Moncho López - Treinador

Tails

Tribuna Presidencial
6 Janeiro 2013
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Pergunta de quem não conhece as dinâmicas do mercado do basquetebol mas face a qualidade que, penso que é quase generalizada por aqui, do Moncho, ele não tinha interessados na Europa, no seu próprio país, por exemplo, ou é pelo dinheiro que se vai para a 2° divisão do Japão ?
 

otilious

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Pergunta de quem não conhece as dinâmicas do mercado do basquetebol mas face a qualidade que, penso que é quase generalizada por aqui, do Moncho, ele não tinha interessados na Europa, no seu próprio país, por exemplo, ou é pelo dinheiro que se vai para a 2° divisão do Japão ?
Não deixa de ser uma pergunta pertinente.

Sei que no passado já teve propostas da Alemanha e Espanha. Atualmente, não sei.



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“Depois de 13 anos, o Moncho é o gajo que andou aos pontapés a caixotes do lixo. Saio do FC Porto por isso, senti-me a mais em Portugal”
O técnico espanhol de basquetebol Moncho López, de 53 anos, sai do FC Porto com uma mágoa indisfarçável e com o sentimento de se ter tornado persona non grata no nosso país, mas rejeita ficar conhecido como o treinador que deu um pontapé num balde de lixo e bateu com a mão numa mesa depois de perder um campeonato. Numa entrevista frontal e reveladora, cuja segunda parte pode ler no domingo, Moncho fala da sua marca na modalidade, não só no FC Porto, onde conquistou 15 títulos. E revela que não se despediu de Pinto da Costa


O Moncho chega a Portugal em 2009 para ser selecionador nacional, mas pouco depois assumiu o FC Porto. Quando surgiu o convite do FC Porto?
Estava na seleção portuguesa, numa festa do basquetebol no Algarve e o Mário Saldanha disse-me: “Recebi um telefonema do diretor do FC Porto, Fernando Assunção, que disse querer falar contigo. Perguntou se tu podias ser selecionador e treinador de um clube. Eu disse que sim. Como presidente da federação acho que tens de reunir com o FC Porto. Ouve o convite que te querem fazer". Uns minutos antes dele ter esta conversa comigo, um treinador veterano do Porto, Mário Barros, disse-me: "O FC Porto quer convidar-te, mas vão falar com a federação primeiro". Com isso o FC Porto já conseguiu uma coisa, uma recetividade boa do meu lado porque gostei do procedimento. Reuni-me com o Fernando Gomes, atual presidente da FPF, e com o Fernando Assunção, em Ponte de Lima.


Como o convenceram?
Com o projeto. Primeiro, o Fernando Gomes é um ótimo sedutor no discurso e o Fernando Assunção transmitiu-me muita paixão. Depois utilizaram o recurso do atleta. Disseram que os atletas do FC Porto que estavam comigo na seleção diziam que o Moncho trabalha assim e assim. Mostraram um bom conhecimento da minha forma de trabalhar. Como selecionador observava o campeonato e o FC Porto parecia-me uma das equipas com melhores condições. Organizada, com camioneta e pavilhão próprio. Pensei: quero estar em Portugal, gosto de estar aqui, quero continuar na seleção, mas gosto muito de treinar, vou treinar o FC Porto.


O que lhe pediram quando chegou ao FC Porto?
Que mudasse a modalidade. Queriam que a equipa ganhasse e discutisse os títulos. E pediram-me para formar jogadores. Julgo que se conseguiu. Provavelmente o nível de satisfação mais elevado é com a formação, porque nos últimos anos, e não é só responsabilidade minha, é dos treinadores da formação e da coordenadora Isabel Lemos com o meu pequeno contributo, a formação do FC Porto tem dado grandes resultados. Tem dado jogadores às seleções, temos trazido jogadores para a equipa sénior e sobretudo, o primeiro escalão do basquetebol português está cheio de jogadores que se estrearam connosco. Nem todos estão no FC Porto desde pequenos, alguns chegaram com 14, 15 anos, outros com 16, mas não chegaram formados, completaram a formação no FC Porto.


Qual é a sua marca na formação?
Método de treino. Os treinadores que trabalharam comigo e treinam agora na Ovarense e no V. Guimarães, ou que foram meus atletas, a sua construção do jogo no treino, a progressão pedagógica, a distribuição de conteúdos durante a semana, acho que tem a marca Moncho. Porque no jogo, as estratégias, as jogadas, como se faz uma reposição na linha lateral e na linha final, isso é mais universal, é de todos, nós copiamos uns aos outros. O método de treino caracteriza-nos muito. Nós formámos muitos treinadores no FC Porto que saíram porque conseguem ganhar mais dinheiro noutros clubes.


O duplo papel de selecionador nacional e treinador do FC Porto durou pouco.
Um ano e apareceram os problemas. O Benfica disse: “Este senhor não pode continuar na seleção. Ou o FC Porto ou a seleção”. O Mário Saldanha ligou-me e foi este o diálogo: "Quero-te na seleção, Moncho. Qual é o teu contrato no FC Porto?"; "O meu contrato no FC Porto é tal", "Não sei se podemos assumir"; "Mário, não é uma questão de dinheiro, eu não quero sair do Futebol Clube do Porto"; "Não faças isso, senão vais ter de sair da seleção", "Não é justo Mário, tenho um contrato assinado por ti que diz que eu posso fazer as duas coisas"; "Mas tenho muita pressão e tive uma reunião na Luz com um dirigente do Benfica que me disse que ao seres treinador do FC Porto e da seleção, influencias, vais levar atletas do Benfica para o FC Porto”. Não é verdade. Aconteceu um caso, o João Santos que veio para o FC Porto, mas eu até já tinha saído da seleção quando veio.


O que pesou na decisão de ficar no FC Porto e não na seleção? Não foi mesmo uma questão de dinheiro?
Não. Havia pouca diferença no meu ordenado, nunca estou confortável a falar de salários, mas posso dizer que era uma diferença de um, dois ou três por cento. Eu levava um ano no FC Porto, tinha ganhado a Taça da Liga e a Taça de Portugal.


Moncho com a primeira Taça de Portugal que conquistou pelo FC Porto
Moncho com a primeira Taça de Portugal que conquistou pelo FC Porto
PAULO CUNHA

Já tinha percebido a mística do FC Porto?
Sim. De repente tenho Fernando Assunção e Fernando Gomes a telefonar, com uma alegria tão grande por ganharmos a Taça da Liga numa final fabulosa com a Ovarense; ganhámos ao Benfica nas meias-finais, sofremos nos quartos de final, com o atual treinador do Futebol Clube do Porto, o Fernando Sá. Ver aquelas pessoas, um deles o Diogo Gomes, uma das pessoas mais brilhantes que conheci na minha vida, tão contentes porque o basquetebol do FC Porto voltou a ganhar um título foi algo que mexeu comigo. Recordo que viajámos de Lagoa para o Porto, parámos na Mealhada para comer leitão e chegaram carros com adeptos do Porto só para nos abraçar lá fora no parque. Isto é bom, é lindo, gostei. E havia um compromisso muito grande, que acho fundamental, com os atletas. Carlos Andrade, Nuno Marçal, Miguel Miranda, Greg Stemping queriam que eu continuasse como treinador do FC Porto. Um deles até se manifestou: “É triste que não continues na seleção, porque gostamos”. Mas eu decidi ficar no FC Porto pela mística que me envolveu e pelo compromisso pessoal com os atletas.


E para si o que é a mística do FC Porto?
Uma sensação muito agradável de pertença, de familiaridade. Não gostamos todos uns dos outros e às vezes discutimos. Alguns portistas falam muito mal de nós, nas costas, e isso dói-me, são muito críticos em contextos que não devem. Mas mesmo esses fazem parte da mística. É isso, é algo tribal realmente. Eu não sentira tanto isto no desporto em Espanha.


Passa também pela própria cidade?
Sem dúvida. Gosto da cidade, que muitas vezes é criticada comparativamente com a luz de Lisboa, com as grandes avenidas. Quando se quer desvalorizar o Porto diz-se que é mais fechado e escuro, não, não é. O Porto tem luz também, tem alegria, tem sons.


Que sons?
Sons de rua que para mim são agradáveis e aparecem em qualquer momento, numa janela ouve-se uma música do Porto. Nem toda a cidade faz parte da claque, mas ouvem-se esses sons, e há as cores, o azul e branco, depois algo que é se calhar um ponto de vista mais social, mais político, mais genético que é esta sensação regionalista, que para mim obviamente não é estranha. Sou galego, venho de uma região com cultura, com muita produção literária, com um idioma próprio, então aqui de alguma maneira também se transmite esse regionalismo, somos ambos do norte. Isto acaba por envolver. Nós, seres humanos, temos de retroceder ao paleolítico para perceber isto, porque é genético, é tribal, mas é bonito.


Pegando nesse tribalismo, sentiu que a maior rivalidade é com o Benfica, mais do que com qualquer outra equipa?
Sim. Se for preciso um adepto pára-me na rua e fala-me de uma vitória ao Benfica que se calhar aconteceu há três anos.


É quase como ganhar um título?
Queremos títulos e não vitórias morais, mas sim. Pela rivalidade e também porque no basquetebol, historicamente, a hegemonia é do Benfica. Eu joguei contra um Benfica orientado pelo Henrique Vieira, Carlos Lisboa e por Norberto Alves, três treinadores absolutamente diferentes, com plantéis diferentes, que jogam bem e ganham muito. Para o basquetebol do FC Porto provavelmente o Benfica é o grande adversário. Foi contra quem joguei mais finais. Fui campeão nacional quatro vezes no FC Porto, duas no primeiro escalão, duas na Proliga, e no primeiro escalão foi contra o Benfica que fui campeão nacional nas duas vezes.


Em 2012 quando o Benfica ganhou a final ao FC Porto, o treinador Carlos Lisboa teve um gesto provocatório ao qual reagiu dizendo: “Cada um sente o clube onde quer”. Ficou chocado com aquele comportamento do treinador do Benfica?
Eu fiz essas declarações numa entrevista. Claro que aquele gesto de Lisboa desafiou muito os adeptos, nunca vi nada assim e fui muito crítico. Pode-se festejar o título, pode-se levantar o punho, agora levar os dedos àquela parte... cada um sente o clube como quer, claro, foi provavelmente o que todos os adeptos do FC Porto gostavam de ter dito. Eu disse aquilo de forma consciente. Passados uns anos, Lisboa e eu falámos sobre isso numa fase final, julgo que em Sines.


O que lhe disse?
Entramos numa conversa de treinadores sobre as pressões que vamos sentindo, se somos aceites ou não e às tantas eu fiz um comentário: "Para o teu filho [Rafael Lisboa] é difícil jogar, os adeptos apertam com ele. Reconheço muita qualidade no teu filho, mas tu também, naquele dia em que fizeste aquilo..." e Carlos disse-me: "Gosto que me fales disso. Não estou nada orgulhoso. Que pena o que aconteceu, porque fiz aquilo a quente e contra uma pessoa. O meu objetivo era uma pessoa que estava na bancada”. Estou a falar por ele, e ele até pode sentir que tem de desmentir, mas foi o que me disse. E ainda acrescentou: "A minha mulher é do Porto, tenho família no Porto".


A dormir com a filha Julia, quando esta tinha dois meses
A dormir com a filha Julia, quando esta tinha dois meses
D.R.
Qual a realidade dos clubes com que se deparou quando começou a treinar o FC Porto?
Vi que havia muitos desequilíbrios. Mas quando tomei a realidade dos clubes, desapareceu a liga profissional e foi um grande erro. As diferenças aumentaram mais, sobretudo entre os que pertencem aos grandes clubes de futebol e os restantes. Na antiga liga de clubes era obrigatório ter uma estrutura mínima, tudo isso desapareceu. Entrámos num campeonato que se desenvolveu em moldes mais amadores. Mesmo assim é fabuloso o que se conseguiu e temos equipas portuguesas a competir na Europa. O Sporting fez uma época fabulosa na Europa; o Benfica no próximo ano vai poder entrar na Champions e acho que vai conseguir; nós no FCP fizemos seis épocas de FIBA Eurocup. Mas não sermos uma liga profissional de clubes faz com que algumas maneiras de funcionar sejam demasiado amadoras, ainda hoje.


Pode dar exemplos?
Faz-se um campeonato e um calendário de competição, começamos uma pré-época a 15 de agosto com esse calendário de competição, que depois a 20 de setembro se altera e na semana em que ias ter dois jogos, passas a ter só um, e onde ias ter uma folga passas a ter dois jogos e durante o campeonato isto repete-se. Tudo por pressões de clubes. E o meu clube, o FC Porto, também não é indiferente a isso. Estamos num mecanismo de interesses mais particulares de um clube e outro, que supostamente acabam por pressionar a federação e as pessoas. É horrível. Ou, por exemplo, começas uma época com três estrangeiros e de repente já podem ser quatro e os que eram naturalizados com passaporte português e podiam jogar como portugueses agora já não podem, ocupam vaga de estrangeiro. Isto já não acontece em Espanha há muitos anos.

Essas foram algumas das razões que o levaram a querer sair?
Isto cansou-me muito. Nunca me calei e como treinador do FC Porto quando sentia que tinha de reclamar internamente, fazia-o. Mas quando publicamente era para defender o interesse do meu clube, também o fiz. Tenho a sorte e sou privilegiado, como o treinador do Benfica e do Sporting, comparativamente com os outros treinadores, porque temos espaço, os nossos clubes têm canais próprios de comunicação. A nós ouviam-nos, aos outros não. Eu sempre disse que estas coisas não estavam bem, o que me criou desgaste.


De que forma sentia esse desgate?
Escrevi manuais de curso de treinador para a federação portuguesa e era convidado para muitas clínicas e conferências, para professor dos cursos de treinador. Comecei a perceber que as pessoas que interagiam muito comigo eram as mesmas que me pediam convites para entrar nos jogos do Real Madrid ou Barcelona e eu arranjava convites, eram as mesmas que me pediam para ir aos treinos do FCP e eu abria não só o pavilhão como as gavetas da minha secretária. Só que comecei a perceber que essas pessoas não gostam desta versão do Moncho. Depois há o episódio do final do campeonato do ano passado em que perdemos um jogo, eu faço umas declarações agressivas contra os árbitros e obviamente contra quem está a reger a modalidade. E senti este ano muita rejeição. Pessoas que diziam que eram minhas amigas, que me valorizavam muito.


Começou a sentir-se a mais?
Sim. Ou que me viraram as costas. Podiam ter sido mais compreensivas comigo, porque quem está no desporto entende que um treinador que perde um campeonato depois de um ano de trabalho num jogo em que objetivamente há erros de arbitragem que condicionam o resultado, pode ter uma reação a quente. Nós agora até podemos discutir, e se calhar é onde sou mais radical, se aquilo foi propositado ou não. Vamos pôr de lado se foi propositado ou não, há uns erros que condicionam o resultado da minha equipa e quando acabou o jogo, explodi, dei um pontapé num caixote de lixo e bati com a mão numa mesa, mas não parti a taça. Isso foi uma fake news, uma mentira de uma parte da comunicação social que disse que eu tinha partido a taça. É mentira. A taça partiu-se noutras circunstâncias. Foi uma reação a quente de um treinador.


As declarações também?
Não, as declarações são meditadas. Porque peguei no computador vi o jogo, analisei o vídeo, analisei as jogadas e quando fiz as declarações estou convicto do que digo. Mas senti este ano que, sobretudo as pessoas que eu achava que estavam muito próximas de mim e que durante esta época deviam ter mostrado alguma proximidade e solidariedade comigo, fizeram o contrário. Abriu-se uma ferida. Obviamente aceito e faz parte do jogo que a extrema rivalidade entre os clubes leve a que os treinadores dessas equipas mandem umas bocas contra mim. Acho normal. Posso gostar ou não, mas faz parte. Nunca o faço, nunca ponho em causa declarações dos outros. Mas pessoas que andaram sempre à minha volta e que podiam ter sido mais solidárias, afinal parece que me converti em alguém que está a mais no basquetebol português. Tive um comportamento sempre impecável. Não há em Portugal nenhum treinador nos últimos 13 anos que tenha falado mais vezes e melhor da arbitragem portuguesa do que eu. Não há. Mas aquilo que conta são aquelas declarações naquele jogo. É isso.


Com a bandeira do FC Porto às costas, quando ganhou o campeonato de 2016
Com a bandeira do FC Porto às costas, quando ganhou o campeonato de 2016
D.R.

Sente-se injustiçado?
Sim, depois de 13 anos o Moncho é o gajo que perdeu a cabeça, andou aos pontapés com o caixote de lixo e partiu a taça. Esse é o Moncho. É triste. E isto é um dos grandes motivos para decidir sair do FC Porto. Porque senti que estava a prejudicar o FC Porto. Em dezembro sentei-me com o meu diretor técnico e disse-lhe: "Acho que não posso continuar no FC Porto. Ser treinador do FC Porto cria um problema ao clube. Está toda a malta em pé de guerra contra nós. Estou a prejudicar até o meu adjunto. Provavelmente ele não é convidado para os cursos como professor ou não é convidado para selecionador ou adjunto das seleções porque neste momento o Moncho é o ogre do basquetebol português.


Passou a persona non grata?
Sim, senti isso.


Sai com uma grande mágoa.
Saio muito triste. Porque gostava muito de estar em Portugal e no FC Porto. E gostava que houvesse mais pessoas que, como eu, fazendo parte de um basquetebol tão envolvido como o espanhol e tendo outras possibilidades, viessem para Portugal, porque o basquetebol português merece e há pessoas em Portugal que merecem. Temos treinadores portugueses de um nível altíssimo, que não têm a sorte de estar no Benfica, FC Porto e Sporting, mas o basquetebol merece e necessita alimentar-se do que outros países, onde o campeonato está mais evoluído, podem dar. Decidi dar esse passo, vim para cá e não estou arrependido, esta é uma das etapas mais felizes da minha vida profissional e pessoal. Eu saio daqui com uma filha portuguesa. A Júlia nasceu em 2012. Saio daqui com grandíssimos amigos, saio daqui com família portuguesa. Saio a falar outro idioma. Falo português. Saio com um clube, sou adepto de um clube. Hoje, quando o FC Porto ganha ou perde jogos, altera o meu estado de ânimo para bem ou para mal. Não sou um adepto muito radical, mas tenho essa paixão pelo clube e vou acompanhar. Trabalhei muito para o basquetebol português, dei muito de mim ao basquetebol, a treinadores, ajudei a formar treinadores.


