O Século XX do Desporto

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As primeiras corridas de automóvel em Portugal

O condutor profissional de D. Afonso
A primeira corrida de automóveis em Portugal foi em Agosto de 1902, no hipódromo de Belém, rendez-vous da aristocracia nacional. No programa, para além de um jogo de footbal entre os ingleses do Union Foot-Ball Clube e os portugueses do F. C. Lisbonense, três competições de ciclismo e uma prova de motos. Automóveis à compita eram apenas três, um Locomobile conduzido pelo americano Abott, um Panhard et Levassor com o francês Beauvalet ao volante e um Darracq conduzido por Alfredo Vieira, o único português presente. Dez voltas ao traçado, três objectos de arte em disputa e vitória de Abbot «com um avanço de quase duas voltas sobre os outros dois concorrentes». A 27 de Outubro, a primeira prova de estrada. Figueira da Foz-Lisboa. estava marcada para um domingo, teve de ser a um sábado, O Século explica porquê: «Seria difícil policiar as estradas e as vilas do percurso — um domingo ser dia em que há mercado em muitas das povoações que os automóveis têm de atravessar...» Vários foram os pilotos profissionais contratados para conduzir as viaturas inscritas. Um deles o francês Edmond, considerado então um dos melhores pilotos do Mundo. Mas como adormeceu no comboio não chegou a tempo à Figueira da Foz. Tavares de Mello, que o contratara, assumiu o comando do seu Darracq de nove cavalos, até Coimbra o levou, num instante Edmond passou à condução, foi o primeiro a chegar, destacadíssimo, à meta, colocada junto à Igreja do Campo Grande, mas por não ter feito o percurso total foi desclassificado, cabendo a vitória ao italiano Bordino, que o infante D. Afonso contratara para conduzir o seu Fiat. Segundo conta Barros Rodrigues na sua História do Automóvel, «o Darracq, numas experiências que fizemos na pequena recta de São João do Campo, dias antes da corrida, atingiu a média de 91 quilómetros/hora, o que era deveras notável naqueles tempos». E mais acrescenta: «Em 1903 teve lugar uma nova prova de automóveis, organizada segundo os mesmos moldes da anterior, isto é, com um espírito de regularidade e de resistência, disputada ao longo de umas centenas de quilómetros, em estradas de precárias condições, no Centro de Portugal. Mas a prova mais interessante, aquela que pode ser denominada, sem qualquer tipo de dúvida, como a primeira prova de velocidade que se realizou no nosso país, teve lugar em Março de 1906. Foi o Quilómetro Lançado da Valada, no Ribatejo, e contou com um numeroso lote de inscritos. O vencedor desta competição, que congregou em seu torno um entusiasmo nunca visto em provas de automóveis, haveria de ser José de Aguiar...»
 
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A milha que entusiasmou o Rei

Gago Coutinho campeão de... natação
A natação mais ou menos organizada apareceu em Portugal por iniciativa do Real Ginásio Clube de Portugal, que em 1902 inaugurou uma escola na Trafaria. Quase em simultâneo a modalidade despontou na Casa Pia de Lisboa, que utilizava o seu «tanque grande», situado na cerca dos Jerónimos, um pouco abaixo da Ermida de São Jerónimo — e onde até se pensou organizar o primeiro Portugal-Espanha, em 1925, que serviria para preparação dos «nadadores portugueses com vista aos Jogos Olímpicos de 1928». A 15 de outubro de 1906, antes sequer da fundação da Liga de Natação, disputa-se no Alfeite o denominado primeiro Campeonato Nacional. O Rei D. Carlos faz questão de marcar presença. Fica tão entusiasmado com o espectáculo da «milha e meia a deslizar sobre a água» que convida todos os nadadores para outra prova na sua baía de Cascais, oferecendo ele os prémios. Alfred Rumsey, o britânico que fora um dos fundadores do F. C. Porto, mas que no Alfeite estivera em representação do Real Vello Club do Porto, ganhou outra vez. Por essa altura, famosas eram já as travessias do Tejo e do Douro que haveriam de consagrar o primeiro grande nome: Rodrigo Bessone Basto. Mas, antes disso, Gago Coutinho, esse mesmo, o herói da travessia aérea do Atlântico, também venceu algumas provas!

A loucura dos raides
Rampas, gincanas, raides e excursões ganharam fôlego. E impacte. Em Outubro de 1905, Francisco Martinho, numa Voiturette Populaire da De Dion Bouton, estebeleceu o record Paris-Lisboa, cobrindo 2117 quilómetros em 62 horas e 15 minutos. Mas, ainda segundo Barros Rodrigues, «o feito mais notável empreendido por um português ao nível das excursões automobilísticas deveu-se a D. António Praia, que na companhia de Augusto Bruges ligou Lisboa a Constantinopla (actual Istambul) num automóvel De Dion Bouton, percorrendo cerca de 38 mil quilómetros, de Setembro de 1905 a Abril de 1906».
 
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1904 – Jogos Olímpicos de Saint Louis

A infestação racista e a condescendência de Coubertin
Os antropológicos dias da conspurcação
Pior que a dispersão de provas ao longo dos meses, que fora uma das causas da ruína de Paris, pior que os Jogos de Saint Louis continuarem ligados a uma feira internacional, pior que o número de concorrentes pouco ter ultrapassado os 500 e nenhuma mulher lá ter estado — foi a integração no seu programa dos Antropological Days, um conjunto de estranhas e bizarras competições destinadas a «diminuídos físicos, negros, índios, mexicanos...»! Cidade do Sul, zona de fanática infestação racista, o Comité Organizador deu-se ao desplante de reconhecer que os Antropological Days se chamavam assim porque «todo o não branco só pode ser semelhança de homem»!!! Mas, não fosse o Diabo tecê-las, os concorrentes eram sobretudo empregados do estádio, sem treino, atirados à pista grotescamente. E assim se demonstrou a «superioridade do homem branco»... Coubertin, apesar de protestar (sem grande furor) contra a estupidez dos Dias Antropológicos, a mancha que mais conspurcou a história olímpica, condescendeu: «Em parte alguma, senão na América, se ousaria fazer incluir números semelhantes no programa dos Jogos Olímpicos. Mas aos americanos tudo é permitido. O seu ardor juvenil certamente dispõe à indulgência a sombra dos antepassados helénicos.» A frase correu mundo e os seus detractores nunca mais deixaram de a utilizar como a quebra de verniz de um racista que conseguiu quase sempre esconder o que verdadeiramente era.

Tragédia húngara em garrafas escondidas
Para Saint-Louis foi o húngaro Lajos Gonczy com estranha superstição: acreditava que só o vinho lhe poderia dar asas para o salto em altura! Várias garrafas levou de Budapeste para a América. Para lhe pregarem uma partida, alguns companheiros esconderam-lhas. Foi como se cortassem os cabelos a Sansão. Para a pista foi «de rastos». E falhou. Regressou aos balneários chorando — da boca apenas um murmúrio: que só não fora campeão olímpico porque alguém lhe roubara o vinho do balneário. Os amigos arrepiaram-se. E descoseram-se. Emborcou um litro de vinho, pediu que os outros voltassem com ele ao corredor de saltos e, após meia dúzia de piparotes, saltou 1,88 metros. De nada servia já, porque por essa altura campeão era já o americano Jones com... 1,80!

