O Século XX do Desporto

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Cinco medalhas aos 15 anos e o abandono imediato

Shane Ouro
Apesar de já se saber dos seus prodígios antes ainda de começar a nadar, a australiana Shane Gould tornou-se atracção especial nos Jogos Olímpicos de Munique. Tinha 15 anos e nunca largava um canguru de pelúcia que era sua mascote. E sorria, sorria, sorria. Passara a infância subindo às palmeiras das ilhas Fiji, onde nascera, e fora isso que, segundo o seu treinador, Forbs Carlisle, lhe dera corpo de nadadora. Entre Julho de 1971 e Janeiro de 1972 estabelecera records mundiais em todas as provas de estilo livre, dos 100 aos 1500 metros. Em Munique nadaria 12 vezes em oito dias apenas. Abriu a saga com os 200 metros estilos — medalha de ouro e record do Mundo: 2.23,07. Algumas horas depois a primeira derrota da sua vida, nos 100 metros, a consolação do bronze, depois de uma provocação que não foi capaz de vingar: as americanas, Sandra Neilson e Shirley Babashoff, que lhe ganharam, surgiram na piscina com camisolas onde estamparam a frase choque: «Nem tudo o que reluz é Gould», trocadilho entre o seu nome e a palavra ouro em inglês gold. Nos 200 e 400 metros mais duas tatuagens a ouro, mais dois máximos mundiais: 2.03,56 e 4.19,44 minutos, respectivamente. Por fim prata nos 800 metros, com Keena Rothammer a tornar-se recordista do Mundo. Shane haveria de confessar que, numa das vezes em que saltou à cumeeira do pódio, ao escutar os acordes do hino australiano tocado por uma banda alemã desatou a chorar — e não era de emoção, era de mágoa: «Já sabia que o meu sucesso afastara todos os outros nadadores de mim, tratavam-me com frieza, com desprezo — e com despeito. Nesse momento deixei de ser menina...» Um ano mais tarde, com 16 anos e 9 meses, com uma bruma de desânimo e revolta a cair sobre si, anunciou a retirada — para fugir à inveja, à caturrice de quem não suportava que a menina se transformasse em supermulher com a sua braçada em jeito de mó de moinho. «Sim, agora que a poeira assentou, tenho de admitir que a minha fuga foi sobretudo um fiasco para mim, um fiasco colorido de vergonha, culpa e confusão — uma estupidez...» O que se seguiu foram vários anos num rodopio, saraivada de emoções e prazeres — toda a vida a girar à volta do surf, de Deus e do casamento. «Foi o meu lado beat, a vida nas ondas para fugir do mundo — ou o outro lado da fuga através de retiros espirituais completamente alucinantes.» Entre os 21 e os 26 anos nasceram-lhe quatro filhos. Em 1997 decidiu colocar ponto final no modo alternativo de viver. «Não tinha emprego nem endereço fixos, não tinha meios de subsistência, não poderia deixar os meus filhos assim entregues ao destino. Dei novamente uma viragem à vida e redescobri o futuro.» A sua paixão, agora, é o Shane Gould Life Skills — que oferece bolsas a jovens promessas da natação e aborda vários outros aspectos como o planeamento de carreiras, gestão de dinheiro e estratégias de comunicação.

Vela, Grilo, Lopes e Mamede
O sexto lugar dos velejadores António Mardel Correia e Henrique Anjos, na classe star, e o nono lugar de Luís Grilo em luta greco-romana (57 kg) foram as únicas classificações com alguma honra nuns Jogos que mostraram mais uma vez como regredia o desporto português. No hipismo, no Prémio das Nações, Carlos Campos, Vasco Ramires e Francisco Caldeira alcançaram colectivamente o 13.º lugar. O atletismo começava a preparar o futuro. Carlos Lopes e Fernando Mamede não passaram das eliminatórias de 5000 e 10 mil metros e de 800 e 1500 metros, respectivamente, mas Moniz Pereira não deixou de dizer que ficara maravilhado com os sinais que lhe deram.

Mark Spitz juntou sete medalhas de ouro às quatro (angustiantes) do México
Insuportável fanfarrão
Crescera a brincar nas ondas do Havai. Nascera sob o signo de Peixes a 10 de Fevereiro de 1950, em Modesto, na Califórnia — mas de modesto pouco tinha. Influências do pai, que lhe empolava a fanfarronice — e acendia de hora a hora fogos de ambição desmedida. Quando a família se mudou para Santa Clara, levada unicamente pela ideia fixa de fazer de Mark Andrew campeão olímpico, vulgares se tornaram as cenas caricatas dos Spitz nas piscinas do Swim Club. Arnold, alto executivo de uma empresa de aço, para além de exuberâncias, vaidades, jactâncias e megalomanias escarrinhadas a cada frase, bradava sentenças de jaez assim: «Nadar não é importante, importante é unicamente ganhar.» Ou então: «Vão estar oito rapazes na piscina, só um será o vencedor, os outros não interessam para nada, são escumalha» — e virando-se, escabreado, para Mike rematava: «Escumalha, rapaz, escumalha!» E Spitz cresceu entralhado nessa obsessão de que só vencendo, vencendo a qualquer preço, poderia ter amor, adulação, fama. Tornou-se, sem surpresa, superdotado, irritante e irritadiço. Aos 16 e 17 anos as suas marcas eram já melhores que as de Don Schollander por essa altura — mas o pai tratou logo de avisar que «records de idades eram porcarias, o que devia ter era records mundiais». No ano seguinte, já trirrecordista do Mundo, Mark partiu para os Jogos do México sob jura solene: «Fazer melhor que Schollander, que em Tóquio ganhara quatro medalhas de ouro — hei-de trazer seis...» Teve de contentar-se apenas com a medalha de prata dos 100 metros mariposa e a de bronze nos 100 livres — se ouro teve foi nas duas estafetas. Mas a humilhação mais cortante foi na final dos 200 metros mariposa — os colegas de equipa pontearam com aplausos e urros o facto de ter chegado em último lugar! Regressou à Universidade de Indiana com a alma aos solavancos. James Counsilman, que já fora técnico de Schollander, empenhou-se na restauração da sua auto-estima — que mais parecia pote em cacos.

Ouro por dois milésimos
Sim, Mark Spitz ofuscou tudo. Mas, mesmo assim, em Munique dois nomes fulgiram. Ambos ganharam duas medalhas de ouro: Roland Matthes, primeiro produto de sucesso da indústria do doping da RDA, que haveria de casar com Kornélia Ender, dominou os 100 e os 200 metros costas — em Montreal haveria de ganhar ainda mais uma medalha de bronze; o sueco Gunnar Larsson, que se treinava em Long Beach com técnico americano, venceu os 200 e 400 metros estilos — e na prova mais longa foi protagonista do duelo mais emotivo e apertado dos Jogos com o americano Alexandre McKee, a quem já ganhara na distância curta. O photo finish haveria de mostrar que Larsson tocara na borda da piscina dois milésimos (!) à frente — ambos acabaram por ser considerados recordistas mundiais, com 4.31,89 minutos, o nível foi tão fantástico que os quatro primeiros classificados melhoraram o anterior máximo.

Depois de Munique, Spitz — Filme, roupas e desvairo
FBI em operação relâmpago
Para Munique partiu Mark Spitz ao jeito de herói californiano: atlético, musculado, bronzeado, olhos azuis a lucilar, bigodes dançantes. Estava apenas um pouquinho mais comedido: «Quero ganhar os Jogos Olímpicos para desistir desta vida. Não, nunca ganhei pela glória de ganhar, nadei apenas pela satisfação de ser reconhecido como o melhor do Mundo. É isso que quero, nada mais.» Não, na Alemanha não falhou. Antes pelo contrário. Foi o homem das Olimpíadas — dando vazão a toda a agressividade, a toda a ambição, a todo o topete. Apesar de um esfriamento, tratado a antibióticos — o primeiro sinal de eternidade nos 200 metros mariposa, batendo recorde do Mundo por mais de dois segundos. O tufão passou depois pelos 100 metros mariposa, 100 livres e pelas estafetas de 4x100 metros livres, 4x200 livres e 4x100 estilos — sempre com o ouro acrescentado a máximos mundiais. A única vitória complicada foi nos 200 metros estilos, só nos últimos metros conseguiria ultrapassar o compatriota Steve Genter — no pódio surgiu jubilante, acenando com os sapatos às câmaras de televisão, os jornalistas arrasaram-no, sublinhando que a hora era de luto, havia atletas israelitas mortos — e Spitz até tinha sangue judeu a correr-lhe nas veias... Pouco depois caterva de agentes do FBI surgiu-lhe, de supetão, no quarto da Aldeia Olímpica, transportando-o de imediato para a Califórnia. Suspeitavam que pudesse ser vítima de mais um atentado palestiniano. Com 25 recordes mundiais batidos, nove medalhas olímpicas de ouro, uma de prata e uma de bronze — abandonou as lides logo depois de Munique. Fez passagens esporádicas pelo cinema e pela televisão, inundou a América com a sua imagem em anúncios de publicidade — fartou-se depressa, dizendo que não tinha jeito para actor ou para homem-propaganda, também não se satisfez como dentista — decidiu, então, dedicar-se ao desenho de roupas para crianças. Casado com Suzy Weiner em 1973, vive em Los Angeles numa mansão com um imenso jardim e uma... piscina. Em 1989 tentou um desvairado regresso à competição — com uma meta claríssima: nadar nos Jogos Olímpicos de Barcelona, aos 42 anos. Falhou a aposta — e após a última competição de 100 metros mariposa afirmou: «Quando me atirei à água senti-me com 21 anos, aos 50 metros já tinha 31, aos 75 andava pelos 41 — e na meta já tinha ultrapassado os 101 anos. Deu para ganhar juízo e gastar o meu tempo livre a fazer outras coisas com mais prazer na vida...» Encontrou outro caminho. E outro hobby. É treinador da equipa de futebol (não, não é futebol americano — é soccer mesmo!) do seu filho Matthew.

Demont traído por medicamento para a asma!
O americano Rick DeMont foi o primeiro nadador a estilhaçar a barreira dos quatro minutos nos 400 metros livres — mas para a história ficou por ter sido o primeiro desportista a perder medalha por causa de uma análise positiva de doping. Em Munique, com 16 anos apenas, tornara-se o mais jovem campeão olímpico de 400 metros ao bater, num duelo emocionante, o australiano Brad Cooper. Semanas antes colocara o máximo mundial dos 1500 metros em 15.52,91 minutos — outra barreira histórica esfanicada e o favoritismo todo concentrado em si. Estava já na piscina, em operação de aquecimento, quando dirigentes do COI o foram buscar, dizendo-lhe que não poderia voltar a nadar, fora apanhado no doping. Era asmático, tomara medicamento com efedrina, discriminara, inclusivamente, a droga na ficha médica, de nada lhe valeu, não houve contemplação. Um deslize fatal, pois. Mas que não lhe afundou a alma — haveria de bater mais três recordes mundiais, colocando o dos 400 metros em 3.58,18 minutos, conquistando uma mão-cheia de medalhas em Campeonatos do Mundo. Só não conseguiria voltar ao pódio nos Jogos Olímpicos. Melhor sorte que DeMont, tiveram os homens do pentatlo moderno. Mais de 40 foram apanhados com excesso de Valium no controlo anti-doping. Não foram desclassificados porque os tranquilizantes ainda não estavam na lista proibida.
 
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Olga Korbut não venceu concurso individual mas foi estrela da ginástica

Depressão, conhaque e abusos sexuais
A soviética Olga Korbut não ganhou o concurso individual de ginástica, a vitória coube a Ludmilla Turischeva, mas foi uma das estrelas de Munique — com três medalhas de ouro (exercícios no solo, trave e concurso completo por equipas) e uma de prata (paralelas assimétricas). Com 17 anos de idade, corpinho de boneca, tranças apertadas — parecia não ter mais de 13. Era uma anã com a puberdade retardada — através de manipulações genéticas e doping. A imagem ficou mas a glória durou pouco. Dois anos depois o adeus de Olga — a despedida amassada de mágoa e revolta mas (por óbvias razões...) sentimentos revelados apenas na era Gorbachev, muitos anos depois: «Em 1976 estava exaurida, o meu corpo tinha sido supermanipulado, o fogo interior morrera.» Mais arrepiantes ainda as revelações ao jornal moscovita Komsomolskaya Pravda — acusando o treinador Renald Knysh de a embebedar com conhaque quando era apenas uma criança e de ter cometido sobre si abusos sexuais. Knysh negou, obviamente, as declarações de Olga, que após a reforma como ginasta passou por depressões várias, que apenas amansariam a partir da glasnost. Casada com Leonid Bartkevich, um dos mais populares cantores pop da Rússia, só a partir de 1991, quando emigrou para os Estados Unidos, sentiu o «verdadeiro caminho da felicidade a rimar com liberdade» — como haveria de dizer também...

Imagem da bonequinha, Chernobyl e crianças com cancro
Nascida em Grodno, na Bielo-Rússia, a 16 de Maio de 1955, filha de um engenheiro industrial e de uma cozinheira, Olga Korbut tornar-se-ia famosa pelos movimentos inovadores na trave e paralelas assimétricas — e pela imagem de bonequinha, 1,50 metros, 38 quilos. A sua fama foi tal que em 1972 a estação de televisão ABC elegeu-a atleta feminina do ano e a agência noticiosa Associated Press concedeu-lhe o Babe Didrikson Zaharias — prémio que não era atribuído a atletas do Leste da Europa desde 1931! Em 1991, com a abertura das fronteiras soviéticas, emigrou para os Estados Unidos, tornou-se treinadora de ginástica em Atlanta. Há dois anos mudou-se para Londres, assumindo funções de técnica nacional da Grã-Bretanha. Já tem estátua de cera no museu da madame Tusseau. Grande parte do dinheiro que vai ganhando é aplicada na fundação que criou para ajuda às vítimas do desastre nuclear de Chernobyl — ou para pagar medicamentos e tratamentos especiais a crianças pobres que sofram de cancro.
Turischeva ofuscada por Korbut e não só...

Nove rodelas sagradas
Ludmilla Turischeva estreou-se nos Jogos Olímpicos na Cidade do México. Tinha 18 anos — e ganhou medalha de ouro no concurco completo por equipas. Esse era ainda o tempo do reinado fantástico de Vera Caslavska. Quatro anos depois, em Munique, a coroa já era sua. Para além de repetir o título colectivo, ganhou a medalha de ouro no concurso individual, a de prata no solo e a de bronze no salto de cavalo. Era uma ginasta classicamente correcta e maravilhosamente consistente — graciosa em todos os seus gestos, efeitos do ballet que começou a praticar aos quatro anos. Era então costume dizer-se que os espectadores torciam por Olga Korbut mas os verdadeiros especialistas de ginástica encantavam-se com o deslumbre de Turischeva. Na terceira presença olímpica, em Montreal, precisamente quando nasceu estrela de outro mundo — a romena Nadia Comaneci —, Ludmilla arrecadou mais quatro medalhas olímpicas: ouro no concurso completo, prata no solo e no salto de cavalo e bronze no concurso individual. Ou seja, contas fechadas — nove «rodelas sagradas», que era como lhes chamava, carinhosamente. Logo após os Jogos de Montreal casou-se com Valery Borzov, campeão olímpico de 100 e 200 metros, em Munique. Ele haveria de tornar-se ministro dos Desportos da Ucrânia, ela presidente da federação de ginástica...

Wilhelm Ruska – Treino de balde às costas
O holandês Wilhelm Ruska conseguiu em Munique o que nunca antes ninguém lograra ou lograria depois em Jogos Olímpicos: ganhar duas medalhas de ouro em diferentes categorias. E, como a prova de peso ilimitado foi abolida em 1984, provavelmente nunca mais alguém o imitará. Embora não fosse um gigante do tatami, possuía um óptimo harai-gochi e um espírito de luta indomável, como se fervesse de ódio sempre que se atirava ao tapete. Costumava dizer que começou a treinar sofrimento quando os outros meninos brincavam com carrinhos ou pelúcias: levantava-se às quatro da manhã para ajudar a mãe a carregar baldes de água para a faxina em escritórios da cidade. Conquistou o primeiro título mundial de superpesados em 1967, revalidou-o em 1971. De 1966 a 1972 quatro medalhas de ouro em Europeus. E, depois, o auge em Munique: neutralizou o alemão de Leste Klaus Glahn em pesos pesados e o russo Vitale Kuznetsov na classe aberta.