Houve falta de reconhecimento?
Não. Mas é injusto cobrar-me dessa maneira um pontapé num caixote de lixo. É injusto. É desproporcionado. Há pessoas no desporto que têm reações a quente e podem fazer autênticos disparates e são geniais. Sobretudo se se trata de um jogador, de qualquer modalidade, pode fazer a maior asneira, mais burra e nojenta que possamos imaginar, que haverá sempre alguém a dizer que é um génio. Quando se trata de um treinador, é mais complicado e se esse treinador é do FC Porto ou do Benfica, estás tramado.


Mas assume que foi uma reação que não devia ter tido?
Obviamente que sim. Se voltássemos atrás eu não dava o pontapé do caixote de lixo nem batia com a mão na mesa, mas provavelmente as minhas declarações iam ser muito semelhantes. Porque são após ver o vídeo e de ir à procura de coisas em que me senti prejudicado. A arbitragem teve influência naquele resultado e lamento muito.


Porque é que esses erros ocorreram?
Entra num tema mais delicado. São árbitros de muita qualidade. Os três. Muito bons mesmo, falamos de muito qualidade não só em Portugal, no contexto mundial. A mim, custa-me aceitar que não foram propositados, sendo tão bons árbitros. Acho que acontecem coisas por omissão. Deixam de apitar. Eles podem ter as suas razões. Podem até pensar: que decidam os intervenientes. Mas deixar de apitar algumas coisas também altera o resultado.


Foram erros devidos a corrupção, apenas clubismo ou a ambos?
Não sei responder, honestamente. Por corrupção penso que não. É como se houvesse uma sensação de que se o FC Porto não ganhar o campeonato, não faz mal, está tudo bem. O trabalho deles é muito bom. Mas a realidade é que são humanos e vivem sob pressão, como nós. Eles têm de tomar decisões com as pulsações elevadas, em décimas de segundo, sem ter sempre a melhor perceção visual. Mas eu cheguei àquele jogo com a sensação de que se o FC Porto não ganhasse o campeonato não era nenhum problema, até era bom para o basquetebol português. O último campeonato que ganhei foi em 2016 e desde esse campeonato ganhamos alguns títulos, mas foram taças. A realidade é que o FC Porto chegou às finais e não as ganhou, era eu o treinador.


No dia da entrevista à Tribuna, no Porto
No dia da entrevista à Tribuna, no Porto
RUI DUARTE SILVA

Sentiu muito essa pressão no FC Porto de chegar às finais e não ganhar?
Sim. Era-me cobrado: “Com este treinador vamos às finais e não as ganhamos”. Ganhámos algumas. Nos dez anos anteriores à minha chegada só se ganhou um campeonato. Dos 12 anos que estive no FC Porto, 10 na primeira divisão, só num ano ficamos nas meias-finais, de resto discutimos sempre a final. O que acontecia no ano anterior à minha chegada é que o FC Porto era eliminado nos quartos de final do play-off.


É verdade que gosta mais de ver treinos do que jogos?
Sei que fui criticado por isso. Aqui em Portugal houve quem dissesse "o Moncho é um treinador de treinos, gosta mais de treinar do que orientar". Ouvi algumas bocas nesse sentido por manifestar o meu prazer pelo treino. Mas a verdade é que digo sempre nas clínicas que faço: desfrutem do basquetebol de segunda a sábado, não se foquem só no jogo. Não sejam treinadores de domingo. Para mim, a segunda-feira de manhã, quando preparo o meu treino da tarde, é um momento de prazer absoluto. Desfruto, desenhando exercícios, pensando se vou ter grupos de três ou de quatro.


No FC Porto ia observar os treinos de quem?
Dos treinadores da formação, muitos. Adorava.


Se pudesse também ia ver treinos dos adversários?
Aqui não se permite. Em Espanha, um treinador que esteja no desemprego pode ir assistir aos treinos das equipas, mesmo que passado uma semana seja o treinador de uma outra equipa. A quantidade de treinadores que tive em Espanha a acompanhar a minha pré-época, a ver os meus treinos, porque estavam desempregados, foi enorme. E passados dois meses eram capazes de pegar numa equipa adversária.


Isso não o incomodava?
Nunca. Uma das minhas grandes contribuições é ter as portas abertas para todos. Nunca disse não a quem queria ver os meus treinos. Não só abro o treino, como abro o caderno, o computador, as gavetas do gabinete. Lembro-me de estar no meu gabinete e imprimir play-books, livros de jogadas, planos de treino, ou enviar por correio eletrónico. Sou um grande produtor de documentos, sou muito organizado, todos os planos de treino estão feitos e guardados, há muito planeamento e sempre partilhei com todas as pessoas, mesmo com treinadores que sabia que podiam ser os meus adversários.


Nunca foi criticado no próprio clube por fazer isso?
Às vezes criei com os meus treinadores da formação do FC Porto algum desconforto e eles faziam-me essa queixinha carinhosa, de que treinadores de outros clubes, de sub-16, vinham aos meus treinos da equipa sénior e eu podia estar a trabalhar e a fazer exercícios, a desenvolver alguns conceitos que eram transversais aos escalões da formação do FC Porto. Eles diziam: "Moncho, estás a dar informação que serve depois ao adversário".


E não estava?
Não acredito. Uma das grandes riquezas do desporto é a partilha. Os conceitos técnicos, as filosofias de jogo, os métodos não são propriedade intelectual de ninguém, são de todos. Vejo as coisas assim. Mesmo aquilo que posso pensar que fui eu que inventei, provavelmente alguém na Nova Zelândia, nos EUA, ou na Austrália está a fazer. É de todos. E tenho um prazer enorme em partilhar.


Porque gostava de ouvir as canções "Pronúncia do norte" e "Porto Sentido" antes dos jogos?
A "Pronúncia do Norte" só pus uma vez. O "Porto Sentido", sim, ouvia. Era o meu momento de relaxamento. Não era para a equipa, nunca foi para os atletas. Era só para mim, e não era no balneário, era no meu gabinete. Eu fazia a preleção no balneário, os atletas saiam para aquecer e eu entrava no meu gabinete e aí, muitas vezes sozinho, outras vezes com a preparadora física, Mariza Vieira, ou com o meu adjunto Diogo Gomes, ouvíamos o "Porto Sentido". Gosto dessa música, gosto de Rui Veloso e Carlos Tê.


Como preletor do curso de treinadores Grau 3, em Espanha, 2019
Como preletor do curso de treinadores Grau 3, em Espanha, 2019
D.R.

Como foi a relação com o presidente Pinto da Costa? Com que opinião ficou dele?
Obrigado por perguntar-me, porque queria falar. Primeiro saio sem me despedir dele, sem falar com ele, e tenho pena.


Porque saiu sem falar com ele?
Não tive essa oportunidade.


Procurou essa oportunidade?
A última vez que estive com ele, ainda não tinha acabado o campeonato, eu já sabia que ia sair e ele esteve comigo, no meu gabinete. Estivemos sozinhos. Lembro-me que estava a comer uma maçã e ficamos a falar um bocadinho antes do jogo. Estive para lhe dizer que ia embora, mas pensei, isto é inoportuno, tenho um jogo agora. Era a meia-final contra o Sporting. Decidi que não ia ficar em dezembro, em janeiro tive dúvidas, em fevereiro o diretor-desportivo tentou convencer-me, mas quando decidi sair mesmo ele não sabia. O diretor-desportivo sabia há muito tempo, só que dizia que não acreditava, que conseguia convencer-me.


Acredita mesmo que ninguém transmitiu ao presidente que tinha decidido sair?
Acho que o diretor-desportivo não lhe transmitiu isso. Antes da final, o diretor do basquete, Vítor Hugo, veio ter comigo: "É verdade que vais sair? Porque não me disseste nada antes?"; "Eu disse ao diretor-desportivo há muito tempo. Não te disse porque não queria as pressões do 'tens de ficar'". Eles tentaram convencer-me a ficar, tenho a certeza que gostam muito de mim e que estão satisfeitos com o meu trabalho, não tenho nenhuma dúvida. Decidi sair antes de saber o desfecho da época, e ainda bem. Aliás, na época anterior à pandemia eu pus o meu cargo à disposição.


Porquê?
Na altura disse ao Vítor Hugo: "Vou embora, não se ganhou nada, vim cá para ganhar títulos". Ele não aceitou. Este ano decidi sair sem saber se ia ganhar ou não. E tinha expectativas de ganhar a taça e o campeonato. Mas voltando ao presidente, o diretor-desportivo sabia há muito tempo, o Vítor Hugo soube antes da final e no último jogo o Pinto da Costa não estava. Eu avisei que ia despedir-me na conferência de imprensa depois do jogo. Pedi ao Vítor Hugo para explicar ao presidente porque é que eu saía e pedi-lhe para se despedir dele por mim. Nisto estou tranquilo porque o Vítor Hugo disse-me que o iria fazer.


Esperava que Pinto da Costa o chamasse após saber da sua saída?
Não é necessário que me chame. Deu-me muitas mostras de apoio e de carinho, confio que alguém lhe explicou. Claro que se o fizesse dava-me a oportunidade de despedir-me, de palavra, mas confio que o Vítor Hugo tenha transmitido ao presidente porque vou embora.


Contava ter outra despedida no FC Porto após tantos anos, ser homenageado de outra forma?
Eu não saio campeão, portanto… Não estava à espera de algo diferente. Se pergunta: Gostava? Eu digo-lhe, gostava de sair campeão. Para mim é cruel, é duro que o meu último jogo como treinador do Futebol Clube do Porto seja uma derrota contra o Benfica, em casa. E não é a derrota em si contra o Benfica, porque perdi tantas coisas e ganhei também. Nós treinadores ficamos dias sem dormir, mas faz parte, senão não te dedicas a ser treinador. Não me magoa perder com o Benfica, agora, uma coisa que tenho entalado é que a minha equipa não competiu. O mais triste para mim, é que no meu último jogo como treinador do FC Porto, os meus atletas não conseguiram competir.



Porquê?
Julgo que veio ao de cima a pressão de sentir que não íamos ganhar. Havia lesões gravíssimas de dois jogadores muito importantes, rotura do tendão rotuliano do poste americano, rotura do isquiotibial do base Kloof. Não competir é o que mais me magoa porque acho que os adeptos não mereciam. Quando acabou o jogo abracei-me a chorar aos adeptos, pedi-lhes desculpa, mas não era por perder, era porque a equipa não competiu. Podíamos ter jogado contra o Benfica e perder, porque o Benfica é muito bom, mas havia que competir.


Admite ter sido também um baixar de braços por saberem que ia embora?
Só um jogador sabia que eu ia embora. Penso que foi um bloqueio psicológico, perder a capacidade de discernimento do jogo por sentires que não podes ganhar. Não tem nada a ver com saberem que eu ia sair. O Benfica apresentou-se forte, jogou bem, nós entrámos mal no jogo, quando estamos a recuperar, um dos jogadores mais importantes rompe o isquiotibial. Nos dois jogos contra o Benfica em casa, na primeira parte lesionou-se o poste, rompeu o rotuliano e a equipa respondeu bem e no segundo jogo lesionou-se outro jogador e aí a equipa não teve essa capacidade psicológica de resposta. Depois há obviamente as questões técnicas de encontrar soluções, eu de repente estou sem aquele poste e procuro soluções técnico e táticas que não funcionam, assumo também. Não tem nada a ver com eles saberem ou não que eu ia sair. Até porque não somos assim tão influentes, os treinadores.


Como assim não são influentes?
Não somos tão influentes nos jogos. Somos influentes na construção da equipa no verão, na escolha de atletas e no processo de trabalho a longo prazo. Nós, treinadores de basquete, somos demasiado vaidosos, porque podemos ter descontos de tempo, intervir, pensamos que ganhamos nós, e tal. Não. Tenho colegas que não gostam de saber isto, mas já o disse muitas vezes, o treinador não é tão influente na vitória. Daí a importância do treino.


Encontrou-se muitas vezes com Pinto da Costa?
Os meus encontros com o Pinto da Costa foram sempre em contexto fundamentalmente de jogo e de competição. Quando ele vinha ao pavilhão, cumprimentava-nos e falava comigo antes do jogo, sempre foi muito agradável. Depois víamo-nos na entrega de troféus, naqueles eventos que o clube organiza, os jantares de natal, Dragão de Ouro. O Pinto da Costa entregou-me pessoalmente um Dragão de Ouro e teve umas palavras para mim. Sempre me assumiu como portista, nunca pôs em causa o meu portismo. Falava de mim como o treinador galego, um galego portuense, chamou-me portuense, não só portista. É muito inteligente Pinto da Costa, quando diz estas coisas sabe o que diz. Quando me chama portuense, não só portista, sabe que eu gosto que me definam assim. Este ano entregou-me o segundo Dragão de Ouro, tenho dois e para mim são valiosíssimos. Há muitos colegas meus campeões e habitualmente quando ganham tudo dão-lhes o Dragão de Ouro. A mim, deu-me o Dragão de Ouro quando treinava a equipa de sub-20 na Proliga. E dá-me outro após perder a final do play-off contra o Sporting, no ano passado. Estes Dragões de Ouro são importantes também porque são uma demonstração do clube, de Pinto da Costa e de quem decide com ele, de que vêm algo mais do que resultados. Sempre foi muito carinhoso comigo e tenho respeito por ele. Mas é engraçado como toda a gente me pergunta como é Pinto da Costa [risos].


Quem mais pergunta?
Posso contar um episódio que serve de exemplo. O ano passado jogou-se a final da Champions no Estádio do Dragão. Fui encontrar-me com um amigo jornalista no Café Batalha e, quando cheguei, estava lá o Jorge Valdano, uma figura do futebol mundial, foi treinador e diretor-geral do Real Madrid e neste momento é um colunista de diferentes meios espanhóis. Jorge Valdano viu-me, lembrava-se de mim quando eu era selecionador de Espanha e falámos. “Moncho estás no FC Porto. Olha, como é trabalhar com o Pinto da Costa?”; “Vou fazer-te eu a pergunta, Jorge: qual é a tua opinião do Pinto da Costa?”; “Como presidente é duríssimo nas negociações, duríssimo. Mas sabes, um presidente destes clubes tem de ser assim. E tu gostas dele?”; “Gosto, gosto muito”. Mas por isso tenho este respeito pela figura do Pinto da Costa, porque vejo que realmente no meu país é reconhecido.


Com a filha Julia na cidade do Porto, no natal de 2019
Com a filha Julia na cidade do Porto, no natal de 2019
D.R.

Ao longo destes anos qual foi o jogador português que mais o surpreendeu pela positiva?
Custa-me dizer-lhe só um... Por talento e por aquilo que pode vir a ser, o jovem Francisco Amarante. Não sei o que vai acontecer com ele, na sua carreira, mas poderá ser um jogador de patamares mais elevados do que o basquetebol português. Ele está muito ligado ao Porto, sei que renovou e vai ficar. Da minha primeira etapa na seleção, o Carlos Andrade foi uma figura importante. Um atleta que foi depois meu jogador no FC Porto e que é um atleta que tem quase tudo o que um treinador quer. É bom no dia a dia, no balneário, competitivo, apaixonado pelo basquete, muito bom. Custa-me não dizer outros, mas digo estes dois.


O que um atleta tem de ter à partida para garantir uma boa relação consigo?
Gostar do treino. Não é habitual ter problemas com atletas, mas os que tive, as dificuldades de adaptação que tiveram comigo alguns, foram aqueles que ou porque têm muito talento, ou porque têm muita experiência, já estão numa fase de conforto em relação ao treino, já não têm motivação intrínseca. Para eles já não é importante ganhar velocidade, não vale a pena o esforço de ser melhor com a mão esquerda. Esses atletas comigo sofrem e tento não recrutar esse tipo de atletas.


Como faz o recrutamento de atletas? O que conta mais?
Eu falo muito com os atletas antes de os contratar. Todos os jogadores estrangeiros que contratei no FC Porto, antes de falar com o empresário, eu telefonava-lhes e explicava: eu treino assim e quero fazer isto assim, vejo isto em ti e falei com o teu treinador da França e falei com o teu treinador da Roménia e disseram-me isto de ti... E quero que telefones a este atleta, por favor, quero que saibas a opinião que ele tem de mim. Houve alguns atletas que me disseram: “Coach, acho que não nos vamos dar bem e é melhor não avançarmos”. Houve outros que me disseram que sim e houve ainda outros que se enganaram, quiseram enganar-me a mim e enganaram-se a eles.


Qual foi o pior problema de balneário que teve em Portugal?
No meu primeiro ano ganhamos uma taça, julgo que em Lagoa e no regresso parámos em Cantanhede, na Mealhada. Vinham só os atletas e a equipa técnica e de repente dois atletas começaram a discutir e quase se pegaram à porrada. Lá os conseguimos separar, mas durante 15, 20 segundos houve uma agressividade tão grande entre um e outro que eu pensei: isto não tem solução.