«Homem-borracha» quase paralítico
Deslumbrante. Chamava-se Ray Ewry. Oito medalhas de ouro ganhou entre 1900 e 1908. Nasceu no estado de Indiana em 1873, passara a infância numa cadeira de rodas. Atacado por poliomielite, viveu esses tempos sempre na iminência de ficar paralítico de um dia para o outro. Para minimizar o risco os pais entregaram-no a um fisioterapeuta, que acabaria por lançá-lo no desporto. Primeiro no futebol americano. Depois no atletismo. Onde ganhou o apodo de homem de borracha, dominando durante três Olimpíadas o salto em altura, o salto em comprimento e o triplo-salto — sempre sem balanço! Licenciado em Engenharia, tornou-se um dos primeiros cientistas de desporto que houve no Mundo inteiro, ainda hoje os gráficos e os dossiers de preparação técnica são considerados históricos e... visionários, só decidiu ir aos Jogos Olímpicos de 1908 porque até os amigos o enzonaram com a ideia de que «estava velho», que ninguém conseguiria ser campeão olímpico com 35 anos. Enganaram-se. Voltou a ganhar a altura e o comprimento — e até se deu ao luxo de não ir ao triplo, se fosse talvez repetisse a dose das duas Olimpíadas anteriores.
 
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1904 – Jogos Olímpicos de Saint Louis

18 quilómetros de maratona à boleia por 10 dólares
Estricnina, brandy e...
Dramática a maratona nos Jogos de Saint Louis, em 1904. E rocambolesca. Ao melhor jeito de filme de Hollywood. Estava já o americano Fred Lorz em fase de consagração pelo seu próprio presidente, quando entrou, esbaforido, um motorista de táxi dizendo que lhe dera boleia durante 18 quilómetros e que a troco do silêncio recebera 10 dólares. Ficara-lhe peso na consciência, não fora capaz de manter o segredo e por isso estava ali para denunciar o trapaceiro. Sarrafusca num abrir e fechar de olhos, vaias, apupos, tentativas de agressão, Lorz escorraçado do estádio, logo a garantia de que seria irradiado de toda a actividade desportiva até ao final dos seus dias. Haveria, depois, de ser amnistiado... Entretanto, outro americano, Thomas Hicks, 22 anos, cortara a meta, em estado de delírio, ziguezagueando. À passagem pelos 25 quilómetros já se arrastava. Cambaleante. Quando clamava por ambulância que o levasse para o hospital o seu treinador deu-lhe uma dose de estricnina, misturada com duas gemadas! E continuou a saga... Adiante, borrifou-lhe o corpo com a água aquecida da caldeira do automóvel que conduzia. E Hicks ganhou nova alma — correu outra vez em passo estugado. Já com o estádio à vista, queixando-se de alucinações, sentou-se no rebordo do passeio. Outra dose de estricnina lhe deram, agora misturada com brandy — que lhe fez voar novo coração. Reergueu-se, precipitou-se para a meta, para a glória — todo ele em ímpeto heróico, maquinal. «Não sentia nada, não sabia o que estava a fazer, o que estava a acontecer.» Dez quilos perdeu na gesta. Duas horas depois de o terem consagrado como tal, de olhar agudo e frio, de uma dor que parecia não suportar, matraqueava em sussuro: «Gostaria mais de ser campeão olímpico que presidente dos Estados Unidos.» Campeão olímpico já era. E não o sabia. Depois de receber duas taças de ouro e prata e mais a medalha de campeão, de posar para fotografia que haveria de correr Mundo é que Thomas Hicks explicou o turbilhão em que se transformara a sua cabeça: «Sinceramente, não sabia que era eu o campeão. Só no dia seguinte é que percebi tudo o que acontecera. A estricnina, o brandy, a fadiga, isso tudo me deixou ébrio, louco, com alucinações. E, incrivelmente, nesse estado alucinado nunca me deu para pensar que era campeão olímpico, antes pelo contrário, via-me como um fracassado, humilhado, despedaçado...»

680 atletas, 500 americanos...
Outra vez os Jogos a arrastarem-se no tempo. De 1 de Julho a 23 de Novembro. Atletas 680, seis senhoras apenas no tiro com arco. Americanos eram 500, 50 canadianos — o reflexo do preço da viagem. Modalidades? Atletismo, natação, pugilismo, ciclismo, halterofilismo, luta livre, esgrima, remo, tiro com arco, ginástica, ténis, basquetebol, futebol. Para além dessas, Lacrosse, jogo com bola parecido com o hóquei, que teve apenas duas equipas à compita: Canadá e Estados Unidos, assim classificados.

As 6 medalhas de ANTON Heida
Coubertin devia andar então com a cabeça à razão de juros. No temor de sentir a obra a resvalar para ínvios caminhos. Tal como em Paris, misturaram-se no programa olímpico provas para amadores e para profissionais. E continuou a não haver medalhas — ou melhor, os três primeiros tinham direito a taças, umas maiores do que outras, mas só ao campeão cabia o privilégio de ir à tribuna recebê-la. Assim, o mais taçado foi o ginasta americano Anton Heida, que ganhou o equivalente a cinco medalhas de ouro e uma de prata. Quatro de ouro couberam ao ciclista Marcus Hurley. George Eyser, também na ginástica, três de ouro, duas de prata e uma de bronze. No atletismo James Lightbody venceu os 800, os 1500 metros e os 3000 metros obstáculos e alcançou uma medalha de prata no corta-mato. Verdadeiramente desconcertante a prova do lançamento de peso de... 25,4 quilos (!), ganha pelo canadiano Etienne Desmarteau, com 10,465 metros.

O desconcertante cubano da maratona

Clubes nocturnos, maças traiçoeiras
Mais uma inimaginável história da maratona olímpica. Feliz Carjaval era cubano. Carteiro de profissão. Na mente se lhe entranhara meses antes ideia fixa: correr a maratona nos Jogos. Só precisava de dinheiro para a viagem. Na esperança de o conseguir andou, longas noites, a fazer espectáculos de... circo, a troco de moe-dinhas deixadas no bornal. Juntou bom pecúlio e de barco partiu para New Orleans. Tentado pelas ilusões despertas pelos clubes nocturnos, gastou, num ápice, o dinheio todo que levara de Havana. Para Saint Louis acabaria por ir a pé. No dia da maratona logo deu nas vistas. Calçava pesados... sapatos, os mesmos que utilizava no dia-a-dia distribuindo cartas, vestia uma t-shirt desmedidamente larga, que lhe dava pelos joelhos, e uma calças de cano fino. Na cabeça, uma boina basca. Por assim trajar se atrasou a partida para a maratona: o starter só disparou o tiro depois de um lançador lhe cortar as calças para que, ao menos, parecessem calções! Mas, ao longo dos 42 quilómetros, continuou a espantar. Já depois dos 30 era para espanto de todos o primeiro. De súbito, sentiu fome. Não se fez rogado e galgou o muro de uma quinta para roubar maçãs. Estavam verdes e causaram-lhe problemas estomacais. Apesar disso, de paragens sucessivas, vergado sob si mesmo, ainda cortou a meta em quarto lugar!

232 medalhas para os Estados Unidos
Os Estados Unidos foram simplesmente arrasadores. Para não confundir, continuamos a falar de medalhas em vez de taças. 80 de ouro, 86 de prata, 72 de bronze para os americanos. Para a Alemanha cinco de ouro, quatro de prata e seis de bronze. E depois Cuba com cinco mais três mais três.

21 senhoras como... Espectáculo
Em Saint-Louis, as mulheres apenas puderam competir no tiro ao arco em duas especialidades: national round e columbia round. Em ambas, vitórias de M. C. Howell. As suas provas faziam parte do programa do... espectáculo e por isso em várias histórias olímpicas se diz que só em 1972 é que o tiro ao arco para senhoras passou a integrar os Jogos Olímpicos.
 