Escândalo do basquetebol
Quando todos aguardavam ardentemente o fim dos Jogos, atabafados já pelos sentimentos de catástrofe do massacre na aldeia, o último escândalo: na final do basquetebol primeira derrota dos Estados Unidos, vitória da URSS por 51-50. E uma histórica polémica... A três segundos do fim os soviéticos venciam por 49-48. Devido a uma falta grosseira de Sakandelidze, Collins aproveitou os dois lances livres para colocar a sua equipa a vencer — e a festa americana explodiu. Num arranco o treinador soviético abriu protesto por não se ter ligado ao seu pedido de desconto de tempo. Confusões e o secretário da FIBA a dizer que sim, tinha razão, era preciso jogar mais três segundos. Sem que alguns jogadores ianques se apercebessem do que se estava a passar, um passe longo de Palauskas, atravessando quase todo o campo, caiu nas mãos de Bielov — que sem oposição encestou e deu ouro à URSS. A festa foi de arromba. A vermelho. Como se fosse o capítulo mais pitoresco da guerra fria — num local todo ele recheado de história. O Parque Olímpico fora construído precisamente no espaço onde existia o aeródromo de Oberwiessenfeld — de onde, em 1938, os ministros dos Negócios Estrangeiros de França e da Grã-Bretanha, Daladier e Chamberlain, regressaram, após conversações com o Partido Nazi, garantindo depois, confiantes, que a paz no mundo estava a salvo...

Outra vez «black power»
Não, não foi só no México que houve black power. Em Munique também. O americano Vince Matthews venceu os 400 metros em 44,66 segundos (aquém dos supersónicos 43,8 de Lee Evans, quatro anos antes), batendo Wayne Collett por 14 centésimos. Ambos foram para o pódio com atitude de protesto. E, durante o hino, estiveram à galhofa um com o outro, sem olhos na bandeira, sequer. Ah! Também foram descalços para a cerimónia. E, tal como acontecera a Tommie Smith e John Carlos, foram imediatamente irradiados pelo COI – para que nunca mais ninguém ousasse de novo...

Ouro, amor e sangue
Irina Rodnina
A história de Irina Rodnina dava um filme. Acção, amor e sangue. A russa é a patinadora de duplas de maior sucesso internacional. Para além de 10 títulos mundiais consecutivos entre 1969 e 1978, três medalhas olímpicas de ouro em 1972, 1976 e 1980. Irina e Alexei Ulanov destronaram Ludmila e Oleg Protopopov — o fascínio que despertaram foi tal que, sentindo-se escurantados e desprezados, os antigos heróis do gelo desertaram da URSS, pediram até asilo político à Suíça! De súbito Ulanov apaixonou-se por outra patinadora, durante um treino para o Mundial de 1972 estava tão vidrado nela que... deixou cair a companheira do alto da sua cabeça num dos exercícios mais perigosos e acrobáticos da dupla. Ela passou a noite no hospital, em observação, deram-lhe alta à justa e mesmo assim campeões continuaram. A relação é que se quebrou naquele momento. O técnico de Rodnina, morena, pequenina e musculada, convidou para refazer a dupla Alexander Zaitsev, alto e forte — no dia em que os apresentou ele ficou tão impressionado que apenas conseguia falar aos gaguejos. No primeiro treino de pista, no ensaio para um triple twist, quedo ficou de súbito, olhos fixos em Irina, o corpo sem reacção, a desconcentração poderia ter sido fatal — as lâminas de um patim dela rasgaram-lhe o peito, Alex ironizaria depois: «Foi um ataque de paixão, incontrolável, avassalador. E se eu já sabia que a paixão é cega, nunca imaginei que fosse tão cortante!» Casaram-se pouco depois, o mundo continuou a ser deles. Quando se despediram das lides, após a medalha de ouro de 1980, divorciaram-se. Rodnina partiu para a América, tornou-se técnica de patinagem no lago Arrowhead, na Califórnia, e voltou a casar...
 
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1972 – Portugal em segundo na Minicopa do Brasil

Golo do Brasil na final talvez com a mão!
Pérolas de geração perdida
Seis anos tinham passado sobre a epopeia dos magriços. José Augusto assumira o cargo de seleccionador com o objectivo de apurar Portugal para o Campeonato do Mundo de 1974. Para trás ficavam campanha desastrosa para o Mundial de 1970 e o Europeu de 1972 perdido quase naturalmente; pela frente estava a esperança numa nova geração de jogadores, cuja qualidade individual havia de ser demonstrada à dimensão e ritmo dos constantes fracassos colectivos no contexto internacional, desperdiçadas que foram sucessivamente as oportunidades para atingir os grandes palcos. José Augusto começara a campanha para o Mundial com duas vitórias normais sobre Chipre (ambas sem Eusébio) e foi então que pelo caminho surgiu a Minicopa, como ficou conhecido o torneio destinado a comemorar os 150 anos de independência do Brasil. Era uma Selecção jovem, 25 anos de média de idades, metade composta por jogadores com 24 anos ou menos. Portugal abria novo capítulo com presença numa espécie de minicampeonato do Mundo. E abriu bem. Na primeira fase, tendo como adversários Equador (3-0), Irão (3-0), Chile (4-1) e República da Irlanda (2-1), a Selecção somou quatro vitórias. Veio a Argentina e novo triunfo por 3-1. O empate com o Uruguai (1-1) criou enorme pressão para a partida com a União Soviética. Era preciso ganhar para atingir a final. E Portugal cumpriu a obrigação vencendo por 1-0, golo de Jordão. A 9 de Julho, num Maracanã a abarrotar, Portugal sucumbiu perante o Brasil, no último minuto, derrotado por um golo de Jairzinho que José Henrique jurou a pés juntos ter sido marcado com a... mão. A Minicopa-72 é uma espécie de pérola de uma geração perdida que não cumpriu o destino traçado no Brasil no Verão de 1972. Uma geração de grandes jogadores que acabaria por formar uma Selecção sem glória e por viver nos respectivos clubes sob o estigma de nunca alcançar o esplendor europeu da década anterior. José Maria Pedroto fez o diagnóstico: «Faltam 30 metros ao futebol português.» Metros sim e tempo também. Seria preciso esperar quase uma década para recuperar o estatuto internacional perdido e por uma geração que ainda estava para nascer.

Como era a taça
Foram 20 as selecções nacionais e representativas de alguns continentes que disputaram a Taça da Independência. E como era a taça? Um troféu grandioso, com 11 quilos em ouro e pedras preciosas (diamantes, pérolas, esmeraldas e rubis), 45 centímetros de altura e desenhos recortados a esmalte azul. Bem se pode dizer que valia o esforço para tentar conquistá-la.

Embirrações brasileiras
O povo estava zangado com o escrete. E pior ficou quando o Brasil empatou com a Checoslováquia (0-0). O seleccionador, Mário Zagallo, era apelidado de Zagolho e ia lendo nos jornais coisas do tipo: «Tá igual a urubu velho — paquera papagaio de carvoeiro convencido que é urubua.» Órfã de Pelé, a imprensa brasileira fazia eco das críticas que surgiam de todo o lado. Tostão estava velho — «continua comendo e não tem fome» —, Rivelino tinha «uma bomba no pé esquerdo e um traque no direito». Embirrações que atingiam também Jairzinho. Que não era o mesmo do Mundial de 1970. Pois. Os craques são assim mesmo: no jogo decisivo lá estava ele a dar a taça ao Brasil.

Nomes da minicopa
Foram 20 os jogadores convocados por José Augusto para a Minicopa. Uma lista na qual se percebe claramente uma lógica de mudança, a transição entre a geração dos magriços e aquela que havia de dar forma à década de 70. Aqui ficam os nomes, clubes que representavam e respectivas idades na altura: guarda-redes — José Henrique (Benfica), 29 anos; Vítor Damas (Sporting), 24; Mourinho (Belenenses), 34; defesas — Artur (Benfica), 22; Humberto Coelho (Benfica), 22; Laranjeira (Sporting), 21; Messias (Benfica), 23; Adolfo (Benfica), 28; Alfredo Murça (Belenenses), 24; médios — Jaime Graça (Benfica), 30; Matine (V. Setúbal), 25; Toni (Benfica), 25; Fernando Peres (Sporting), 29; avançados — Nené (Benfica), 22; Chico (Sporting), 21; Artur Jorge (Benfica), 26; Abel (F. C. Porto), 26; Eusébio (Benfica), 30; Dinis (Sporting), 24; Jordão (Benfica), 19.
 
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1972 – Despedida de mais um gigante da NBA

Wilt Chamberlain — apenas dois anéis mas alguns «records» impossíveis
Superego de Golias
Um gigante. No gabarito. No ego. No génio — 2,18 metros, 135 quilos de peso. Wilt Chamberlain. Não há dúvidas, é um dos nomes-lendas da NBA — apesar de só ter ganho dois títulos de campeão. Mal saiu do liceu de Overbrook, havendo várias universidades no seu encalço, foi contratado pelos Philadelphia Warriors — mas teve de esperar quatro anos até ser integrado na equipa de profissionais. Para não esfriar o jeito e a paixão puseram-no a jogar por equipas universitárias — e até nos famosos Harlem Globetrotters. Apesar de ser um jogador ainda em rodagem, um caloiro, o seu ordenado anual já andava pelos 50 mil dólares, verba astronómica para esse tempo. Com 23 anos, na época de 1959/60, deram-lhe, enfim, permissão de jogar na NBA. Estreou-se nos Philadelphia Warriors com 43 pontos, 28 ressaltos e 17 desarmes de lançamentos. E, para além de Rookie do Ano — também MVP da regular season e do... All-Star Game! Para quem estava em ano de debute, simplesmente inimaginável, pois. Em 14 temporadas na liga fantástica foi o melhor marcador por sete vezes, o melhor ressaltador por onze, outros prémios ganhou, outros rankings de estatísticas liderou. Aliás, nunca mais ninguém lhe igualou a proeza da época de 1967/68: foi o primeiro nos pontos, nos ressaltos e nas assistências. No ano anterior, já ao serviço dos Philadelphia 76\'ers, conquistou o seu primeiro título da NBA, interrompendo oito triunfos consecutivos dos Celtics. Um ano antes da despedida mais um anel — em 1971/72, pelos Los Angeles Lakers, Wilt Chamberlain tinha a mão afinada como um relógio suíço — apontou 70 ou mais pontos em seis partidas da liga e mais de 50 em... 118 (!). Outro fantástico record: numa época encestou mais de quatro mil pontos, num jogo apenas ganhou 55 ressaltos e noutro converteu 18 lançamentos consecutivos. Por tudo isso Golias lhe chamavam. Mas a proeza mais fantástica da sua vida foi ter obtido — num desafio apenas, contra os New York Knicks, em 1962 — 100 pontos! Sim, não é gralha — cem pontos num jogo só.

20 mil mulheres na vida filmes e... Bel air
O ego de Wilt Chamberlain era tão grande como a habilidade. Gostava de dar nas vistas, modéstia era palavra apagada do seu dicionário. Uma vez, comentando o facto de os media darem mais atenção a Bill Russell, lançou comentário desconcertante: «Isso é próprio da natureza humana, nunca ninguém torce pelo Golias.» Até morrer de ataque cardíaco, em Outubro de 1999, viveu na elitista, exclusivista e milionária encosta de Bel Air, em Los Angeles — participou em inúmeros filmes, continuou a rentabilizar a sua imagem publicitária e escreveu quatro livros. Famosa ficou uma declaração da autobiografia, lançada em 1991 — revelando ter dormido já com... 20 mil (!) mulheres. Uma vez espicaçaram-lhe o ego desafiando-o a trocar os ténis por umas luvas de boxe para defrontar Mohammad Ali — retorquiu, sem pestanejar, que preferia manter-se naquilo em que sabia que era o melhor. Quando se despediu do basquetebol já não tinha capacidade para voltar ao atletismo — fora campeão colegial de salto em altura —, apostou no voleibol e ainda foi jogador de primeira classe. Quando já passara os 50 anos convidaram-no a regressar à NBA, para jogar 20 minutos por partida, agradeceu a atenção e recusou.

Dois títulos mundiais, acidentes, milagres e ataque de abutres!
Emerson Fittipaldi
Emerson Fittipaldi, ou Emmo, como é conhecido por muitos dos seus fãs nos Estados Unidos, começou a escalada para a fama na Europa. Filho de Wilson Fittipaldi, famoso jornalista brasileiro, iniciou a carreira no motociclismo, cedo mudou de aventura. Em 1967 construiu, de parceria com o irmão mais velho, dois karts — e com eles ganharam tudo o que havia para ganhar. Não se satisfez e partiu para Inglaterra. Dois anos depois tornou-se o primeiro de três grandes pilotos brasileiros a ganhar o campeonato Lombank de F3 ao volante de um Lotus e sob os ensinamentos da lendária escola de Jim Russell. Em 1970 saltou para a Fórmula 2, ao volante de Lotus se manteve. Em Maio desse mesmo ano foi convidado por Colin Chapman a participar num teste de Fórmula 1. Encantado com o seu talento, fez, de imediato, de si o terceiro piloto da equipa. A estreia seria aos comandos de um (velho) Lotus 49, no circuito de Brands Hatch, tendo terminado em oitavo lugar. De seguida, no G. P. da Alemanha, conquistou os primeiros pontos, falhou o pódio por uma nesga. Após a trágica morte do seu companheiro de equipa, Jochen Rindt, Fittipaldi ganhou o G. P. dos Estados Unidos, resolvendo o campeonato para o colega falecido. A época de 1971 foi interrompida devido a um acidente de viação que sofreu a caminho de casa. Um Fittipaldi renovado surgiu em 1972, tornando-se o piloto mais jovem de sempre a ganhar o Campeonato do Mundo de Fórmula 1. Não logrou a revalidação do título na época seguinte e teve de contentar-se com o segundo lugar — e decidiu mudar de ares, assinou pela McLaren. Em 1974 conquistou o segundo título mundial de Fórmula 1 — lançando-se, de seguida, num projecto ousadíssimo: criar com o irmão Wilson a equipa Fittipaldi. Raramente passaram da cauda do pelotão, frustrado com a falta de êxito Emmo regressou ao Brasil e com muito trabalho e ajuda dos amigos conseguiu pagar as dívidas engordadas pela megalomania — e pouco tempo depois tinha a fortuna refeita. A forma suave de conduzir só podia ser descrita com o título da sua autobiografia: Voar pelo Chão. Sim, ele voava pelo chão — com a adrenalina a agitá-lo sempre. E, em 1984 atirou-se ao desafio da Fórmula Indy. Voltou ao destino de campeão. O estilo gracioso e a experiência valeram-lhe duas vitórias nas míticas 500 Milhas de Indianápolis. De 1933 em diante era tradição que os campeões bebessem garrafa de leite na Victory Lane — os produtores de Indiana pagavam caro por isso. Num gesto de rebeldia, Emerson decidiu beber... sumo de laranja, afirmando que com isso queria apenas mostrar um dos produtos de maior sucesso no... Brasil. Em 1996, nas 500 Milhas de Michigan, sofreu acidente aparatoso, o bólido todo (des)feito em fanicos — salvou-se miraculosamente. E decidiu nunca mais voltar à competição. Sentiu, no ano seguinte, outra vez a morte nos olhos — quando o ultraleve que pilotava, com Lucca a seu lado, se despenhou num pântano da sua fazenda de Araquara, a 300 quilómetros de São Paulo. Depois do susto foi atacado por um bando de abutres, atraídos pelo sangue que lhe escorria do corpo. A sorte foi o filho Lucca, de seis anos, que com ele viajava, sair ileso do acidente — com ramos de árvores afastou as aves. Lesão na coluna deixou-o em risco de ficar paraplégico. Não ficou. O homem tem mesmo sete vidas.
 