Percebeu qual o motivo?
Depois soube que o que houve entre eles começou com uma brincadeira, uma boca, imagino que tenha a ver com alguma namorada. Um dos dois esticou-se, ultrapassou o que o outro considerava o limite e aquilo descontrolou-se. Era um dia de muitas emoções, não vou negar que se calhar algum bebeu mais dois copos de vinho do que devia e tivemos que os separar. No dia seguinte tivemos uma reunião, com o Fernando Gomes, o Fernando Assunção, eu, o capitão, que não era nenhum dos dois envolvidos, e perguntaram-me o que é que eu faria, e eu respondi: "Os dois vão embora, não conto com nenhum dos dois". O Fernando Gomes olhou para mim: “Mas tu sabes o que isso significa? Não sei se consigo trazer outros da mesma qualidade e a equipa tem boa pinta, parece que podemos ganhar coisas. Vamos tentar solucionar”; “Para mim isto é inconcebível e acho que não tem solução, receio que no treino volte a acontecer”. Mas convenceram-me: “Moncho, vamos tentar, estaremos mais atentos. Se daqui a uns dias, tu mantiveres a tua posição, de que temos que despedir os dois, assim o faremos”. Estive duas semanas a treinar e realmente os atletas comportaram-se bem, mas eu fiquei com aquele peso de consciência de que o correto seria mandá-los embora e estava a engolir um sapo.


Hoje ainda pensa assim?
Não, hoje penso que fiz bem em ouvi-los. São pessoas que conhecem bem o desporto e que levam mais anos do que eu nisto. Eu percebi que a relação entre os dois atletas não voltou ao normal, mas durante toda a época houve um alerta de todos para controlar aquilo, que se calhar até nos beneficiou. Mas no FC Porto esta foi a situação mais difícil.


Qual foi o título que mais gozo deu-lhe conquistar no FC Porto?
O primeiro, a Taça Hugo dos Santos, em Lagoa. E o campeonato que ganhámos quando voltamos para a Liga, com uma equipa que não era candidata a nada e vencemos um Benfica que era tetra campeão.


No Porto, no dia em que foi entrevistado por Tribuna
No Porto, no dia em que foi entrevistado por Tribuna
RUI DUARTE SILVA

Gostava de um dia voltar ao FC Porto?
Não saio a pensar que tenho de voltar. Vou falar de uma pessoa que às vezes faz-me pensar na minha saída. No FC Porto conheci uma das pessoas mais brilhantes com quem trabalhei, que me impressionou - e eu trabalhei em clubes da primeira liga espanhola, trabalhei na federação de Espanha: Antero Henrique. Ver o Antero Henrique trabalhar e trabalhar com ele fez-me sentir que estava num nível alto, de excelência em relação ao desporto. Não tenho dúvida das capacidades desta pessoa. E não é meu amigo. Mas Antero Henrique saiu e parece que nunca esteve no FC Porto. Às vezes penso nisso, dá-me a sensação de que os que saem já não voltam e parece que são apagados. Somos pessoas que demos muito ao FC Porto, que continuamos a ser embaixadores do FC Porto, lá onde estamos, e que provavelmente no futuro podemos ser valiosos e competentes para o FC Porto. Eu saio um bocado com a preocupação de que se algum dia o FC Porto precisar de mim e eu estiver em condições de voltar, a porta não se abra. Teria pena. Quero pensar que não vai acontecer.


Que marca deixa no clube?
Penso que é colocar a equipa a discutir sempre os títulos, todos, num período prolongado. Há um treinador que ganhou mais títulos do que eu, o Jorge Araújo, mas que esteve muitos mais anos do que eu, esteve 17 anos. Se realmente pensarmos no que fiz, estive só 10 anos na liga e um deles é o da pandemia. Portanto, a probabilidade que tive de ganhar títulos é nove. O Jorge Araújo, que é um treinador espetacular, esteve lá 17. Ou seja, acho que consegui, como o Jorge Araújo conseguiu, pôr a equipa de basquetebol num período prolongado de anos num nível muito alto e ao mesmo tempo formar jogadores. Lançar jogadores será a marca do Moncho López.


Quer recordar alguns deles?
Muitos deles fazem parte da equipa sénior e são muito importantes, como o Amarante, Vladyslav Voytso. Temos jogadores que lancei, saíram, mas estão a voltar agora ao Futebol Clube do Porto. No ano passado, em 12 equipas da liga, em onze ou dez delas havia atletas Dragon Force, ou formados no FC Porto, ou lançados por mim, jovens. Em Espanha isto é valorizado. A mim o que me interessa é que os atletas que foram sub-16, sub-18 e sub-20 no FC Porto, agora são campeões nacionais no Oliveirense, foram campeões nacionais no Sporting, jogam no Lusitânia, temos três no Vitória de Guimarães, três no Esgueira, dois no Imortal. Para mim isso é a marca do Moncho. Os críticos do FC Porto, os que querem abafar o nome do Moncho dizem que não foi assim tão bom trabalho porque estão noutros clubes, não ficaram no FC Porto. É habitualmente o que se diz, mas para mim isso é um ponto de vista bastante redutor.

Moncho Lopez treinou o FC Porto durante 12 anos
Moncho Lopez treinou o FC Porto durante 12 anos
Borja B. Hojas

Vai agora para um país, o Japão, cujos olhos estão na NBA. A ideia é entrar no espírito ou mudar mentalidades?
O modelo que se segue lá é da NBA. Pavilhões com mais de 5000 espectadores, cheerleaders, palcos VIP; o próprio modelo do sistema de competição da liga é semelhante ao da NBA. Vou com a ideia de adaptar-me à mentalidade deles. São anos de contactos com o Japão, a ter conversas, a observar. Tenho lá um bom amigo que foi meu adjunto em Espanha, já lá está há três anos, falei muito com ele. De alguma maneira também fui criando esta expectativa de que poderia ser interessante ir para o Japão. Não tenho ideia de mudar nada, mas obviamente a minha equipa terá a minha maneira de encarar o basquetebol. Claro que vou desfrutar dos pavilhões de mais de 5000 espectadores, dos grandes patrocínios, do espetáculo que há por fora, não tenho dúvida.


O que o alicia no desafio de orientar o Rizing Zephyr Fukuoka, que está na II divisão?
Primeiro o Japão anda há anos a chamar-me, há cinco ou seis anos que os clubes no Japão, e sobretudo a federação do Japão, tentam convencer-me a ir para lá. Quando decidi sair do Porto ouvi novamente um clube japonês. O presidente desse clube falou comigo, não escondeu que foi a federação do Japão que lhe disse para estar atento a este treinador que em Portugal está a fazer isto e que gostavam que viesse para o basquetebol japonês. O que me alicia é isto, sinto que não é só um clube que me quer, mas também que na federação há uma ideia de que posso contribuir para o basquetebol japonês, que está numa fase de expansão brutal. A seleção do Japão no último ano, subiu doze postos no ranking FIBA, tem dois atletas na NBA, o Rui Hachimura e o Yuta Watanabe.


Já esteve no Japão?
Não.


Que ideia tem do Japão?
Do Japão tenho a imagem de um país muito avançado, uma potência económica, industrial e tecnológica mundial, mas, ao mesmo tempo, um país muito ligado culturalmente a costumes ancestrais, com muito respeito pelos antepassados, pelas imagens e figuras, sejam religiosas ou não, do passado e dessas tradições. Gosto disso. Pelo que vejo através dos diferentes mecanismos de conhecimento de um país, internet ou televisão, acho que é um país muito bonito que quero conhecer e desfrutar.


Espera encontrar jogadores com uma mentalidade mais parecida com a sua no trabalho, no respeito pelas regras, etc.?
Pelo que me contam os três colegas espanhóis que lá estiveram, eles têm uma mentalidade de trabalhar, treinar e têm motivação intrínseca. A perspetiva de carreira é grande, pagam muito bem, as equipas têm orçamentos que me surpreenderam. Não tem comparação obviamente com Portugal, os orçamentos que eles têm surpreenderam-me mesmo comparando com outras ligas europeias que têm outro nível. Um jogador japonês que se dedique ao basquetebol tem a motivação intrínseca e extrínseca, há benefícios. Já me disseram que não vou ter problemas de adaptação a esse nível porque os atletas trabalham, querem treinar e valorizam muito o treinador professor, o treinador que ensina.


A sua mulher e filha reagiram bem à ideia de irem viver para o Japão?
Há uns anos quando falaram comigo do Japão, eu não queria sair do Porto, mas em casa fazíamos essa brincadeira: se eu fosse para lá, como era? A minha mulher, Iolanda, e a minha filha, Julia, rotundamente diziam: “Não. Nós não vamos, vais sozinho”. Mas este ano algo mudou e acho que foi por não ter conseguido disfarçar em casa o meu sentimento de que estou a mais em Portugal, que me sinto rejeitado e que tinha de sair. Então, quando disse à minha esposa que tinha novamente um convite do Japão, um bom contrato, ela disse-me: "Se tu quiseres, vamos”. Colocámos a questão à Júlia: “Vamos falar de três possibilidades. O papá vai para o Japão e tu e a mamã ficam a morar no Porto, continuas aqui na escola. O papá vai para o Japão e tu e a mamã vão para Espanha, aproximamo-nos do contexto familiar. Ou o papá vai para o Japão e a mamã e tu vão para o Japão". E ela respondeu: "Não quero separar-me do papá. Vamos os três para o Japão".


Assinou por quanto tempo?
O contrato é de três anos, mas no segundo ano tenho possibilidade de sair, é dois mais um.


Qual é a sua maior ambição no Japão?
Obviamente que o dinheiro é importante e a diferença financeira é grande comparando com Portugal, mas o meu objetivo é fazer algo semelhante ao que fiz aqui. Gostava de fazer carreira, gostava de ficar no Japão um período de anos, seis, sete, oito, dez anos e que passados esses anos, na seleção do Japão, houvesse três, quatro, cinco jogadores que passaram pelas minhas mãos e que na liga houvesse um estilo Moncho. Como há aqui agora, vê jogar a Oliveirense, a Ovarense e o basquetebol é daqueles treinadores, mas percebe-se que há ali Moncho, e mesmo treinadores que não trabalharam comigo, eu revejo algumas coisas.


O que é o estilo Moncho?
Um basquetebol de muito passe, de muita partilha da bola, muito de campo inteiro, de construir desde que tens a posse da bola. É um basquetebol que dá liberdade ao atleta, mas construímos a fase de contra-ataque e de transição, que é muito rica, oferecemos muitas possibilidades ao atleta de decidir. Mas é um jogo que idealmente não tem interrupções, não é um jogo aos soluços. As equipas do Moncho têm um jogo muito continuo, muito non-stop game, muito fluído e de muito passe. Criticavam-me: "Os americanos do Moncho não rendem porque nunca estão nos rankings estatísticos nas primeiras posições". É muito difícil que um jogador meu faça 25 lançamentos por ser ele o melhor jogador e vamos dar a bola só a ele.


Gostaria de terminar a carreira em Portugal?
Parece uma incongruência com isto que lhe disse, de fazer carreira no Japão, mas gostava, claro. Eu vou voltar a Portugal, é a minha casa. Eu venho ao Porto, eu gosto muito de Portugal e mantenho-me ligado. Acabar a carreira cá? Se a minha carreira evoluir para algo mais do que ser treinador, poderia vir a ser um diretor técnico, um team manager de uma equipa, obviamente que gostava muito que fosse no Porto. Não me estou a candidatar para isso, mas gostava.


Quando fala em regressar a Portugal, refere-se apenas ao FC Porto ou abre a possibilidade de treinar outras equipas em Portugal?
Se for dentro de 10 anos é possível, neste momento não conseguiria, não estou preparado para isso. Tive um convite que não aceitei de uma equipa europeia, que pode jogar na FIBA Europe Cup. Mas na FIBA Europe Cup eu poderia encontrar o FC Porto, o Benfica ou o Sporting. Não estou preparado para jogar contra o Futebol Clube do Porto, nem me apetece jogar contra outras equipas portuguesas. Se lhe dissesse agora que poderia voltar a Portugal para trabalhar numa equipa que não o FC Porto, custa-me muito, mas tenho de fazer um exercício de raciocínio e dizer-lhe que provavelmente se as circunstâncias se dão, eu sou um profissional.

Leia no domingo a parte II da entrevista a Moncho López

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Philipp

Tribuna Presidencial
25 Janeiro 2015
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  • José Mourinho
Esta entrevista do Moncho é sintomática e revela bem as represalias que um treinador sofre por assinar e manter-se o FC Porto. Aconteceu o mesmo ao Jesualdo que defendeu praticamente sozinho o clube.

Existe um objectivo orientado pela CS de Lisboa para queimar e desgastar os profissionais do nosso clube. Até eles se fartarem. O próximo será o Magnus.
 
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onurB

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8 Agosto 2015
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Porto
"Às vezes penso nisso, dá-me a sensação de que os que saem já não voltam e parece que são apagados. Somos pessoas que demos muito ao FC Porto, que continuamos a ser embaixadores do FC Porto, lá onde estamos, e que provavelmente no futuro podemos ser valiosos e competentes para o FC Porto. Eu saio um bocado com a preocupação de que se algum dia o FC Porto precisar de mim e eu estiver em condições de voltar, a porta não se abra. Teria pena. Quero pensar que não vai acontecer."

Fico triste pois é verdade.

Não me refiro concretamente ao exemplo considerado pelo Moncho (Antero Henrique) mas sim de um modo geral. Se bem que este nome, dito por alguém como o Moncho que apenas se interessava pela vertente profissional, deve fazer alguns daqui (aqueles que diziam que depois do Antero tudo seria um mar de rosas pois era ele o "cancro" do clube...") ficar a coçar a cabeça de modo algo envergonhado.

Ao contrário do que gostamos de apregoar, não sabemos cuidar daqueles que sempre deram tudo pelo clube, principalmente daqueles que não tiveram a fortuna de ganhar muitas vezes.
Em contrapartida, somos capazes de colocar num altar pessoas (principalmente jogadores de futebol) que tiveram passagens desportivamente felizes mas que depois de sair daqui pouca ligação mostraram ao clube.
 
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30 Junho 2016
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“Depois de 13 anos, o Moncho é o gajo que andou aos pontapés a caixotes do lixo. Saio do FC Porto por isso, senti-me a mais em Portugal”
O técnico espanhol de basquetebol Moncho López, de 53 anos, sai do FC Porto com uma mágoa indisfarçável e com o sentimento de se ter tornado persona non grata no nosso país, mas rejeita ficar conhecido como o treinador que deu um pontapé num balde de lixo e bateu com a mão numa mesa depois de perder um campeonato. Numa entrevista frontal e reveladora, cuja segunda parte pode ler no domingo, Moncho fala da sua marca na modalidade, não só no FC Porto, onde conquistou 15 títulos. E revela que não se despediu de Pinto da Costa


O Moncho chega a Portugal em 2009 para ser selecionador nacional, mas pouco depois assumiu o FC Porto. Quando surgiu o convite do FC Porto?
Estava na seleção portuguesa, numa festa do basquetebol no Algarve e o Mário Saldanha disse-me: “Recebi um telefonema do diretor do FC Porto, Fernando Assunção, que disse querer falar contigo. Perguntou se tu podias ser selecionador e treinador de um clube. Eu disse que sim. Como presidente da federação acho que tens de reunir com o FC Porto. Ouve o convite que te querem fazer". Uns minutos antes dele ter esta conversa comigo, um treinador veterano do Porto, Mário Barros, disse-me: "O FC Porto quer convidar-te, mas vão falar com a federação primeiro". Com isso o FC Porto já conseguiu uma coisa, uma recetividade boa do meu lado porque gostei do procedimento. Reuni-me com o Fernando Gomes, atual presidente da FPF, e com o Fernando Assunção, em Ponte de Lima.


Como o convenceram?
Com o projeto. Primeiro, o Fernando Gomes é um ótimo sedutor no discurso e o Fernando Assunção transmitiu-me muita paixão. Depois utilizaram o recurso do atleta. Disseram que os atletas do FC Porto que estavam comigo na seleção diziam que o Moncho trabalha assim e assim. Mostraram um bom conhecimento da minha forma de trabalhar. Como selecionador observava o campeonato e o FC Porto parecia-me uma das equipas com melhores condições. Organizada, com camioneta e pavilhão próprio. Pensei: quero estar em Portugal, gosto de estar aqui, quero continuar na seleção, mas gosto muito de treinar, vou treinar o FC Porto.


O que lhe pediram quando chegou ao FC Porto?
Que mudasse a modalidade. Queriam que a equipa ganhasse e discutisse os títulos. E pediram-me para formar jogadores. Julgo que se conseguiu. Provavelmente o nível de satisfação mais elevado é com a formação, porque nos últimos anos, e não é só responsabilidade minha, é dos treinadores da formação e da coordenadora Isabel Lemos com o meu pequeno contributo, a formação do FC Porto tem dado grandes resultados. Tem dado jogadores às seleções, temos trazido jogadores para a equipa sénior e sobretudo, o primeiro escalão do basquetebol português está cheio de jogadores que se estrearam connosco. Nem todos estão no FC Porto desde pequenos, alguns chegaram com 14, 15 anos, outros com 16, mas não chegaram formados, completaram a formação no FC Porto.


Qual é a sua marca na formação?
Método de treino. Os treinadores que trabalharam comigo e treinam agora na Ovarense e no V. Guimarães, ou que foram meus atletas, a sua construção do jogo no treino, a progressão pedagógica, a distribuição de conteúdos durante a semana, acho que tem a marca Moncho. Porque no jogo, as estratégias, as jogadas, como se faz uma reposição na linha lateral e na linha final, isso é mais universal, é de todos, nós copiamos uns aos outros. O método de treino caracteriza-nos muito. Nós formámos muitos treinadores no FC Porto que saíram porque conseguem ganhar mais dinheiro noutros clubes.


O duplo papel de selecionador nacional e treinador do FC Porto durou pouco.
Um ano e apareceram os problemas. O Benfica disse: “Este senhor não pode continuar na seleção. Ou o FC Porto ou a seleção”. O Mário Saldanha ligou-me e foi este o diálogo: "Quero-te na seleção, Moncho. Qual é o teu contrato no FC Porto?"; "O meu contrato no FC Porto é tal", "Não sei se podemos assumir"; "Mário, não é uma questão de dinheiro, eu não quero sair do Futebol Clube do Porto"; "Não faças isso, senão vais ter de sair da seleção", "Não é justo Mário, tenho um contrato assinado por ti que diz que eu posso fazer as duas coisas"; "Mas tenho muita pressão e tive uma reunião na Luz com um dirigente do Benfica que me disse que ao seres treinador do FC Porto e da seleção, influencias, vais levar atletas do Benfica para o FC Porto”. Não é verdade. Aconteceu um caso, o João Santos que veio para o FC Porto, mas eu até já tinha saído da seleção quando veio.


