e os calções da ginástica. Entraram no Torneio Popular Juvenil do Porto, Artur Jorge foi considerado o melhor jogador, mas, por zangas várias, pouco depois desactivou o clube que fundara, para se dedicar ao Clube Académico do Porto, que era outro dos muitos clubes da Carvalhosa. De tal forma o fez que, com 16 anos, foi eleito vogal da Direcção, numa lista em que José Maria Pedroto, por essa altura já técnico do F. C. Porto, era o presidente do Conselho Fiscal. Pedroto não tardou, naturalmente, a levar Artur Jorge do Académico para os juvenis do F. C. Porto.
Como a morte da mãe quase o destruiu...
Em 1963, com Reboredo como treinador, o seu primeiro título nacional, contra o Sporting. Pelo que foi sem surpesa que, nesse ano, foi escolhido por Gastão Silva para a Selecção Nacional de juniores, que, na Holanda, logrou o terceiro lugar no Torneio Internacional da UEFA.
Por essa altura Artur Jorge era um pequeno ídolo. Vivia a realidade do que fora um sonho. Feliz. Mas há sempre reverso na medalha. Por vezes cruel. Mal chegara da Holanda morreu-lhe a mãe. Foi tão profundo o golpe que durante vários meses não conseguiu sequer dirigir-se ao campo para se treinar. Pensou em abandonar o futebol. Venceu a crise e voltou à liça. Mas mesmo nos sorrisos, pelo tempo fora, havia sinal de que a amargura continuava, cruciante, dentro de si.
No início da temporada de 1964/65 Otto Glória assumiu o comando técnico do F. C. Porto e encantou-se com o jeito de Artur Jorge, convocando-o para digressão ao Brasil, dando-lhe titularidade no Torneio Taça Luiza Otero, que os portistas venceram, em Pontevedra, mantendo-lha na Taça Teresa Herrera. Tudo parecia um mar de rosas. Mas, mal o campeonato saíra do adro, sofreu lesão que o atirou durante quatro meses para o estaleiro. Artur Jorge que, por essa altura, sem tempo para as aulas, estudava, à noite, em sua casa, com explicadores pagos pelo F. C. Porto, não queria ser apenas um jogador de futebol. Queria ser doutor. Por isso colocou a hipótese de se transferir para Coimbra. Mário Wilson ficou encantado com a preciosidade de ter no seu grupo a pérola que se dizia estar a despontar nas Antas. Como os portistas foram a Coimbra buscar Manuel António, Artur Jorge funcionou como moeda de troca.
Em Coimbra, com Che, com Sartre, com os Beatles...
Para Coimbra foi em meados de 1965, inscrito em Filosofia. E a sua vida passou a ter mais encanto. No ano seguinte, titular indiscutível da equipa de Wilson que nascera do génio inventivo de mestre Cândido, foi, pela primeira vez, finalista da Taça de Portugal, contra o Vitória de Setúbal. Ao fim de dois prolongamentos (!) a festa foi dos homens de Fernando Vaz. A Académica, depois de ter eliminado o Benfica, perdera por 2-3. Nesse tempo, de Rocha, de Maló, de Rui Rodrigues, de Toni, de Vieira Nunes, de Vítor Campos, de Crispim, de Celestino, a Académica não era só futebol. Era escola de vida, centro de irreverência. A caminho dos jogos ou nos estágios ouviam-se os Beatles, lia-se Camus e Sartre, nos quartos de quase todos havia posters de Che Guevara. E Artur Jorge começava a assumir-se como um líder, para além dos campos...
Como a PIDE o afastou do comício do Jamor...