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1974 – Campeonato do Mundo de futebol na Alemanha

Sepp Maier defendeu tudo e Alemanha repetiu proeza de 1954
Laranja para a eternidade
O Bayern Munique acabara de interromper o domínio do Ajax na Taça dos Cam-peões mas poucos tinham a ousadia de encarar como mais abrangente essa passagem de testemunho — Cruyff estava no Barcelona mas jogava pela Holanda. Suspeitas à parte, o Mundial de 1974 era na Alemanha Federal, cuja selecção apresentava uma combinação do melhor do Bayern e do Borússia Mönchengladbach e era orientada por Helmut Schön, sucessor do histórico Sepp Herberger, campeão do Mundo em 1954. Schön reencontrava jogadores dimensionados nas camadas jovens da federação alemã, como Maier, Vogts, Beckenbauer, Overath, Netzer, Breitner, Bonhoff, Uli Höness e Flohe. Tinha boas razões para alimentar a esperança. Mas havia a Holanda, o futebol total, Johan Cruyff e... Rinus Michels. Os holandeses tiveram uma qualificação para o RFA-74 pouco empolgante. Insignificante também se tivermos em conta a certeza de que estava ali uma selecção fabulosa e de que o resultado do reencontro do general com alguns dos seus meninos do Ajax, reforçados com os melhores do Feyenoord (Israel, Rijsbergen, Jansen e sobretudo Van Hanegen), dispunha de todos os ingredientes para ser explosivo. Fenómeno que ficou conhecido para a eternidade como laranja mecânica. O Brasil, campeão do Mundo, trazia uma selecção diferente, sem Pelé, Tostão, Gerson e Clodoaldo. Perdera magia e paixão, apurada para os quartos-de-final sem brilho, com dois empates a zero (com Jugoslávia e Escócia) e uma vitória por 3-0 sobre o Zaire, a quem a Jugoslávia tinha ganho por 9-0. Poderosa surgiu a Polónia. Surpresa por não ser presença habitual, esperada em função da qualidade dos jogadores (campeões olímpicos em 1972) e de um trabalho fabuloso suportado pelo estado polaco. Para começar vitórias sobre Argentina (3-2), Haiti (7-0) e Itália (2-1), a que se seguiram triunfos sobre Suécia (1-0) e Jugoslávia (2-1). A presença na final foi discutida com a Alemanha Federal. E perdida de forma inglória por 1-0, num jogo equilibrado, sob chuva intensa. A Holanda, à excepção do empate com a Suécia (0-0), cumpriu todas as expectativas. Venceu Uruguai (2-0), Bulgária (4-1), Argentina (4-0), Alemanha Oriental (2-0) e Brasil (2-0) e deu espectáculos grandiosos. À volta de Johan Cruyff girava uma das mais extraordinárias selecções da história do futebol, com Van Hanegen, Neeskens, Resenbrink, Rep, Haan, Ruud Krol, Jansen. Quando a 7 de Julho, no Olímpico de Munique, encontrou a Alemanha Federal estavam lançados os dados para um jogo de sonho, para uma das finais mais espectaculares e bem jogadas de sempre. Mais inovadora e brilhante a Holanda; sólida, composta por jogadores extraordinários, Beckenbauer acima de todos e o factor casa a pender para o lado da Alemanha. Os holandeses adiantaram-se no marcador no primeiro minuto, através de grande penalidade apontada por Neeskens a castigar falta de Vogts sobre Cruyff. Até ao intervalo a Alemanha deu a volta ao resultado, golos de Paul Breitner (também de penalty) e do inevitável Gerd Müller. No período complementar a Holanda atacou muito, Sepp Maier defendeu tudo. Cruyff assumiu a responsabilidade da recuperação mas perdeu rigor, dispersou-se, ao contrário do adversário, tranquilo e consistente, superiormente comandado em campo por Franz Beckenbauer. Tal como em 1954, a Alemanha ganhava o título mundial; a Holanda (como a Hungria) perdia mas garantia lugar eterno na história.

Ajustar contas com a história
Foi no congresso da FIFA de 1964, em Tóquio, que se tomou a decisão de atribuir o Mundial de 1970 ao México e o de 1974 à Alemanha Federal — curiosamente os Jogos Olímpicos de 1968 e 1972 tiveram os mesmos países como palco. A escolha da Alemanha tinha o significado de enterrar definitivamente quaisquer sequelas da II Guerra Mundial ao mesmo tempo que o futebol ajustava contas com a história e com o país eleito para organizar o certame de 1942, que não se efectuou devido ao conflito mundial entretanto iniciado.

Portugal regressa ao passado
A proeza da Minicopa não empolgou a Selecção. Depois da excelente carreira no Brasil, Portugal, que já somava os quatro pontos correspondentes a duas vitórias sobre o Chipre, tinha pela frente um grupo de qualificação para o Mundial de 1974 mais ou menos acessível: Irlanda do Norte e Bulgária. Derrota em Sófia (1-2) e três empates comprometeram o apuramento. A 13 de Outubro de 1973, no 2-2 com a Bulgária, o Estádio da Luz servia de palco à despedida da Selecção de António Simões e de... Eusébio da Silva Ferreira.

Eleição de joão Havelange
A 11 de Junho de 1974, em Francoforte, dois dias antes do pontapé de saída do Mundial, João Havelange, presidente da Confederação Brasileira dos Desportos (CBD), que depois passaria a chamar-se Confederação Brasileira de Futebol (CBF), foi eleito presidente da FIFA, ganhando o despique com o inglês Stanley Rous, que ocupava o cargo desde 1961. Foi o primeiro não europeu a chegar ao mais elevado posto da entidade máxima do futebol, onde se manteria durante 24 anos. A ele se deve a actual dimensão do futebol como grande negócio mas também o crescimento provocado pela criação das mais variadas competições internacionais dos escalões jovens. Desempenharia as funções até 1998, altura a partir da qual passou a ser presidente honorário.

Nova taça
Quando o Brasil conquistou definitivamente a Taça Jules Rimet, no México, a FIFA lançou concurso de forma a encontrar novo troféu. Recebeu 53 projectos e a 5 de Abril de 1971 decidiu-se pelo trabalho de um escultor italiano, Sílvio Cazzaniga. O novo troféu tinha 37 centímetros de altura, era feito de ouro maciço, seria fabricado por uma empresa de Milão e custaria cerca de 100 mil francos suíços. Passou a chamar-se FIFA World Cup e nunca seria ganho em definitivo por qualquer selecção.

Medidas de segurança
O Mundial da Alemanha foi marcado por extraordinárias medidas de segurança levadas a cabo pelos organizadores. Na memória estava ainda o massacre perpetrado por comandos palestinianos contra a delegação israelita nos Jogos Olímpicos de Munique de 1972. Muitos queixaram-se de excesso de zelo das forças policiais mas o balanço global acabou por ser positivo, salvaguardando o essencial, que era, naturalmente, a integridade física de todos os participantes.

Campeões do mundo
Maier, Vogts, Breitner, Swarzenberg, Hoeness, Beckenbauer, Bohnhof, Overath, Grabowski, Müller, Holzenbein, Cullmanm, Heynckes, Wimmer, Hottges, Netzer, Flohe e Herzog

«Kaiser»... Sempre de cabeça levantada!
Franz Beckenbauer
Quando Franz Beckenbauer ergueU a taça correspondente ao título de 1974 era já um dos melhores jogadores do Mundo, grande revelação em 1966, figura indiscutível em 1970, referência máxima do Bayern Munique que nesse ano interrompeu o domínio de três épocas consecutivas do Ajax na Taça dos Campeões. Começou por ser um médio fabuloso, fino, elegante, de larga visão de jogo e apurada técnica, que tinha na perfeição do passe a arma principal. Entre o Mundial do México e o da RFA, tempo que o aproximou da casa dos 30 anos (nasceu a 11 de Setembro de 1945), recuou no terreno, passando a ocupar a posição de central. Um dia perguntaram a Helénio Herrera o que era verdadeiramente o líbero. Respondeu evocando princípios do jogo, aspectos genéricos do funcionamento da equipa, benefícios da vantagem numérica da defesa sobre o ataque e dos desequilíbrios que esse jogador a mais devia criar subindo no terreno. Anos depois, à mesma questão, respondeu de outra forma: «O líbero é Beckenbauer.» Foi, de facto, o expoente máximo do jogo no desempenho de determinado papel em que defender significa também construir. Ao kaizer, como ficou conhecido pela classe imperial própria de quem tinha do jogo uma concepção global e um sentido estético apurado, o futebol deve uma nova dimensão em todos os aspectos para os defesas, vistos desde sempre como os parentes pobres do jogo pelas limitações técnicas superadas à custa de maior dureza e de marcações tantas vezes impiedosas. Hoje, em tempo de balanço do século, a quase totalidade dos maiores de entre os grandes ou foram goleadores natos ou artistas que se movimentavam na zona de ataque. Beckenbauer está sozinho entre eles. Foi tricampeão europeu de clubes e campeão do Mundo com a braçadeira de capitão, número 5 nas costas, actuando no eixo da defesa. Inesquecíveis as imagens daquele senhor que andava em campo sempre de cabeça levantada, desarmava com pezinhos de lã, só em último recurso se atirava para o chão — o que ainda hoje vale como um dos princípios básicos de um bom central —, tinha a impressionante facilidade de pegar na bola e subir no terreno, colocava-a onde e como queria, a três ou a trinta metros, tanto fazia. Na época o mundo não resistiu ao fascínio do futebol inovador da Holanda e ao génio de Johan Cruyff, considerado nesse ano o melhor jogador europeu. Beckenbauer discutiu o título de maior figura da prova. Bem vistas as coisas, porém, a actuação serena na final, em contraste com os exageros cometidos pelo holandês quando viu o troféu a fugir-lhe, acaba por ser-lhe favorável. Em fim de carreira Beckenbauer seguiu para os Estados Unidos, onde desempenhou papel importantíssimo no crescimento do jogo naquele país. Quis um dia ser treinador. E foi. Com êxito, naturalmente. Em 1990 voltou a conhecer a glória suprema ao conduzir a Alemanha ao título mundial — só ele e Mário Zagallo conseguiram ser campeões do Mundo em funções diferentes. Mantém a ligação ao Bayern Munique, clube do qual é hoje presidente.

E o slm falhou o tetra...
Festa de Eusébio, 25-9-73
Jimmy Hagan ganhara três títulos consecutivos para o Benfica. Inglês teimoso, amante da disciplina e da preparação física, tinha vivido em conflito com alguns dos jogadores. Um dia embirrou com Humberto Coelho, Toni e Nelinho no treino matinal. Prometeu-lhes multa, sessão suplementar à tarde e ausência à noite na grande homenagem a Eusébio. Poupou a multa e cancelou o treino. Mas não o afastamento da festa. Eusébio intercedeu. Pediu ao mister que deixasse os companheiros participar mas nem o rei o demoveu. E os três jogadores foram mesmo para a bancada. Borges Coutinho, vendo o quadro de um trio despedaçado, mandou chamá-los e disse-lhes para se equiparem. Jimmy Hagan não contemporizou e disse que sim senhor, estava muito bem, «eles jogam mas vou-me embora eu». Já não se sentou no banco. Três dias depois oficializou a demissão. E o Benfica falhou o tetra...

A morte de Pavão, 11-12-73
Era um dos melhores jogadores portugueses, presença habitual na Selecção e símbolo do F. C. Porto. Fernando Pascoal das Neves, Pavão para o futebol, encontrou a morte em pleno relvado das Antas, num jogo com o V. Setúbal. Ao minuto 13 caiu fulminado, sozinho. A noção da tragédia alastrou a todo o estádio. Transportado de urgência para o Hospital de São João, Pavão não resistiria às lesões provocadas sabe-se lá por quê. Um mistério que perdura. Morte natural ou provocada por substâncias proibidas? Nunca se encontrou resposta para tal questão.

Ouro e «record» para Yazalde, 20-6-74
Hector Yazalde, argentino, marcador de golos. Era um ponta-de-lança que fez da grande área a segunda casa. Conhecia-lhe todos os cantos, todos os truques, chegava a dar a sensação de ter sido ele a criar as leis daquele espaço. No dia 20 de Junho de 1974 o Sporting festejava a conquista do título, no Barreiro, frente ao Barreirense. Yazalde marcou um dos três golos da equipa e com ele bateu o record de golos apontados no Campeonato Nacional. Foram 46 ao todo, o que lhe permitiu ganhar, igualmente, a Bota de Ouro, um ano depois de Eusébio ter conquistado a segunda da sua carreira.

Damas herói em Wembley, 20-11-74
A 20 de Novembro a Selecção Nacional, liderada por José Maria Pedroto, jogava em Wembley, onde sempre perdera. Antes do jogo os jornais ingleses sugeriram aos espectadores que levassem papel e lápis para ser mais fácil contar os golos. Pedroto escalou uma equipa pouco habitual: Damas; Artur, Humberto, Alhinho e Osvaldinho; Adelino Teixeira, Octávio, Vítor Martins e João Alves; Nené (Romeu) e Chico (Oliveira). O meio-campo era bom de bola, composto por jogadores de baixa estatura. A defesa era alta no meio e dura nas faixas laterais. O ataque tinha velocidade mas não teve bola para jogar. Acabou por ser Vítor Damas a salvar Portugal da derrota ao efectuar na catedral do futebol uma das mais brilhantes exibições da sua carreira. Foi o herói máximo dos «onze irmãos», como lhes chamou Pedroto, que foram positivamente massacrados pelos ingleses. Outros jogos assim se repetiriam. Faltavam 30 metros, sobravam os passes para os lados e para trás. O futebol português continuava à espera de uma saída para o beco em que tinha caído.
 
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1974 – Taça dos Campeões muda de rota

Bayern Munique acentua domínio alemão na Europa
Gigante da Baviera
Começou em 1972 o ciclo alemão do futebol europeu e mundial dos anos 70, com a vitória da selecção no Campeonato da Europa. Helmut Schön percebeu qual o segredo para a vitória: juntar na mesma equipa as estrelas do Bayern (Maier, Beckenbauer, Schwarzenbeck, Breitner, Uli Höness e Gerd Müller) e do Borússia Mönchengladbach (Vogts, Netzer, Bonhoff, Wimmer e Heynckes) — equipas que dividiram entre si os títulos alemães entre 1969 e 1977, quatro para os de Munique, cinco para os grandes rivais — reforçadas pelos talentosos Overath (Colónia), Grabowski e Holzenbein (Eintraicht Frankfurt). Os anos seguintes serviram para alastrar o domínio ao contexto internacional. Em 1974 a Alemanha sagrava-se campeã mundial cerca de mês e meio depois de o Bayern Munique ter ganho a Taça dos Campeões ao Atlético Madrid — 4-0 na finalíssima, depois de 1-1 no primeiro jogo —, sob o comando de Uddo Lattek. Com a embalagem criada a partir dessas conquistas, o Bayern dominou a Taça dos Campeões até 1976. Beneficiou do desmoronamento do Ajax, resistiu bem aos efeitos da luta interna provocada pelo Borússia e soube gerir o excelente naipe de futebolistas que tinha à disposição, gente que na maior parte dos casos caminhava para a veterania. Na segunda final, ganha ao Leeds (2-0) em 1974/75, Dettmar Cramer já era o responsável técnico da equipa, substituindo Lattek, que assumiu de imediato o comando do rival de Mönchengladbach — em 1976/77 chegaria à final da Taça dos Campeões, em Roma, com o Liverpool (1-3). Quando partiu à conquista do tri o Bayern começava a dar sinais de enfraquecimento. Perdera a Bundesliga de 1974/75 e o mesmo lhe sucederia no campeonato seguinte. O caminho para a final europeia de 1975/76 começou com um grande susto provocado pelos suecos do Malmö na segunda eliminatória. Derrota por 0-1 remediada com 1-0 em Munique, sendo a qualificação garantida na marcação das grandes penalidades. Nos quartos-de-final surgiu o Benfica de Mário Wilson. Ao 0-0 da Luz responderam os alemães com expressivos 5-1 no Olímpico, que lhes abriram o caminho das meias-finais, fase da prova na qual defrontariam o Real Madrid (1-1 em Chamartin, 2-0 em Munique). Na final o Bayern venceu o Saint-Étienne por 1-0, num jogo que já prenunciava o declínio de uma grande equipa — confirmado no Campeonato da Europa de 1976, perdido para a Checoslováquia nas grandes penalidades. Na época seguinte o Bayern caiu aos pés do Dínamo Kiev, ao passo que o Borússia Mönchengladbach chegava à final com o Liverpool. O gigante da Baviera havia de voltar ao grande palco que continua a ser a mais importante competição da UEFA em duas ocasiões: em 1987 esteve em Viena (derrota para o F. C. Porto) e em 1999 marcou presença em Barcelona (derrota para o Manchester United).