O que pesou na decisão de ficar no FC Porto e não na seleção? Não foi mesmo uma questão de dinheiro?
Não. Havia pouca diferença no meu ordenado, nunca estou confortável a falar de salários, mas posso dizer que era uma diferença de um, dois ou três por cento. Eu levava um ano no FC Porto, tinha ganhado a Taça da Liga e a Taça de Portugal.


Moncho com a primeira Taça de Portugal que conquistou pelo FC Porto
Moncho com a primeira Taça de Portugal que conquistou pelo FC Porto
PAULO CUNHA

Já tinha percebido a mística do FC Porto?
Sim. De repente tenho Fernando Assunção e Fernando Gomes a telefonar, com uma alegria tão grande por ganharmos a Taça da Liga numa final fabulosa com a Ovarense; ganhámos ao Benfica nas meias-finais, sofremos nos quartos de final, com o atual treinador do Futebol Clube do Porto, o Fernando Sá. Ver aquelas pessoas, um deles o Diogo Gomes, uma das pessoas mais brilhantes que conheci na minha vida, tão contentes porque o basquetebol do FC Porto voltou a ganhar um título foi algo que mexeu comigo. Recordo que viajámos de Lagoa para o Porto, parámos na Mealhada para comer leitão e chegaram carros com adeptos do Porto só para nos abraçar lá fora no parque. Isto é bom, é lindo, gostei. E havia um compromisso muito grande, que acho fundamental, com os atletas. Carlos Andrade, Nuno Marçal, Miguel Miranda, Greg Stemping queriam que eu continuasse como treinador do FC Porto. Um deles até se manifestou: “É triste que não continues na seleção, porque gostamos”. Mas eu decidi ficar no FC Porto pela mística que me envolveu e pelo compromisso pessoal com os atletas.


E para si o que é a mística do FC Porto?
Uma sensação muito agradável de pertença, de familiaridade. Não gostamos todos uns dos outros e às vezes discutimos. Alguns portistas falam muito mal de nós, nas costas, e isso dói-me, são muito críticos em contextos que não devem. Mas mesmo esses fazem parte da mística. É isso, é algo tribal realmente. Eu não sentira tanto isto no desporto em Espanha.


Passa também pela própria cidade?
Sem dúvida. Gosto da cidade, que muitas vezes é criticada comparativamente com a luz de Lisboa, com as grandes avenidas. Quando se quer desvalorizar o Porto diz-se que é mais fechado e escuro, não, não é. O Porto tem luz também, tem alegria, tem sons.


Que sons?
Sons de rua que para mim são agradáveis e aparecem em qualquer momento, numa janela ouve-se uma música do Porto. Nem toda a cidade faz parte da claque, mas ouvem-se esses sons, e há as cores, o azul e branco, depois algo que é se calhar um ponto de vista mais social, mais político, mais genético que é esta sensação regionalista, que para mim obviamente não é estranha. Sou galego, venho de uma região com cultura, com muita produção literária, com um idioma próprio, então aqui de alguma maneira também se transmite esse regionalismo, somos ambos do norte. Isto acaba por envolver. Nós, seres humanos, temos de retroceder ao paleolítico para perceber isto, porque é genético, é tribal, mas é bonito.


Pegando nesse tribalismo, sentiu que a maior rivalidade é com o Benfica, mais do que com qualquer outra equipa?
Sim. Se for preciso um adepto pára-me na rua e fala-me de uma vitória ao Benfica que se calhar aconteceu há três anos.


É quase como ganhar um título?
Queremos títulos e não vitórias morais, mas sim. Pela rivalidade e também porque no basquetebol, historicamente, a hegemonia é do Benfica. Eu joguei contra um Benfica orientado pelo Henrique Vieira, Carlos Lisboa e por Norberto Alves, três treinadores absolutamente diferentes, com plantéis diferentes, que jogam bem e ganham muito. Para o basquetebol do FC Porto provavelmente o Benfica é o grande adversário. Foi contra quem joguei mais finais. Fui campeão nacional quatro vezes no FC Porto, duas no primeiro escalão, duas na Proliga, e no primeiro escalão foi contra o Benfica que fui campeão nacional nas duas vezes.


Em 2012 quando o Benfica ganhou a final ao FC Porto, o treinador Carlos Lisboa teve um gesto provocatório ao qual reagiu dizendo: “Cada um sente o clube onde quer”. Ficou chocado com aquele comportamento do treinador do Benfica?
Eu fiz essas declarações numa entrevista. Claro que aquele gesto de Lisboa desafiou muito os adeptos, nunca vi nada assim e fui muito crítico. Pode-se festejar o título, pode-se levantar o punho, agora levar os dedos àquela parte... cada um sente o clube como quer, claro, foi provavelmente o que todos os adeptos do FC Porto gostavam de ter dito. Eu disse aquilo de forma consciente. Passados uns anos, Lisboa e eu falámos sobre isso numa fase final, julgo que em Sines.


O que lhe disse?
Entramos numa conversa de treinadores sobre as pressões que vamos sentindo, se somos aceites ou não e às tantas eu fiz um comentário: "Para o teu filho [Rafael Lisboa] é difícil jogar, os adeptos apertam com ele. Reconheço muita qualidade no teu filho, mas tu também, naquele dia em que fizeste aquilo..." e Carlos disse-me: "Gosto que me fales disso. Não estou nada orgulhoso. Que pena o que aconteceu, porque fiz aquilo a quente e contra uma pessoa. O meu objetivo era uma pessoa que estava na bancada”. Estou a falar por ele, e ele até pode sentir que tem de desmentir, mas foi o que me disse. E ainda acrescentou: "A minha mulher é do Porto, tenho família no Porto".


A dormir com a filha Julia, quando esta tinha dois meses
A dormir com a filha Julia, quando esta tinha dois meses
D.R.
Qual a realidade dos clubes com que se deparou quando começou a treinar o FC Porto?
Vi que havia muitos desequilíbrios. Mas quando tomei a realidade dos clubes, desapareceu a liga profissional e foi um grande erro. As diferenças aumentaram mais, sobretudo entre os que pertencem aos grandes clubes de futebol e os restantes. Na antiga liga de clubes era obrigatório ter uma estrutura mínima, tudo isso desapareceu. Entrámos num campeonato que se desenvolveu em moldes mais amadores. Mesmo assim é fabuloso o que se conseguiu e temos equipas portuguesas a competir na Europa. O Sporting fez uma época fabulosa na Europa; o Benfica no próximo ano vai poder entrar na Champions e acho que vai conseguir; nós no FCP fizemos seis épocas de FIBA Eurocup. Mas não sermos uma liga profissional de clubes faz com que algumas maneiras de funcionar sejam demasiado amadoras, ainda hoje.


Pode dar exemplos?
Faz-se um campeonato e um calendário de competição, começamos uma pré-época a 15 de agosto com esse calendário de competição, que depois a 20 de setembro se altera e na semana em que ias ter dois jogos, passas a ter só um, e onde ias ter uma folga passas a ter dois jogos e durante o campeonato isto repete-se. Tudo por pressões de clubes. E o meu clube, o FC Porto, também não é indiferente a isso. Estamos num mecanismo de interesses mais particulares de um clube e outro, que supostamente acabam por pressionar a federação e as pessoas. É horrível. Ou, por exemplo, começas uma época com três estrangeiros e de repente já podem ser quatro e os que eram naturalizados com passaporte português e podiam jogar como portugueses agora já não podem, ocupam vaga de estrangeiro. Isto já não acontece em Espanha há muitos anos.

Essas foram algumas das razões que o levaram a querer sair?
Isto cansou-me muito. Nunca me calei e como treinador do FC Porto quando sentia que tinha de reclamar internamente, fazia-o. Mas quando publicamente era para defender o interesse do meu clube, também o fiz. Tenho a sorte e sou privilegiado, como o treinador do Benfica e do Sporting, comparativamente com os outros treinadores, porque temos espaço, os nossos clubes têm canais próprios de comunicação. A nós ouviam-nos, aos outros não. Eu sempre disse que estas coisas não estavam bem, o que me criou desgaste.


De que forma sentia esse desgate?
Escrevi manuais de curso de treinador para a federação portuguesa e era convidado para muitas clínicas e conferências, para professor dos cursos de treinador. Comecei a perceber que as pessoas que interagiam muito comigo eram as mesmas que me pediam convites para entrar nos jogos do Real Madrid ou Barcelona e eu arranjava convites, eram as mesmas que me pediam para ir aos treinos do FCP e eu abria não só o pavilhão como as gavetas da minha secretária. Só que comecei a perceber que essas pessoas não gostam desta versão do Moncho. Depois há o episódio do final do campeonato do ano passado em que perdemos um jogo, eu faço umas declarações agressivas contra os árbitros e obviamente contra quem está a reger a modalidade. E senti este ano muita rejeição. Pessoas que diziam que eram minhas amigas, que me valorizavam muito.


Começou a sentir-se a mais?
Sim. Ou que me viraram as costas. Podiam ter sido mais compreensivas comigo, porque quem está no desporto entende que um treinador que perde um campeonato depois de um ano de trabalho num jogo em que objetivamente há erros de arbitragem que condicionam o resultado, pode ter uma reação a quente. Nós agora até podemos discutir, e se calhar é onde sou mais radical, se aquilo foi propositado ou não. Vamos pôr de lado se foi propositado ou não, há uns erros que condicionam o resultado da minha equipa e quando acabou o jogo, explodi, dei um pontapé num caixote de lixo e bati com a mão numa mesa, mas não parti a taça. Isso foi uma fake news, uma mentira de uma parte da comunicação social que disse que eu tinha partido a taça. É mentira. A taça partiu-se noutras circunstâncias. Foi uma reação a quente de um treinador.


As declarações também?
Não, as declarações são meditadas. Porque peguei no computador vi o jogo, analisei o vídeo, analisei as jogadas e quando fiz as declarações estou convicto do que digo. Mas senti este ano que, sobretudo as pessoas que eu achava que estavam muito próximas de mim e que durante esta época deviam ter mostrado alguma proximidade e solidariedade comigo, fizeram o contrário. Abriu-se uma ferida. Obviamente aceito e faz parte do jogo que a extrema rivalidade entre os clubes leve a que os treinadores dessas equipas mandem umas bocas contra mim. Acho normal. Posso gostar ou não, mas faz parte. Nunca o faço, nunca ponho em causa declarações dos outros. Mas pessoas que andaram sempre à minha volta e que podiam ter sido mais solidárias, afinal parece que me converti em alguém que está a mais no basquetebol português. Tive um comportamento sempre impecável. Não há em Portugal nenhum treinador nos últimos 13 anos que tenha falado mais vezes e melhor da arbitragem portuguesa do que eu. Não há. Mas aquilo que conta são aquelas declarações naquele jogo. É isso.


Com a bandeira do FC Porto às costas, quando ganhou o campeonato de 2016
Com a bandeira do FC Porto às costas, quando ganhou o campeonato de 2016
D.R.

Sente-se injustiçado?
Sim, depois de 13 anos o Moncho é o gajo que perdeu a cabeça, andou aos pontapés com o caixote de lixo e partiu a taça. Esse é o Moncho. É triste. E isto é um dos grandes motivos para decidir sair do FC Porto. Porque senti que estava a prejudicar o FC Porto. Em dezembro sentei-me com o meu diretor técnico e disse-lhe: "Acho que não posso continuar no FC Porto. Ser treinador do FC Porto cria um problema ao clube. Está toda a malta em pé de guerra contra nós. Estou a prejudicar até o meu adjunto. Provavelmente ele não é convidado para os cursos como professor ou não é convidado para selecionador ou adjunto das seleções porque neste momento o Moncho é o ogre do basquetebol português.


Passou a persona non grata?
Sim, senti isso.


Sai com uma grande mágoa.
Saio muito triste. Porque gostava muito de estar em Portugal e no FC Porto. E gostava que houvesse mais pessoas que, como eu, fazendo parte de um basquetebol tão envolvido como o espanhol e tendo outras possibilidades, viessem para Portugal, porque o basquetebol português merece e há pessoas em Portugal que merecem. Temos treinadores portugueses de um nível altíssimo, que não têm a sorte de estar no Benfica, FC Porto e Sporting, mas o basquetebol merece e necessita alimentar-se do que outros países, onde o campeonato está mais evoluído, podem dar. Decidi dar esse passo, vim para cá e não estou arrependido, esta é uma das etapas mais felizes da minha vida profissional e pessoal. Eu saio daqui com uma filha portuguesa. A Júlia nasceu em 2012. Saio daqui com grandíssimos amigos, saio daqui com família portuguesa. Saio a falar outro idioma. Falo português. Saio com um clube, sou adepto de um clube. Hoje, quando o FC Porto ganha ou perde jogos, altera o meu estado de ânimo para bem ou para mal. Não sou um adepto muito radical, mas tenho essa paixão pelo clube e vou acompanhar. Trabalhei muito para o basquetebol português, dei muito de mim ao basquetebol, a treinadores, ajudei a formar treinadores.


Houve falta de reconhecimento?
Não. Mas é injusto cobrar-me dessa maneira um pontapé num caixote de lixo. É injusto. É desproporcionado. Há pessoas no desporto que têm reações a quente e podem fazer autênticos disparates e são geniais. Sobretudo se se trata de um jogador, de qualquer modalidade, pode fazer a maior asneira, mais burra e nojenta que possamos imaginar, que haverá sempre alguém a dizer que é um génio. Quando se trata de um treinador, é mais complicado e se esse treinador é do FC Porto ou do Benfica, estás tramado.


Mas assume que foi uma reação que não devia ter tido?
Obviamente que sim. Se voltássemos atrás eu não dava o pontapé do caixote de lixo nem batia com a mão na mesa, mas provavelmente as minhas declarações iam ser muito semelhantes. Porque são após ver o vídeo e de ir à procura de coisas em que me senti prejudicado. A arbitragem teve influência naquele resultado e lamento muito.


Porque é que esses erros ocorreram?
Entra num tema mais delicado. São árbitros de muita qualidade. Os três. Muito bons mesmo, falamos de muito qualidade não só em Portugal, no contexto mundial. A mim, custa-me aceitar que não foram propositados, sendo tão bons árbitros. Acho que acontecem coisas por omissão. Deixam de apitar. Eles podem ter as suas razões. Podem até pensar: que decidam os intervenientes. Mas deixar de apitar algumas coisas também altera o resultado.


Foram erros devidos a corrupção, apenas clubismo ou a ambos?
Não sei responder, honestamente. Por corrupção penso que não. É como se houvesse uma sensação de que se o FC Porto não ganhar o campeonato, não faz mal, está tudo bem. O trabalho deles é muito bom. Mas a realidade é que são humanos e vivem sob pressão, como nós. Eles têm de tomar decisões com as pulsações elevadas, em décimas de segundo, sem ter sempre a melhor perceção visual. Mas eu cheguei àquele jogo com a sensação de que se o FC Porto não ganhasse o campeonato não era nenhum problema, até era bom para o basquetebol português. O último campeonato que ganhei foi em 2016 e desde esse campeonato ganhamos alguns títulos, mas foram taças. A realidade é que o FC Porto chegou às finais e não as ganhou, era eu o treinador.


No dia da entrevista à Tribuna, no Porto
No dia da entrevista à Tribuna, no Porto
RUI DUARTE SILVA

Sentiu muito essa pressão no FC Porto de chegar às finais e não ganhar?
Sim. Era-me cobrado: “Com este treinador vamos às finais e não as ganhamos”. Ganhámos algumas. Nos dez anos anteriores à minha chegada só se ganhou um campeonato. Dos 12 anos que estive no FC Porto, 10 na primeira divisão, só num ano ficamos nas meias-finais, de resto discutimos sempre a final. O que acontecia no ano anterior à minha chegada é que o FC Porto era eliminado nos quartos de final do play-off.


É verdade que gosta mais de ver treinos do que jogos?
Sei que fui criticado por isso. Aqui em Portugal houve quem dissesse "o Moncho é um treinador de treinos, gosta mais de treinar do que orientar". Ouvi algumas bocas nesse sentido por manifestar o meu prazer pelo treino. Mas a verdade é que digo sempre nas clínicas que faço: desfrutem do basquetebol de segunda a sábado, não se foquem só no jogo. Não sejam treinadores de domingo. Para mim, a segunda-feira de manhã, quando preparo o meu treino da tarde, é um momento de prazer absoluto. Desfruto, desenhando exercícios, pensando se vou ter grupos de três ou de quatro.


No FC Porto ia observar os treinos de quem?
Dos treinadores da formação, muitos. Adorava.


Se pudesse também ia ver treinos dos adversários?
Aqui não se permite. Em Espanha, um treinador que esteja no desemprego pode ir assistir aos treinos das equipas, mesmo que passado uma semana seja o treinador de uma outra equipa. A quantidade de treinadores que tive em Espanha a acompanhar a minha pré-época, a ver os meus treinos, porque estavam desempregados, foi enorme. E passados dois meses eram capazes de pegar numa equipa adversária.


Isso não o incomodava?
Nunca. Uma das minhas grandes contribuições é ter as portas abertas para todos. Nunca disse não a quem queria ver os meus treinos. Não só abro o treino, como abro o caderno, o computador, as gavetas do gabinete. Lembro-me de estar no meu gabinete e imprimir play-books, livros de jogadas, planos de treino, ou enviar por correio eletrónico. Sou um grande produtor de documentos, sou muito organizado, todos os planos de treino estão feitos e guardados, há muito planeamento e sempre partilhei com todas as pessoas, mesmo com treinadores que sabia que podiam ser os meus adversários.