Talvez não tivesse havido em Portugal comício assim contra o fascismo. Foi no Jamor. Com o futebol a servir de pano de fundo. Salazar caíra já da cadeira, as lutas estudantis estavam no auge, era o tempo dos gorilas à porta das universidades. A Académica apurara-se para a final da Taça de Portugal de 1969. O Benfica era o adversário. Marcelo teve medo. A FPF lançou um ridículo comunicado proibindo a Académica de utilizar o equipamento branco, que seria, obviamente, sinal de luto académico. De preto foram para a liça os futebolistas, mas ao relvado assomaram de capas caídas e com... braçadeira branca no braço. Era a primeira finta ao regime. Apesar de se saber que torcionários da PIDE regurgitavam pelas bancadas, quando se pressentiu a equipa comandada por Francisco Andrade à boca do túnel ergueram-se, como que num impulso magnético, tarjas brancas com letras a negro que denunciavam estudantes presos e exigiam o fim da guerra colonial. Os benfiquistas quase não buliram, como se as bandeiras arreadas fossem sinal tímido de solidariedade para com os estudantes. Sintomaticamente, a tribuna presidencial estava às moscas...
Artur Jorge, que fora um dos cabecilhas da rebelião, foi impedido de lá estar. Cumpria serviço militar em Mafra, os seus superiores não lhe deram ordem de dispensa para o jogo, percebe-se bem porquê. Mesmo sem contar com a sua estrela, a Académica esteve à beira da vitória. Longo tempo esteve em vantagem, graças a um golo de Manuel António, esse mesmo que haveria de ser o médico que acompanharia Miguel Torga nos últimos dias da sua vida, mas Simões empataria e, já no prolongamento, Eusébio marcaria o golo que valeria a Taça, a Taça que a Académica merecia...
Artur Jorge, que na época anterior estivera já comprometido com o Sporting, logo após essa final transferiu-se para o Benfica. Os sportinguistas voltaram a entrar na corrida, oferecendo 1300 contos, mas preferiu ir ganhar um pouco menos para a Luz. Dois anos antes Riera, despedido pelo Benfica, fora para o Chile treinar a Universidade Católica. Dava-lhe 3000 contos pela assinatura de contrato, Artur Jorge disse não. Na Luz revelou-se goleador insaciável, a pedir meças a... Eusébio. Duas Bolas de Prata ganhou, em 1970/71 e 1971/772. Com o 25 de Abril mais se aqueceu a veia revolucionária de Artur Jorge, assumindo-se como líder do Sindicato dos jogadores, em luta contra os privilégios burgueses e pugnando por um futebol puramente amador. Ensarilhado por lesões, trocou o Benfica pelo Belenenses, em 1976, trabalhando durante o dia na DGD etreinando-se à noite no Restelo.
As fitas mágicas de Delane na conquista da Europa
Se arrefecera, o fervor revolucionário não se perdera ainda. Por isso, em 1979, três anos depois de lá chegar, orgulhando-se do estatuto de trabalhador-futebolista, Artur Jorge sofreu fractura de uma perna. Percebeu a partida do destino como um sinal de canto de cisne. Durante os meses de convalescença releu toda a obra de Eça de Queirós e abriu caminho ao futuro, decidindo inscrever-se na Universidade de Leipzig, na RDA, que, por essa altura ninguém o imaginava ainda, mas depois se saberia, era o centro mais desenvolvido da política estatal de doping que secretamente servia de base ao desporto de sucesso da Alemanha comunista. Artur Jorge, que por cá se licenciara em Germânicas, que tinha já editado um livro de poemas, escolheu o curso de Futebol e terminou-o com nota máxima! Regressou, treinou o Belenenses e o Portimonense, como se estivesse a fazer o tirocínio.
Treinador do F. C. Porto, um dos últimos desejos de Pedroto
Em 1980 José Maria Pedroto voltou a cruzar-se no seu destino, convidando-o para seu treinador de campo, no F. C. Porto, já que ele passaria a secretário técnico. Mas, perdendo Campeonato e Taça, Américo de Sá despediu Pedroto, que, acusando o presidente de ter traído o F. C. Porto para garantir cargo de deputado em... Lisboa, rumaria a Guimarães. Com Artur Jorge, pois claro...