Oito nas três finais
São oito os jogadores que participaram nas três vitórias do Bayern Munique na Taça dos Campeões: Sepp Maier, Beckenbauer, Schwarzenbeck, Durnberger, Roth, Uli Höness, Gerd Müller e Jupp Kapellmann. Entre os outros elementos utilizados dois nomes se destacam. Em 1973/74 Uddo Lattek ainda contou com Paul Breitner — na época seguinte transferir-se-ia para o Real Madrid — e em 1975/76 Dettmar Cramer mostraria à Europa um menino de talento acima da média, Karl-Heinz Rummenigge, que viria a ser um dos grandes jogadores do seu tempo.

Matthes, Ender e Cisne de boca-de-sino
Roland Matthes estava adiante do seu tempo. Tamanha era a sua superioridade que se dava até ao luxo de relancear os olhos para o cronómetro electrónico e mesmo assim sagrar-se campeão olímpico — ou até para programar a braçada, de modo a bater o record do Mundo apenas por uma nesga. Pelo menos foi a lenda que se criou em torno de si — 16 máximos mundiais estabeleceu e por cada um deles o governo da RDA lhe pagou bolsas que lhe permitiam luxos ocidentais, como, por exemplo, automóvel de alta cilindrada e não um Lada tradicionalmente comunista — e ainda apartamento no centro de Berlim. Sobre ele haveria de escrever um jornalista ocidental: «Dá ideias de carro rápido a rasgar por entre estradas cobertas de água, tem ares de modelo e longas pernas tapadas por jeans boca-de-sino, não parecendo, pois, um alemão comunista.» Outro diria que na piscina lembrava um cisne. Foi o único homem a manter os títulos olímpicos de 100 e 200 metros costas no México e em Munique. De 1967 a 1975 não perdeu uma prova que fosse — seis semanas antes dos Jogos de Monreal teve de sujeitar-se a operação de emergência ao apêndice, mesmo assim foi à luta e ainda ganhou a medalha de bronze nos 100 metros, batido pelo americano John Naber. Estava então já casado com Kornelia Ender, divorciar-se-iam dois anos depois. No Canadá a despedida — para se dedicar à medicina. É o que continua a fazer numa cidadezinha do Sul da Alemanha.

Depressão e álcool
Gerd Müller
Quando foi o melhor marcador do Mundial do México e eleito Bola de Ouro no referendo anual do France Football, em 1970, Gerd Müller já tinha uma história de golos. Muitos golos. Não é fácil encontrar um animal de área assim, tão intuitivo, tão repentista, tão bom a utilizar o corpo para guardar a bola até ao momento de rematar à baliza. Era baixote, tinha alguns quilos a mais para a estrutura física que possuía mas foi único recordista de golos marcados na Bundesliga, na selecção alemã e nas competições europeias de clubes. Chegou ao Bayern Munique em 1964, tinha então 19 anos — nasceu a 3 de Novembro de 1945. Ao serviço do TSV Nördlingen, equipa da terra natal que jogava o campeonato regional sul, fez a primeira época como sénior. Marcou 33 golos em 26 jogos. Ao serviço do Bayern prosseguiu a saga de números que alimentou até 1979, durante 15 anos absolutamente extraordinários ao longo dos quais foi campeão do Mundo e da Europa, três vezes vencedor da Taça dos Campeões, uma vez da Taça Intercontinental, outra da Taça das Taças, para além de quatro títulos alemães e outras tantas vitórias na taça do seu país. Contabilizando as cinco épocas que efectuou em final de carreira nos Estados Unidos, Müller marcou 405 golos em 507 jogos a contar para campeonatos da divisão principal. Em 62 jogos pela selecção contabilizou 68 golos, menos um em relação aos que obteve nas competições europeias. Verdadeiramente impressionante. Quando Helmut Schön lhe confiou a tarefa de comandar o ataque alemão, em 1974, Gerd Müller estava a caminho dos 29 anos e sagrara-se meses antes campeão europeu de clubes, contribuindo à sua maneira (sempre com golos) para interromper o ciclo de triunfos do Ajax. Tornou pública a intenção de não voltar a representar a Alemanha depois do Campeonato do Mundo. Desse modo despediu-se a 7 de Julho marcando o golo que deu a vitória sobre a Holanda, aquele que permitiu aos alemães a conquista do título. Nos anos de domínio europeu do Bayern Munique, que durariam até 1976 — três vitórias consecutivas —, Müller foi considerado sem discussão o melhor ponta--de-lança do Mundo, na concepção restrita da função, como avançado de área, como marcador de golos. Com o tempo foi perdendo velocidade mas não a arte de movimentar-se no seu espaço com o saber de quem conhece todos os cantos à casa. Em 1977/78, já trintão, ainda foi o melhor marcador da Bundesliga, com 24 golos. Em 1979, seguindo as pegadas de Franz Beckenbauer, foi para os Estados Unidos. Em três épocas, até 1981, ainda conseguiu marcar 40 golos. Em 1982 decidiu que tinha chegado a hora da retirada. Como a vida sem golos não tinha o mesmo encanto, entrou em depressão. Substituiu-os pelo álcool. Foi Uli Höness, companheiro de muitas batalhas entretanto nomeado director desportivo do Bayern Munique, quem lhe deu a mão. Em nome da amizade, do Bayern e do futebol alemão. Totalmente recuperado, Müller é hoje uma espécie de embaixador do clube que ajudou a elevar aos píncaros da glória. E é muito bem.

Traição ao patinador do século
O holandês Ard Schenk foi o único patinador de velocidade a deter sete records mundiais em simultâneo. Em 1972, nos Jogos de Sapporo, conquistou três medalhas de ouro. Não, não foi só, nos Campeonatos da Europa e nos Campeonatos do Mundo repetiu a dose — vitórias nos 1500, nos 5000 e nos 10 mil metros. Mais ainda: quebrou algumas barreiras históricas — foi o primeiro patinador a perfazer os 1500 metros em menos de dois minutos e antes de si nunca ninguém gastara menos de 15 minutos na dupla légua. Depois do fulgor de Sapporo empresários americanos convidaram-no para um circuito profissional de oito patinadores que andassem em farândola competitiva pelos Estados Unidos. Foi o primeiro a aceitar, assinou contrato — encalacrado ficou quando os outros desistiram da ideia e refizeram profissão de fé no amadorismo. Ard, então com 28 anos, foi imediatamente banido pela União Internacional de Patinagem.

Segundos por quem reza a história
Em meados da década de 70 o futebol português vivia período de transição. Entre 1972 e 1976 o campeonato conheceu três fenómenos: em 1971/72 o V. Setúbal (de Pedroto), em 1972/73 o Belenenses (de Scopelli), em 1974/75 o Boavista (ainda de José Maria Pedroto), todos vice-campeões nacionais — e o Boavista até foi mais longe ao vencer a Taça de Portugal em 1975 e 1976. Os sadinos, para além do poder manifestado internamente, tiveram excepcionais carreiras europeias que os levaram, em 1972/73 e 1973/74, aos quartos-de-final da Taça UEFA, eliminando, entre outros, a Fiorentina, o Inter de Milão e o Leeds. Foram tempos inesquecíveis: Vaz (Joaquim Torres); Rebelo, Carlos Cardoso, José Mendes e Carriço; José Maria, Octávio e Matine; Duda (Guerreiro), José Torres e Jacinto João. O Belenenses regressava ao segundo lugar na época em que o Benfica venceu o título sem derrotas (28 vitórias e 2 empates). Uma equipa célebre: Mourinho; Murça, Calado, Freitas e Pietra (João Cardoso); Quinito, Quaresma e Godinho; Laurindo, Luís Carlos e Gonzalez. No que diz respeito ao Boavista, dois pontos o separaram do título. Uma época fabulosa essa de 1975/76, com equipa que fez história: Botelho; Trindade, Mário João, Carolino e Taí; Francisco Mário, Barbosa (Celso), João Alves e Acácio; Mané (Zezinho) e Salvador. Dos três fenómenos referidos, mesmo tendo em conta o génio de Jacinto João e a classe ímpar de Paco Gonzalez, João Alves foi a grande conquista do futebol português.
 
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1974 – Grand Slam de ténis

Billie Jean King ganhou 39 provas do Grand Slam
Revolução no orgulho «gay»
Quando Billie Jean Moffitt era uma menina pobre de Long Beach, na Califórnia, o pai, bombeiro de profissão, não a deixou ir para o softball (similar feminino do basebol) por achar que aquilo era coisa mais para rapazinhos. Sugeriu-lhe o ténis, «mais feminino e capaz de dar muito mais dinheiro». Não se enganou. Além de outras coisas mais, Billie Jean era míope. Por isso, jogava com óculos de altas dioptrias. Também sofria de problemas crónicos de respiração. Ironicamente afirmava: «Já não bastavam aqueles problemas todos, ainda tenho as perninhas gordas» — pelo que se sujeitou a várias operações aos joelhos. Nada disso evitou um palmarès fabuloso — quando, em 1979, se despediu dos courts, só em Wimbledon tinha 20 títulos conquistados: seis individuais, dez em pares e quatro em pares mistos! Mais ainda: entre 1967 e 1973 venceu, na catedral da relva, todos os três títulos em disputa: singulares, pares e pares mistos. No Open dos Estados Unidos, em Roland-Garros e no Open da Austrália mais seis títulos em singulares, seis em pares e sete em pares mistos. Ou seja, 39 vitórias em provas do Grand Slam — melhor apenas a australiana Margaret Smith Court.

Guerra dos sexos, lesbianismo, tribunal, Navratilova
Billie Jean King foi a fundadora do WTA, o circuito feminino de ténis — e uma feminista fanática, sempre incansável na luta pela igualdade (desportiva e não só) da mulher — tarefa complicada num reduto onde o machismo grassava. Por exemplo, Stan Smith diria um dia: «O ténis é para homens, as senhoras talvez possam assistir a alguns jogos, mas o ideal é mesmo que fiquem em casa a tratar dos filhos!» A faísca do feminismo fora ateada por Larry King, com quem se casara, quando ambos estudavam na Los Angeles State University — ele era o sexto tenista da equipa e por isso deram-lhe uma bolsa de estudo e um subsídio mensal; ela, que já era uma das cinco melhores do Mundo, teve direito apenas a uma pequenina bolsa de estudo. King desafiou-a para a luta pela igualdade sexual. Deu no que deu. Alguns anos passados Billie Jean assumiu a sua homossexualidade e divorciou-se de Larry King. Em 1973, num duelo de sexos, Billie Jean King bateu Bobby Riggs, ex-profissional de 55 anos — a quem chamou, antes do desafio «porco chauvinista» —, por 6/4, 6/3, 6/3. No final da partida afirmou, eufórica: «Isto é o culminar de uma vida fabulosa no desporto. O ténis sempre esteve reservado aos ricos, aos brancos e aos homens — sempre tive a intenção de mudar isso, é com actos como este que hei-de conseguir ganhar a batalha.» A paixão emancipadora fê-la lançar uma revista exclusivamente de desporto no feminino, o investimento custou-lhe muito dinheiro e não só: foi a gota de água que levou ao fim turbulento de uma relação lésbica que acabou em processo judicial, virando manancial de jornais e revistas sensacionalistas — e que B. J. acabaria por ganhar. Mantém acesa a chama que a guiou ao longo de toda a vida, tornou-se conselheira técnica renomada — acompanhando, entre muitas outras estrelas, a maior: Martina Navratilova.

Bjorn Borg a caminho do inferno
Ruína e tentativa de suicídio
Conhecido por iceborg ou homem de gelo pela forma fria e calculista como jogava, Bjorn Borg nasceu em Sodertaljie a 6 de Junho de 1956. De cabelos longos, fita na cabeça e arqueadas pernas elásticas, o seu estilo fez escol(a). Serviço poderoso aliado a uma forte pancada de esquerda a duas mãos, disciplinado e inteligente a controlar os movimentos dos adversários, aos 15 anos foi convocado para a equipa da Suécia que, em 1971, disputou a Taça Davis! Três anos depois conquistou em Roland-Garros o primeiro dos seus 11 títulos do Grand Slam — ganhando as cinco edições seguintes do mais famoso torneio de pó de tijolo do Mundo, sendo igualmente pedra decisiva na vitória sueca na Davis de 1975. Cinco vitórias consecutivas averbou igualmente em Wimbledon — e a relva nem sequer era o piso ideal para o seu estilo. Só lhe faltou mesmo vencer o Open dos Estados Unidos — em 1976 e 1978 foi derrotado na final por Jimmy Connors e em 1980 e 1981 por John McEnroe. Campeão do Mundo em 1978, 1979 e 1980, esteve 109 semanas cotado como n.º 1 do ranking ATP e venceu 62 torneios de alto nível. Acumulando mais de 75 milhões de dólares em prémios, reformou-se, engoiado, em 1981, depois de três confrontos humilhantes diante de McEnroe — com Lennart Bergelin, seu treinador, desvendando: «Tinha de parar, Bjorn estava à beira do colapso físico e mental.» Eram também os efeitos da doença da sua primeira esposa, a romena Mariana Simionescu, e do divórcio quase de seguida. Bjorn Borg dedicou-se então aos negócios na área dos cosméticos e da moda, avolumou-se o fiasco, abriu falência, incorreu em processo judicial por dívidas e fraudes — voltou, em desespero, aos courts, na ânsia de ganhar mais algum dinheiro, mas o homem de gelo já não tinha dentro de si o fogo do génio que o divinizara. De permeiro um supermediatizado romance com a modelo sueca Jannike Bjorling, rumores de que ambos se desfaziam no vício da cocaína — certo é que ela chegou a espojar-se na cela de uma prisão por posse de droga. Em 1989, escândalo maior a estoirar: a notícia de que Borg e a cantora italiana Loredana Berté tentaram suicídio conjunto, ingerindo 60 pastilhas de um tranquilizante.

Evonne Goolagong – Prazer dE neta do aborígene
O avô de Evonne era aborígene. O nome não engana — Goolagong. Até 1980 apenas Bill Tilden, o tenista amaldiçoado por ser homossexual, ganhara Wimbledon com nove anos de diferença, entre 1921 e 1930. A australiana igualou-o. Venceu em 1971 e bisou quando já era mam㠗 e nisso, antes dela, também só havia um caso, Dorothea Lambert Chambers — varrendo a americana Chris Evert: 6/1 e 7/6. Orientada por Vic Edwards, com um desconcertante jogo de pés e um instinto mortífero no vólei, Evonne Goolagong ganhou também quatro edições do Open da Austrália e uma do Roland-Garros. Críticos vários consideram que o seu palmarès só não é mais brilhante porque jogava para o espectáculo, no prazer genuíno do desafio, e não para ganhar, porque tendia a valorizar mais o encanto que o prémio.

