Pepe marcou presença este sábado no Portugal Football Summit e, num ‘One on One’ com Pedro Pinto, abordou diversos assuntos, desde o arranque da sua carreira até à motivação que manteve mesmo após os 40 anos.
Recordações do início: “Aos 18 anos tinha o sonho de ser profissional e estar num jogo que desse na TV para a minha mãe assistir. Vim muito cedo, Portugal abriu-me a porta e acolheu-me superbem. Fui para a Madeira. Os primeiros passos são sempre muito complicados. Deixar pais, irmãos, origem… Mas a Madeira e Portugal abraçaram-me, deram-me carinho. Fiz grandes amigos que vou levar para o resto da vida. Sacrifício, resiliência, trabalhar muito e acreditar, não defraudar as pessoas que sempre apostaram em mim”, começou por lembrar o antigo internacional português, atualmente com 42 anos.
Formação do carácter: “Fui-me moldando. Mas já era. Na minha vinda, fui fazer um jogo-treino em que o Marítimo queria levar um avançado. Eles disseram-me para ser mais suave com ele, mas eu pensei ‘tenho de ser honesto comigo e fazer o mais difícil’. Após 15 minutos desce o Nelo Vingada: ‘Oh miúdo, anda cá’. Eu, tímido, envergonhado… Ele disse: ‘Queres ir a Portugal?’. Respondi que queria. ‘Por que razão não deixaste o avançado marcar?’. ‘Sou defesa. Não posso’, respondi. ‘Então pronto, vais para o Marítimo’. Fui-me moldando ao que fui dentro de campo. Era um jogador muito intenso. Acreditei sempre que com o trabalho não perdíamos. Fui vendo que o perder também faz parte, mas desde que dês tudo o que tens, toda a paixão, rigor no que fazes… O desporto é isso mesmo, três resultados, perfeitamente normal.”.
Motivação permanente: “O seio familiar é muito importante. Eles também compram aquilo que tu queres para o futuro. A partir dos 30 anos reparei que aprendia muito com os jovens. Comecei a absorver da energia deles e tentar adaptá-la às minhas condições. Sempre com profissionalismo e rigor, procurei respeitar o descanso, alimentação, o treino dentro do campo… Para mim não acabava aí o treino, tinha mais 23 horas para treinar e me preparar. Era um trabalho muito difícil para jogadores que passam dos 40 anos. Precisam de ter 23 horas sempre a pensar nos 90 minutos. Muita dedicação constante”.
Sobre o Euro’2016: “Vim no Euro’2008 para a Seleção, fiz dois jogos. Portugal andou sempre próximo. 2004… Meias-finais, finais… Quando chegámos aquele jogo de 2016, depois de uma época super desgastante… No meu clube tinha sido uma época super vitoriosa. Estar ali tão próximo, tínhamos de deixar tudo lá dentro. Onde eles colocavam o pé tínhamos de colocar a cabeça. Foi assim que encarámos o jogo. Na antevisão, vimos o autocarro da seleção francesa praticamente preparado para o dia seguinte. Foi um sinal que me deixou com raiva para dar tudo. Passei a palavra, com o selecionador Fernando Santos, nas palestras, as fotos do autocarro… Começámos ali a ganhar o jogo. Na vontade, acho que os franceses não nos podiam ganhar nem ninguém pode, desde que nós a tenhamos, vontade de ir ao limite. Foi o que nós, jogadores, e os emigrantes sentiram. E isso foi-se espalhando”.
Memórias desse percurso: “Felicidade. Estávamos em Marcousi, havia muitos emigrantes portugueses e foram peça fundamental para nós. Às 3 ou 4 da manhã havia 15, 20 mil pessoas à nossa espera. De manhã acordávamos cansados para treinar e sabia bem sentir aquele calor das pessoas, ter de treinar bem, com três ou quatro horas de sono. Começámos a passar a mensagem e a sentir a felicidade deles. Começámos a sentir responsabilidade de poder retribuir. Ligávamos a TV, com um mar de pessoas aqui em Portugal a ver nos ‘telões’. Foi muito bonito, uma felicidade para a qual não encontramos palavras”.
Experiência no Real Madrid: “Estive 10 anos no melhor clube do mundo, com uma exigência e pressão brutais. No Real aprendemos muito aquilo do Mundial. De três em três dias era outro jogo exigente. Não importava se era o Bayern, o Manchester United, uma equipa média do campeonato espanhol. Tinham jogadores de muita qualidade e todos ao seu melhor nível. 10 anos nesse registo faz-nos aprender que cada jogo é importante. Ganhamos hoje, vamos pensar no jogo seguinte. Aí entra recuperação, alimentação, etc. Para preparar o jogo seguinte. Quando ganhava um jogo, parecia que não podia desfrutar. Para ter sempre os pés assentes no chão”.
Relação com o FC Porto e despedida dos relvados: “A relação com o FC Porto foi muito bonita. Em 2004, após a Champions, tive a oportunidade de ir para um clube grande. O primeiro ano não foi fácil, mas adaptei-me à exigência. Foi o clube que me transportou para a Europa e me moldou para ser um vencedor. Muito grato ao que o FC Porto e a cidade me deram, à mulher que tenho até hoje e aos três filhos maravilhosos. Tenho muito carinho. Deixar não é fácil para qualquer jogador, ter de pôr um ponto final na carreira. Podia ter jogado mais um ano ou outro, mas as circunstâncias da vida não deixaram. Respeito. O mais importante é que um dia possa voltar a esse clube e dar um contributo ao clube e à cidade”.
Do homem de família ao ‘Pepe guerreiro’? “Na Seleção defendia os 11 milhões. Ao ver a felicidade deles, também estive desse lado. Fui adepto, tentei sempre passar a minha energia positiva, mesmo tendo dificuldades. Procurei defender sempre a Seleção e clubes por onde passei, com a minha pureza, dedicação e honestidade interior”.
Saudades de competir? “Nunca se perde essa personalidade. Saudades de jogar, para já não. Enquanto fui jogador, dei sempre o meu melhor. Agora a adrenalina… Agora ando de bicicleta, estou um amador do ciclismo, que dá muita ‘guerra’. No futebol, jogo coletivo, uma falha é diluída para todos, são todos culpados. Na bicicleta não podes falhar, és tu e a máquina. Luta constante com a tua cabeça. Se páras e desistes, és tu. Não foi o companheiro. Continuo a lutar mentalmente, a manter-me bem, saudável. Corro bastante também. Já joguei pelos Legends da Federação, também estou no Real Madrid. O futebol não sai da nossa essência. Acredito que sou uma mais-valia para poder ajudar os mais jovens”.
Vida fora do desporto: “Ser pai (risos). Quando estamos na trituradora, como nós dizíamos entre nós jogadores… As coisas passam sem darmos conta. Agora ser dono do nosso tempo é muito valioso. Estou e a desfrutar bastante”.
Legado desejado: “Acima de tudo um bom companheiro. O líder tem de dar o exemplo, não impor nada. A melhor maneira de levar um companheiro ao que almejas é pela tua forma de estar, trabalhar e dedicar. Poder ajudá-lo. Na minha trajetória procurei sempre ser esse jogador”.