Não muito antes de morrer, Pedroto disse a Pinto da Costa que fosse buscar Artur Jorge para seu sucessor. Seria um dos seus últimos desejos. Nas Antas, Artur Jorge ganharia tudo o que havia para ganhar. E, em Viena, haveria de tornar-se o primeiro (e por enquanto único) treinador português a ganhar uma Taça dos Campeões Europeus. Foi no último quarto de hora do jogo contra o Bayern que o Danúbio se fez azul. Com aquele toque de calcanhar de ouro de Madjer. Pouco depois, no seguimento de mais uma investida do argelino, o golo de Juary, o F. C. Porto campeão europeu. O título valeu a cada jogador um prémio de 1500 contos, cabendo o dobro ao treinador, mas, mais que isso, espolinhou a gabarolice e a petulância dos alemães...
Mas não é difícil encontrar quem, hoje, considere que a vitória do F. C. Porto em Viena, mais do que à acção psicológica de Artur Jorge, no intervalo, se deveu à crença nos poderes de Delane Vieira, medium que começou a trabalhar em Portugal com Otto Glória e que no F. C. Porto de Pinto da Costa se afamaria. Todos os jogadores portistas admitem que sim, que Delane preparou, para a final de Viena, umas fitinhas mágicas que todos eles transportaram para o campo e nenhum ousa refutar a história 1000 vezes contada em cicio de que, na véspera, Delane libertara dois sapos vivos no relvado, garantindo que haveriam de transformar-se em dois golos!
Os milhões que Viena semeara
Após Viena, o Matra lançou-lhe o canto de sereia. Artur Jorge foi para Paris. Reconstruiu equipa que estava em ruínas, mas, no segundo ano, o destino pregou-lhe uma partida: a mulher morreu de cancro. O desfecho abateu-o, pelo que, como se quisesse afogar mágoas num templo de felicidade, algum tempo depois retornou às Antas. Fez nova limpeza de balneários, apagou, quase em definitivo, as estrelas de Gomes e Madjer, mas voltou a ganhar. E a deixar-se, outra vez, seduzir pelos franceses. Ao serviço do PSG ganharia uma Taça de França e um título de campeão. Apesar de muito contestado pelos jornalistas franceses, se calhar por ser treinador pouco expansivo, que continuava a gostar de ópera e de poesia, que não estava, porque nunca esteve, no futebol sobretudo com os pés. Muito dinheiro arrecadou outra vez, rumores, nunca confirmados, mas nunca desmentidos, apontam para que o seu ordenado rondasse os 20 mil contos por mês. Por metade aceitou convite de Manuel Damásio para treinar o Benfica. Era sonho antigo, nunca escondido. Não foi feliz. Operado de urgência à cabeça, antes de um jogo para a Liga dos Campeões, esteve alguns meses inactivo, chegou ao fim da época sem nada ganhar. O que em si era raro. Quis fazer, na Luz, a limpeza que fizera nas Antas, mas acabou vítima da fogueira que ateava, sendo estranhamente despedido com três jornadas de Campeonato. Mas os suíços não se tinham esquecido dele e... convidaram-no para seleccionador nacional e Artur Jorge voltou a conseguir o que nunca nenhum português lograra: treinar uma selecção europeia, para mais apurada para a fase final do Campeonato da Europa. Não foi feliz. Depois, andou num vai-vem. Voltou a treinar a selecção portuguesa e voltou a não ser feliz. Em Março de 1997, foi socado por Sá Pinto, em pleno Estádio Nacional, e nunca mais se recompôs desse vexame. A selecção não foi ao Mundial de França e Artur Jorge procurou novas paragens. Passou pelo Tenerife, pelo Vitesse, pelo PSG. A estrela parece ter-se apagado...
Era um dia frio de Fevereiro de 1946, no Porto. Na Clínica da Lapa nascia Artur Jorge. O pai trabalhava numa casa comercial, o avô tinha oficina de torneiro na Rua da Ponte Nova, mesmo à beirinha da casa do filho. Perto da oficina começou, meio palminho de gente, Artur a jogar futebol, num terreiro que por lá havia. Quando faltava a bola, mesmo trapeira, a petizada fazia o gosto ao pé com as pedras da calçada ou as latas velhas que se atiravam para a berma! Por isso duravam pouco, os sapatos. O pai não se importava. Antes pelo contrário. De tal forma que haveria de tornar-se o seu primeiro treinador, pois, ao aperceber-se de que o filho apenas pontapeava com o pé direito, obrigava-o, ao fim do dia, a chutar apenas com o pé esquerdo uma bola de borracha que comprara para isso mesmo...