Jimmy Connors introduziu ainda mais espectáculo no ténis
Romance e playboy
Arrastado para o ténis pela avó e pela mãe (famosa treinadora de profissionais), James Scott Connors não demorou muito tempo para atingir o topo mundial, onde se manteve durante 15 anos, até 1988. Em 1974 o tenista natural de Belleville (Ilinóis) realizou a melhor temporada da carreira ao vencer o Open da Austrália, o torneio de Wimbledon e o U. S. Open. Só não se tornou o terceiro homem da história a ganhar todos os torneios do Grand Slam porque o impediram de participar em Roland-Garros devido a um pormenor burocrático: não estar inscrito na Associação de Tenistas Profissionais (ATP). Ironia do destino: nunca venceria o torneio francês. Jumbo Jim voltaria a vencer Wimbledon em 1982 e o Open dos Estados Unidos em 1976, 1978, 1982 e 1983. Campeão do Masters em 1977, ganhou mais nove outros torneios do circuito ATP. Quando, em 1992, com 40 anos, se reformou dedicou-se a muito bem-sucedida car-reira televisiva — deixando rastro fantástico e dois records impressionantes: 109 vitórias em singulares (entre 1972 e 89) e n.º 1 do Mundo ao longo de 159 semanas consecutivas. Para além disso, e de mais de 8,6 milhões de dólares em prémios oficiais, uma declaração famosa, lançada em 1976: «Odeio mais uma derrota do que adoro uma vitória.» Canhoto, possuidor de uma forte pancada e capaz de dar eficiente resposta aos serviços, centrou o jogo no fundo do court, tornando-o mais duro — ou seja, nos antípodas do estilo australiano de graciosos movimentos. Revolucionou igualmente os equipamentos, substituindo as pesadas raquetes de madeira por leves e mais resistentes de ligas metálicas, como a lendária T-2000. Em estilo de ferrabrás, refilava amiúde com os juízes, fazia gestos obscenos — era, tal como McEnroe, um dos bad boys do seu tempo. Não, era bem mais amado que odiado — e tinha o nome sistematicamente nos jornais, nem que fosse devido aos romances com Chris Evert ou com Patti McGuire — uma das mais famosas capas da revista Playboy. «Tentei dar ao ténis a excitação e a paixão do basebol, do futebol americano ou do basquetebol — e eu sabia bem que para as pessoas era tão importante a beleza do que fazíamos dentro do campo como a pimenta que havia em nós fora de courts.»

John McEnroe – Pago para refilar, galeria de arte e banda «rock»
Conhecido pelo talento e paixão que punha em campo, John McEnroe é também recordado como o jogador mais mal- -educado da história do ténis. Nascido a 16 de Fevereiro de 1959 na cidade alemã de Wiesbaden, quando o seu pai se encontrava ao serviço da U. S. Air Force, Big Mac entrou no circuito ATP em 1978 — e três anos depois já era o n.º 1 do ranking mundial. Venceu o U. S. Open por quatro vezes, três das quais consecutivas: 1979, 1980, 1981 e 1984 — foi campeão em Wimbledon em 1981, 1983 e 1984. O seu nome figura igualmente em cinco vitórias dos Estados Unidos na Taça Davis. Entre 1981 e 1984 dominou o ranking ATP mas de súbito entrou em eclipse — tirou seis meses de férias mas nunca mais voltou ao fulgor dos anos mágicos. Os acessos de fúria, os insultos e as pragas que deliciavam os espectadores mas lhe custaram milhares de dólares em multas tornaram-se cada vez mais intensos — nem o casamento com a actriz Tatum O\'Neal e o nascimento de dois filhos lhe abrandaram o génio e, em 1990, tornou-se o único tenista a ser expulso do court, num torneio do Grand Slam, por «insultos indecorosos» ao árbitro. Dois anos depois o anúncio da despedida — era o terceiro jogador do Mundo com mais dinheiro em prémios oficiais: 12.227.622 dólares. Dedicou-se então à gestão de uma galeria de arte em Nova Iorque, tornou-se igualmente guitarrista de uma banda «rock» — mas continua a disputar torneios de veteranos e um destes dias numa entrevista até desvendou: «No meu contrato há uma cláusula que me obriga a barafustar regularmente com o árbitro, como antes. Às vezes até me enjoo por ter de cumprir essa obrigação mas o público gosta do número e até me pagam bem para isso.»
 
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1975 – Muhammad Ali – boxeur do século

Escravo do empresário que o pôs na sua mansão
Ofensas e humilhações
Seis anos de treinos e logo a glória do título olímpico. Em Roma. A medalha de ouro de Cassius Clay serviu, apenas, para que se lhe abrissem as portas da fortuna. Apesar de tudo, havia quem não acreditasse no seu talento. Sugar Ray Robinson, por exemplo, recusou ser seu promotor, dizendo-lhe, com desprezo, que crescesse e aparecesse. William Reynolds, um multimilionário de Nova Iorque, tentou então a sua sorte. Teve azar. «Estava sem dinheiro, no fundo estava disposto a aceitar o que me quisessem dar. Meu pai não. Quando recebemos a proposta de Reynolds bradou: ‹Ninguém compra o meu filho por 75 dólares por semana, por 10 anos. O tempo do mercado de escravos acabou.›» Os bolsos vazios, a luta dramática contra a vida pobre de Louisville, os sonhos que se aqueciam cada vez mais, desfizeram- -lhe o orgulho e, pouco tempo depois, aceitou a proposta de Reynolds, que o levou para a sua mansão de Bridgeton, no Kentucky. Em troca da comida e da dormida. Para além de se treinar tinha de ajudar nos trabalhos domésticos. «Era, na verdade, bem alimentado. Todos os dias a velha tia de Reynolds trazia a minha refeição numa bandeja, como fazia, afinal, aos cães e aos gatos. E, num arrogante e insuportável tom de voz, dizia: ‹Quando terminar vá esfregar a casa de banho, vá tratar do jardim, vá... vá... vá...›» A sua vida em Bridgeton, era feita de ilusões e quimeras. Um dia, conta, o «Fleetwood preto da senhora Reynolds estava a bloquear a entrada, sentei-me ao volante para o levar para a garagem. A tia entrou em histeria, gritando por socorro, gritando que aquele carro valia mais que qualquer negro valerá em toda a sua vida». Por vezes Ali deixava-se abater. Maldizia a sorte. Pensava que, afinal, aquela medalha de ouro de Roma não servira para nada, não fora o instrumento da sua redenção. Por isso, revoltado, deitou-a para o fundo do rio Ohio. «Não senti remorsos ou dores. Pensei apenas que tinha ganho aquela medalha lutando contra um homem em risco de vida e, afinal, não servia para nada...» Em Outubro de 1960 o corte definitivo com Reynolds. A assinatura de um contrato com um grupo de milionários de Louisville, que lhe ofereceram 10 mil dólares de luvas. «Parecia-me muito dinheiro...» Percebeu, pouco depois, que fora explorado. Em seis anos não chegou a ganhar dois milhões e meio de dólares, sendo já o mais famoso boxeur dos Estados Unidos. Mas o que mais o revoltou foi quererem fazer dele um símbolo da América capitalista. Começou então, a sua transformação. A política tornou-se paixão. A luta pela dignificação dos negros a missão. Associou-se aos Muçulmanos Negros, tornou-se o alterego de Malcolm X. Eram riscos em demasia, sobretudo em vésperas de pelejar pelo título mundial com Sonny Liston. Empresários entraram em pânico, tentaram demovê-lo, afiançando que aquela ligação a Malcolm, poria «toda a América a odiá-lo». Não, nada o demoveu. Não temia as consequências. «Sempre desafiei o velho sistema em que os managers e os promotores encaravam os boxeurs como objectos, como brutos sem cérebro. Mal entrei no mundo do boxe percebi que era dominado por gangsters e ladrões profissionais ou oficiais — que, ainda por cima, julgavam que os boxeurs não eram gente, gente inteligente, que eram monstros instrumentalizados que existiam para distrair e satisfazer a sede de sangue das multidões. Não poderia viver num mundo assim, não poderia ser dócil como os outros. Queria mudar mentalidades, mesmo que me chamassem racista, arrogante, atrevido, presunçoso. Não era pelo dinheiro que lutava. Era pela dignidade dos negros, era para mostrar aos brancos que podia ganhar mais que eles à custa do meu próprio esforço, da força da minha vontade. Era para mostrar que os negros não estavam, destinados à vida miserável dos guetos». Foi com essa obsessão que afrontou Liston — e que o despedaçou num abrir e fechar de olhos.

Bicicleta roubada
A paixão de Cassius Clay pelo boxe surgiu de rompante. Por causa do roubo da bicicleta com que sempre sonhara. «Tinha 12 anos. Recebera, finalmente, uma bicicleta. Correra, horas a fio, a cidade. De repente choveu. Torrencialmente. Johnny Willis, meu inseparável companheiro de então, propôs que, para fugirmos da chuva, nos resguardássemos num auditório onde existia um ringue de boxe. Os boxeurs treinavam-se. Quando regressámos a bicicleta não estava lá. Chorei, desci as escadas com o coração desfeito, procurando um polícia. Mas, como que por magia, o cheiro do ginásio de boxe excitou-me, esqueci a bicicleta, deixei-me ficar, absorto, a olhar os 10 boxeurs que socavam o saco ou saltavam à corda. O cheiro a suor e a ungido de massagem deslumbrou-me. Quis ser como eles, decidi que não poderia ser outra coisa na vida. Foi assim que tudo começou. Com o roubo da bicicleta.»

Preso por recusar lutar no Vietname
Kadhafi, Lennon, máfia...
Quando Ali se recusou a combater na Guerra do Vietname os americanos puros e duros juraram-lhe vingança. Ou coisa pior. o filósofo Bertrand Russel carta felicitando-o pelo topete, porque assim «desafiava o poder americano que queria destruí-lo porque a sua atitude despertava consciências de um povo que continuava escravizado». Apesar da solidariedade internacional a mando de Ronald Reagan, então governador da Califórnia, foi condenado a ferros como refratário. E sobre isso, apreenderam-lhe o passaporte, impediram-no de disputar combates de boxe durante três anos e retiraram-lhe o título mundial. Como se fora um pária, viveu em exílio na própria terra. «Solicitei dispensa de incorporação alegando ser objector de consciência. Como ministro do Reino de Islão não poderia pegar em armas ou matar, por isso ser contra a minha religião. E como não tinha motivos para lutar contra os vietnamitas.» Apresentou-se, de livre e espontânea vontade, na Dale County, prisão de Miami, para cumprir os cinco anos da pena. O director, condescendente, atribuiu-lhe direito a tratamento especial. «Deram-me a escolher entre trabalhar na lavanda-ria, no pátio, no refeitório ou na cafetaria. Escolhi a cafetaria. Um dia pediram-lhe que levasse a última refeição à cela dos condenados à morte — e aquilo até parecia a cena de um filme de Woody Allen, com o rapagão de boca aberta a dizer-me que devia ser o fim do Mundo, que até lhe puseram o campeão do Mundo a servir-lhe o jantar!» Não, não penou os cinco anos no cárcere. Menos de um ano depois, libertaram-no, com pena suspensa. O tribunal, no entanto, manteve-lhe o passaporte preso e proibição de combater na América de Abril de 1967 a Setembro de 1970. Quando, conseguiu, enfim, autorização para sair dos Estados Unidos, correu para Trípolis. Para se encontrar com Kadhafi. Em busca de dinheiro para apoiar a luta dos muçulmanos e para conseguir fundos para a construção da maior mesquita americana. Para ele foi um dos momentos mais emocionantes da vida. Outro foi a visita dos Beatles ao seu próprio ginásio. Nunca mais se esqueceu de uma frase de John Lennon: «Campeão, quanto maior você se torna mais tem de encarar a irrealidade e mais irreais ficam os outros.» Lennon voltaria a deixar o gigante em lágrimas, alguns meses volvidos. «Surgiu à minha beira com os calções manchados de sangue com que eu lutara contra Henry Cooper. Tinha-os oferecido a Michael Abdul Malik, militante negro de Trindade e Tobago, que os trocara, depois, por cabelo de John Lennon e de Yoko Ono. Lennon queria que autorizasse o seu leilão, para colher fundos para a paz mundial, dizendo-me a sorrir que, ao menos, assim, o sangue de Cooper serviria para uma boa causa.» Nixon agonizava. Herbert Muhamed tornara-se, entretanto, o agente de Ali. Empresário-símbolo, na luta contra a máfia do boxe. «Se não tivesse sido muçulmano ou membro de uma forte organização negra, as possibilidades de o título mundial de pesados permanecer fora da influência e direcção do sindicato do crime seriam mínimas. A entrada dos Muçulmanos Negros no boxe destruiu os gangsters, por ser uma organização que a máfia temia».

40 milhões de dólares e até luvas lhe levaram
No arranque para a década de 70, Herbert Muhamed conseguiu um contrato de cinco milhões de dólares, a dividir entre ambos, para o combate Ali-Frazier. Ninguém cria que fosse verdade. Nem sequer Ali. Pouco depois ambos se sentiriam «ludibriados». Jerry Perenchio, empresário que organizara o duelo, ganhou com a iniciativa 40 milhões de dólares, comercializando em exclusivo tudo o que, directa ou indirectamente, se relacionasse com ele. As luvas, os calções, a camisola dos pugilistas, tornaram-se propriedade do promotor e foram vendidos a peso de ouro. Para Ali era a excomunhão de Perenchio. Em seu lugar apareceria, messiânicamente, Don King. Conhecera-o como um viciado jogador, em Cleveland. «Havia deixado o Kent State College para ganhar a vida em night-clubs e nas mesas do jogo. Deixei de o ver quando foi preso, cumprindo quatro anos de pena por ter morto um homem com quem tivera uma briga.» Logo que o soltaram, King procurou Ali em sua casa, dizendo-lhe que o seu combate com Frazier o redimira: «Naquele momento, na cela, ao ver-te lutar, decidi não voltar a entrar em casinos, decidi que o meu futuro deveria passar pelo show business, pelo boxe — e com a ajuda de Alá quero promover os teus combates. Aceitas?» Magoado com Perenchio, aceitou.

Mobutu mandou prender director de banco que fora nadar
12 milhões em combate!
O instinto negocial de Don King inspirou-lhe o combate do século. No Zaire. Convenceu Mobutu a despender 12 milhões de contos para pagamento a Muhammad Ali e George Foreman. Em nome da negritude, Mobutu aceitou e esfregou as mãos. Ali contou que o valor era de tal modo exorbitante que o director do Barclays Bank de Kinshasa acabou na prisão... «Quando o presidente deu ordem para que a agência transferisse os 12 milhões de dólares para os Estados Unidos o gerente pensou que houvera engano e, em vez de fazê-lo, foi nadar. Por pouco não se gorou o combate. Mobutu ficou furioso, mandou os soldados à piscina, prendeu o gerente e só deixou que o Barclays se mantivesse no Zaire quando o administrador de Londres foi ao palácio presidencial, propositadamente, pedir desculpas.» Um ano depois, em Setembro de 1975, a despedida de Ali. Em Manila, lutando contra Joe Frazier. Vitória por KO! Uma recepção especial no palácio de Ferdinando Marcos e mais um cheque de seis milhões de dólares. Até então nenhum desportista recebera tanto. Total dos ganhos até 1975: 31.251.115 dólares. Era o canto-de-cisne, daí em diante pouco mais ganharia. Manter-se-ia fiel aos seus princípios, com o orgulho espicaçado por «provar que os negros não são vermes ou imbecis». Já à esquina do século, mais um pincho de felicidade, no corpo de gigante abalado pela doença: Leila, a filha, tornou-se campeã de boxe, com o mesmo espírito do pai. Se Ali vive trespassado pelo pânico de morrer breve? Não. «O que sinto é saudade do futuro, por pensar que nunca mais poderei olhar para as crianças do Mundo. É o que mais amo. Não consigo passar por elas, sem lhes lançar um sorriso, sem lhes fazer um carinho. Por elas gostaria que a vida recomeçasse todos os dias.»