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1905 – Primeiro grande escândalo internacional

William meredith ofereceu 10 libras ao «capitão» do Aston Villa
Suborno e não só...
Historiadores vários apontam-no como a primeira grande estrela do futebol mundial. Talvez. Certo, certo, é que ninguém atingiu longevidade que se lhe comparasse. Nascido em Julho de 1874, William Henry Meredith pendurou as chuteiras com quase 50 anos — e por essa altura ainda era um caso sério de classe, de qualidade! Começou a trabalhar como mineiro mas depressa se profissionalizou. Os primeiros sinais do seu génio notaram--se aos 10 anos — ganhando uma medalha num concurso para perícia em dribles. Após uma temporada no Northwich Victoria, em Outubro de 1894 mudou-se para o Manchester City — ao seu serviço conquistou, em 1904, a Taça de Inglaterra, chegando pouco depois a capitão. Com estilo em força, directo, batendo os opositores em corrida ou através de mortíferos dribles, em 1905 foi forçado a abandonar os The Citizens devido ao envolvimento no primeiro grande escândalo do futebol britânico — um caso de pagamentos ilegais, em que foi considerado culpado de ter oferecido 10 libras ao capitão do Aston Villa para que movesse influências no sentido de facilitar vitória fundamental na corrida para o título. Em litígio com os dirigente do City foi o próprio Meredith quem informou a Football Association de todos os casos de corrupção financeira em que o clube estivera envolvido. Catástrofe! Com base nas suas denúncias, em 1906 o Manchester perde 17 dos seus jogadores ou ex-jogadores — uns punidos com multas, outros suspensos por um ano e alguns irradiados. Para o contratar o Manchester United disponibilizou-se a pagar-lhe a coima de 500 libras — e assim se apoderou da estrela do arqui-rival. Ao serviço dos red devils, ocupando a habitual posição de ponta-direita, voltou a ganhar a Taça de Inglaterra, em 1909, ao que juntou mais dois campeonatos, em 1908 e 1911.

Mil Libras
Em Inglaterra o ano de 1905 só teve um caso mais badalado do que o falatório provocado pela tenista May Sutton por jogar (e ganhar) em Wimblendon com uma... «escandalosa saia que quase deixava os joelhos à mostra»! Foi a transferência de Alf Commom, avançado-centro do Sunderland, para o Middlesbrough pela «astronómica quantia de mil libras». O negócio deixou em pânico os dirigentes da Premier, temendo cavalgante inflação num mercado onde a média das transferências rondava as 400 libras. Houve tentativas para impedir o negócio ao nível da Football Association. Na altura da aquisição, durante o mês de Fevereiro, o Middlesbrough, fundado seis anos antes, escontrava-se na penúltima posição e havia dois anos que não registava um só triunfo fora de casa. Sob efeito de Commom salvou-se da descida. O goleador fora, pouco antes, despachado do Sheffield United para o Sunderland por apenas 375 libras — e a guia de marcha fora-lhe passada sobretudo por ter-se recusado a disputar um jogo alegando estar doente e a tratar de negócios. Ironia do destino, Alf estreou-se pelo Middlesbrough frente ao Sheffield United e marcou o golo da vitória. A milionária transferência levou a Football Association a investigar as contas do Middlesbrough, descobrindo uma série de pagamentos ilegais a jogadores — na altura os futebolistas não podiam receber mais de 208 libras por temporada —, acarretando a sua suspensão da Liga por uma época.
 
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Meredith com quase 50 anos nas meias-finais da taça de inglaterra

25 anos em luta de Gales
Conhecido por príncipe dos pontas, Meredith nunca entrava em campo sem colocar uma protecção nos dentes. Hábito que manteve até 1924, quando, perto de completar 50 anos e de regresso ao Manchester City, actuou na meia-final da Taça de Inglaterra. Despediu-se assim do futebol, com mais de mil encontros disputados e 470 golos. Meredith actuou pela selecção do País de Gales entre 1895 e 1920. Somou apenas 48 internacionalizações porque, a mais das vezes, quer o Manchester City quer o United faziam ouvidos de mercador aos pedidos do seu seleccionador — não o libertavam. Coisas do destino... A sua despedida da selecção aconteceu no memorável encontro em que Gales bateu a Inglaterra pela primeira vez, em Março de 1920. Tinha 45 anos e 229 dias, o que o deixou como o mais velho jogador de sempre a defender oficialmente as cores de uma equipa nacional. Em 1931 William Meredith ingressou uma vez mais no Manchester United mas desta feita como treinador e olheiro. Comprou um hotel em Manchester e dedicou-se à hoteleria. Morreu a 19 de Abril de 1958, dois meses depois de oito jogadores dos red devils terem sido vítimas do terrível acidente aéreo à saída do aeroporto de Munique.

Futebol, salários máximos, luvas proibidas, irradiações
Em 1900 a Football Association criou uma lei que limitava os salários semanais dos jogadores de futebol de Inglaterra a quatro libras. Vigorou como princípio sagrado durante toda a primeira década e só em 1961 (!) sofreu um aumento para 20 libras mas, por essa altura, não passava de um diploma condenado a letra-morta. Antes não e por isso, ainda no primeiro lustro do século XX, por pagamentos considerados ilegais (ou seja superiores ao plafond), a Football Association multou o Sunderland em 250 libras e suspendeu de uma a três temporadas todos os directores e o secretário do clube. E por ter pago as primeiras mil libras de um contrato record de três mil pela transferência de Alf Common do Sunderland para o Middlesbrough este clube foi multado em 250 libras e viu 11 dos seus 12 directores serem suspensos até 1908, sob o mesmo imputado crime de... pagamentos ilegais. George Parsonage, estrela do Fulham, foi banido para sempre do futebol britânico em 1909 por ter exigido ao Chesterfield luvas na assinatura de um contrato no valor de 50 libras. Desde 1891, quando se assumiu enfim o princípio do profissionalismo, que o máximo permitido para luvas estava colocado em 10 libras.

Morte no estádio
Foi a primeira grande tragédia no futebol. A 5 de Abril de 1902. Bancada nova, com capacidade para 20 mil espectadores, mais de 75 metros de altura, estrutura de ferro, tábuas de madeira, foi inaugurada no Ibrox Park, o campo do Glasgow Rangers. Era dia de jogo entre Escócia e Inglaterra. Venderam-se mais de 68 mil bilhetes, o estádio cheio como um odre. De súbito, a bancada nova cedeu, como um alçapão entretanto aberto, espectadores engolidos, a queda no abismo, 25 mortos, mais de 500 feridos... Meia hora depois da assistência aos desgraçados o jogo continuou. Saldou-se pelo empate a uma bola. No dia seguinte, no jornal escocês Scotsman, escrevia-se: «O facto de o jogo ter prosseguido foi compensador para um grande número de pessoas, muitas vindas de longe. Mas para aqueles que se encontravam misturados com os mortos e os moribundos, os aplausos que de tempos a tempos sublinhavam fases da partida pareciam despropositados ao funcionarem como acompanhamento dos gemidos dos feridos e dos agonizantes!»
 
