Eurico Gomes

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Natural de Santa Marta de Penaguião — 29 de Setembro de 1955
Era rude a terra, serena a vida. O rapazio fizera um... estádio na estrada que atravessava a aldeia que era como todas as aldeias de Trás-os-Montes nos anos 60. Não havia perigo, porque os automóveis raramente passavam por lá. Para além dos jogos com a trapeira, feita com uma meia velha descoberta num gavetão ou... surripiada, candidamente, de um estendal, a púrria empolgava-se com o pião e a bilharda. Nada mais havia para fazer. O pai de Eurico, Urbino Gomes, trabalhador da Companhia Nacional de Electricidade, só pensava em assomar a Lisboa, na ânsia de mais largos horizontes, que, por ali, entre as montanhas agrestes, nem pábulo podia dar-se aos sonhos. Feliz ficou quando lhe arranjaram emprego para si e para os três filhos mais velhos numa fábrica de cartonagem, nos arrabaldes de Lisboa.
Na Póvoa de Santo Adrião, Eurico continuou a estudar, mas aos 10 anos, contra a vontade dos pais, quis parar, para que também ele ajudasse às despesas da casa. Ele próprio arranjou emprego numa oficina de automóveis. Tinha 10 anos. Lavava as peças dos carros e varria a oficina. Vocação para a mecânica foi coisa que logo descobriu em si — e os mestres também. Por isso, aos 14 anos, deixou de ser varredor e criado, tornou-se aprendiz, passou a ganhar 2500 escudos por mês, que entregava, religiosamente, aos pais, nada querendo para si. Dizia que não era moço de devaneios, muito menos para gastar mal aqueles escudos que lhe saíam, doridos, do suor do rosto, da força dos braços.
No final da jornada apenas lhe restava empolgamento para jogar futebol com os amigos, pela noite dentro, pelos baldios da Póvoa ou nas partidas populares do Várzea, clube de bairro vizinho. Um dos seus carolas era amigo de Mário Coluna, tantas vezes lhe pediu que espiolhasse o talento do aprendiz de mecânico que viera de Trás-os-Montes, que um dia foi e ficou encantado, logo convidando Eurico para jogador do Benfica. Era portista toda a família, mas, mesmo assim, foi de festa aquela noite. A euforia durou pouco, porque Mário Coluna não conseguiu que os seus dirigentes oferecessem a Eurico mais de 500 escudos por mês, verba que mal dava para os transportes — e como na oficina já ele ganhava cinco vezes mais, disse não. Foi jogar para o Odivelas. De graça. Logo nesse ano se arrependeram os benfiquistas. Ângelo, que entretanto substituíra Coluna no comando técnico das camadas jovens do Benfica, voltou à carga, no ano seguinte, mandando notícia do seu interesse por Alberto Bastos Lopes — que estavam dispostos a pagar-lhe quatro contos por mês para que deixasse a oficina e se tornasse jogador do Benfica. Ainda com idade de juvenil foi promovido a júnior. Nessa altura jogava a... médio. Mas, um dia, Ângelo ficou sem defesa-central, lembrou-se de Eurico, sobretudo por ser alto e demonstrar excelente poder de salto, apostou e ganhou.
Não muito depois trabalhava já com a primeira categoria do Benfica, pelo que em 1975 passou a ganhar 15 contos por mês. Foi Mário Wilson quem o lançou, em Guimarães, contra o Vitória. Brilhou. Por isso, no arranque para a temporada de 1976/77 só assinou novo contrato, válido por dois anos, quando lhe prometeram um ordenado mensal de... 50 contos. Começou, por essa altura, a fazer o pé-de-meia, comprando, com os prémios da temporada, um andar em Santo António de Cavaleiros, onde a família vivesse com mais dignidade.
De um momento para o outro o horizonte anuviou-se, Mortimore deixou de contar com ele no eixo da defesa do Benfica, o seu contrato corria para o fim, nenhum dirigente lhe dizia o que quer que fosse, julgou que o silêncio era sinal de desinteresse e aceitou, então, falar com emissários de João Rocha. Cem contos por mês lhe ofereciam. Sem assinar documento que fosse, deu a sua palavra, que era sagrada, como sempre fora, na família, que disso fazia ponto de honra, forma de vida. Depressa correram os rumores de que Eurico estava com um pé em Alvalade. Foi então que o chamaram à Direcção, para negociar a revalidação do contrato. Eurico disse que nem sequer queria ouvir falar de números, porque já se comprometera com o Sporting e que, por muito que fosse aquilo que o Benfica lhe quisesse dar, não voltaria com a palavra atrás.