Doença de Parkinson
Muhammad Ali continua às portas da morte. Vítima da doença de Parkinson. Até falar lhe custa. Fredy Pacheco, médico que o assistiu durante os 17 anos de ouro da sua carreira, no seu livro Muhammad Ali — A View from the Corner, garante que o avisou vezes sem conta dos riscos que corria. «Foi a avareza que o destruiu. Não percebeu que a saúde é o mais precioso bem de um homem e sem ela os milhões de dólares acumulados no banco nada valem.» E, peremptório, acusou-o de não ter tido a inteligência para sair a tempo, logo após aquele fabuloso combate de Manila, em 1975, em que quase destruiu Joe Frazier. Quando, em 1981, arrumou definitivamente as luvas, após a «ignominiosa derrota às mãos de Trevor Berbick, em Nassau», já Ali estava atacado pela doença de Parkinson. Multibilionário mas com os dias contados.
 
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1976 – Jogos Olímpicos de Monreal

Carlos Lopes conquistou o seu primeiro título mundial de corta-mato, em Chepstown
Soberbo puro-sangue
Viera para o Sporting e foi trabalhar como serralheiro. Passou pelo Diário Popular, era o estafeta que levava as provas para os coronéis da censura visarem. Arranjaram-lhe, já na década de 70, emprego melhor, num banco. Em 1975 o homem que ferira os calcanhares e o coração correndo sobre os cardos da montanha e da vida tivera, enfim, um pouco mais de apoio. Poderia treinar-se pela manhã em vez de ir para o banco trabalhar. E, assim, para Chepstown partiu de sonho escondido. Mas na ânsia quente de descobrir na lama o seu futuro. Correu como se fosse para muito longe, em busca do paraíso. E ganhou. Fulgurante. Épico. Campeão do Mundo, para espanto do mundo. No L’Équipe do dia seguinte podia ler-se: «Indiferente, soberbo, atleta de busto ligeiro e pernas de puro-sangue, Carlos Lopes parecia um cavaleiro solitário, tendo inscrito na fronte a certeza da sua superioridade.» Tudo simples e inesperado, afiançou ele: «Um triunfo assim acontece uma vez na vida. Arranquei só para experimentar os adversários, não tinha ideias de sair mesmo naquela altura, pretendi apenas impor o andamento que mais me convinha, porque tinha a certeza de que não poderia esperar pela última volta para resolver a corrida. Apercebi-me de que, nas subidas, tanto os dois ingleses como o belga fraquejavam um pouco, acelerei e...» Da táctica de Moniz Pereira fez letra-morta. Por uma questão de feitio. Explicou-se: «Quando entro em prova não tenho instruções. Os que estão de fora não podem mandar e dizer que a determinada altura temos de fazer isto ou aquilo. Quem manda é o atleta, porque ele é que sabe como se sente. Ora, sentia-me bem e, depois quando uma pessoa vai à frente as forças redobram. Eles foram ingénuos, estavam convencidos de que eu não aguentaria o andamento que impus a partir do sexto quilómetro.» Transportado no seu próprio helicópetro, o duque de Lancester desceu à relva revolvida em lama do hipódromo e, com pompa e circunstância, colocou a medalha de ouro no peito de Lopes. Enquanto tocava A Portuguesa o campeão mantinha a pose altiva. Sem que as lágrimas de emoção lhe bailassem nos olhos. Como se fora aquele o seu destino. Moniz Pereira exaltou o feito, garantindo que nas pernas dele houve fulgor de Portugal, como raramente houvera no Mundo. «Mais de 200 milhões de pessoas viram o seu triunfo, em directo pela TV. Por isso, em meia hora, Carlos Lopes fez mais pelo País que o SNI em todos os anos da sua existência.» Mas somos assim... Por cá houve logo quem considerasse que melhor seria que o dinheiro que se gastou na preparação dos atletas portugueses se aplicasse no desenvolvimento do desporto escolar!!! Moniz Pereira, depois de desvendar que com vista à preparação para os Jogos Olímpicos de Monreal já se tinham gasto 300 contos dos 600 previstos — e os primeiros resultados estavam já ali, em ouro arrancado do lamaçal de Chepstown —, bem ao seu jeito, truculento, irónico, atirou: «Se calhar Carlos Lopes ainda terá de pedir desculpa por ter ganho o Campeonato do Mundo de crosse. Com a verba gasta na preparação dos nossos atletas pré-olímpicos, e havendo 13 mil escolas em Portugal, poder-se-iam comprar (mas com desconto!) quatro bolas de pingue-pongue para cada uma ou, no tocante a recintos, construir-se uma cova para o berlinde.»
Em Monreal medalha de prata no tiro ofuscada por Lopes nos 10 mil metros Ouro de vampiro Para Carlos Lopes chuva de prata em Monreal. E a imagem eterna de um homem emocionado remirando a medalha. Apesar das suspeições de vampirismo acasteladas em torno de Viren, que fora o ladrão do seu sonho com a força e a passada célere do sangue purificado por transfusões. A glória e o assomo de humildade: «É grande o peso da medalha. Exige cada vez mais sacrifícios e as compensações são pequenas, porque não sou como os estrangeiros. Eles, lá fora, não correm por gosto. Que o Viren é polícia...E pensam que ganha apenas como polícia? Disseram-me que só por ter vencido os 5000 e os 10 mil nos Jogos de Munique, o estado ofereceu-lhe uma casa! A mim que têm dado? Nada! Dispensam-me do trabalho da manhã no banco.» Moniz Pereira garantiu que se a dupla légua se disputasse em final — «Lopes teria a medalha de ouro ao peito». E afiançou que, para a final, a táctica seria simples: «Forçar o andamento até ao limite e de duas uma: ou rebenta ele ou rebentam os outros.» Só não rebentou Viren. Era a prata retirada dos músculos de ferro alçados na bigorna do seu esforço, do seu querer, da sua raça. Moniz desvendou, a chorar: «Sempre acreditei.» Lopes em contravapor: «Nunca acreditei.» Mais garantiu que seria incapaz de chamar... «chulo» a Viren, que somaria a sua quarta medalha olímpica consecutiva de ouro. «Fez a corrida como entendeu que devia fazer. Se eu tivesse a ponta final dele se calhar faria o mesmo. Não, não fui vítima do que fiz — andei sempre na frente, a puxar, porque esse é o meu espírito. Quando conduzo a corrida não é para ganhar, é para não perder, porque aquilo que tenho de fazer é afastar os outros, ir dando cabo deles, caso contrário, como não sou rápido, posso ser enganado nos últimos metros. Estou muito feliz, com esta medalha de prata, não tanto por mim mas mais pelo prof. Moniz Pereira». Alguns meses depois, não revalidaria o título mundial de corta-mato, foi batido pelo belga Léon Schots.

Filho e pai no destino do ouro
A russa Tatyana Kazankina conquistou as medalhas de ouro no meio-fundo — 800 metros em 1.54,94 e os 1500 metros em 4.05,48. O compatriota Viktor Saneyev foi, pela terceira vez consecutiva, o melhor no triplo salto. Do Leste europeu surgiu a nova campeã do salto em altura, representando a RDA, Rosemarie Ackermann, a qual ultrapassou a marca histórica dos dois metros 65 anos depois de o primeiro homem, o americano George Horine, o ter conseguido. História escreveu também o húngaro Milkos Nemeth, vencedor do lançamento do dardo com 94,58 metros, não pelo resultado mas porque seu pai, Imre, fora também medalhado com ouro nos Jogos de 1948, no lançamento do martelo

Szewinska campeã dos 400 metros e saco cheio de medalhas
Fuga a terror nazi
Nasceu em 1946 num campo de refugiados de Leninegrado. Os pais, judeus, tinham deixado a Polónia em desespero, ameaçados pela torrente de terror nazi que varria a região. Famélica haveria de regressar a casa — a casa não, às suas ruínas. Eram ainda os dias amargos dos despojos da guerra. Descoberta para o atletismo aos 14 anos, era corredora de graciosidade impressionante — passada larga, de uma beleza cénica que arrebatava, devido sobretudo ao seu gabarito: 1,79 metros de altura e 61 quilos de peso. Assim, nesse jeito de gazela branca foi fazendo o seu caminho. Fulgurante. Irena Kirzenstein, Szewinska por casamento, estreou-se nos Jogos Olímpicos de Tóquio com 18 anos — e logo arrecadou três medalhas: ouro nos 4x100 metros, prata no salto em comprimento e nos 200 metros. Da equipa de estafeta fazia parte Ewa Klobukowska, que ganhara também medalha de bronze nos 100 metros e no ano seguinte, no primeiro teste de sexo a que se sujeitou, não deixou provada a sua condição de mulher! Nos Jogos do México juntou ao ouro dos 200 metros o record mundial (22,5 segundos) e ainda ganhou bronze nos 100 metros. Em Munique mais uma medalha de bronze nos 200. Em Monreal o must — vitória nos 400 metros, com a espectacular marca de 49,29 segundos — e cerca de 10 metros de vantagem sobre a alemã Christina Brehmer. Durante toda a década de 70 Szewinska impôs um reinado incontestável na volta à pista — venceu 34 provas consecutivas de 400 metros, só quando Marita Koch, uma das atletas do século, despontou é que a polaca começou a vacilar. Empolgante se esperava que fosse o duelo entre ambas nos Jogos Olímpicos de Moscovo, Irena tinha 34 anos, Koch menos 11, mas nas meias-finais a judia que se tornara a primeira mulher a menos de 50 segundos nos 400 metros sofreu lesão muscular e teve de atirar a toalha ao tapete. Saiu de pista em maca, pouco depois tornava-se uma das mais activas dirigentes da IAAF. Continua a sê-lo, mantendo o cargo de presidente da federação polaca. Em 1967 casara-se com o seu treinador Janusz Szewinski, e terminara o mestrado em economia. A primeira mulher a deter, no atletismo, os records do Mundo de 100, 200 e 400 metros, sete medalhas olímpicas, mais 34 em Campeonatos da Europa, Taças da Europa, Taças do Mundo — e ainda 13 máximos mundiais entre 1965 e 1976. Tão célebre como as suas medalhas olímpicas de ouro a exibição que rubricou na primeira edição da Taça do Mundo, em 1977. Após ganhar os 200 e 400 metros foi escolhida para receber o troféu da vitória em nome da Europa. Justíssima homenagem — ela fora a estrela da competição quando, nos 400 metros, bateu a superfavorita Marita Koch em 49,76 segundos.

Acidente, perna amputada, morte
João do Pulo. A alcunha ficou. Ultrapassou até o próprio nome — João Carlos de Oliveira. Na esteira de Adhemar Ferreira da Silva e de Nelson Prudêncio, tornou-se, aos 21 anos, recordista mundial do triplo salto, em 1975, no México, com a fabulosa marca de 17,89 metros — record que apenas seria batido 10 anos volvidos pelo americano Willie Banks, oito centímetros além. Em Monreal o sonho só poderia ser mesmo de ouro — acabou em bronze, derrotado pelo russo Viktor Saneyev e pelo americano James Butts, nesse dia não chegou sequer aos 17 metros. Quatro anos volvidos nova decepção olímpica, nos Jogos de Moscovo — outra vez bronze, batido pelo estónio Jaak Uudmae e por Saneyev. Em Dezembro de 1981, pouco depois de vencer pela terceira vez consecutiva a Taça do Mundo, com 17,37 metros — sofreu gravíssimo acidente de viação, amputaram-lhe uma perna em 10 centímetros, era o fim trágico do canguru do samba, o anjo caído às bordas do inferno — após várias semanas em coma, devido a resquícios do acidente, a morte ceifou-o aos 45 anos.

Teofilo Stevenson – Dólares esbanjados a soco Fi(d)el
Talvez pudesse ser o pugilista do século — se, por inquebrável questão ideológica, não recusasse sempre profissionalizar-se. Mas de uma coisa não há dúvidas: Teófilo Stevenson é a maior figura do boxe olímpico. O único com três títulos consecutivos de pesados. Com 20 anos apenas abriu a saga em 1972, arrasando literalmente o romeno Ion Alexe. Poucas horas depois surgiu-lhe na Aldeia Olímpica mensageiro com proposta irrecusável: dois milhões de dólares para lutar contra Muhammad Ali. A resposta foi tão arrasadora como o eram os seus golpes: «O que é que valem dois milhões de dólares comparados com oito milhões de cubanos a construírem o socialismo — e a amarem-me como homem da revolução!» O seu poder de soco tinha o efeito devastador de um camartelo — os adversários tentavam passar o maior tempo possível em jogo de esquiva mas era raro passarem do terceiro assalto! Em Montreal e em Moscovo revalidou os títulos olímpicos e continuou, em fidelidade, a dedicar o ouro à revolução e a... el comandante. Aos 34 anos, em 1984, ainda era campeão mundial de amadores. Incontestável. Mas achou que chegara o tempo de pendurar as luvas.
 
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Alberto Juantorena venceu 400 metros e foi traído pelos tendões

Cavalo da revolução El caballo.
Uma alcunha que partilha com Fidel Castro. Alberto Juantorena foi um dos deuses do estádio em Monreal, ganhando os 400 e os 800 metros — proeza histórica, sem precedentes. E nunca mais igualada. Na volta à pista 44,26 segundos — a melhor marca mundial de todos os tempos ao nível do mar até então. Nos 800, 1.43,50 minutos — record do Mundo. Nascido a 3 de Dezembro de 1951, foi durante muito tempo apenas uma esperança no basquetebol. Tinha 20 anos quando, durante um estágio, o mandaram correr. Um treinador polaco que em Havana estava como detector de talentos ficou com os olhos esbugalhados: sem sequer utilizar sapatos de bicos, 51 segundos aos 400 metros! Foi imediatamente convertido ao atletismo, um ano depois estreou-se nos Jogos Olímpicos, em Munique, falhou o acesso à final por apenas cinco centésimos. Zygmunt Zabierzownski nunca mais o largou. Lapidou o diamante — e vaticinou logo que em Monreal seria campeão olímpico. Duas operações aos pés, uma em Dezembro de 1974, outra dois meses depois, quase lhe esfanicaram as ambições. Recuperou espectacularmente e em Monreal — o deslumbramento, a politização do ouro — que dedicou a Fidel e à luta pela revolução e pelo comunismo. Em 1977 Juantorena bateu o record mundial de 800 metros, com 1.43,44 minutos, nas Universíadas — e repetiu a dobradinha na Taça do Mundo, protagonizando cena caricata. Na altura da final dos 400 metros ficou preso ao blocos — alegou que não ouvira o tiro devido a um avião que cruzava os céus de Dusseldórfia, a prova seria repetida, ganhando-a em 45,36 segundos. Outra vez os efeitos da tendinite crónica, poucos meses antes dos Jogos Olímpicos de Moscovo, operação em Leipzig. «Fizera apenas um teste de 300 metros em Havana, deu boas indicações, arrisquei os 400 metros, falhei a medalha de bronze por dois centésimos, fiquei espantado comigo próprio — e espantado também com o russo Viktor Markin, que baixou de 47,20 para 44,60 segundos e logo depois do título olímpico se eclipsou.» Os anos seguiram-se pálidos, descoroçoantes. Dramática a despedida das pistas, em 1983, nos Mundiais de Helsínquia — devido a um tropeção abandonou o tartan contorcendo-se numa maca, o rosto goivado pela dor. Não, não deixou de continuar ligado ao atletismo. E ao mais alto nível. Alberto Juantorena tornou-se um dos mais destacados membros da IAAF mas continua igual a si próprio — de tal forma que não há muito tempo, quando Javier Sotomayor foi apanhado nas malhas do doping, correu a insinuar que o saltador-símbolo de Cuba fora vítima de mais uma maquinação da CIA e «dos traidores de Miami», para escurentarem a revolução.

Barreiras à direita
O francês Gui Drut, surpreendente campeão olímpico dos 110 metros barreiras, ofereceu a vitória «apenas a 51 por cento de franceses». Por essa altura Giscard d’Estaing batera Mitterrand e Drut era um dos homens-propaganda do novo presidente. Os seus caminhos voltariam a cruzar-se depois. Juantorena tornou-se ministro dos Desportos de Fidel, Drut assumiu cargo análogo com Chirac.