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Refundação do FC Porto

Senhoras com autorização dos maridos
Em Agosto de 1906 José Monteiro da Costa refundou o F. C. Porto. «Deve chamar-se assim por os seus fundadores serem na sua quase totalidade tripeiros natos, a sua sede na cidade do Porto e o principal desporto a que se vai dedicar o futebol.» Estranho foi para quase todos que ele, republicano convicto, anunciasse que as cores do clube seriam as da «bandeira da Pátria» — azul e branco. Era o tempo da ditadura de João Franco, que decretou a pena de degredo para Timor aos incriminados por «crimes políticos graves». O primeiro acto de gestão foi transformar os viveiros de plantas da Companhia Hortícola no campo do F. C. Porto, à Rua da Rainha. O aluguer do espaço montava a 1200 réis. E assim nasceu o primeiro campo de futebol relvado em Portugal. A 15 de Dezembro de 1907 o F. C. Porto tornou-se a primeira equipa de futebol de Portugal a realizar um jogo no estrangeiro. Contra o Fortuna Football de Vigo. Sabe-se apenas os nomes dos jogadores do F. C. Porto porque o único registo disso é uma fotografia puída pelo tempo, com todos eles individualizados. Os jornais também não falam do desfecho. O que se sabe é que o F. C. Porto continuava a ser massacrado pelos ingleses do Boavista. Apesar disso não arrefeciam os ânimos dos seus associados. O F. C. Porto fulgurava pelo cosmopolitismo e entusiasmo dos seus festivais atléticos na Rua da Rainha, juntando – aos jogos de futebol ou às corridas de ciclismo e atletismo — gincanas de burros (!), lutas de tracção à corda, partidas de críquete e ténis, muito ténis, sobretudo para as senhoras, que só poderiam ser sócias do clube com uma «especial autorização dos seus maridos, tal como os menores dos seus tutores»! Em termos meramente desportivos, até 1910 apenas resquícios de brilharete portista através de Eduardo Dumont Villares, primo do aviador Santos Dumont, que para além de guarda-redes da equipa de futebol era recordista regional de salto em altura e nadador de grande talento, tendo sido o primeiro a ganhar a Taça Leixões, disputada entre Lisboa e Porto...
 
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1906

Os primeiros sinais de Le Mans
O segredo das jantes
Em 1906, ou seja, um ano antes de ser construída em Inglaterra a primeira pista permanente do mundo, a de Brooklands, em França organizou-se o primeiro grand prix para construtores. Para tal foi preparado circuito perto de Le Mans. Dos 32 carros que alinharam à partida apenas 11 completaram os dois dias de uma prova em que tiveram de percorrer cerca de 103 quilometros. O vencedor foi o húngaro Ferenc Szisz, que ao volante de um Renault surpreendeu a concorrência ao utilizar jantes criadas pela Michelin, que lhe permitiam trocar de pneus em três minutos enquando os adversários levavam praticamente 15 minutos. Ainda em 1906 decorreu a primeira edição da Targa Florio, corrida organizada por Vicenzo Floria e que consistia em percorrer três voltas a um circuito com 148,832 quilómetros por entre estradas sicilianas em bastante mau estado. No ano seguinte, na Alemanha, a primeira corrida — Kaiserpreis — destinada a carros de turismo (motores inferiores a 8 litros e com menos de 1165 quilos), cabendo a vitória ao italiano Nazzaro, num Fiat. Em 1907 surgiu na Inglaterra o primeiro circuito de automóveis. Brookslands lhe chamaram. Liderando um grupo de adeptos e construtores, Hugh Locke-King cedeu uma parte da sua propriedade em Surrey com o intuito de contornar a lei britânica que, face aos constantes acidentes e à crescente velocidade, proibira as competições nas ruas, precipitando os pilotos para a Irlanda ou para outros países europeus. Influenciados pela corrida de cavalos, em vez de números os corredores de Brooklands começaram por usar equipamentos de cores diferentes como forma de se diferenciarem. A pista era de forma oval e com inclinação nas curvas — e para lá entrar passou a cobrar-se bilhetes, grande novidade no automobilismo. E inovação que obviamente as estradas normais impediam...

Indianápolis e o retrovisor
Em 1909 quatro construtores, liderados por Carl Fisher, idealizaram o circuito de Indianápolis para testar protótipos que sonhavam pudessem atingir os 130 km/h. A pista original não difere muito da actual: duas rectas de 1,6 km, às quais se juntam outras duas de 200 metros ligadas por quatro curvas de 9,12 graus. Se bem que a primeira corrida fosse em 19 de Agosto, a primeira edição das famosas 500 Milhas de Indianápolis apenas surgiu em 1911, contando com a presença de 40 carros, 70 mil espectadores e 25 mil dólares em prémios. Ray Harroun foi o primeiro vencedor, à média de 105 km/h. Harroun era o único piloto que não se fazia acompanhar no carro pelo mecânico, pelo que decidiu colocar um espelho à sua ilharga para controlar os adversários. Com esse ovinho de Colombo nascia o espelho retrovisor.
 
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1906 – Jack Johnson – primeiro herói negro

Só conseguiu disputar o título mundial de boxe depois de fugir à prisão
Traficante de mulheres?!
Nos primeiros anos do século o boxe era dos desportos que mais emoções despertavam no Mundo inteiro. Empolgava multidões, arrastava milhões. Nos Estados Unidos, então, era desporto-rei. Um de seis filhos de uma família de ex-escravos, Arthur John Johnson foi, por via disso, o primeiro negro a assustar a América branca, conservadora, racista — muito antes de Martin Luther King ou Malcolm X. E fê-lo dentro e fora dos ringues. Nascido a 31 de Março de 1878, em Galveston, no Texas, pode dizer-se que Jack Johnson — como gostava que lhe chamassem — abriu ao soco o trilho que permitiu que muitos anos volvidos outros negros se considerassem heróis nacionais na América, com elevado statu financeiro e social — graças aos seus atributos físicos. Apesar de considerado em 1905 talvez já o mais poderoso boxeur do Mundo, só muitos meses depois conseguiu chegar ao título, por inimagináveis razões, infinitos obstáculos. O seu ar arrogante, a obsessão para «desdenhar dos brancos e do seu poder», fecharam-lhe portas umas sobre outras, transformou-o num dos alvos a abater pelo statu quo. Apenas aos 30 anos, em 1908, conseguiu permissão para disputar o título mundial de pesados e para que tal acontecesse teve de derrotar (sem grandes dificuldades) Tommy Burns em... Sydney, na Austrália. Foi o primeiro de muitos combates que disputou no estrangeiro, como forma de contornar os entraves e até impedimentos legais que lhe estavam, como escolhos, no caminho. O pior de todos teve a ver com o facto de, em 1913, cair na barra do tribunal, por violação da lei Man Act — que proibia homens de transportar mulheres de um estado para outro com «fins imorais». Após diversas tentativas frustradas uma prostituta branca conseguiu convencer o juiz de que fora isso que Jack fizera e mesmo em última instância Johnson fugiu da América para não ser preso!

Perder de propósito (?) E ser traído...
Jack Johnson defendeu com sucesso o título mundial por várias vezes, na Europa e no México, mas em Abril de 1915, em Havana, acabou por perdê-lo ao 26.º assalto para Jess Willard, que o deixou estatelado no chão, em KO — e assim se transformou na «nova grande esperança branca» por que os racistas ianques ansiavam havia tanto tempo. Anos mais tarde, na sua autobiografia, Johnson jurou que o desfecho desse duelo fora previamente combinado, deixou Willard vencer para que assim pudesse regressar aos Estados Unidos e não ser preso. As dúvidas nunca mais se desfizeram, até porque mal pôs pé na América foi colocado a ferros. Sentiu-se «vítima de mais uma injustiça, de mais uma traição do poder branco». A sua estrela começara a empalidecer. Mas a lenda não. De tal forma que recentemente a ESPN o considerou o maior desportista da década de 10.
 

fcporto56

Tribuna Presidencial
26 Julho 2006
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Sacramento
> hast Comentou:

> 1906 – Jack Johnson – primeiro herói negro


Jack Johnson defendeu com sucesso o título mundial por várias vezes, na Europa e no México, mas em Abril de 1915, em Havana, acabou por perdê-lo ao 26.º assalto para Jess Willard, que o deixou estatelado no chão, em KO — e assim se transformou na «nova grande esperança branca» por que os racistas ianques ansiavam havia tanto tempo. Anos mais tarde, na sua autobiografia, Johnson jurou que o desfecho desse duelo fora previamente combinado, deixou Willard vencer para que assim pudesse regressar aos Estados Unidos e não ser preso. As dúvidas nunca mais se desfizeram, até porque mal pôs pé na América foi colocado a ferros. Sentiu-se «vítima de mais uma injustiça, de mais uma traição do poder branco». A sua estrela começara a empalidecer. Mas a lenda não. De tal forma que recentemente a ESPN o considerou o maior desportista da década de 10.