Quando entrou para o Liceu D. Manuel II, na Carvalhosa, Artur Jorge demonstrou o seu talento no voleibol e no basquetebol. Convidaram-no a seguir por aí. Não quis. Tinha 14 anos e decidiu fundar um clube de... futebol. Centro Académico Futebol Clube lhe chamou, escolhendo para equipamento as camisolas da Mocidade e os calções da ginástica. Entraram no Torneio Popular Juvenil do Porto, Artur Jorge foi considerado o melhor jogador, mas, por zangas várias, pouco depois desactivou o clube que fundara, para se dedicar ao Clube Académico do Porto, que era outro dos muitos clubes da Carvalhosa. De tal forma o fez que, com 16 anos, foi eleito vogal da Direcção, numa lista em que José Maria Pedroto, por essa altura já técnico do F. C. Porto, era o presidente do Conselho Fiscal. Pedroto não tardou, naturalmente, a levar Artur Jorge do Académico para os juvenis do F. C. Porto.
Como a morte da mãe quase o destruiu...
Em 1963, com Reboredo como treinador, o seu primeiro título nacional, contra o Sporting. Pelo que foi sem surpesa que, nesse ano, foi escolhido por Gastão Silva para a Selecção Nacional de juniores, que, na Holanda, logrou o terceiro lugar no Torneio Internacional da UEFA.
Por essa altura Artur Jorge era um pequeno ídolo. Vivia a realidade do que fora um sonho. Feliz. Mas há sempre reverso na medalha. Por vezes cruel. Mal chegara da Holanda morreu-lhe a mãe. Foi tão profundo o golpe que durante vários meses não conseguiu sequer dirigir-se ao campo para se treinar. Pensou em abandonar o futebol. Venceu a crise e voltou à liça. Mas mesmo nos sorrisos, pelo tempo fora, havia sinal de que a amargura continuava, cruciante, dentro de si.
No início da temporada de 1964/65 Otto Glória assumiu o comando técnico do F. C. Porto e encantou-se com o jeito de Artur Jorge, convocando-o para digressão ao Brasil, dando-lhe titularidade no Torneio Taça Luiza Otero, que os portistas venceram, em Pontevedra, mantendo-lha na Taça Teresa Herrera. Tudo parecia um mar de rosas. Mas, mal o campeonato saíra do adro, sofreu lesão que o atirou durante quatro meses para o estaleiro. Artur Jorge que, por essa altura, sem tempo para as aulas, estudava, à noite, em sua casa, com explicadores pagos pelo F. C. Porto, não queria ser apenas um jogador de futebol. Queria ser doutor. Por isso colocou a hipótese de se transferir para Coimbra. Mário Wilson ficou encantado com a preciosidade de ter no seu grupo a pérola que se dizia estar a despontar nas Antas. Como os portistas foram a Coimbra buscar Manuel António, Artur Jorge funcionou como moeda de troca.
Em Coimbra, com Che, com Sartre, com os Beatles...
Para Coimbra foi em meados de 1965, inscrito em Filosofia. E a sua vida passou a ter mais encanto. No ano seguinte, titular indiscutível da equipa de Wilson que nascera do génio inventivo de mestre Cândido, foi, pela primeira vez, finalista da Taça de Portugal, contra o Vitória de Setúbal. Ao fim de dois prolongamentos (!) a festa foi dos homens de Fernando Vaz. A Académica, depois de ter eliminado o Benfica, perdera por 2-3. Nesse tempo, de Rocha, de Maló, de Rui Rodrigues, de Toni, de Vieira Nunes, de Vítor Campos, de Crispim, de Celestino, a Académica não era só futebol. Era escola de vida, centro de irreverência. A caminho dos jogos ou nos estágios ouviam-se os Beatles, lia-se Camus e Sartre, nos quartos de quase todos havia posters de Che Guevara. E Artur Jorge começava a assumir-se como um líder, para além dos campos...