Nunca foi criticado no próprio clube por fazer isso?
Às vezes criei com os meus treinadores da formação do FC Porto algum desconforto e eles faziam-me essa queixinha carinhosa, de que treinadores de outros clubes, de sub-16, vinham aos meus treinos da equipa sénior e eu podia estar a trabalhar e a fazer exercícios, a desenvolver alguns conceitos que eram transversais aos escalões da formação do FC Porto. Eles diziam: "Moncho, estás a dar informação que serve depois ao adversário".


E não estava?
Não acredito. Uma das grandes riquezas do desporto é a partilha. Os conceitos técnicos, as filosofias de jogo, os métodos não são propriedade intelectual de ninguém, são de todos. Vejo as coisas assim. Mesmo aquilo que posso pensar que fui eu que inventei, provavelmente alguém na Nova Zelândia, nos EUA, ou na Austrália está a fazer. É de todos. E tenho um prazer enorme em partilhar.


Porque gostava de ouvir as canções "Pronúncia do norte" e "Porto Sentido" antes dos jogos?
A "Pronúncia do Norte" só pus uma vez. O "Porto Sentido", sim, ouvia. Era o meu momento de relaxamento. Não era para a equipa, nunca foi para os atletas. Era só para mim, e não era no balneário, era no meu gabinete. Eu fazia a preleção no balneário, os atletas saiam para aquecer e eu entrava no meu gabinete e aí, muitas vezes sozinho, outras vezes com a preparadora física, Mariza Vieira, ou com o meu adjunto Diogo Gomes, ouvíamos o "Porto Sentido". Gosto dessa música, gosto de Rui Veloso e Carlos Tê.


Como preletor do curso de treinadores Grau 3, em Espanha, 2019
Como preletor do curso de treinadores Grau 3, em Espanha, 2019
D.R.

Como foi a relação com o presidente Pinto da Costa? Com que opinião ficou dele?
Obrigado por perguntar-me, porque queria falar. Primeiro saio sem me despedir dele, sem falar com ele, e tenho pena.


Porque saiu sem falar com ele?
Não tive essa oportunidade.


Procurou essa oportunidade?
A última vez que estive com ele, ainda não tinha acabado o campeonato, eu já sabia que ia sair e ele esteve comigo, no meu gabinete. Estivemos sozinhos. Lembro-me que estava a comer uma maçã e ficamos a falar um bocadinho antes do jogo. Estive para lhe dizer que ia embora, mas pensei, isto é inoportuno, tenho um jogo agora. Era a meia-final contra o Sporting. Decidi que não ia ficar em dezembro, em janeiro tive dúvidas, em fevereiro o diretor-desportivo tentou convencer-me, mas quando decidi sair mesmo ele não sabia. O diretor-desportivo sabia há muito tempo, só que dizia que não acreditava, que conseguia convencer-me.


Acredita mesmo que ninguém transmitiu ao presidente que tinha decidido sair?
Acho que o diretor-desportivo não lhe transmitiu isso. Antes da final, o diretor do basquete, Vítor Hugo, veio ter comigo: "É verdade que vais sair? Porque não me disseste nada antes?"; "Eu disse ao diretor-desportivo há muito tempo. Não te disse porque não queria as pressões do 'tens de ficar'". Eles tentaram convencer-me a ficar, tenho a certeza que gostam muito de mim e que estão satisfeitos com o meu trabalho, não tenho nenhuma dúvida. Decidi sair antes de saber o desfecho da época, e ainda bem. Aliás, na época anterior à pandemia eu pus o meu cargo à disposição.


Porquê?
Na altura disse ao Vítor Hugo: "Vou embora, não se ganhou nada, vim cá para ganhar títulos". Ele não aceitou. Este ano decidi sair sem saber se ia ganhar ou não. E tinha expectativas de ganhar a taça e o campeonato. Mas voltando ao presidente, o diretor-desportivo sabia há muito tempo, o Vítor Hugo soube antes da final e no último jogo o Pinto da Costa não estava. Eu avisei que ia despedir-me na conferência de imprensa depois do jogo. Pedi ao Vítor Hugo para explicar ao presidente porque é que eu saía e pedi-lhe para se despedir dele por mim. Nisto estou tranquilo porque o Vítor Hugo disse-me que o iria fazer.


Esperava que Pinto da Costa o chamasse após saber da sua saída?
Não é necessário que me chame. Deu-me muitas mostras de apoio e de carinho, confio que alguém lhe explicou. Claro que se o fizesse dava-me a oportunidade de despedir-me, de palavra, mas confio que o Vítor Hugo tenha transmitido ao presidente porque vou embora.


Contava ter outra despedida no FC Porto após tantos anos, ser homenageado de outra forma?
Eu não saio campeão, portanto… Não estava à espera de algo diferente. Se pergunta: Gostava? Eu digo-lhe, gostava de sair campeão. Para mim é cruel, é duro que o meu último jogo como treinador do Futebol Clube do Porto seja uma derrota contra o Benfica, em casa. E não é a derrota em si contra o Benfica, porque perdi tantas coisas e ganhei também. Nós treinadores ficamos dias sem dormir, mas faz parte, senão não te dedicas a ser treinador. Não me magoa perder com o Benfica, agora, uma coisa que tenho entalado é que a minha equipa não competiu. O mais triste para mim, é que no meu último jogo como treinador do FC Porto, os meus atletas não conseguiram competir.



Porquê?
Julgo que veio ao de cima a pressão de sentir que não íamos ganhar. Havia lesões gravíssimas de dois jogadores muito importantes, rotura do tendão rotuliano do poste americano, rotura do isquiotibial do base Kloof. Não competir é o que mais me magoa porque acho que os adeptos não mereciam. Quando acabou o jogo abracei-me a chorar aos adeptos, pedi-lhes desculpa, mas não era por perder, era porque a equipa não competiu. Podíamos ter jogado contra o Benfica e perder, porque o Benfica é muito bom, mas havia que competir.


Admite ter sido também um baixar de braços por saberem que ia embora?
Só um jogador sabia que eu ia embora. Penso que foi um bloqueio psicológico, perder a capacidade de discernimento do jogo por sentires que não podes ganhar. Não tem nada a ver com saberem que eu ia sair. O Benfica apresentou-se forte, jogou bem, nós entrámos mal no jogo, quando estamos a recuperar, um dos jogadores mais importantes rompe o isquiotibial. Nos dois jogos contra o Benfica em casa, na primeira parte lesionou-se o poste, rompeu o rotuliano e a equipa respondeu bem e no segundo jogo lesionou-se outro jogador e aí a equipa não teve essa capacidade psicológica de resposta. Depois há obviamente as questões técnicas de encontrar soluções, eu de repente estou sem aquele poste e procuro soluções técnico e táticas que não funcionam, assumo também. Não tem nada a ver com eles saberem ou não que eu ia sair. Até porque não somos assim tão influentes, os treinadores.


Como assim não são influentes?
Não somos tão influentes nos jogos. Somos influentes na construção da equipa no verão, na escolha de atletas e no processo de trabalho a longo prazo. Nós, treinadores de basquete, somos demasiado vaidosos, porque podemos ter descontos de tempo, intervir, pensamos que ganhamos nós, e tal. Não. Tenho colegas que não gostam de saber isto, mas já o disse muitas vezes, o treinador não é tão influente na vitória. Daí a importância do treino.


Encontrou-se muitas vezes com Pinto da Costa?
Os meus encontros com o Pinto da Costa foram sempre em contexto fundamentalmente de jogo e de competição. Quando ele vinha ao pavilhão, cumprimentava-nos e falava comigo antes do jogo, sempre foi muito agradável. Depois víamo-nos na entrega de troféus, naqueles eventos que o clube organiza, os jantares de natal, Dragão de Ouro. O Pinto da Costa entregou-me pessoalmente um Dragão de Ouro e teve umas palavras para mim. Sempre me assumiu como portista, nunca pôs em causa o meu portismo. Falava de mim como o treinador galego, um galego portuense, chamou-me portuense, não só portista. É muito inteligente Pinto da Costa, quando diz estas coisas sabe o que diz. Quando me chama portuense, não só portista, sabe que eu gosto que me definam assim. Este ano entregou-me o segundo Dragão de Ouro, tenho dois e para mim são valiosíssimos. Há muitos colegas meus campeões e habitualmente quando ganham tudo dão-lhes o Dragão de Ouro. A mim, deu-me o Dragão de Ouro quando treinava a equipa de sub-20 na Proliga. E dá-me outro após perder a final do play-off contra o Sporting, no ano passado. Estes Dragões de Ouro são importantes também porque são uma demonstração do clube, de Pinto da Costa e de quem decide com ele, de que vêm algo mais do que resultados. Sempre foi muito carinhoso comigo e tenho respeito por ele. Mas é engraçado como toda a gente me pergunta como é Pinto da Costa [risos].


Quem mais pergunta?
Posso contar um episódio que serve de exemplo. O ano passado jogou-se a final da Champions no Estádio do Dragão. Fui encontrar-me com um amigo jornalista no Café Batalha e, quando cheguei, estava lá o Jorge Valdano, uma figura do futebol mundial, foi treinador e diretor-geral do Real Madrid e neste momento é um colunista de diferentes meios espanhóis. Jorge Valdano viu-me, lembrava-se de mim quando eu era selecionador de Espanha e falámos. “Moncho estás no FC Porto. Olha, como é trabalhar com o Pinto da Costa?”; “Vou fazer-te eu a pergunta, Jorge: qual é a tua opinião do Pinto da Costa?”; “Como presidente é duríssimo nas negociações, duríssimo. Mas sabes, um presidente destes clubes tem de ser assim. E tu gostas dele?”; “Gosto, gosto muito”. Mas por isso tenho este respeito pela figura do Pinto da Costa, porque vejo que realmente no meu país é reconhecido.


Com a filha Julia na cidade do Porto, no natal de 2019
Com a filha Julia na cidade do Porto, no natal de 2019
D.R.

Ao longo destes anos qual foi o jogador português que mais o surpreendeu pela positiva?
Custa-me dizer-lhe só um... Por talento e por aquilo que pode vir a ser, o jovem Francisco Amarante. Não sei o que vai acontecer com ele, na sua carreira, mas poderá ser um jogador de patamares mais elevados do que o basquetebol português. Ele está muito ligado ao Porto, sei que renovou e vai ficar. Da minha primeira etapa na seleção, o Carlos Andrade foi uma figura importante. Um atleta que foi depois meu jogador no FC Porto e que é um atleta que tem quase tudo o que um treinador quer. É bom no dia a dia, no balneário, competitivo, apaixonado pelo basquete, muito bom. Custa-me não dizer outros, mas digo estes dois.


O que um atleta tem de ter à partida para garantir uma boa relação consigo?
Gostar do treino. Não é habitual ter problemas com atletas, mas os que tive, as dificuldades de adaptação que tiveram comigo alguns, foram aqueles que ou porque têm muito talento, ou porque têm muita experiência, já estão numa fase de conforto em relação ao treino, já não têm motivação intrínseca. Para eles já não é importante ganhar velocidade, não vale a pena o esforço de ser melhor com a mão esquerda. Esses atletas comigo sofrem e tento não recrutar esse tipo de atletas.


Como faz o recrutamento de atletas? O que conta mais?
Eu falo muito com os atletas antes de os contratar. Todos os jogadores estrangeiros que contratei no FC Porto, antes de falar com o empresário, eu telefonava-lhes e explicava: eu treino assim e quero fazer isto assim, vejo isto em ti e falei com o teu treinador da França e falei com o teu treinador da Roménia e disseram-me isto de ti... E quero que telefones a este atleta, por favor, quero que saibas a opinião que ele tem de mim. Houve alguns atletas que me disseram: “Coach, acho que não nos vamos dar bem e é melhor não avançarmos”. Houve outros que me disseram que sim e houve ainda outros que se enganaram, quiseram enganar-me a mim e enganaram-se a eles.


Qual foi o pior problema de balneário que teve em Portugal?
No meu primeiro ano ganhamos uma taça, julgo que em Lagoa e no regresso parámos em Cantanhede, na Mealhada. Vinham só os atletas e a equipa técnica e de repente dois atletas começaram a discutir e quase se pegaram à porrada. Lá os conseguimos separar, mas durante 15, 20 segundos houve uma agressividade tão grande entre um e outro que eu pensei: isto não tem solução.


Percebeu qual o motivo?
Depois soube que o que houve entre eles começou com uma brincadeira, uma boca, imagino que tenha a ver com alguma namorada. Um dos dois esticou-se, ultrapassou o que o outro considerava o limite e aquilo descontrolou-se. Era um dia de muitas emoções, não vou negar que se calhar algum bebeu mais dois copos de vinho do que devia e tivemos que os separar. No dia seguinte tivemos uma reunião, com o Fernando Gomes, o Fernando Assunção, eu, o capitão, que não era nenhum dos dois envolvidos, e perguntaram-me o que é que eu faria, e eu respondi: "Os dois vão embora, não conto com nenhum dos dois". O Fernando Gomes olhou para mim: “Mas tu sabes o que isso significa? Não sei se consigo trazer outros da mesma qualidade e a equipa tem boa pinta, parece que podemos ganhar coisas. Vamos tentar solucionar”; “Para mim isto é inconcebível e acho que não tem solução, receio que no treino volte a acontecer”. Mas convenceram-me: “Moncho, vamos tentar, estaremos mais atentos. Se daqui a uns dias, tu mantiveres a tua posição, de que temos que despedir os dois, assim o faremos”. Estive duas semanas a treinar e realmente os atletas comportaram-se bem, mas eu fiquei com aquele peso de consciência de que o correto seria mandá-los embora e estava a engolir um sapo.


Hoje ainda pensa assim?
Não, hoje penso que fiz bem em ouvi-los. São pessoas que conhecem bem o desporto e que levam mais anos do que eu nisto. Eu percebi que a relação entre os dois atletas não voltou ao normal, mas durante toda a época houve um alerta de todos para controlar aquilo, que se calhar até nos beneficiou. Mas no FC Porto esta foi a situação mais difícil.


Qual foi o título que mais gozo deu-lhe conquistar no FC Porto?
O primeiro, a Taça Hugo dos Santos, em Lagoa. E o campeonato que ganhámos quando voltamos para a Liga, com uma equipa que não era candidata a nada e vencemos um Benfica que era tetra campeão.


No Porto, no dia em que foi entrevistado por Tribuna
No Porto, no dia em que foi entrevistado por Tribuna
RUI DUARTE SILVA

Gostava de um dia voltar ao FC Porto?
Não saio a pensar que tenho de voltar. Vou falar de uma pessoa que às vezes faz-me pensar na minha saída. No FC Porto conheci uma das pessoas mais brilhantes com quem trabalhei, que me impressionou - e eu trabalhei em clubes da primeira liga espanhola, trabalhei na federação de Espanha: Antero Henrique. Ver o Antero Henrique trabalhar e trabalhar com ele fez-me sentir que estava num nível alto, de excelência em relação ao desporto. Não tenho dúvida das capacidades desta pessoa. E não é meu amigo. Mas Antero Henrique saiu e parece que nunca esteve no FC Porto. Às vezes penso nisso, dá-me a sensação de que os que saem já não voltam e parece que são apagados. Somos pessoas que demos muito ao FC Porto, que continuamos a ser embaixadores do FC Porto, lá onde estamos, e que provavelmente no futuro podemos ser valiosos e competentes para o FC Porto. Eu saio um bocado com a preocupação de que se algum dia o FC Porto precisar de mim e eu estiver em condições de voltar, a porta não se abra. Teria pena. Quero pensar que não vai acontecer.


Que marca deixa no clube?
Penso que é colocar a equipa a discutir sempre os títulos, todos, num período prolongado. Há um treinador que ganhou mais títulos do que eu, o Jorge Araújo, mas que esteve muitos mais anos do que eu, esteve 17 anos. Se realmente pensarmos no que fiz, estive só 10 anos na liga e um deles é o da pandemia. Portanto, a probabilidade que tive de ganhar títulos é nove. O Jorge Araújo, que é um treinador espetacular, esteve lá 17. Ou seja, acho que consegui, como o Jorge Araújo conseguiu, pôr a equipa de basquetebol num período prolongado de anos num nível muito alto e ao mesmo tempo formar jogadores. Lançar jogadores será a marca do Moncho López.


Quer recordar alguns deles?
Muitos deles fazem parte da equipa sénior e são muito importantes, como o Amarante, Vladyslav Voytso. Temos jogadores que lancei, saíram, mas estão a voltar agora ao Futebol Clube do Porto. No ano passado, em 12 equipas da liga, em onze ou dez delas havia atletas Dragon Force, ou formados no FC Porto, ou lançados por mim, jovens. Em Espanha isto é valorizado. A mim o que me interessa é que os atletas que foram sub-16, sub-18 e sub-20 no FC Porto, agora são campeões nacionais no Oliveirense, foram campeões nacionais no Sporting, jogam no Lusitânia, temos três no Vitória de Guimarães, três no Esgueira, dois no Imortal. Para mim isso é a marca do Moncho. Os críticos do FC Porto, os que querem abafar o nome do Moncho dizem que não foi assim tão bom trabalho porque estão noutros clubes, não ficaram no FC Porto. É habitualmente o que se diz, mas para mim isso é um ponto de vista bastante redutor.

Moncho Lopez treinou o FC Porto durante 12 anos
Moncho Lopez treinou o FC Porto durante 12 anos
Borja B. Hojas

Vai agora para um país, o Japão, cujos olhos estão na NBA. A ideia é entrar no espírito ou mudar mentalidades?
O modelo que se segue lá é da NBA. Pavilhões com mais de 5000 espectadores, cheerleaders, palcos VIP; o próprio modelo do sistema de competição da liga é semelhante ao da NBA. Vou com a ideia de adaptar-me à mentalidade deles. São anos de contactos com o Japão, a ter conversas, a observar. Tenho lá um bom amigo que foi meu adjunto em Espanha, já lá está há três anos, falei muito com ele. De alguma maneira também fui criando esta expectativa de que poderia ser interessante ir para o Japão. Não tenho ideia de mudar nada, mas obviamente a minha equipa terá a minha maneira de encarar o basquetebol. Claro que vou desfrutar dos pavilhões de mais de 5000 espectadores, dos grandes patrocínios, do espetáculo que há por fora, não tenho dúvida.