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Dizem que quando ele supostamente estava sem sentidos,que pos uma mao a cobrir os olhos do sol,dando ainda mais forca a teoria de combinacao_O Jack Johnson pelo que dizem gostava muito,mas mesmo muito:) de mulheres brancas, o que naqueles tempos era practicamente crime.
 
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A loucura da velocidade e desastre fatal

A diferença no amor
Quatro décadas após a proclamação da emancipação dos negros americanos, nos primeiros anos do século XX ainda eram considerados, sem complexos ou eufemismos, como cidadãos de segunda! Ao contrário de outras estrelas vindouras, Jack Johnson decidiu combater e denunciar esse «estúpido racismo» de forma então considerada «anacrónica»: fazia questão de que todas as suas amantes fossem brancas — e só com mulheres brancas casou. Para que a diferença marcasse a diferença. A I Guerra Mundial deixara o boxe em banho-maria. Já sem o efeito apaixonante de antes. Aos 37 anos Jack Johnson realizou o último combate. Era anjo em queda livre. Em 1920 regressou aos Estados Unidos, um ano teve de penar numa prisão federal. Depois disso a sua ligação ao boxe fez-se pelos caminhos mais ínvios, subterrâneos, disputando dezenas de battles royal, um espectáculo racista em que um grupo de oito ou nove negros jovens, muitas vezes com os olhos vendados, eram atirados para um ringue e obrigados a lutar entre si até que restasse apenas um — sendo tratados como os leões nos circos romanos. Quando, enfim, pendurou as luvas passou a ganhar dinheiro palmilhando a América de lés a lés para contar as rocambolescas histórias da sua vida ou realizando esporádicas exibições em espectáculos de vaudeville. Tornou-se igualmente comentador de boxe, morrendo a 10 de Junho de 1946, com 68 anos, em Raleigh (Carolina do Norte), vítima de um acidente automóvel. A velocidade era outra das suas paixões. Várias vezes colocara em risco a vida que para si foi sempre em vertigem — pela forma desvairada como conduzia.

Dentes e rixa
Stanley Ketchel foi o primeiro dos grandes campeões mundiais de pesos médios. Convenceram-no de que poderia ser o único branco a ganhar a Jack Johnson e em 1908 desafiou-o. De arranque, rapidíssimo golpe, Jack ao tapete, bruá... Euforia de pouca dura, Johnson levantou-se e, como um touro enraivecido, desferiu-lhe soco de tal potência que vários dentes foram encontrados nas suas luvas. Em 1910, com 34 anos, foi morto a tiro em briga por causa de uma mulher.

O revolucionário do râguebi
O râguebi era produto very british. O Torneio das Quatro Nações, porque, por essa altura, ainda faltava a França às cinco, empolgava tanto com os campeonatos de futebol, as corridas de cavalos, os combates de boxe ou os desafios de críquete. Mas, em 1905, os all blacks da Nova Zelândia tornaram-se simplesmente invencíveis. E destroçaram o poderio britânico. Era histórico. Por trás dessa revolução estava o seu capitão, Dave Gallaher, autor de O Jogador de Râguebi Completo, obra visionária, com filosofia de jogo avant-garde, praticamente no espírito táctico actual. Morreria 12 anos mais tarde, em 1917, despedaçado por uma bomba em Passchendaele, durante a I Guerra Mundial. Mas ficaria para sempre como o ideólogo dos all blacks. E o seu mito.
 
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hast

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Manuel silveira recordista mundial de halterofilia aos 41 anos

Super-homem com... reumatismo
Quando o ditador João Franco sugeriu a D. Carlos a prisão imediata de Guerra Junqueiro, devido a uma diatribe que o autor de A Velhice do Padre Eterno lançara ao rei num opúsculo de propaganda republicana, o monarca aventou: «Poetas e jornalistas não se metem nas masmorras! Os primeiros são sonhadores e sonham; os segundos são os arautos dos sonhos e dos sonhadores. O sonho nunca deve ser preso.» De sonho se fez, pois, o jornal que José Pontes, fundador do Comité Olímpico de Portugal, retirou do tinteiro em 1903. Chamava-se Os Sports. Nas suas páginas nasceria um novo herói nacional: Manuel Silveira, cujo primeiro record do Mundo, obtido em 1908 — quando já tinha 41 anos!!! —, se considerou quase irreal: em «flexão sobre as coxas» levantou 186,5 quilos, melhorando o anterior máximo em... 36,5 quilos!!! Chegou, depois, a deter todos os records mundiais e em «levantamento do solo a dois braços» ergueu, em 1909, 285 quilos. No ano seguinte retirou-se de actividade. Tendo ganho tudo o que tinha para ganhar. Só não se sabe porque é que ninguém se lembrou de o levar aos Jogos Olímpicos de Londres! Nasceu na ilha do Pico a 21 de Outubro de 1867, emigrou novo para os Estados Unidos e depois trabalhou em «roças de café», durante 12 anos, em São Tomé. A Portugal regressou em 1903. Sofria de reumatismo, o médico disse-lhe que exercício físico talvez lhe minorasse a dor — inscreveu-se, então, no Real Ginásio Clube Português e deu no que deu. Sob o seu signo o halterofilismo, que se introduzira em Portugal em 1860 através dos levantadores-artistas do Circo Price, fulgiu como modalidade de ponta até à década de 20 através de Raul Martins, José Dias, João Oliveira, Henrique Correia, Francisco Padinha, Humberto Caldas, Álvaro Costa e Ernesto Salles — e António Pereira, que chegou igualmente a recordista mundial de levíssimos, erguendo 66 quilos num arraché a um braço.
 

fcporto56

Tribuna Presidencial
26 Julho 2006
7,173
0
Sacramento
Nao conhecia esta historia.Ja agora sabes qual foi a freguesia no Pico,em que o Manuel Silveira nasceu?Gostava de fazer \"followup\" a esta historia.
 
H

hast

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Infelizmente, caro fcporto56, não te posso dar essa informação. Já dei voltas e voltas pela net e não vi nenhuma referência a este Manuel Silveira.
 