Como a PIDE o afastou do comício do Jamor...
Talvez não tivesse havido em Portugal comício assim contra o fascismo. Foi no Jamor. Com o futebol a servir de pano de fundo. Salazar caíra já da cadeira, as lutas estudantis estavam no auge, era o tempo dos gorilas à porta das universidades. A Académica apurara-se para a final da Taça de Portugal de 1969. O Benfica era o adversário. Marcelo teve medo. A FPF lançou um ridículo comunicado proibindo a Académica de utilizar o equipamento branco, que seria, obviamente, sinal de luto académico. De preto foram para a liça os futebolistas, mas ao relvado assomaram de capas caídas e com... braçadeira branca no braço. Era a primeira finta ao regime. Apesar de se saber que torcionários da PIDE regurgitavam pelas bancadas, quando se pressentiu a equipa comandada por Francisco Andrade à boca do túnel ergueram-se, como que num impulso magnético, tarjas brancas com letras a negro que denunciavam estudantes presos e exigiam o fim da guerra colonial. Os benfiquistas quase não buliram, como se as bandeiras arreadas fossem sinal tímido de solidariedade para com os estudantes. Sintomaticamente, a tribuna presidencial estava às moscas...
Artur Jorge, que fora um dos cabecilhas da rebelião, foi impedido de lá estar. Cumpria serviço militar em Mafra, os seus superiores não lhe deram ordem de dispensa para o jogo, percebe-se bem porquê. Mesmo sem contar com a sua estrela, a Académica esteve à beira da vitória. Longo tempo esteve em vantagem, graças a um golo de Manuel António, esse mesmo que haveria de ser o médico que acompanharia Miguel Torga nos últimos dias da sua vida, mas Simões empataria e, já no prolongamento, Eusébio marcaria o golo que valeria a Taça, a Taça que a Académica merecia...
Artur Jorge, que na época anterior estivera já comprometido com o Sporting, logo após essa final transferiu-se para o Benfica. Os sportinguistas voltaram a entrar na corrida, oferecendo 1300 contos, mas preferiu ir ganhar um pouco menos para a Luz. Dois anos antes Riera, despedido pelo Benfica, fora para o Chile treinar a Universidade Católica. Dava-lhe 3000 contos pela assinatura de contrato, Artur Jorge disse não. Na Luz revelou-se goleador insaciável, a pedir meças a... Eusébio. Duas Bolas de Prata ganhou, em 1970/71 e 1971/772. Com o 25 de Abril mais se aqueceu a veia revolucionária de Artur Jorge, assumindo-se como líder do Sindicato dos jogadores, em luta contra os privilégios burgueses e pugnando por um futebol puramente amador. Ensarilhado por lesões, trocou o Benfica pelo Belenenses, em 1976, trabalhando durante o dia na DGD etreinando-se à noite no Restelo.
As fitas mágicas de Delane na conquista da Europa
Se arrefecera, o fervor revolucionário não se perdera ainda. Por isso, em 1979, três anos depois de lá chegar, orgulhando-se do estatuto de trabalhador-futebolista, Artur Jorge sofreu fractura de uma perna. Percebeu a partida do destino como um sinal de canto de cisne. Durante os meses de convalescença releu toda a obra de Eça de Queirós e abriu caminho ao futuro, decidindo inscrever-se na Universidade de Leipzig, na RDA, que, por essa altura ninguém o imaginava ainda, mas depois se saberia, era o centro mais desenvolvido da política estatal de doping que secretamente servia de base ao desporto de sucesso da Alemanha comunista. Artur Jorge, que por cá se licenciara em Germânicas, que tinha já editado um livro de poemas, escolheu o curso de Futebol e terminou-o com nota máxima! Regressou, treinou o Belenenses e o Portimonense, como se estivesse a fazer o tirocínio.