Klaus Dibiasi – Anjo LoUro ou Icebergue
Klaus Dibiasi. O único homem capaz de regatear o título de maior saltador do Mundo de todos os tempos ao havaiano Greg Louganis. Epitetaram-no de anjo louro. Ou icebergue — por ter nascido numa vilazinha incrustada num pico de Bolzano quase sempre coberto de neve. Por paradoxo do destino deu saltador para a água, natural seria que fosse de esqui. O seu pai já representara Itália nos Jogos Olímpicos de Berlim — e foi, durante toda a vida, seu treinador. Aos 17 anos Dibiasi estreou-se em Tóquio e logo ficou a um escassíssimo ponto da vitória na prancha, que coube ao americano Robert Webster. No México o primeiro dos três títulos olímpicos consecutivos — o adeus ao voo seria em 1976, com uma vantagem de 24 pontos sobre Louganis, em Monreal. No México ganharia também medalha de prata no trampolim. Para além das cinco medalhas olímpicas, sagrou-se campeão mundial por quatro vezes.

Nadia Comaneci conseguiu em Monreal perfeição suprema
Mágica menina 10
Nadia Comaneci nasceu a 12 de Novembro de 1961 em Onesti, no condado de Bacau. Começou a praticar desporto aos três anos, num jardim infantil — enfrascava-se, sempre com o mesmo deslumbre, em qualquer actividade física, anos a fio, apesar do perfil anoréxico era a melhor jogadora de futebol da escola, melhor que qualquer rapazinho! À ginástica se dedicaria, contudo, em definitivo, com seis anos. Na primeira vez em que Bela Karolyi a viu em acção, estava no pátio da escola a fazer piruetas, o técnico ficou com um nó na garganta, basbaqueado. Não a largou mais. Dois anos volvidos, em 1975, na sua primeira grande competição internacional, sagrou-se campeã europeia, em Skien, na Noruega, apoderando-se de quatro dos cinco títulos de aparelhos em disputa. Com 14 anos apenas transformou a ginástica num fabuloso exercício de coquetterie — deslumbrou o Mundo a partir de Monreal. Tímida e de tranças, 1,53 metros de altura, 38 quilos de peso — imortalizou--se por ser a primeira ginasta a conseguir nota 10 — e logo por sete vezes. Os computadores não estavam programados para a valorização máxima — aos primeiros instantes lucilou nos quadros a nota 1,00 em vez de 10,00. O pavilhão encheu-se ainda mais de espanto. No concurso individual Comaneci somou 79,275 pontos em 80 possíveis — juntou a essa mais duas medalhas de ouro (assimétricas e barra fixa), uma de prata (concurso completo por equipas) e outra de bronze (solo). Quatro anos depois, ornada por sete títulos mundiais e cinco europeus, surgiu em Moscovo bem mais gordinha, com 48 quilos — e com oito centímetros mais. Perdeu o título individual para a russa Yelena Davydova — mas ainda se sagrou campeã olímpica na barra fixa e no solo, contribuindo decisivamente para que a Roménia continuasse vice-campeã. Não escondia já que era estrela em perda de fulgor — menina-mulher a caminho da depressão, apagada na alma a esperança, a alegria. Mais penoso seria o caminho para Los Angeles. Poucas e apagadas competições, lesões várias — infecção grave numa mão, uma depressão nervosa, suposta tentativa de suicídio — haveria de desvendar, algum tempo depois, que Nico Ceaucescu, filho do torcionário presidente romeno, a obrigava a ser sua namorada, abusando sexualmente de si.


5000 dólares por fuga dramática
Em 1989 Nadia Comaneci conseguiu escapulir-se de Budapeste, onde trabalhava como professora de educação física, através da ajuda de Constantin Panit — homem casado de quem se diria também que fora seu amante, matéria que inundou páginas de revistas e jornais sensacionalistas. A única revelação que Nadia fez foi que Panit lhe cobrara cinco mil dólares pela fuga por entre caminhos esconsos e montanhas cobertas de neve. Mal chegou à Áustria pediu asilo aos Estados Unidos — foi viver para Nova Iorque, com uma bolsa de refugiada política, reencontrando-se com Karolyi, o treinador que desertara antes, em 1981, e que haveria de destruir através das suas pupilas americanas o predomínio hegemónico das ginastas do Leste em Jogos Olímpicos. «Abandonei casa, automóvel, segurança financeira, por um sonho apenas — a liberdade. E, é verdade, fugi também das garras nojentas dos Ceaucescu.» Em 1996, já depois de adquirir nacionalidade americana, Nadia Comaneci casou-se com o americano Bart Conner, que ganhara medalha de ouro nos Jogos Olímpicos de Los Angeles, ambos administram academia em Norman, Oklahoma, editam uma revista e promovem exibições de ginástica e de patinagem no gelo — parte dos lucros é aplicada em obras de caridade.

Nikolai Andrianov fechou carreira com 15 medalhas olímpicas
Cientista teimoso
O treinador que o lançou para a ribalta, na magia do cometa a cruzar os céus, haveria de condescender: «Tinha habilidade mediana, génio difícil, uma inquietação impressionante, uma teimosia ainda maior. A teimosia é que haveria de tornar-se o seu trunfo.» Nikolai Andrianov conquistou em Monreal, na ginástica, quatro medalhas individuais de ouro das seis em disputa: vencedor do concurso geral, ganhou também os exercícios no solo, o salto de cavalo e as argolas, arrecadando ainda prata nas paralelas e bronze no cavalo com arções. Fantástico, histórico, o facto de ter-se apoderado da prova global com um ponto inteiro adiante do segundo classificado. Os japoneses Sawao Kato, campeão de paralelas, e Mitsuo Tsukahara, primeiro na barra fixa, foram decisivos para a vitória nipónica no concurso geral por equipas — retirando assim a Andrianov a hipótese da quinta medalha de ouro. Quatro anos antes, em Munique, Nikolai já se sagrara campeão olímpico no solo, vice-campeão no concurso completo por equipas e fora terceiro no salto de cavalo. Nasceu em Vladimir, na Rússia, a 14 de Novembro de 1952. Descobriu a ginástica aos 12 anos, através de um amigo que o levou a ver o seu treino. Quis logo fazer o mesmo. A estreia internacional deu-se em 1971, com o título de vice-campeão mundial. Quando chegou, com 28 anos anos, aos Jogos de Moscovo especialistas vários consideravam-no já demasiado velho. Seria o melhor no salto de cavalo, no concurso geral apenas o seu sucessor, Alexander Ditjatin lhe levaria a palma, fecharia o ciclo com mais prata nos exercícios de solo e bronze na barra fixa. Campeão europeu por nove vezes e mundial por cinco, para juntar às 15 em Jogos Olímpicos: sete de ouro, cinco de prata e três de bronze — nove títulos europeus e cinco mundiais. Tudo isso através de um estilo pragmático — sem o toque da ousadia ou do deslumbre. Tentava poucos exercícios arriscados, concentrando-se, com um jeito de cientista, na eliminação dos erros, por mais imperceptíveis que fossem, nos movimentos clássicos. Não deixou de ser um modo bem eficaz de ginástica de sucesso. E, por vezes, também inovava. Com brilho. Em 1974 sagrou-se campeão mundial de argolas, tornando-se o primeiro ginasta a efectuar um triplo salto mortal da barra fixa. Após os Jogos de Moscovo abandonou a competição, passou a responsável pela formação de jovens talentos, moldando entre outros Yuri Korolyov (campeão do Mundo em 1981 e 1985), Vladimir Artemov (campeão olímpico em 1988), Alexei Nemov e Dmitri Vasilenko (campeões olímpicos em 1996). Com o colapso do império soviético emigrou para o Japão — e é actualmente treinador da estrela nipónica Naoya Tsukahara, filha de Mitsuo Tsukahara, um dos seus maiores rivais.

Vassily Alekseyev – Mineiro dos músculos de aço
Até aos primeiros anos de 70 Vassily Ivanovich Alekseyev era mineiro. Só aos 28 anos entrou em força no desporto. Nascido no primeiro dia de Janeiro de 1942 em Chichkino, sagrou-se campeão olímpico de halterofilismo em Munique e em Monreal. Esmagador o seu reinado — entre 1970 e 1977 conquistou consecutivamente oito títulos mundiais e mais oito europeus. Nesse período de ouro levantava entre 590 e 600 quilos com uma precisão quase científica — chegou aos Jogos de Moscovo aparentemente ainda na plenitude das suas capacidades mas falhou a conquista da terceira medalha de ouro — deixando os espectadores que se aboletavam na sala gelados de espanto, não conseguindo levantar a barra em nenhum dos três ensaios. A sua atitude pretensiosa causava nos adversários mais temor que propriamente respeito ou admiração. Urso russo o epitetaram. Para aquecer os músculos antes das competições adorava brincar com uma bola de musculação de 72 quilos. E antes dos levantamentos, depois de pedir silêncio sepulcral — atirava os olhos para o topo do pavilhão e assim ficava largos segundos... Estabeleceu 80 (!) records mundiais — tinha sempre o cuidado de o levar por margem mínima, para que assim pudesse juntar os bónus que o governo soviético dava por eles. Costumava dizer que só havia uma coisa na vida que não conseguia vencer: a tendência para aumentar de peso quase todos os dias — de tal forma que quando se despediu da alta-roda pesava 165 quilos! Por essa altura já era engenheiro de minas, falava fluentemente 12 idiomas e a mulher chamava-se... Olympiada!

Em Monreal, quatro medalhas de ouro para Kornelia Ender
Boneca de músculo
Kornelia Ender foi a primeira mulher maravilha da fábrica de medalhas da RDA. Nasceu em 1958, iniciou-se na natação aos seis anos para corrigir um problema ortopédico. Por Konny a tratavam com ternura. Nadava num estilo fulgurante — fazendo lembrar moinho na ventania. Em três anos apenas, de 1973 a 1976, bateu 29 records mundiais, arrebatou quatro medalhas olímpicas de ouro e oito títulos de campeã mundial. Estilhaçando-o por 10 vezes, levou o máximo dos 100 metros de 58,5 para inimagináveis 55,65 segundos na final dos Jogos de Monreal. Nos 200 metros livres também baixou barreira histórica: 1.59,26 minutos — e só por uma unha negra não fez o mesmo nos 100 metros mariposa, que venceu em 1.00,13 minutos. Entre a final de mariposa e a dos 200 livres Kornelia teve apenas 27 minutos de descanso! A quarta medalha de ouro foi na estafeta de 4x100 metros livres, a quinta falhou por pouco, as americanas bateram a RDA na emotiva final de 4x100 metros estilos. Nesses Jogos a RDA só perdeu uma prova individual, os 200 metros bruços, vencidos pela russa Marina Koschewaja. Petra Thumer ganhou os 400 e os 800 metros, Ulrike Richter os 100 e os 200 metros costas, Andrea Pollack os 200 metros mariposa e Ulrike Tauber os 400 metros estilos. E foi então que se começaram a lançar as primeiras suspeitas de utilização de esteróides anabolisantes na preparação das nadadoras da RDA. Ironicamente se dizia que com isso transformaram Ender em ser estranho: corpo musculado de homem com cara de boneca.

Casamento para... Nadador perfeito e efeitos macabros do plano 14.25
Antes ainda da queda do Muro de Berlim Kornelia Ender quase caiu em desgraça — por insinuar que o regime comunista da RDA não tinha nada de democrático. No entanto negaria sempre que fora obrigada a casar-se com Roland Matthes, a primeira estrela das piscinas da RDA, na ânsia de que o filho de ambos se tornasse, através de manobras genéticas, o supernadador perfeito. Um ano depois o divórcio, novo enlace, com Stefan Grummt, campeão de bobsleigh. Após o abandono de competição, dedicou- -se à fisioterapia, numa cidadezinha do Sul da Alemanha — sem nunca pressionar as duas filhas a dedicarem-se ao desporto. «O importante é que tenham uma boa vida familiar. O desporto, a partir de certa altura, é loucura, pode matar até.» Konny sabia do que falava. O sucesso desportivo da RDA baseava-se no tenebroso Plano 14.25 — a sigla secreta da política de dopagem. Que cruzou todas as áreas. Às vezes dramaticamente. Kristiane Knacke, campeã mundial em 1977, recebeu doses elevadas de esteróides anabolisantes julgando sempre que eram vitaminas. Oito anos após a despedida começou a definhar, a menstruação desapareceu — engravidara e a filha nascera com graves perturbações hormonais. É apenas um exemplo de tantos e tantos dramas que o tempo foi revelando.

John Naber – A inspiração da Bíblia e da viagem a Olímpia
Inspirado por longas leituras diárias da Bíblia, de repenicado bigodinho russo, o americano John Naber colocou ponto final na era do alemão oriental Roland Matthes em Monreal. Para além do ouro nos 100 e nos 200 metros costas, com records mundiais: 55,49 e 1.59,19 — que fizeram de si o primeiro homem do Mundo a menos de 56 segundos e de dois minutos —, contribuiu igualmente para as vitórias dos Estados Unidos nas estafetas de 4x200 metros livres e 4x100 metros estilos e ainda arrecadou a medalha de prata nos 200 metros livres, a apenas 21 centésimos do compatriota Bruce Furniss. Matthes, que no México e em Munique averbara quatro medalhas, — tivera de se sujeitar a uma operação de emergência ao apêndice, seis semanas antes da partida para o Canadá, por isso o favoritismo até estava centrado em Naber — o que não se esperaria era que esfanicasse os máximos do nadador da RDA, que apesar da cirurgia ainda conseguiria a medalha de bronze nos 200 metros. Para John era o cumprimento de uma promessa de menino: com nove anos, pela mão dos pais, visitou as ruínas de Olímpia e quando de lá saiu disse-lhe com ar solene que haveria de ser também campeão olímpico. Foi. Depois dos jogos, com 20 anos apenas, aposentou-se, dedicou-se aos estudos na Universidade do Sul da Califórnia e os seus recordes duraram sete anos.
 
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1978 – FC Porto bicampeão nacional da I Divisão

José Maria Pedroto quebrou famoso jejum de 19 anos
Homem que só sabia ganhar Foi o mais importante treinador português da segunda metade do século. José Maria Pedroto, um nome para a história, na qual ocupa lugar entre os maiores de todos pelo excepcional jogador que foi mas principalmente pelo técnico que operou ao longo de quase 25 anos — entre 1960 e 1984 — as mais variadas transformações num universo de poder centralizado e partido único. Fê-lo à custa de um saber que por vezes atingia a genialidade, de uma inteligência invejável e de uma coragem a mais das vezes denegrida pelos muitos adversários que dela extraíam apenas aquilo a que chamavam lado inconsciente. O tempo encarregar-se-ia de uniformizar a imagem de um homem que viveu alimentando dois prazeres: ser incómodo e ganhar. Ganhar sempre. Em 1952, tinha 23 anos (nasceu a 21 de Outubro de 1928), cumpriu finalmente o sonho de jogar no F. C. Porto depois de passar por Leixões, Lusitano de Vila Real de Santo António e Belenenses, outra das paixões da sua vida. Com a camisola azul e branca se manteve até 1960, altura em que aceitou a responsabilidade de orientar as escolas do clube. Daí saltou para o projecto da Selecção Nacional de juniores que venceu o Torneio Internacional, espécie de Campeonato da Europa oficioso (1961). Passou por Académica, Leixões e Varzim. Em 1966 assumiu pela primeira vez o comando técnico portista, garantido ao longo de três épocas. Em 1967/68 conquistou a Taça de Portugal. Na época seguinte, à frente do Campeonato, sofreu dois desaires surpreendentes nas Antas que o desalojaram do primeiro lugar à entrada para as últimas quatro jornadas. A direcção rescindiu unilateralmente o contrato. Pedroto prosseguiu no V. Setúbal uma carreira marcada pelo êxito. Em cinco anos ao serviço do clube foi uma vez quarto, três vezes terceiro e vice-campeão em 1971/72. Seguiram-se dois anos ao serviço do Boavista. Quarto em 1974/75 (e uma Taça de Portugal), outra vez vice-campeão em 1975/76. Regressou então ao F. C. Porto, iniciando a grande cruzada contra o centralismo do futebol português, contra o poder de Lisboa, contra árbitros que se enganavam «mais que o habitual e sempre contra nós». Pedroto sabia perfeitamente o significado das palavras de Yustrich quando este afirmou, em finais dos anos 50, que «o F. C. Porto é um elefante que não sabe a força que tem». Na primeira época (1976/77) preparou caminho. Venceu a Taça de Portugal e muniu-se das armas que acabariam por lhe dar a glória.