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hast

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1908 – Campeões portugueses

A morte à bala do rei campeão de tiro
Touros e calçadas polidas
Nos primeiros anos do século o desporto em Portugal era um exotismo ainda. A sua prática continuava confinada a uma estreitíssima faixa social. D. Carlos mantinha-se contudo um dos seus mais animados e apaixonados cultores. Em Janeiro de 1908, no Paço de Vila Viçosa, é levado a assinar pelo torcionário João Franco decreto que funcionou quase como a sua sentença de morte — determinando que os «implicados em crimes políticos» deveriam cumprir degredo em Timor. Em vez de acalmia pela atemorização, o diploma agitou ainda mais o fervor republicano e no dia seguinte, no seu regresso a Lisboa, à saída da estação do Rossio, é assassinado. Portugal livra-se do franquismo e perde o rei a quem Pierre de Coubertin estendera súplica — durante um concurso de tiro em Rambouillett, em que o monarca mostrara uma vez mais o seu jeito — para que Portugal não faltasse aos Jogos Olímpicos de Londres, dois anos depois. Em Outubro, num interessante artigo de oito páginas sobre os IV Jogos da Era Moderna incluído na Illustração Portuguesa, Ferreira de Carvalho escreveu, truculento: «O certamen de Londres foi brilhantíssimo e único; 22 nações se fizeram representar, com excepção de Portugal, é claro — nós polimos calçadas, passeamos na Rua do Ouro ou pegamos touros, género de sport que a civilização não reconhece. A Inglaterra foi porém gentilíssima para connosco; a bandeira das quinas tremulava sobre o majestoso anfiteatro em cuja fachada se ostentava, entre outros, o escudo de armas de Portugal.»

George Hackenschmidt
Truque sujo de óleo
Nascido na Lituânia, George Hackenschmidt foi o primeiro grande lutador de greco-romana do Mundo inteiro. Em 1898 arrasou toda a concorrência no Campeonato de Europa sem precisar nunca de mais que cinco minutos para ganhar os duelos. Tornou-se profissional, radicou-se em Inglaterra, mudou de nacionalidade, passou a ser herói nacional, sobretudo depois de vencer Ahmed Madrali, o turco terrível, por duas vezes, em Londres. Em 1908, em Chicago, enfrentou o americano Frank Gotch, no que promotores de espectáculos transformaram em... «guerra entre os Estados Unidos e a Inglaterra»! George perdeu. Pela primeira vez. Ou melhor, não perdeu, abandonou o ringue quando se apercebeu de que Gotch ungira o corpo com óleo e por isso era impossível a Hackenschmidt agarrá-lo. Furibundo com a marosca, correu para o balneário, em imprecações. O dinheiro que ganhou permitiu-lhe viver como um sibarita em Londres, escrevendo livros vários. E, pouco antes da sua morte, em 1968, Percy Cerrutty, treinador australiano, haveria de falar de si como «a maior autoridade viva na relação entre o corpo e a mente».
António Pereira bateu recordes e a burocracia impediu homologação
Estranha forma de vida
Por várias vezes o tempo traiu António Pereira. E outras vicissitudes concertaram--se contra si. Bastou para que não se fale dele hoje como se poderia falar — se calhar como o primeiro campeão olímpico ou europeu que Portugal poderia ter tido. Nasceu no Cadaval a 4 de Abril de 1888. Era lutador emérito, iniciou-se no halterofilismo em 1907, no Ateneu Comercial de Lisboa — e o seu feito foi de bomba atómica. Sendo levíssimo de categoria, tornou-se campeão de Portugal absoluto — os seus levantamentos embasbacaram quem o viu. Num fósforo estilhaçou todos os records de Portugal: developpé direito — 35 kg; developpé dois braços — 68 kg; arraché direito — 62 kg; arraché esquerdo — 60 kg; arraché dois braços — 82 kg; jeté dois braços — 101 kg. Os quatro últimos registos eram melhores que os records mundiais então em vigor mas, triste fado, nenhum foi homologado por não haver em Portugal instituição filiada na Federação Internacional de Halterofilismo! Decepcionado, só dois anos depois voltou à halterofilia. Ganhou de novo o Campeonato português e... superou largamente os resultados anteriores: 41 kg; 75 kg; 67 kg; 80 kg; 105 kg. Mas sem homologação se mantiveram os seus fabulosos registos. Como nos Jogos Olímpicos de 1912 não houve levantamento de pesos, competiu na luta, esteve mesmo na luta pelas medalhas, foi tramado por sarrafuscas de juízes pouco imparciais. Depois, os anos da guerra... Em Antuérpia também não foi ao halterofilismo porque o COP, desconhecendo as suas reais possibilidades, insistiu em mandá-lo à luta. A medalha de ouro atribui-se com 220 quilos, pouco antes António Pereira erguera 247! Portanto, quando já tinha 36 anos é que se baptizou como levantador olímpico, em Paris, voltando aos Jogos quatro anos depois, em Amesterdão. Em 1924 uma distensão muscular obrigou-o a abdicar do sonho e em 1928, apesar dos seus 40 anos, ainda foi 10.º classificado. Em 1925 consegue enfim a homologação de um record do Mundo ao conseguir 66 quilos em arraché a um braço. Onze anos antes levantara 70!!!

Caçula de Grand Slam
O Open da Austrália é o torneio caçula do Grand Slam. E o único do século XX. Pouco tempo depois de ter sido fundada a Lawn Tennis Association of Australasia, que visava organizar a modalidade na Austrália e na Nova Zelândia, em 1905 a localidade de St. Kilda Road, em Melburne, recebeu a primeira edição dos Australasian Championships. A competição decorreu no Warehouseseman\'s Ground, hoje conhecido por Albert Ground. Restritamente destinada a homens até 1921, o australiano Rodney Heath venceu a edição inaugural e o primeiro título feminino foi parar às mãos de Margaret Molesworth.
 
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hast

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Para que os húngaros não zombassem de si, António Pereira desistiu da luta final

Título europeu ao tapete
António Pereira foi, sem dúvida, o primeiro campeão português das oportunidades incrivelmente perdidas. Desconcerta pensar que bateu records do Mundo de halterofilismo e as marcas não foram homologadas por minudências burocráticas, choca saber que doutos (!) espíritos olímpicos não tenham percebido que poderia ser campeão olímpico em Antuérpia e em vez de o inscreverem no levantamento de pesos — o atirassem à luta greco-romana, apesar de ter sido esse o seu primeiro reduto de glória. Em 1914, pouco depois da fundação da Sociedade Promotora de Educação Física Nacional, chega a esta agremiação um convite para Portugal se fazer representar no Campeonato da Europa de luta greco-romana, em Budapeste. Foi vencendo os diversos adversários até se classificar para a final. Devido à parcialidade dos juízes húngaros, que queriam que repetisse o combate onde tinha vencido o campeão local, decidiu pura e simplesmente abandonar a prova. César de Melo fez o mesmo. A ambos os jornais portugueses da época elogiaram sobretudo a «atitude, o carácter», não havendo sequer um lamento pelo primeiro título de campeão europeu que se deve ter perdido assim — por não permitir que alguém «zombasse da sua dignidade, da dignidade de Portugal»!

Fundação da FIFA sem... Ingleses
Enquanto o futebol se espalhava pelo mundo inteiro os ingleses mantinham-se orgulhosamente fechados no seu mundo. Em 1902 Robert Guérin, jornalista do Le Matin de Paris, encetou contactos com associações e clubes da Dinamarca, Holanda, Espanha e Suécia no sentido de fundar uma federação internacional. Os contactos com os britânicos nem sequer resposta tiveram. Não desistiu e a 1 de Maio de 1904, depois de um jogo de futebol entre a Bélgica e a França, durante o banquete, Guérin voltou à carga. Três semanas depois, a 21 de Maio, delegados franceses, belgas, dinamarqueses, holandeses, espanhóis, suecos e suíços, numa sala de fundos da União Francesa de Atletismo, fundaram a FIFA — Fédération Internationale de Football Association. A Deutscher Fussball Bund, apesar de não estar presente, anunciou a sua adesão. Os ingleses continuaram a não responder... Só em Abril de 1905 é que Inglaterra, Escócia, Irlanda e País de Gales aderiram à FIFA. E em 1906 Daniel Woolfall sustituiu Guérin na presidência. Aprovada foi a disputa de um torneio internacional na Suíça, o seu representante, Vitor Scheider, doou o troféu para o campeão mas torneio nunca houve. Por essa altura as botas de futebol eram totalmente fabricadas de couro, incómodas — com um cano alto para proteger os tornozelos e pitons também de cabedal. Só em 1925 é que tomariam o aspecto mais modernizado...
 