Treinador do F. C. Porto, um dos últimos desejos de Pedroto
Em 1980 José Maria Pedroto voltou a cruzar-se no seu destino, convidando-o para seu treinador de campo, no F. C. Porto, já que ele passaria a secretário técnico. Mas, perdendo Campeonato e Taça, Américo de Sá despediu Pedroto, que, acusando o presidente de ter traído o F. C. Porto para garantir cargo de deputado em... Lisboa, rumaria a Guimarães. Com Artur Jorge, pois claro...
Não muito antes de morrer, Pedroto disse a Pinto da Costa que fosse buscar Artur Jorge para seu sucessor. Seria um dos seus últimos desejos. Nas Antas, Artur Jorge ganharia tudo o que havia para ganhar. E, em Viena, haveria de tornar-se o primeiro (e por enquanto único) treinador português a ganhar uma Taça dos Campeões Europeus. Foi no último quarto de hora do jogo contra o Bayern que o Danúbio se fez azul. Com aquele toque de calcanhar de ouro de Madjer. Pouco depois, no seguimento de mais uma investida do argelino, o golo de Juary, o F. C. Porto campeão europeu. O título valeu a cada jogador um prémio de 1500 contos, cabendo o dobro ao treinador, mas, mais que isso, espolinhou a gabarolice e a petulância dos alemães...
Mas não é difícil encontrar quem, hoje, considere que a vitória do F. C. Porto em Viena, mais do que à acção psicológica de Artur Jorge, no intervalo, se deveu à crença nos poderes de Delane Vieira, medium que começou a trabalhar em Portugal com Otto Glória e que no F. C. Porto de Pinto da Costa se afamaria. Todos os jogadores portistas admitem que sim, que Delane preparou, para a final de Viena, umas fitinhas mágicas que todos eles transportaram para o campo e nenhum ousa refutar a história 1000 vezes contada em cicio de que, na véspera, Delane libertara dois sapos vivos no relvado, garantindo que haveriam de transformar-se em dois golos!
Os milhões que Viena semeara
Após Viena, o Matra lançou-lhe o canto de sereia. Artur Jorge foi para Paris. Reconstruiu equipa que estava em ruínas, mas, no segundo ano, o destino pregou-lhe uma partida: a mulher morreu de cancro. O desfecho abateu-o, pelo que, como se quisesse afogar mágoas num templo de felicidade, algum tempo depois retornou às Antas. Fez nova limpeza de balneários, apagou, quase em definitivo, as estrelas de Gomes e Madjer, mas voltou a ganhar. E a deixar-se, outra vez, seduzir pelos franceses. Ao serviço do PSG ganharia uma Taça de França e um título de campeão. Apesar de muito contestado pelos jornalistas franceses, se calhar por ser treinador pouco expansivo, que continuava a gostar de ópera e de poesia, que não estava, porque nunca esteve, no futebol sobretudo com os pés. Muito dinheiro arrecadou outra vez, rumores, nunca confirmados, mas nunca desmentidos, apontam para que o seu ordenado rondasse os 20 mil contos por mês. Por metade aceitou convite de Manuel Damásio para treinar o Benfica. Era sonho antigo, nunca escondido. Não foi feliz. Operado de urgência à cabeça, antes de um jogo para a Liga dos Campeões, esteve alguns meses inactivo, chegou ao fim da época sem nada ganhar. O que em si era raro. Quis fazer, na Luz, a limpeza que fizera nas Antas, mas acabou vítima da fogueira que ateava, sendo estranhamente despedido com três jornadas de Campeonato. Mas os suíços não se tinham esquecido dele e... convidaram-no para seleccionador nacional e Artur Jorge voltou a conseguir o que nunca nenhum português lograra: treinar uma selecção europeia, para mais apurada para a fase final do Campeonato da Europa. Não foi feliz. Depois, andou num vai-vem. Voltou a treinar a selecção portuguesa e voltou a não ser feliz. Em Março de 1997, foi socado por Sá Pinto, em pleno Estádio Nacional, e nunca mais se recompôs desse vexame. A selecção não foi ao Mundial de França e Artur Jorge procurou novas paragens. Passou pelo Tenerife, pelo Vitesse, pelo PSG. A estrela parece ter-se apagado...