O que o alicia no desafio de orientar o Rizing Zephyr Fukuoka, que está na II divisão?
Primeiro o Japão anda há anos a chamar-me, há cinco ou seis anos que os clubes no Japão, e sobretudo a federação do Japão, tentam convencer-me a ir para lá. Quando decidi sair do Porto ouvi novamente um clube japonês. O presidente desse clube falou comigo, não escondeu que foi a federação do Japão que lhe disse para estar atento a este treinador que em Portugal está a fazer isto e que gostavam que viesse para o basquetebol japonês. O que me alicia é isto, sinto que não é só um clube que me quer, mas também que na federação há uma ideia de que posso contribuir para o basquetebol japonês, que está numa fase de expansão brutal. A seleção do Japão no último ano, subiu doze postos no ranking FIBA, tem dois atletas na NBA, o Rui Hachimura e o Yuta Watanabe.


Já esteve no Japão?
Não.


Que ideia tem do Japão?
Do Japão tenho a imagem de um país muito avançado, uma potência económica, industrial e tecnológica mundial, mas, ao mesmo tempo, um país muito ligado culturalmente a costumes ancestrais, com muito respeito pelos antepassados, pelas imagens e figuras, sejam religiosas ou não, do passado e dessas tradições. Gosto disso. Pelo que vejo através dos diferentes mecanismos de conhecimento de um país, internet ou televisão, acho que é um país muito bonito que quero conhecer e desfrutar.


Espera encontrar jogadores com uma mentalidade mais parecida com a sua no trabalho, no respeito pelas regras, etc.?
Pelo que me contam os três colegas espanhóis que lá estiveram, eles têm uma mentalidade de trabalhar, treinar e têm motivação intrínseca. A perspetiva de carreira é grande, pagam muito bem, as equipas têm orçamentos que me surpreenderam. Não tem comparação obviamente com Portugal, os orçamentos que eles têm surpreenderam-me mesmo comparando com outras ligas europeias que têm outro nível. Um jogador japonês que se dedique ao basquetebol tem a motivação intrínseca e extrínseca, há benefícios. Já me disseram que não vou ter problemas de adaptação a esse nível porque os atletas trabalham, querem treinar e valorizam muito o treinador professor, o treinador que ensina.


A sua mulher e filha reagiram bem à ideia de irem viver para o Japão?
Há uns anos quando falaram comigo do Japão, eu não queria sair do Porto, mas em casa fazíamos essa brincadeira: se eu fosse para lá, como era? A minha mulher, Iolanda, e a minha filha, Julia, rotundamente diziam: “Não. Nós não vamos, vais sozinho”. Mas este ano algo mudou e acho que foi por não ter conseguido disfarçar em casa o meu sentimento de que estou a mais em Portugal, que me sinto rejeitado e que tinha de sair. Então, quando disse à minha esposa que tinha novamente um convite do Japão, um bom contrato, ela disse-me: "Se tu quiseres, vamos”. Colocámos a questão à Júlia: “Vamos falar de três possibilidades. O papá vai para o Japão e tu e a mamã ficam a morar no Porto, continuas aqui na escola. O papá vai para o Japão e tu e a mamã vão para Espanha, aproximamo-nos do contexto familiar. Ou o papá vai para o Japão e a mamã e tu vão para o Japão". E ela respondeu: "Não quero separar-me do papá. Vamos os três para o Japão".


Assinou por quanto tempo?
O contrato é de três anos, mas no segundo ano tenho possibilidade de sair, é dois mais um.


Qual é a sua maior ambição no Japão?
Obviamente que o dinheiro é importante e a diferença financeira é grande comparando com Portugal, mas o meu objetivo é fazer algo semelhante ao que fiz aqui. Gostava de fazer carreira, gostava de ficar no Japão um período de anos, seis, sete, oito, dez anos e que passados esses anos, na seleção do Japão, houvesse três, quatro, cinco jogadores que passaram pelas minhas mãos e que na liga houvesse um estilo Moncho. Como há aqui agora, vê jogar a Oliveirense, a Ovarense e o basquetebol é daqueles treinadores, mas percebe-se que há ali Moncho, e mesmo treinadores que não trabalharam comigo, eu revejo algumas coisas.


O que é o estilo Moncho?
Um basquetebol de muito passe, de muita partilha da bola, muito de campo inteiro, de construir desde que tens a posse da bola. É um basquetebol que dá liberdade ao atleta, mas construímos a fase de contra-ataque e de transição, que é muito rica, oferecemos muitas possibilidades ao atleta de decidir. Mas é um jogo que idealmente não tem interrupções, não é um jogo aos soluços. As equipas do Moncho têm um jogo muito continuo, muito non-stop game, muito fluído e de muito passe. Criticavam-me: "Os americanos do Moncho não rendem porque nunca estão nos rankings estatísticos nas primeiras posições". É muito difícil que um jogador meu faça 25 lançamentos por ser ele o melhor jogador e vamos dar a bola só a ele.


Gostaria de terminar a carreira em Portugal?
Parece uma incongruência com isto que lhe disse, de fazer carreira no Japão, mas gostava, claro. Eu vou voltar a Portugal, é a minha casa. Eu venho ao Porto, eu gosto muito de Portugal e mantenho-me ligado. Acabar a carreira cá? Se a minha carreira evoluir para algo mais do que ser treinador, poderia vir a ser um diretor técnico, um team manager de uma equipa, obviamente que gostava muito que fosse no Porto. Não me estou a candidatar para isso, mas gostava.


Quando fala em regressar a Portugal, refere-se apenas ao FC Porto ou abre a possibilidade de treinar outras equipas em Portugal?
Se for dentro de 10 anos é possível, neste momento não conseguiria, não estou preparado para isso. Tive um convite que não aceitei de uma equipa europeia, que pode jogar na FIBA Europe Cup. Mas na FIBA Europe Cup eu poderia encontrar o FC Porto, o Benfica ou o Sporting. Não estou preparado para jogar contra o Futebol Clube do Porto, nem me apetece jogar contra outras equipas portuguesas. Se lhe dissesse agora que poderia voltar a Portugal para trabalhar numa equipa que não o FC Porto, custa-me muito, mas tenho de fazer um exercício de raciocínio e dizer-lhe que provavelmente se as circunstâncias se dão, eu sou um profissional.

Leia no domingo a parte II da entrevista a Moncho López

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LimaPereira

O Porto é quem somos
14 Julho 2015
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Porto
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Entrevista merecida e com algumas passagens interessantes, nomeadamente a questão da sua decisão de saída como treinador e da posição dos diferentes directores. Mais uma vez passa a imagem de que existiu ao longo do tempo comunhão de objectivos e de que não foi empurrado.
Interessante e entendível também a mágoa que diz sentir pela imagem que fica.
Quanto à falta de memória futura dos adeptos, nada que surpreenda quem conhece o universo Porto. Moncho teve o percurso que teve e afirma isso. Escolheu um exemplo que fará logo tremer o grupo dos que afirma que AH era o mal do Porto.
Mas podia ter ido buscar o VPereira que bi-campiao e logo muito mais bem sucedido consegue ter ódios de estimação entre portistas.
A estória do Lisboa já conhecia. Aliás, segundo parece, a relação entre ambos era cordata ao contrário de com o senil babão.
 
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pausa

Bancada central
25 Maio 2014
1,738
2,717
Conquistas
2
  • Campeão Nacional 19/20
  • Taça de Portugal 19/20
Como foi a relação com o presidente Pinto da Costa? Com que opinião ficou dele?
Obrigado por perguntar-me, porque queria falar. Primeiro saio sem me despedir dele, sem falar com ele, e tenho pena.
 

petric

Bancada lateral
27 Julho 2021
870
831
Grande Moncho! Orgulho!

Deu para perceber que decidiu sair quando andamos a brincar às faltas de comparência!

Não conseguem a segunda parte da entrevista?
 
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lucho

lucho

Tribuna Presidencial
11 Abril 2008
13,585
3,326
Vila do Conde, 1974
@RR11 @petric @LimaPereira

aqui vai a II Parte


Custa-me entrar em relações de amizade que os atletas portugueses por vezes procuram. Não sou amigo deles, mas dou-me bem com todos”
Na segunda parte da entrevista, Moncho López fala-nos da paixão pelo basquetebol e da carreira até chegar ao FC Porto. O treinador galego revela porque está arrependido de se ter demitido da seleção espanhola, descreve o choque que sentiu quando chegou a Portugal e conta como os jogadores angolanos lhe deram uma lição, entre muitos outros pormenores. A caminho do Japão, onde vai treinar uma equipa da II Divisão, explica ainda porque deixou cedo de ser grande fã da NBA
ALEXANDRA SIMÕES DE ABREU 17.07.2022 ÀS 12H18

RUI DUARTE SILVA
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Nasceu em Ferrol, Espanha. É filho de quem?
O meu pai Ramon foi técnico de eletrónica, trabalhou sempre para o Estado. Não é militar, mas trabalhava na Marinha espanhola. A minha mãe, Pilar, era empregada de uma loja de eletrodomésticos que era propriedade deles. Tenho um irmão Ricardo, mais velho três anos, e uma irmã Maria, mais nova oito anos.

Foi uma criança tranquila?
Era um miúdo ativo, cheio de energia, mas dizem que bastante responsável, nunca fui malandro. Não gostava de futebol, o meu pai diz que eu era sempre o guarda-redes, quando se organizavam jogos de futebol na rua, mas que era um pesadelo para os meus colegas porque logo que começávamos a jogar eu virava-me e ia para as silvas à procura de um borboleta ou de grilos. Este episódio contou-me o meu pai e pais de amigos. Penso que só aconteceu uma vez, mas passei a ser o tipo que andava nas silvas à procura de bichinhos [risos].

Qual era o desporto de que mais gostava?
Gostava muito de ciclismo, acompanhava as provas, na adolescência apaixonei-me pelo motociclismo, que curiosamente agora não acompanho. Andei de mota dos 14 anos até sair da universidade. Mas o meu primeiro desporto foi andebol, na escola, com 13 anos e com 14 comecei a jogar basquetebol.

Porque mudou?
O meu irmão jogava basquetebol, o meu grupo de amigos na turma também e o professor de educação física, que também era o meu treinador de andebol, tinha sido atleta profissional de basquete. De alguma maneira influenciou a que toda a equipa de andebol passasse para o basquete.

Apaixonou-se logo pela modalidade?
Completamente. Uma grande paixão mesmo.

O que o cativou?
A envolvência, que o andebol tem parecido, em todas as fases do jogo e de todos. Todos defendemos, todos atacamos, muita partilha da bola; a possibilidade de fazer substituições permanentes; a intervenção do treinador. Eu achava muita piada aos descontos de tempo. Na altura não havia quadro e o meu treinador pegava em cinco moedas, punha no chão e uma era o base, a outra o poste e movimentava. Gostei de toda a parafernália que envolvia o basquete.

Jogou em que posição?
Comecei a poste, depois fui extremo e a seguir base. Marcava muitos pontos, tinha muito bom lançamento. Não sou muito alto e deixei de jogar muito cedo porque, ao mesmo tempo, apaixonei-me pelo treino.

Mocho (em pé) com o irmão
Mocho (em pé) com o irmão D.R.
Como passou tão rapidamente de jogador a treinador?
Aos 17 anos, estou a jogar e o meu treinador pediu-me, e ao capitão da equipa, para treinarmos uma equipa de iniciados, onde jogava o filho dele. Chamou-nos aos dois. Começámos a treinar aquele grupo de miúdos e fascinou-me. Acabei o 12.º ano, entrei na faculdade, mas jogar e treinar os miúdos, com a faculdade, era demais.

Que licenciatura fez?
Chamava-se "Relações Laborais". Estudávamos muito direito laboral, direito do trabalho, direito sindical, sociologia, contabilidade.

Porquê esse curso?
Precisamente porque não queria deixar o basquetebol. Eu era ótimo em inglês, língua espanhola, galego, literaturas, filosofia e os professores, no 12.º ano, orientaram-me para estudar algo relacionado com humanidades e filosofia, mas significava sair de Ferrol, tinha de ir para Santiago ou Vigo. Os únicos cursos que existiam em Ferrol, era enfermagem, engenharia técnica ou aquele que fiz. Fiz o curso, mas eu já era "profissional" do basquetebol. A minha vida era basquetebol. Não fazia outra coisa senão estudar basquetebol.

Treinou onde na altura?
No Colégio Santiago Apostól, que ainda existe e onde estudei dos quatro aos 17 anos. Treinei lá até aos 22 anos e daí fui para um clube profissional que desapareceu, o Ferrol CB.

Quando ganhou dinheiro pela primeira vez com o basquetebol?
Estava na faculdade, tinha 19 anos, era o equivalente a 50€ atuais. Comprei uma mota Vespa preta de 200cc, a prestações. O meu pai pagava as prestações, mas eu dava ao meu pai todos os meses os 50€. E vou confessar uma coisa muito azeiteira, não sei porquê, colei um autocolante de um urso panda na frente da Vespa [risos]. Na minha cidade aquela Vespa era bem conhecida.

Ainda a tem?
Não. Durante muitos anos ficou encostada numa garagem, porque entretanto tirei a carta de carro e andava noutra moto de mais cilindrada, de um amigo de faculdade. Mas no clube Ferrol CB, onde treinei os escalões de formação, alguns atletas pediram-me a Vespa para tirar a carta de condução. Na altura era necessário levar uma moto para tirar a carta. Dois ou três atletas tiraram a carta com a minha moto. Mais tarde, acabei por vendê-la.

Esteve quanto tempo no Ferrol CB?
Cinco anos. Aí comecei a treinar sub-18, sub-20 e acabei por ser o treinador da equipa sénior.

Quando passou a treinador, do que mais gostava na profissão?
Há um momento como atleta em que tenho uma sensação de incompetência grande. A minha cabeça conseguia ver coisas que o meu corpo e as minhas habilidades não chegavam. Comecei a perder gosto por ser jogador e queria treinar mais. Deixei de ser jogador e comecei a treinar meninas, algo de que me orgulho muito. Durante vários anos treinei equipas femininas e masculinas simultaneamente. Fui ganhando conhecimento e fiz os cursos de treinador muito novo, com 22 anos já tinha o Grau 3, fui dos mais jovens em Espanha.

As capacidades de homens e mulheres são muito diferentes para a modalidade?
Não treinei seniores femininos, treinei minibasket, iniciadas, sub-16 e trabalhei com as sub-18 mas não cheguei a orientar a equipa toda a época. O que senti foi um maior compromisso da parte delas com o rigor, com a disciplina do treino. Não sei como são as atuais gerações. A maturidade delas nessas idades é maior, o que me permitia um diálogo mais adulto com elas. Senti-me muito confortável.

Moncho (1º à esquerda em baixo) enquanto jogador de basquetebol, em Espanha
Moncho (1º à esquerda em baixo) enquanto jogador de basquetebol, em Espanha D.R.
Quais eram as suas referências e fontes de inspiração?
Tive a sorte de estar num país onde o basquetebol teve um crescimento brutal naqueles anos em que comecei a ser treinador. Acompanhava muito a liga e os treinadores espanhóis. Acabei por ter a sorte de ser adjunto ou adversário de alguns treinadores que eram ídolos.

Como por exemplo?
Lolo Sainz. Um treinador que me marcou, um dos treinadores com mais títulos de sempre no basquetebol mundial, treinou o Real Madrid. Passados uns anos, trabalhei com ele. Foi ele que me colocou como selecionador das Esperanças de Espanha e confiou muito em mim. Mas há mais, Díaz Miguel, selecionador espanhol já falecido e Javier Imbroda, Aíto Garcia Reneses, que se converterem nos meus adversários e amigos passados uns anos. Fui precoce, tive muita sorte e cheguei muito jovem ao primeiro escalão do basquetebol espanhol. Mas também acho interessante dizer que eu tinha uma mania, que mantenho, de ver treinar outros. Não tem que ser os mais conceituados. Adoro ver treinos. Adoro ver treinar um treinador de iniciados, por exemplo. Gosto de observar como treinam treinadores de minibasket, de sub-18, feminino, em cadeira de rodas… Adoro. É uma fonte para mim. Fiz isso durante muitos anos.

É fã da NBA?
Quando era mais jovem seguia equipas da NBA, mas à medida que fui crescendo e, sobretudo, quando me profissionalizei como treinador e competi ao mais alto nível fora da NBA, não é que não gostasse da NBA, mas desvalorizei. Digamos que o meu foco mudou. Eu agora vejo pouca NBA, vejo só momentos muito pontuais.

Porquê? Por ser um basquetebol muito diferente do europeu?
É algo diferente, sim. Há equipas que se podem ver porque, de facto, os melhores jogadores da NBA neste momento são europeus. Mas eu gosto mais de um basquetebol europeu, de Euroliga, se calhar por uma questão de estética.

Quais são as principais diferenças?
Há desde logo diferenças regulamentares. Na NBA é mais fácil, entre aspas, isolar jogadores para jogar um contra um, mesmo do ponto de vista defensivo há algumas limitações espaciais, além de que jogam 48 minutos em vez de 40, o que permite marcadores muito mais elevados. Quem não está muito por dentro da modalidade comete um engano dizendo que lá jogam mais ao ataque e melhor. Lá estão os melhores executantes do ponto de vista individual, não há dúvidas, mas do ponto de vista da construção tática, estratégias, intervenção do treinador, a Europa é muito rica também. Não quero ferir ninguém, até porque há treinadores na NBA que eu sonho que me permitissem deixar assistir aos treinos.

Como por exemplo?
O Steve Kerr, campeão da NBA. Eu tive muita sorte porque orientei jogos contra alguns desses treinadores, como o Gregg Popovich, dos San Antonio Spurs. Estive sentado ao lado dele, um ídolo meu, numa bancada, a ver jogar Porto Rico contra outra equipa. Os dois estivemos a partilhar ideias do que estávamos a ver. Ambos a tirar apontamentos. Isto é espetacular. Popovich é deus no basquetebol mundial para qualquer treinador. E há muitos treinadores da NBA que acompanho. Mas, honestamente, as minhas referências são mais da Europa.