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hast

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1908 - Jogos Olímpicos de Londres

Bomba que destruiu mito do fair play

Campeão a correr sozinho
Roma ganhou a candidatura à organização dos Jogos Olímpicos de 1908. Em vez de montarem a máquina os romanos desandaram em guerra patola com Milão, que exigia pelo menos uma parte dos Jogos Olímpicos para si. Pierre de Coubertin perdeu a paciência e entregou a organização a Londres. Por lá passaram 2050 atletas de 23 países. Nos terrenos da Exposição Franco-Britãnica improvisou-se um estádio com bancadas para 70 mil espectadores. De boca em boca se mantinha, pelo Mundo fora, o exemplo da final da F. A. Cup de 1875, nos históricos campos de Eaton, palco da vitória de Wellington sobre Napoleão. Marindin, capitão do Royal Engineers, retirou-se do campo quando viu que um jogador do Etonians se lesionara gravemente, «para que assim se mantivesse o equilíbrio de forças entre as duas equipas». Jurava-se e trejurava-se que o desporto em Inglaterra se fazia acima de tudo desse espírito ”o fair Play”. Sem tradução e tudo. Mas, como também no desporto que o homem encontra o melhor ou o pior do homem que há em si, os ingleses então já afamados pelo seu fair play enrodilharam-se no escândalo que lhes manchou irremediavelmente os Jogos. O francês Maurice Schilles ganhou o ciclismo aos super-favoritos britânicos mas os juízes, enroladores, decidiram anular o resultado com base no peregrino argumento de que o tempo limite fora ultrapassado em um segundo. Só que ninguém sabia que existia tempo limite ”porque, de facto, não existia, era manigância. Escandalosa. Repetiu-se a prova e a medalha de ouro ficou em Inglaterra. Mas com uma nódoa. Imensa. No atletismo, na final dos 400 metros, outra grande bronca. À partida três americanos (Carpenter, Taylor e Robbins) e um escocês (Halwell), que nas eliminatórias colocara o recorde olímpico em 48,4 segundos! Porque nesse tempo a volta à pista se corria ao molho, Taylor e Robbins montaram tramóia para tramar Halwell, barrando-lhe o caminho, enquanto Carpenter disparava, solto e livre, para a vitória. Foi tudo tão descarado que o júri anulou a prova e marcou a sua repetição para dois dias depois com... «cada atleta em sua pista». Era uma revolução no atletismo. Que se tornou lei para evitar que a historia se repetisse. Os americanos não aceitaram a decisão e Halwell, correndo sozinho, tornou-se o único campeão olímpico sem alguém a dar-lhe luta!

Oscar Swahn, Matusalém do tiro A silhueta de veado

Seis medalhas, a primeira aos 60
Oscar Swahn iniciou a sua carreira olímpica com 60 anos e 256 dias. Nascera a 20 de Outubro de 1847 e surgiu em Londres de longas e eriçadas barbas brancas, fato e sobrecasaca, chapéu de coco. Era esse o seu traje sempre que entrava num campo de tiro. Assim ganhou as suas três primeiras medalhas olímpicas. Foi campeão no tiro da silhueta de veado em movimento, quer individual quer colectivamente, e terceiro classificado no tiro duplo ao veado. Quatro anos depois, em Estocolmo, revalidou o título por equipas, campeão individual foi o seu filho Alfred que nove medalhas arrecadaria, três de cada espécie. A I Guerra Mundial afastou-o de outras eventuais conquistas, não lhe desacertou o tiro e em Antuérpia, em 1920, já com 72 anos, ganhou mais uma medalha de bronze, desta feita no tiro aos pratos. Mais espantoso ainda, em 1924 logrou apuramento para os Jogos de Paris, só faltou porque adoeceu à última hora, falecendo três anos depois, em Estocolmo. Para trás, para além de seis medalhas olímpicas, vitórias em 500 grandes prémios internacionais...

29 modalidades, Hollywood e muito mais...
Figura Ímpar do desporto australiano, Reginald Leslie Baker foi um dos pioneiros nos saltos para a Água, novidade dos Jogos Olímpicos de Londres, em 1908. Mas também competiu em natação e em boxe, conquistando nesta modalidade a medalha de bronze na categoria de pesos-médios. Snowy Baker foi também internacional pela Austrália em pólo aquático e râguebi. E tem em seu poder um recorde de Guinness Book competiu ao mais alto nível em 29 (!) modalidades, tornando-se depois afamado Arbitro de pugilismo. Após a I Guerra Mundial zarpou para os Estados Unidos, Hollywood, participou em cinco filmes e tornou-se um dos mais famosos e bem pagos professores de equitação das estrelas do cinema americano.

145 medalhas para os britânicos
Vinte e três os países. E 21 as modalidades. Participantes, 2050, 43 mulheres. Os Jogos de Londres disputaram-se entre 27 de Abril e 31 de Outubro, a Grã-Bretanha dominou literalmente a caça às medalhas, com 56 de ouro, 50 de prata e 39 de bronze, contra 23 de ouro, 12 de prata e 12 de bronze dos Estados Unidos. Em terceiro lugar no medalheiro a Suécia, com sete mais cinco mais dez.
 
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1908 Jogos Olmpicos de Londres

Drama de Dorando, táxi e dinheiro roubado pelo irmão

Escritor de policiais, libras e taça da princesa
Foi a primeira maratona com 42.195 metros simplesmente para que uma das princesas pudesse ver a partida da janela do palácio real! Essa foi a distancia do seu relvado até ao Estádio Olímpico. À beira da meta, em estado de exaustão, coberto de pó e de suor, cambaleante, semi-inconsciente, um italiano. Pietri Dorando. Em ziguezagues se foi arrastando pela pista, bichanando apenas o hino italiano. A cinco metros da meta, a cinco metros do sonho, desfaleceu. Tentou levantar-se vezes sem conta mas em vão. Nas bancadas os ingleses tinham os corações palpitando por si. De súbito um deles saltou para a pista e, servindo de seu amparo, fá-lo cortar a meta. Era Arthur Conan Doyle, famoso autor das histórias de Sherlock Holmes. Por ter recebido ajuda externa foi desclassificado. E o título olímpico entregue ao americano Haynes. Mas herói não deixou de ser Dorando. Nem sequer a mais lendária figura desses Jogos de 1908. No dia seguinte a rainha Alexandra pediu que subisse ao seu camarote real. Ele foi. Embrulhado na bandeira italiana. Emocionada disse-lhe: Nãotenho medalha nem diploma nem coroa de louros para lhe dar, senhor Pietri, mas para que não leve só más recordações de Inglaterra receba esta taça de ouro, como prova da nossa admiração pelo seu comportamento, pela sua heroicidade que tanto me comoveu. O Daily Mail abriu de imediato uma subscrição pública que rendeu mais 300 libras a Dorando. A sua fama alastrou de tal forma que o chamaram para a América. Profissional de corridas se tornou. Por isso não pode voltar a competir nos Jogos Olímpicos. Por duas vezes venceu a Maratona de Nova Iorque. Muito dinheiro arrecadou. Voltou a Capri, onde vivera, mas um irmão, por manigâncias várias, usurpou-lhe a fortuna toda e Pietri Dorando acabaria por morrer sem grande riqueza, depois de ter sido motorista de táxi!