O melhor defesa-central da Europa...
No Sporting, com Allison, cumpriu o seu destino: voltou a ser campeão. Após a festa em Alvalade, partiria, tal como Inácio, para as Antas, seduzido por Pedroto. Eram os primeiros passos para uma caminhada fabulosa, em que só não ganharia tudo o que há para ganhar, a nível de clubes, no futebol, porque o destino ser-lhe-ia aziago. No Europeu de França tremeluziu de tal modo, tal como brilhara na final da Taça das Taças, frente à Juventus, que o jornal italiano La Republica considerou-o o melhor defesa-central da Europa!
Em 1986, Eurico, que cria que a perna partida o fora por artes de bruxaria, procuraria esconjuros para isso, nos empenhos de um padre beirão que o ajudasse, também, a acelerar a recuperação, na ânsia de ainda poder ser convocado por José Torres para o Mundial do México. Debalde. Já não chegaria a tempo. O brasileiro Celso ganhara, definitivamente, o lugar na equipa, Eurico nem sequer oportunidade teria de ganhar aquilo para que parecia fadado alguns meses antes: a Taça dos Campeões, a Taça Intercontinental, a Supertaça Europeia...
Pelo que seria sem surpresa que em Agosto de 1987 ingressou no Vitória, onde fecharia a sua carreira de jogador de alto nível, sendo o único jogador que em Portugal se sagrou campeão,pelo Benfica, pelo Sporting e pelo F. C. Porto, abrindo outra, de treinador, que teve como ponto mais alto ter posto o Tirsense a lutar pela Europa, quase até à última jornada...

Maldito escorpião!
Não muitos meses depois de ter sido considerado o melhor defesa-central da Europa por um dos mais prestigiados jornais italianos, Eurico foi fustigado por um cruel lance dos negros fados da vida. Em Agosto de 1985, na primeira jornada do Campeonato, partiu uma perna, em choque com o benfiquista Nunes, nas Antas.
Pouco antes de o desafio se iniciar descobrira, estupefacto, um escorpião de metal, envolvido em papel preso por alfinetes, no bolso do fato de treino. Deu-o ao roupeiro para que o entregasse a quem o reclamasse, julgando tratar-se de amuleto de jogador mais supersticioso. Deixou de pensar nisso quando, aos 20 minutos, foi retirado do campo com a perna partida. Nesse dia percebeu que os espanhóis dizem que não acreditam em bruxas, mas que las hay, hay — e, sem nunca o assumir, publicamente, tomou a partida cruel do destino à conta de malquerença de colega invejoso para o afastar da equipa, para ganhar-lhe a titularidade! E mais se arrepiou quando se recordou que, algumas semanas antes, no Torneio da Corunha, sofrera a primeira expulsão da sua vida, alguns minutos depois de ter encontrado o mesmo amuleto no bolso do fato de treino...
 

fcporto56

Tribuna Presidencial
26 Julho 2006
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0
Sacramento
De facto conseguio o inedito de ser campeao pelos tres grandes,coisa muito dificil,ja que nao e muito normal jogadores passarem pelos tres grandes.
 

jsm

Tribuna
29 Abril 2007
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16
Um grande central, fazia uma dupla fantástica com o Lima Pereira...na melhor tradição dos nossos centrais...
 

gnh

Tribuna Presidencial
25 Agosto 2016
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  • Deco
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  • Alfredo Quintana
Tive o prazer de conversar com este senhor, hoje, em S. Mamede.
Impressionantes as histórias que estas pessoas, algo esquecidas, têm para contar e a humildade e disponibilidade para as partilhar com um estranho.

Grande Eurico :)
 
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