Quando era mais jovem, que equipas da NBA acompanhava?
Era simpatizante de Philadelphia 76s porque foi a primeira equipa da NBA que vi jogar na televisão e eles perderam com os Celtics. Ainda hoje me pergunto porque gostei mais dos Philadelphia 76s. Não sei. Depois sempre gostei de equipas do leste; os Detroit Pistons, se calhar foi a equipa que mais acompanhei. Mais recentemente, quando fui treinador da federação espanhola e selecionador de Espanha, acompanhei as equipas dos meus jogadores que jogam lá. Sei que houve uma pessoa no FC Porto que comentou um dia: "Como é que podemos ter um treinador de basquetebol que não gosta da NBA?". Achei uma estupidez tão grande. Primeiro, eu gosto da NBA, agora, não acompanho, não deixo de dormir para ver jogos da NBA e gosto mais da Euroliga. Vejo muito Euroliga, liga espanhola, adoro os campeonatos de seleções.

Como convencer uma pessoa a gostar mais do basquetebol europeu do que o da NBA?
Nas equipas de topo europeias, mesmo havendo excelentes individualidades, muitas das coisas que se conseguem em campo baseiam-se na construção coletiva. Sabemos que numa equipa europeia, para marcar um cesto, há muito entrosamento, muita coordenação de diferentes jogadores para conseguir esse cesto. Na NBA isto também existe mas há muito, muito do individual. Que também é bonito.

Moncho (atrás, debaixo do cesto) com a sua equipa de Gijón, em2001
Moncho (atrás, debaixo do cesto) com a sua equipa de Gijón, em2001 D.R.
Depois do Ferrol CB foi fazer o quê?
Fui para um centro de alto rendimento que a federação espanhola criou na cidade de Lugo. Fui como diretor e treinador desse centro. Tínhamos 24 atletas dos sub-16 aos sub-18. Os atletas competiam ao fim de semana na Liga com o nome do centro de treino. Treinei aí dois anos e, em simultâneo, trabalhava com seleções da formação espanhola.

Alguma vez exerceu uma profissão ligada ao curso que tirou?
Nunca. O mais próximo que estive foi começar umas práticas como estagiário numa organização sindical, em 1996. Acho que aguentei três dias. No terceiro dia pensei que não era para mim e também consegui que o clube aumentasse o ordenado e deixei o trabalho. Em 1996/97 fui para o centro de treinos como tinha dito. E depois é que fui para o Gijón Baloncesto, onde fiquei quatro anos. Acho que foi o clube que me permitiu, em Espanha, dar o salto. Nas duas últimas temporadas em que estive no Gijón treinei a seleção espanhola B, que em Portugal se chama de Esperanças. São atletas entre os 20/25 anos.

Foi difícil treinar a seleção espanhola?
Eu treinei uma das melhores seleções do mundo, com atletas de grandes capacidades e a federação espanhola oferece condições que só os clubes da NBA podem oferecer. Mas posso dizer que, no FC Porto, encontrei quase as mesmas condições. A federação espanhola de basquetebol dá tudo, trabalha-se a um nível altíssimo de tecnologia à tua disposição, de equipa técnica, médicos, psicólogos, fisioterapeutas, as viagens são em condições extraordinárias. Com diárias e prémios por objetivos muito importantes para os atletas.

Como surgiu a oportunidade de ser selecionador espanhol e que significado teve sagrar-se vice-campeão europeu?
Primeiro, fui adjunto da seleção sénior, era Javier Imbroda o selecionador e ficámos em 5.º num Campeonato do Mundo, em Indianápolis, onde ganhamos à seleção dos EUA, cheia de atletas da NBA. Ganhamos na luta pelo 5.º e 6.º posto. Perdemos os quartos de final com a seleção da Alemanha. Foi uma experiência fabulosa conviver com todos aqueles treinadores. No ano seguinte assumi a seleção, o Javier foi treinar o Real Madrid e em Espanha não se permitia que o treinador da seleção treinasse em simultâneo um clube na Liga espanhola. Eu soube depois que os próprios atletas da seleção, como Pau Gasol e Garbajosa, de alguma maneira influenciaram o presidente para que me desse a mim a oportunidade de ser treinador da seleção. Fomos vice-campeões da Europa, com uma seleção muito jovem, já fazendo alguma transição entre gerações.

Depois demitiu-se. Porquê?
Eu tinha sido selecionador da seleção de Esperanças, portanto, de alguma maneira foi muito natural assumir a seleção principal, mesmo que alguns meios tivessem posto em causa, não a minha competência, mas a minha escolha, porque não era o treinador com mais trajeto, com mais experiência. A medalha de prata criou unanimidade, não senti críticas. Mas senti muita pressão. Há poucas decisões na minha vida de que me arrependo, a maneira como saí da federação espanhola é uma delas.

Porque saiu?
Senti a pressão, honestamente. Hoje consigo perceber isso, com a experiência de vida que tenho, com a formação que procurei depois, procurei ajuda num mentor, num coach, num psicólogo que me ajudasse a canalizar. É engraçado porque eu peguei na seleção espanhola e fiz algo que não se fez nem antes, nem depois, que se valorizou muito. Eu era selecionador de Espanha, mas a seleção espanhola seniores só tinha dois estágios por ano, e eu queria treinar durante a época, por isso, quando a seleção de sub-16 ou de sub-18 estagiava, eu ia trabalhar com eles. Se a seleção sub-18 ia fazer um torneio em França, no Natal ou na Páscoa, eu ia como treinador. Eu expunha-me. Mas eu adorava ir porque queria treinar. Isto foi muito bem-aceite por parte dos clubes e treinadores da formação espanhola, para eles era espetacular que o selecionador sénior se envolvesse no trabalho e preparação das seleções de sub-16, sub-18, o meu diretor técnico na federação também achou espetacular, mas por outro lado, eu expunha-me, havia uma exigência de trabalho muito grande; lembro que quando fui jogar um torneio à Alemanha, um agente que está na NBA, e que na altura era agente do Pau Gasol, perguntou-me: "O que estás a fazer aqui? Tu não podes andar aqui a perder com os sub-18". Mas eu não estava ali à procura de currículo, estava ali porque adorava aquilo. Não senti que aquilo estivesse a pôr em causa a minha imagem de selecionador sénior de Espanha. Penso que a carga de trabalho, a minha juventude e a proximidade com os Jogos Olímpicos, as expectativas de resultados nos Jogos Olímpicos, tudo aquilo criou um efeito de bola de neve em que me senti pressionado e achava que não era valorizado. Senti falta de reconhecimento, o que hoje consigo perceber que era estúpido, porque eu era bem pago e era o selecionador nacional. Mas senti.

O que queria mais?
Eu sentia que estava a perder oportunidades, porque falava-se que podia treinar o Real Madrid. Lolo Sainz estava no Real Madrid e disse-me: "Moncho, estás a fazer um bom trabalho na federação, aguenta, está tranquilo, algum dia serás treinador de um destes grandes clubes de Espanha, o Barcelona ou o Real Madrid. Tem calma". Mas a mim, de repente, entrou-me uma urgência do tipo "estou aqui a fazer demais (em Espanha dizemos que estamos a ser uma espécie de bombeiro de serviço) e se calhar devia estar a treinar na Liga". Tenho o convite de um clube, o CB Breogan, de Lugo, da minha Galiza natal perto da casa dos meus pais e pensei, se calhar tenho de sair da federação. Aceitei o convite do clube e demiti-me dois meses antes dos Jogos Olímpicos. Foi uma grandíssima estupidez.

A equipa de basquetebol de Gijón foi recebida por uma multidão na Camara Municipal para festejar a subida de divisão. Moncho é o 1 à direita.
A equipa de basquetebol de Gijón foi recebida por uma multidão na Camara Municipal para festejar a subida de divisão. Moncho é o 1 à direita. D.R.
Essa atitude "queimou-o" em Espanha?
Naquele momento houve vozes a favor que disseram: "Se o Moncho quer treinar num clube, faz bem em demitir-se". De alguma maneira, o sindicato de treinadores defendeu-me nesse sentido, disseram que fazia bem se, de facto, queria ir treinar um clube. Porque, anteriormente, Javier Imbroda foi para o Real Madrid e tentou, não conseguiu, manter-se em ambos os cargos. Por lei não se permitia em Espanha, havia um convénio de trabalho. Então primeiro dei esse passo, demiti-me da federação e depois assumi a equipa. Houve coerência nessa decisão. Mas, passado algum tempo, olharam para mim e disseram: “Este rapaz estava a fazer um bom trabalho na federação e tomou uma decisão que se calhar não é a melhor para a sua carreira”. De facto, não fui para um dos melhores clubes de Espanha.

Os resultados nesse clube não foram bons.
O objetivo desse clube era jogar play-off. No primeiro ano ficámos a uma vitória ou duas do play-off porque um dos melhores jogadores de sempre no basquetebol espanhol, Charlie Bell, que trouxe para o Breogán, lesionou-se e perdeu quatro jogos no início da época, cinco ou seis jogos na parte final e sem ele era muito difícil vencer, mesmo tendo uma boa equipa. No segundo ano descemos de divisão, perdendo o último jogo do campeonato contra um adversário direto.

Que explicação tem para esse desaire?
É um ano de muitos problemas. Eu não fui muito aceite em Lugo. Digamos que houve umas dinâmicas externas que fugiram ao meu entendimento e que criaram muita pressão no clube e na equipa. Descemos com 12 vitórias, quando em Espanha as equipas normalmente descem com 11, 10, 9.

Marcou-o muito essa descida?
Pessoalmente, sim. Abriu uma ferida interna. Porque saí da federação espanhola, porque não tive paciência, porque não falei de outra maneira com as pessoas que confiaram em mim. Cometi um erro de juventude, provavelmente de autossuficiência. Agora sou muito mais consciente nesse sentido. Acho que cometi o erro de pensar que era capaz de resolver sozinho. Ouvi pessoas próximas de mim, mas uma coisa tenho clara com a experiência de anos de treinador e a formação que fiz também na área da psicologia: se em momentos de crise e de tensão procuras assessoria no teu entorno afetivo, podem ajudar-te, mas há muitas probabilidades de que não, porque eles não deixam de estar também envolvidos emocionalmente. Naquela altura, procurei envolver na minha decisão pessoas que, provavelmente, mesmo tendo muita experiência de vida, profissional, de basquetebol, não tinham objetividade para me dizer: "Está tranquilo. Espera. Vai aos Jogos Olímpicos. Os atletas gostam de ti, eles querem que tu sejas o treinador". Ou podiam ter dito: "Moncho, estás com um estatuto de treinador em que o teu lugar não é ir para 14.ª equipa da primeira divisão espanhola, o teu lugar é num dos quatro ou cinco primeiros". Seria lógico.

A vontade de demitir-se aconteceu apenas pelo facto de não se sentir valorizado o suficiente pela federação e pelo querer treinar mais ou teve a ver com o receio de falhar nos JO, depois do que já alcançara?
Não, não teve a ver com os resultados. Honestamente. Tudo tinha corrido muito bem, fui o selecionador mais jovem a conseguir uma medalha de prata para Espanha no basquetebol. Não foi a pressão dos resultados. Até porque isso tenho assumido que faz parte do meu trabalho.

Depois da descida de divisão, o que aconteceu?
Eu tenho contrato, mas peço ao clube para me libertar do contrato, não quero receber nada, não quero indemnizações. Decidi ficar um ano sem treinar. Tenho alguns convites de algumas equipas espanholas da I e II divisão e voltei à universidade, para fazer um mestrado em psicologia desportiva. Queria ver treinar outros colegas. Em fevereiro de 2007 despediram um treinador em Sevilha e contactam-me. Pensei, faltam três meses para acabar a época, o que vou lá fazer? Não será melhor esperar e começo o ano com uma equipa? Mas acabei por aceitar, insistiram comigo.

Como correu?
É muito difícil endireitar uma equipa nesse tempo. Houve alguns problemas de disciplina com alguns jogadores que já vinham de trás. Lembro que ganhamos alguns jogos mas não conseguimos os objetivos. Mesmo assim, em Sevilha, acabou a época e ficámos uma semana a discutir a renovação. Decidi não renovar e a seguir venho para Portugal.

A seleção portuguesa era uma realidade completamente diferente da espanhola?
As condições são muito mais difíceis, falamos em termos orçamentais. É mais difícil conviver com a falta de recursos. Quando estive na seleção nada tinha que reclamar porque o Mário Saldanha, que era o presidente da federação, deu tudo. Mas as condições de viagem, de deslocações e de estágio, sendo boas, estavam longe da realidade espanhola. O que faz com que tudo seja mais gostoso quando consegues alcançar os objetivos. O que encontrei na seleção portuguesa que gostei muito e facilitava o trabalho, foram atletas com muita fome de se reivindicar profissionalmente, de afirmarem a sua valia. Era uma geração fantástica.

A seleção de Espanha que Moncho (4º em baixo à esquerda) orientou em 2003
A seleção de Espanha que Moncho (4º em baixo à esquerda) orientou em 2003 D.R.
Chegou à seleção portuguesa em 2009, foi muito difícil substituir Valentyn Melnychuk?
Substituí um excelente selecionador, histórico. Tive muita coragem para assumir a seleção portuguesa quando a fasquia estava muito elevada. Uma seleção que tinha conseguido ser 7.ª da Europa. Penso que tive o infortúnio, o azar e fiquei triste que não consegui convencer alguns atletas que tinham sido 7.º no campeonato da Europa a permanecer na seleção em que peguei. Por exemplo, Sérgio Ramos, Betinho Gomes.

Não quiseram?
Foram diferentes questões. Uns não queriam continuar na seleção, outros não conseguiram conciliar clubes, pré-épocas e seleção.

Quando veio para Portugal, veio casado?
Sim. Conheci a minha mulher, Iolanda, em 1997, trabalhava no centro de treino de Lugo, mas estagiava em Guadalajara com seleções espanholas de sub-16 e sub-18 e ela estava lá como formadora. É licenciada em Humanidades e naquele momento era coordenadora de cursos de formação para adultos. Coincidimos na mesma residência. Há um convívio dentro dessa área residencial e ficamos em contacto. Casámos dois anos depois.

Ficou muito surpreendido com o convite da Federação Portuguesa de Basquetebol?
Não estava à espera.

Qual foi a primeira reação?
Em 2003/04, estava em Espanha a treinar num clube da Liga B e um empresário de jogadores falou comigo: "Na Liga portuguesa há clubes importantes, há uma liga profissional e pode haver mercado para treinadores espanhóis. Tu tens interesse?” A minha resposta na altura foi: "A mi no se me perde nada em Portugal", uma expressão espanhola que significa, não tenho nada que fazer em Portugal.

Nessa altura já conhecia alguma coisa do basquetebol português? Acompanhava?
Conhecia sobretudo as equipas associadas aos clubes de futebol, nomeadamente FC Porto e Benfica. Mas sim, conhecia alguma coisa da liga, até porque havia alguns jogadores, poucos, na liga portuguesa que os agentes me enviavam para ver se queria contratar. Falei com a minha mulher e a reação dela também foi, estamos bem em Espanha, tenho aqui trabalho. Aquilo passou e, não muitos anos depois, estou em Tui, a ver jogar crianças.

A ver crianças porquê?
Tinha saído de Sevilha, estava no mestrado de psicologia desportiva e fui ver um torneio no Natal. Estava lá Carlos Vaqueiro, que trabalha agora no FC Porto, noutra área que não o basquete. Era um treinador espanhol num clube português, na Gafanha da Nazaré, que tinha sido aluno meu nos cursos de treinador. Ele diz-me: "Tu sabes que a seleção portuguesa procura selecionador?"; "Não, não sabia"; "Eu tenho contacto com o diretor técnico de Aveiro, Rui Dinis, tu não gostavas de treinar a seleção portuguesa?"; "Eu adoro treinar seleções.” Porque não? Não tenho medo de resultados, nunca tive medo de resultados. Disse que gostava. Passado uma semana ou dias tenho um telefonema.

Do Mário Saldanha?
Não, de um clube, a Ovarense. Disseram-me que o treinador Luís Magalhães tinha ido para Angola e gostavam que eu fosse treinar a equipa deles. Liguei ao meu empresário, contei-lhe: “Disseram-me que a federação vai-me oferecer a seleção, mas quem me contactou realmente foi um clube"; "Moncho, tu decidiste ficar um ano sem treinar, nós vamos ter coisas em maio ou junho de Espanha. Espera"; "Não, eu quero reunir com estas pessoas em Ovar". Vi um jogo da Ovarense e gostei. Porque não treinar na liga portuguesa?

Não aconteceu. Porquê?
Não chegámos a um acordo. Eu envolvi o meu empresário nas conversas e ele estava determinado que eu treinasse em Espanha. Não achava que naquele momento eu devesse ficar em Portugal. Mas, nesse processo, entretanto chegou-me o convite da federação portuguesa. Ligou-me o Mário Saldanha. Vou ter com ele a Lisboa, digo à Ovarense que não aceitava e fui treinar a seleção.

Porque aceitou treinar a seleção portuguesa?
Por ser uma seleção e porque não colidia com a perspetiva de orientar um clube em Espanha. A federação portuguesa permitia.

Mas não chegou a orientar nenhum clube em Espanha.
Não, os convites que chegaram não me convenceram. A federação portuguesa fez-me um contrato de trabalho em que recebia 12 meses e decidi ficar só como selecionador.

Que balanço faz?
Não correu mal. Jogámos uma fase de apuramento em que perdemos os três primeiros jogos, ganhámos os três últimos. A equipa manteve-se na divisão A. Conseguimos o apuramento para a fase seguinte, ganhando aqui, em Paredes, à Letónia, num jogo espetacular. Ganhámos à Macedónia, Letónia e Estónia.