Inspiração musical
O drama de Pietri Dorando na maratona de Londres mexeu com o mundo inteiro. Inspirou artistas, poetas e músicos. Por exemplo, o famoso compositor Irving Berlin deu o nome de Dorando à sua primeira música publicada. Eram os acordes do drama, o regresso ao toque Épico de Filapides, o soldado grego da mitologia...

Pietri Dorando era fabricante de doces Bifes e «brandy» de Hayes
Cem mil espectadores regurgitando no Estádio Olímpico. Pietri Dorando, 22 anos, enganara-se já à sua entrada. Em vez de cortar à esquerda seguira à direita por não conseguir discernir os avisos dos juízes! Tinha então mais de um minuto de avanço. Ainda conseguiram colocá-lo no caminho certo. Entrou na pista de cinza aos ziguezagues. Três vezes se estatelou. Parecia, dramaticamente, um homem num pesadelo, não andava, não corria — flutuava-lhe apenas o pensamento, os braços tremiam, as pernas vacilavam... Conan Doyle, um dos que amparam o italiano, por essa altura fabricante de doces em Capri, haveria de escrever: «Era horrível e ao mesmo tempo fascinante, a luta entre a vontade e a exaustão de um homem a enfrentar o seu destino, os deuses.» De súbito surgiu no estádio o americano John J. Hayes. Em braços, Dorando cortou a meta. E foi desclassificado. Para glória de Hayes, que, ao New York Times, contou a sua saga e a de Pietri num histórico lampejo de fair play: «Parecia aquela lenda da maratona, do soldado grego a morrer ao chegar à cidade... Arrepiava ver aquele drama do italiano, apesar de eu quase já não ter força para me arrepiar... Cometi um grande erro ao não comer nem beber durante a maratona. Antes da partida tomei o pequeno-almoço, duas onças de bife, duas tostas e uma chávena de chá... Ao longo dos 42 quilómetros apenas molhei a cara com água e fui gargarejando a garganta com brandy, sem nunca engolir. E foi assim que ganhei a maratona — ou melhor, só ganhei porque aconteceu aquela tragédia ao italiano...»

Disco de cima do pedestal!
Nos lançamentos duas curiosidades. Para além dos tradicionais lançamentos de disco e dardo, a organização fez disputar prova de disco em estilo grego, na qual os participantes teriam de subir para um pedestal e de lá atirar o engenho de acordo com a falsa interpretação da técnica clássica de Olímpia. O americano Martin Sheridan, campeão em Saint Louis, revalidou o título em Londres e ganhou também o estilo grego. No dardo o campeão normal foi também o campeão do estilo livre — o sueco Erik Lemming. Outras novidades? No atletismo surgiram as primeiras competições de marcha, na natação os saltos de trampolim. E, naturalmente, em nome do seu passado, houve râguebi nos Jogos mas para choque dos ingleses a vitória pertenceu à Austrália!
 
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1908 – Jogos Olímpicos de Londres

Terceiro título consecutivo de Flanagan no martelo Superpolícia de Nova Iorque
John J. Flanagan foi o primeiro grande lançador da modernidade. Nasceu na Irlanda, pátria do martelo, em 1873. Com 24 anos deixou Limerick e foi para Nova Iorque trabalhar como polícia, em troca do posto exigiram-lhe mudança de nacionalidade porque, entretanto, se ficou a saber que era um dos melhores atletas europeus, recordista mundial inclusivamente. Por isso, em 1900, foi sob bandeira americana que conquistou, em Paris, o primeiro título olímpico. Quatro anos depois, em Saint Louis, revalidou-o, classificando-se ainda em segundo lugar no lançamento do peso. Nos Jogos Olímpicos de Londres terceira vitória consecutiva. Entre 1895 e 1909 bateu por 12 vezes o record mundial. Para além da força e do gabarito, 1,83 metros e 102 quilos, foi a sua técnica revolucionária que o alçou ao fastígio: antes de si os lança-dores de martelo actuavam com os braços esticados e o pé esquerdo em contacto total com o solo, Flanagan introduziu as duas voltas «para meter velocidade na força», semiflexionando os braços. Mais ou menos como ainda agora se faz. «Foi tudo instintivo mas resultou — e de que maneira.» Depois de reformado regressou à Irlan-da, falecendo em 1938, com 75 anos. Não chegou, pois, a saber que apenas Al Oerter e Carl Lewis fariam melhor, com quatro títulos olímpicos consecutivos no disco e no salto em comprimento.

31 golos nas meias-finais do futebol!
A partir de 1880 as equipas inglesas de futebol profissionalizaram-se. Primeiro dissimuladamente. Depois à tripa-forra. Em 1885 lei do Parlamento reconheceu o futebol como profissão. Um ano antes a FA desclassificara o Preston North End, sob a acusação de pagar «ordenados exorbitantes aos seus futebolistas», mas perante o novo quadro legal teve de assumir, enfim, o profissionalismo como novo sinal dos tempos. Por isso os grandes jogadores ingleses não passaram pelas primeiras edições dos Jogos Olímpicos. Ninguém achava isso muito importante, os britânicos viviam no esplendor da sua FA Cup, de tal forma que, em 1901, 110.802 espectadores pagaram «uma fortuna por um bilhete» para assistir à vitória do Tottenham. Sem surpresa, o torneio olímpico de futebol em Londres foi um fiasco mais ou menos camuflado. Basta ver o que aconteceu nas meias-finais: a Inglaterra bateu a Suécia por 12-1, a Dinamarca a França por 17-1. Na final, enfim, algum equilíbrio e a medalha de ouro em casa, graças à vitória por 2-0 ante os dinamarqueses. Os campeões olímpicos? Eram todos estudantes universitários ansiando por um canto de sereia de qualquer clube da FA.

Frase que não é de Coubertin

Ouro de Bíblia na mão!
Em 1908, na véspera da abertura dos Jogos de Londres, o bispo da Pensilvânia, Ethelbert Talbot, celebrou missa dirigida a todos os atletas na majestosa Catedral de Saint-Paul e ao sermão lançou em brado palavras que haveriam de ficar filosoficamente emblemáticas — que muitos julgam ser da lavra de Coubertin mas não: «Nos Jogos Olímpicos o importante não é ganhar, é participar.» Não muitas horas depois o americano Forest Smithson sagrou-se campeão olímpico de 110 metros barreiras, correndo com a capa de uma Bíblia na mão em sinal de protesto contra a disputa de provas de atletismo no dia do Senhor!

Até barco a motor
Mantendo-se o lacrosse no programa, os ingleses acrescentaram-lhe provas de barco a motor, torneio de pólo e de... péla, para além de provas de patinagem artística para homens e senhoras. O ténis teve duas provas, uma ao ar livre e outra em recinto coberto. E se em Paris, oito anos antes, se fizeram provas de tiro aos pombos e aos javalis — agora coube a vez de o alvo ser a silhueta de veado e os pombos serem substituídos pelos pratos.

Tribunais... estrangeiros
Várias foram as desavenças entre as cúpulas das comitivas da Grã-Bretanha e dos Estados Unidos, os anfitriões sistematicamente acusados de parcialidade — e por via disso o COI decidiu que de Londres em diante os tribunais de arbitragem seriam sempre compostos por elementos das mais diversas nações, eleitos no seio das respectivas federações.