A dirigir a seleção espanhola na meia-final com a Itália, no Europeu de 2003.
A dirigir a seleção espanhola na meia-final com a Itália, no Europeu de 2003. JACQUES DEMARTHON
Como foi o primeiro contacto com a seleção portuguesa?
Um choque grandíssimo. Apoiei-me muito nos atletas que tinham experiência em Espanha, Carlos Andrade e Diogo Santos.

Um choque a que nível?
Uma necessidade de familiaridade nas relações pessoais. Sou uma pessoa simpática, amável e empática, mas tenho noção de que crio muita tensão na minha equipa técnica. Estes anos no FC Porto também senti isso. Crio muita tensão porque sou muito exigente. Muito. Qualquer desvio do trabalho, falta de pontualidade, sou exigente. Custa-me entrar em relações de amizade que os atletas por vezes procuram. Querem jantar fora e custa-me. De facto, eu não sou amigo dos meus atletas, mas dou-me bem com todos.

Foi sempre assim?
Sempre. O meu estilo de liderança é situacional, adaptativo, se há que ser muito direto, sou, se há que ser mais democrático, sou. Mas, com a equipa técnica, com os colaboradores, com aqueles que se subordinam à minha função, reconheço que sou muito ditador, provavelmente. Ao mesmo tempo acho que sou justo e compreensivo. E luto por eles. Aí aparece a minha formação em direito sindical. Estou sempre preocupado com os seus ordenados, porque não dão um polo ao psicólogo, porque tem um fato de treino a mais aquele e este não tem, porque não há mochilas para todos, etc. Quero o melhor para eles, mas, ao mesmo tempo, se é para estar às dez é para estar às dez. Se chegamos de viagem às quatro da manhã, eu sei que estão cansados, mas os atletas é que vão dormir, nós vamos ficar uma horinha aqui a ver um vídeo. E se digo ao team manager, por exemplo, quero que as sete da manhã esteja pronto, não pode falhar. No FC Porto há grandes profissionais, mas tive problemas com algumas pessoas que tiveram muitas dificuldades para se adaptarem a isto.

Teve confrontos diretos?
Bem, acabam por desviar, por falarem o que não deviam, por sair. A minha equipa técnica durante estes anos no FC Porto tem estabilidade nos adjuntos, os que saíram, saíram porque se promoveram, mas tivemos que ir mudando outros elementos. Não digo com pesar, nem arrependido. É a maneira de trabalhar.

Moncho (1º à direita) com a seleção espanhola vice-campeã europeia, em 2003
Moncho (1º à direita) com a seleção espanhola vice-campeã europeia, em 2003 D.R.
Trabalha-se melhor em Espanha do que em Portugal?
Não. É garantido em Espanha que estes profissionais de que falei são melhor pagos. Uma coisa que acho que o basquetebol português tem de pensar é que as equipas técnicas devem ser muito melhor pagas. É muito desproporcionado o que recebem os treinadores principais comparativamente com o que recebe o nosso adjunto, por exemplo. Ou é muito desproporcionado o que recebe um elemento da equipa médica, um fisioterapeuta e um adjunto. São incomparáveis. Não digo que o fisioterapeuta não mereça receber aquilo, o que acho é que os adjuntos têm de estar muito melhor pagos e os team managers também. Mas há que exigir-lhes. O que não faço é: porque tu recebes menos, vou exigir-te menos. Vou exigir tanto. Há pessoas que têm dificuldades com isto. Porque também não o faço com os atletas. A um miúdo que ganha 450€ vou exigir-lhe como a um atleta que ganha 5000 dólares/mês. Evidentemente, vou ser mais tolerante com erros daquele miúdo, vou ter outra paciência, e se calhar o meu diálogo com ele vai ser diferente, mas vou exigir, vou querer o melhor dele. Com a equipa técnica também faço isso.

Pode explicar em que se traduzia a tal necessidade de proximidade que sentiu da parte dos portugueses?
É uma necessidade que me parece exagerada. Num estágio, houve um jornalista que entrava nos quartos dos jogadores com um à vontade enorme. Surpreendeu-me bastante. Não é um problema dele, era a dinâmica em que estava seleção. Há um convívio que não vejo mal que se faça em determinados momentos. Não vejo mal abrir as portas dos quartos aos jornalistas, mas vamos decidir em que momento do estágio e para quê também. Gosto da relação de proximidade com os jornalistas, mas senti à volta da seleção uma excessiva camaradagem com o atleta, há uma necessidade de ser amigo do atleta, o que acaba por contaminar a necessidade de exigência, de rigor. Julgo que Mário Palma, que veio depois de mim, tem uma maneira de estar semelhante à minha e provavelmente os atuais também, mas lembro-me que foi o primeiro choque que senti. Assim como o técnico de equipamentos ou um diretor que acompanha a seleção querem uma envolvência que, por um lado é agradável, e eu gosto de almoços e jantares, sou o primeiro a abrir a garrafa de vinho e, se podem ser duas, que não seja uma e se podemos comer mais uma alheira, vamos comê-la; mas há que saber separar as coisas.

Como reagiu a própria estrutura da federação perante a sua exigência?
Felizmente, na federação encontrei portugueses que pensam como eu. Não estou a criticar o selecionador anterior, acho que é a idiossincrasia do desporto português, é cultural. Quando agora saí do FC Porto, quem mais me ligou foram os atletas que estiveram comigo na seleção, não os deste ano da equipa, que tive de alguns também. Foram mais os atletas que estiveram comigo na seleção portuguesa em 2009/10. Atletas que são agora treinadores, que tive no FC Porto há 10 anos. Se não houvesse algum respeito e carinho não tinham enviado estas mensagens. Mas, na altura pensei, caraças, o treinador aqui tem de estar permanentemente a defender uma posição e a lembrar, seniores, é assim e assim. E isso desgasta. Mas adaptei-me.

Com a seleção portuguesa em 2009
Com a seleção portuguesa em 2009 D.R.
Tem uma passagem também pela seleção de Angola.
Sim. Eu vou a Angola porque faço parte do basquetebol português, porque senão provavelmente nunca teria acontecido.

Aí o choque deve ter sido maior ainda, não?
Ui, dá para falar horas [risos]. O meu estágio na seleção de Angola e orientar Angola no campeonato africano é um tema comum nas preleções que faço extra desporto, porque houve um choque cultural brutal. Foi uma experiência lindíssima, mas realmente foi um choque para eles, os atletas, e para mim. Correu bem, fomos vice-campeões africanos. Em Espanha nunca tive tantas entrevistas depois de ganhar a medalha de prata. Em Angola perdi a de ouro e foi um desastre, porque Angola está habituada a ganhar sempre, mas chegámos à final e perdemos com a Nigéria, que objetivamente era muito superior à seleção de Angola.

O que mais o impressionou em Angola e no basquetebol angolano?
A gestão de egos dos atletas, a distribuição de papéis. Entraram em jogo questões sociais e educativas que eu desconhecia e fui aprendendo. Como por exemplo: não podes tratar de forma igual um atleta de 30 anos e um de 18. Ou melhor, podes tratá-los igual do ponto de vista mais técnico. Lembro-me que tentei intervir num conflito entre dois atletas, um era estreante na seleção e o outro era o capitão e começaram a discutir. Tentei que chegassem a um acordo entre eles. Como o mais excitado parecia ser o mais novo, eu disse ao mais adulto: “Espera um momento, parem de discutir por favor, silêncio”. Virei-me para o mais novo e disse-lhe: “Acalma-te, acalma-te, vamos ouvir-te. Diz”. “Agora ouvimos o capitão, ok?” E chegámos a um acordo. Vamos para o hotel depois do treino e bateram na porta do meu quarto. Abro a porta e está o capitão com outro atleta. "Podemos entrar, coach?"; "Claro, entrem"; "O que tu fizeste é uma enorme falta de respeito, a maior que alguém alguma vez me fez. Tu não podes mandar-me calar, a mim, e pores um miúdo a falar antes de mim"; "Mas não é um miúdo. E tu até falaste bem"; "Não. Primeiro tenho de falar eu, ele nem tem nada que falar". O outro atleta que veio com ele, também disse: "Coach Moncho, em Angola quando fala o mais velho dos irmãos, o mais novo não tem direito a falar". Respeito isso, não estou lá para julgar se é o correto ou não. Nunca mais aconteceu, mas este episódio ficou-me. E podia contar-lhe muitos outros.

Qual foi o episódio mais caricato que lhe aconteceu em Angola?
Posso contar, mas sem dizer o nome dos intervenientes. Antes dos jogos faço a preleção no balneário e, mesmo antes de sairmos para o aquecimento, juntávamos-nos todos, dávamos as mãos e fazíamos uma corrente. O massagista fazia um discurso religioso, místico, falava muito de irmandade, estamos juntos, somos todos um, falava de unidade de grupo e eu, nas primeiras vezes, pensei, provavelmente foi esta ideia de grupo e de unidade que permitiu a Angola ganhar. Ele identificava o nosso adversário, “Hoje é a seleção 'tal' e aquele é o nosso inimigo…”. Primeiro jogo, bola ao ar e o nosso jogador não ganha a bola. Há um atleta que está no banco que levanta-se, põe-se ao meu lado e começa a gritar para dentro do campo: "Ó grande filho da ...", e eu "O que estás a fazer?!"; "Tira esse gajo daí, não vales nada...". Atacou o colega verbalmente de uma maneira, que o outro ficou a olhar para ele, nem corria para defender, e começaram a insultar-se um ao outro. Eu só pensava: "Ai Jesus, mas então ainda há 20 minutos estávamos de mãos dadas?”. E disse-lhes: “Ainda nem estamos a perder, ainda não nos começaram a f…., ainda não apareceu o inimigo e vocês já estão a lutar um contra o outro?" [risos]. Isto era impressionante, os egos… Ai Jesus. Este episódio também aconteceu num outro jogo, com os mesmos dois, na final contra a Nigéria. Lá veio: "Coach, tens de pôr-me a mim, tira esse" [risos].

Em termos de capacidade atlética para o basquete, o africano é mais dotado?
Sim. Em certos contextos ferimos algumas sensibilidades quando se fala da raça preta dotada para o basquete. Em geral, em África há algumas particularidades antropomórficas que ajudam, algumas de muita estatura e outras de muita capacidade atlética explosiva, mas o que faz diferença no basquetebol angolano, em relação a outros países de África, é a precocidade com que eles começam a jogar na rua. O basquetebol lá é uma religião e continuará a ser, há muita perspetiva de carreira. Outros países como o Sudão e a Nigéria não têm ligas, a liga angolana é forte. Se procurarmos paralelismo numa liga forte em África, provavelmente temos de ir aos países da África branca. A Tunísia pode ter uma boa liga, o Egito tem uma boa liga, mas a de Angola é boa.

A festejar com a seleção de Angola a medalha de prata no Afrobasket de 2015
A festejar com a seleção de Angola a medalha de prata no Afrobasket de 2015 D.R.
É um homem de fé?
Sim. Não sou praticante, não vou à missa, mas abençoou-me antes dos jogos, tenho aquela postura que julgo ser a mais habitual na minha geração, fomos educados na religião católica, observando imagens católicas, portanto não consigo pôr-me de lado dessa religiosidade, mas não faço peregrinações religiosas.

Superstições?
Perdi tantos jogos e tantos campeonatos, que desapareceram todas. Tinha aquelas estúpidas de não repetir uma roupa. Se ganhava um jogo, tinha de lavar a roupa interior que usei nesse jogo e não a utilizava até ao jogo seguinte. Mas perdi estas superstições. Não sei se trouxe alguma para Portugal. Ouvir a música antes do jogo pode parecer superstição, mas não, é mais um exercício meu de concentração.

Segue ou pratica outras modalidades além do basquetebol?
Tenho tentado jogar padel, mas sou o pior do mundo e fico frustrado, sou muito perfecionista e não lido bem com aquilo que não faço bem, por isso abandonei o padel. Faço caminhadas, faço quilómetros que nem imagina. No confinamento fazia 13, 14 quilómetros por dia.

Qual a maior frustração na carreira?
A final do campeonato do ano passado.

Tem algum hóbi?
Gosto muito de ouvir música, mas não decoro músicas, sou incompetente para decorar músicas. Sou um leitor irregular. Tenho fases de devorar três, quatro livros, acabo um e começo o outro. E sou viciado na internet, sou adito.

Viciado nas redes sociais?
Não, redes sociais não, informação na internet. Seja técnica, jornais, tenho subscrições de jornais porque acho que há que pagar a vossa profissão. Passo muitas horas por dia na internet. Considero isso um hóbi, procuro muita informação de basquete, de todo o género. E sou grande amante de vinhos, colecionei vinhos, cheguei a ter mais de 300 garrafas na minha casa no Porto, mas agora ando perto das 100 se calhar.

Consumiu as outras?
[Risos] Ofereci muitas. Quando tinha casa em Espanha, tinha uma adega.

Tem preferência por algum vinho português em particular?
Os portistas vão-me matar, mas gosto muito dos vinhos de Setúbal, muito. E bebo todos, brancos, tintos, gosto de todos os vinhos.

Tem algum/a cantor/a ou grupo preferido?
Sou bastante eclético, mas em Portugal gosto muito do Tiago Bettencourt e da Marisa Liz. Depois ouço muita rádio, por isso a música muito comercial acaba por contagiar-me; o Fernando Daniel e o Diogo Piçarra, que não são para a minha geração, adoro as músicas deles. Sou consumista sobretudo de grupos espanhóis e de música independente, Sidonie e Iván Ferreiro, por exemplo.

Qual foi a maior extravagância que fez na vida?
Se calhar foi comprar um vinho de 150/180 euros que depois experimentei e pensei, isto não vale a pena. Provavelmente é uma estupidez que faço e sou recorrente. Agora quando faço asneiras dessas é para oferecer a alguém. Para mim compro as de 10 euros e as de 6 e as de 12, que são vinhos fabulosos.

Tem ou teve alguma alcunha?
Que eu saiba, não. O meu nome é Ramon, mas, em Espanha, o Ramon na zona do País Basco, Astúrias, Galiza, faz-se uma extensão que é Ramoncho, Ramonchinho, então cortou-se no original e ficou o Moncho, Monchinho. Daí que, por exemplo, na Galiza, o Ramon é Moncho, nas Astúrias o Ramon é Manchu, acaba em "u".

Tatuagens?
Não. E não gosto, mas do que gosto menos são os piercings.

No dia da entrevista, no Porto
No dia da entrevista, no Porto RUI DUARTE SILVA
Qual foi a maior amizade que fez em Portugal?
A maior amizade, a de maior lealdade, provavelmente a Isabel Lemos, que me vai acompanhar como treinadora-adjunta no Japão. Mas vai comigo não por ser minha amiga, vai porque é muito competente, senão não ia. Foi coordenadora do FC do Porto durante muitos anos e era a minha adjunta. Eles no Japão é que a entrevistaram e quiseram contratar. Mas é uma grande amiga. Outra pessoa que me marcou muito é o filho do presidente da Federação Portuguesa de Futebol, o Diogo Gomes. Somos amigos, podemos estar três anos sem falar ao telefone, mas é aquele amigo, é um tipo especial.

Há alguma regra do basquetebol que, se pudesse, alterava?
Os descontos de tempo aqui são sempre de um minuto e na NBA há descontos de tempo de diferente duração, de 45 segundos, ou de 30, é melhor.

Qual foi o adversário mais difícil que teve pela frente na carreira?
A seleção da Lituânia, quando perdi a final do Campeonato da Europa. Como selecionador de Espanha tenho não sei se 20 jogos orientados e uma derrota, e é contra eles. Mas era uma das melhores seleções da história, de sempre. Jogava um jogador que agora é treinador do Barcelona, Jasikevicius. Foi um dos jogos em que senti “podemos ganhar, mas realmente é muito difícil”. Como atleta foi Pau Gasol, jovem. Quando treinava na liga espanhola, ele jogava no Barcelona e eu perguntava-me: Como paramos este tipo? É demasiado alto para os meus pequenos, demasiado rápido para os meus altos.

Se pudesse escolher, tem algum clube de sonho que gostava de treinar?
Estudiantes de Madrid, estão na II Divisão agora.

Porquê?
Foi o primeiro clube de quem me senti adepto, tentei ser sócio e depois não fui. Porque não era um clube dos grandes, mas chateava os outros em Espanha quando eu era adolescente. Depois, tinha atletas de que gostava e estando eu na seleção espanhola, soube que me pretendiam, gostavam que eu fosse para lá. Quando me demiti da seleção e fui para o Breogán, eles falaram comigo, que se eu saísse do Breogán, queriam-me. É aquela relação em que várias vezes na carreira parecia que poderia ter sido treinador lá, mas nunca fui, ou por eles ou por mim, nunca nos encontrámos.

Qual o jogador que gostava de ter treinado ou de ainda treinar?
Treinei alguns dos melhores do mundo. Treinei Pau Gasol, gostava de o ter outra vez nas minhas mãos. José Manuel Calderón, jogou muitos anos na NBA, totalmente integrado nos EUA, ficou lá e trabalha na NBA. Em Portugal, gostava de treinar o Rafael Lisboa.

Se não fosse treinador de basquetebol, o que teria sido?
Gostava de ter sido professor de alguma disciplina de humanidades. De literatura, filosofia, não filólogo. A minha irmã é filóloga. Mas gostava de ter sido professor de história, de arte.

Qual é o seu maior defeito e a sua maior virtude?
O meu maior defeito é provavelmente a teimosia, que não é arrogância, mas às vezes uma fidelidade exagerada aos meus critérios. Não é que não se possa discutir comigo e convencer-me. Mas converto isto em virtude também, acho que me ajuda no desporto. Porque passamos por momentos de muitas dúvidas, sobretudo depois das derrotas, em que dúvidas de ti mesmo, de autocorreção e penso que tenho uma elevada autoconsciência, fui aprendendo isso com o tempo. Sei onde estão os meus limites como treinador. Digamos que o defeito é a teimosia e, se calhar, a virtude é a autoconsciência como treinador.