Tri por um fio
Em 1977/78 José Maria Pedroto devolvia ao F. C. Porto o título que não vencia desde 1958/59. Quebrado o jejum de 19 anos, os portistas voltavam a ser campeões nacionais. Com o mestre ao leme repetiriam a dose na época seguinte. O tri esteve por um fio mas acabou por fugir para o Sporting de Fernando Mendes. Em 1980 aconteceu o Verão quente das Antas. Pedroto acabou por aceitar o convite do V. Guimarães mas regressou ao fim de dois anos, chamado por Pinto da Costa, entretanto eleito presidente. Em 1982/83 o F. C. Porto ficou em segundo lugar, atrás do Benfica de Eriksson. Na época seguinte comandou a equipa nas primeiras 10 jornadas e afastou-se por doença. Em Janeiro de 1984 foi internado num hospital em Londres, primeiro sinal exterior da irreversibilidade do desafio que tinha pela frente, único do qual não podia sair vencedor. A 8 de Janeiro de 1985 faleceu na sua residência, ali mesmo ao lado do Estádio das Antas, o homem que empurrou o F. C. Porto para a hegemonia do futebol português.

Malhas do verão quente
Bicampeão nacional, com o prestígio intocável no clube, José Maria Pedroto voltaria a sair na sequência do Verão quente das Antas, em 1980. O presidente Américo de Sá afastou o seu homem do futebol, Jorge Nuno Pinto da Costa. A equipa técnica de Pedroto (ele próprio, António Morais, Hernâni Gonçalves e João Mota) esteve solidária com o dirigente afastado e seguiu para Guimarães. As escaramuças envolveram alguns jogadores que ficaram ao lado do mestre. Só em Agosto o austríaco Herman Stessl pôde trabalhar com todo o plantel.

Morrer descansado
Ao cabo de duas épocas em Guimarães Pedroto regressaria às Antas em 1982. Pinto da Costa assumira a presidência do clube e o seu primeiro acto foi precisamente ir buscar o treinador bicampeão. A doença obrigou-o a afastar-se prematuramente. Perdeu dois campeonatos para o Benfica de Eriksson e controlou à distância a presença na final da Taça das Taças, em Basileia, perdida para a Juventus (1-2). No final dessa época (1983/84) indicou o nome do sucessor: Artur Jorge. Ainda teve tempo para perceber o mais importante, até ao dia final de 8 de Janeiro de 1985: podia morrer descansado.

Jogador referência
António Oliveira
Grandes figuras não faltaram ao F. C. Porto nos anos que antecederam a dupla vitória da década de 70. Teófilo Cubillas (1973/77) é apenas o exemplo mais flagrante, pelo futebolista de nível mundial que foi, pelo enorme investimento que representou. Mas o jogador referência das conquistas que quebraram o jejum de 19 anos foi António Oliveira, natural de Penafiel, onde nasceu no dia 10 de Junho de 1952. Oliveira é o exemplo mais perfeito de determinado tipo de jogador que evoluiu em Portugal naquele tempo. Imprevisível, genial, futebol da cabeça aos pés, classe até na forma como corria, mas uma espécie de bom malandro que vivia apaixonadamente a vida e o futebol. Quando entrava em campo tudo podia acontecer. Foi um dos médios ofensivos mais brilhantes da história do futebol português, para quem não havia fronteiras entre pensar e fazer — e às vezes até fazia coisas que a maioria nem sequer tinha o arrojo de pensar. Causa ou consequência de um certo estado de graça do F. C. Porto, entre 1977 e 1979 jogou mais que nunca, elevou o seu futebol para níveis claramente acima da média, mesmo tendo em conta a comparação com o que de melhor se fazia por todo o Mundo. A velocidade de execução, os dribles, a inteligência com que se movimentava na zona da grande área, a que temos de juntar a confiança de quem sentia estar a caminho do sonho maior de ganhar o campeonato, fizeram dele um jogador melhor ainda. No primeiro título portista Oliveira fez 30 jogos (totalista) e marcou 19 golos (1977/78), ao que juntou 28 partidas e 16 golos em 1978/79, no segundo. Assinou então pelo Bétis de Sevilha mas regressou ao F. C. Porto. Amargurado, resumiu a experiência espanhola numa confidência célebre: «A minha visão do Mundo é nitidamente provinciana — foi a conclusão a que cheguei depois de ter vivido seis meses de solidão espiritual.» Na sequência do Verão quente, em 1980, foi para o Penafiel. Como jogador-treinador. Quando visitou as Antas empatou 2-2, tornando mais difícil o tri portista. A explosão de alegria no final do jogo não caiu bem entre os adeptos portistas. O Sporting foi a etapa seguinte. Quatro épocas ao longo das quais mostrou todo o seu futebol, a primeira das quais a valer-lhe um título nacional (o último dos leões). Na época seguinte João Rocha nomeou-o treinador-jogador. A experiência não resultou. Sairia no decorrer da temporada de 1984/85, com relações pouco amistosas com John Toshack. Marítimo, V. Guimarães, Académica, Gil Vicente e Sp. Braga foi o trajecto percorrido como treinador, até ao momento de ser convidado para seleccionador nacional. Levou Portugal ao Euro-96, para logo a seguir regressar ao F. C. Porto, onde permaneceria duas épocas. Para conquistar o tri e o tetra.
 
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1978 – Campeonato do Mundo de Futebol na Argentina

Argentina derrotou Holanda após prolongamento
Patrocínio de junta militar
Quando o ditador Jorge Rafael Videla entregou a taça a Daniel Passarella num clima de histeria colectiva, assustador e intimidatório, o futebol levantou a dúvida: tinha ganho o melhor ou o mais protegido? Estava perante um acontecimento natural ou provocado? A Argentina venceu bem a final mas a organização da prova e alguns episódios vividos no seu decorrer, todos com as marcas de uma máquina de propaganda gigantesca patrocinada pela junta militar, diminuíram o brilho do triunfo da selecção de César Luis Menotti. A parte mais visível das suspeitas de que havia mesmo uma engrenagem para levar a Argentina ao título foi a forma como terminou o Grupo B da segunda fase. No dia 21 de Junho Brasil e Polónia jogavam em Mendoza, Argentina e Peru defrontavam-se em Rosário. Continuam por esclarecer as razões que levaram a organização, com o implícito acordo da FIFA, a permitir que as duas partidas não fossem disputadas à mesma hora. Primeiro o Brasil ganhou à Polónia por 3-1 e só 45 minutos depois começou o jogo dos argentinos. Estes, em função dos resultados do grupo, sabiam exactamente o que tinham de fazer: ganhar por quatro ou mais aos peruanos, que na primeira fase obtiveram duas vitórias e um empate, com uma diferença de golos de 7-2, e acabavam de perder com Brasil (0-3) e Polónia (0-1). O resultado foi tão inequívoco quanto suspeito: 6-0! Foi sobre a actuação de Quiroga, guarda-redes peruano, nado e criado precisamente em Rosário, que o mundo concentrou as atenções. Mais por sugestão que propriamente pela responsabilidade nos golos. Alguns foram mesmo fruto de acções que levaram os avançados argentinos a surgir isolados diante do guarda-redes, que nada mais podia fazer. Certo é que a Argentina efectuou grande exibição, empurrada por público excepcional que intimidou adversários e o próprio árbitro. Da suspeita de ter facilitado não se salvou a selecção do Peru, que foi recebida em Lima à pedrada e debaixo dos maiores insultos de um povo que se sentiu traído. Seja como for, essa vitória colocou a Argentina na final, na sequência de um percurso em que apenas a derrota com a Itália (0-1), em Buenos Aires, constituiu tropeção, não por equacionar a qualificação para a fase seguinte mas por obrigar a selecção a abandonar a capital e jogar com Polónia, Brasil e Peru em Rosário. A Holanda, enfraquecida pelas ausências de Cruyff e Van Hanegen, mostrou o suficiente para assumir o papel de grande rival. Sob o comando de Ernst Happel, a laranja mecânica espalhou as últimas gotas de um ciclo inesquecível do futebol mundial. O jogo decisivo revelou uma Argentina ciente da sua responsabilidade: a de representar todo um povo que não admitia outra hipótese que não fosse a vitória. Atacou mais, jogou melhor e chegou ao intervalo a ganhar por 1-0. A Holanda reagiu. Montou o cerco, apertou-o e colheu os frutos a nove minutos do fim, através de um golo de Nanninga. No derradeiro minuto o Estádio Monumental mergulhou em silêncio e suspendeu a respiração. Resenbrink correspondeu a um cruzamento da direita e em esforço desviou a bola de Fillol. O esférico encaminhou-se lentamente para a baliza, acabando por embater na base do poste. No prolongamento a Argentina recuperou fôlego e garantiu o triunfo com justiça. Era assim que estava previsto. O que nestas coisas do desporto nem sempre pode ser encarado como factor positivo.

Campeões do Mundo
Fillol, Olguin, Galvan, Passarella, Tarantini, Gallego, Ardiles, Kempes, Bertoni, Luque, Ortiz, Larosa, Houseman, Villa, Alonso e Oviedo

Johan Cruyff zangado com o futebol
Nem Rainha convenceu Cruyff
Johan Cruyff tinha-se zangado com o futebol. Estava com 30 anos. No dia 26 de Outubro de 1977 marcara presença no derradeiro jogo da qualificação da Holanda para o Mundial da Argentina, ganho à Bélgica por 1-0. Pouco depois anunciou publicamente, para espanto geral, que não voltaria a envergar a camisola da selecção, o que significava que estaria ausente da fase final do Campeonato do Mundo na Argentina. A última época no Barcelona, em 1977/78, dera-lhe poucos motivos para continuar. Massacrado pelos adversários, criticado pela imprensa, o futebol tinha perdido encanto. Decidiu parar para reflectir, argumentando que já não estava a 100 por cento e um jogador para estar presente na fase final de um Campeonato do Mundo tem de estar no máximo. Que não continuaria na Catalunha, à Argentina não iria e durante um ano não o veriam nos campos de futebol. Ninguém acreditou logo nas suas palavras. O problema é que o tempo passava, as pressões aumentavam e a resposta era sempre a mesma. Em desespero de causa foi a própria rainha Beatriz a chamá-lo, pedindo-lhe, em nome da nação, que reconsiderasse. Ficou de pensar e respondeu... não. A mesma irredutibilidade mostrou-a na saída de Barcelona. Preferiu passar um ano sem jogar. Quando ficou livre, em 1979, foi para os Estados Unidos.

Golo número 1000
No Escócia-Holanda (3-2) o Campeonato do Mundo viveu momento histórico: Resenbrink, fabuloso extremo-esquerdo holandês, apontou o golo 1000 das fases finais da prova. Foi de penalty mas valeu...

Melhores marcadores
Para além de herói da final, com dois golos apontados, Mário Kempes sagrou-se máximo goleador, com seis tentos, à frente de Cubillas (Peru) e Resenbrink (Holanda), ambos com cinco.

Argentina posta em causa
No congresso da FIFA em Londres, no dia 6 de Julho de 1966, a entidade máxima do futebol escolheu as sedes para os três Mundiais a seguir ao RFA-74: em 1978 seria na Argentina, em 1982 seria em Espanha e em 1986 na... Colômbia. A Argentina vivia momento conturbado, gerida por uma junta militar com os tiques típicos das ditaduras da América do Sul. Chegou a admitir-se a possibilidade de a fase final ser jogada no Brasil mas Havelange manteve-se inflexível.

40 por cento da população
O Argentina-78 constituiu o primeiro Mundial a ser visto quase na íntegra e em todos os cantos do planeta via televisão. Uma estimativa feita na altura apontava para um número que andava perto dos 40 por cento da população do globo terrestre: 1500 milhões de pessoas.
Com Maradona de fora Mário Kempes Da Argentina campeã mundial de 1978 não nasceram jogadores para a história do futebol, estrelas que possam ser colocadas no mesmo patamar das mais brilhantes de todos os tempos. Apesar disso, justo será referir Fillol como um dos melhores guarda-redes da sua geração, Passarella como um dos mais consistentes defesas dos anos 80, Ardiles como médio de nível superior e Bertoni como extremo-direito de elevadíssima craveira. Mas foi Mário Kempes aquele que mais perto esteve de juntar ao grande feito de 1978 (no qual foi a principal figura e o máximo goleador) a criação de um estatuto ímpar no futebol mundial. Mário Kempes nasceu em Bell Ville, província de Córdova, a 15 de Julho de 1954. Era um avançado com técnica apurada e possuía excelente sentido de baliza. Os dois golos apontados na final — marcou seis em toda a prova — contribuíram em grande medida para ser um dos maiores ídolos futebolísticos do seu país, talvez mesmo o maior daquele período anterior à entrada de Maradona em cena. Em 1974, quando César Luis Menotti assumiu o comando da selecção argentina, os métodos de preparação foram revolucionados de forma a encurtar distâncias em relação às maiores potências europeias, sempre com o futebol total na mira. Uma das condições que o seleccionador impôs à federação foi a de não permitir a saída do país dos jogadores referenciados para estarem presentes no Mundial-78. Objectivo conseguido quase a 100 por cento. E quase porque em 1976 Kempes contornou a questão e trocou o Rosário Central pelo Valência. Menotti não teve alternativa mas garantiu que os espanhóis não teriam qualquer possibilidade de impedir o futebolista de viajar para a Argentina sempre que para isso fosse requisitado. Na fase final do Campeonato do Mundo, Kempes mostrou uma identificação maior com as novas tendências do jogo. E acabou por ser a vedeta maior da prova, possivelmente à custa de outra decisão polémica de César Luis Menotti: a de ter deixado de fora dos convocados um miúdo de 17 anos chamado Diego Armando Maradona, que na altura já era considerado o craque do futuro.
 
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1978 – Joaquim Agostinho terceiro classificado no Tour

Duas vezes pódio, vitória histórica de Alpe D\'Huez
Queda, felicidade e mágoa
O Tour de 1978 até começou mal para Agostinho. Uma queda obrigou-o a andar 70 quilómetros a «sangrar em vida». Era o ano de estreia de Bernard Hinault. Corria na equipa Flandria. Tinha 35 anos de idade. Depois dos Pirenéus, sempre a subir. Em Alpe d\'Huez estalou a bronca: Pollentier, que conquistara a camisola amarela, fora excluído da corrida por fraude no controlo anti-doping, Agostinho em quarto lugar, chefe de fila sem ter ajudantes. A equipa belga discutia se devia desistir... Mas, atendendo-se à posição de Agostinho, decidiu-se. E a três dias do fim, atacado até por companheiros da própria equipa, galgou mais um degrau: terceiro. Era o lugar no pódio, atrás de Hinault e de Zoetemelk. No ano seguinte, e ao contrário do que era costume, Agostinho logo no terceiro lugar, com o mesmo tempo que o segundo, Zoetemelk, e a 53 segundos do novo camisola amarela naturalmente, Bernard Hinault. Num contra-relógio, disputado já na alta montanha, só cedeu 12 segundos ao francês. Mas desde o princípio que dava conta do seu temor pela etapa dos pavés, afundou-se, caiu do top 10... e não só. «Aquela queda grave... As lágrimas que chorei ao acordar de noite e sentir a perna num madeiro. Em Roubaix pensei que tudo tinha acabado naquelas malditas pedras! Se não tem sido o acidente.» Depois de um contra-relógio espectacular, nos Alpes, um dos momentos maiores da carreira de Joaquim Agostinho: a etapa rainha do Tour, Menuires-Alpe d\'Huez. Depois de vários assédios, no início da histórica subida Agostinho atacou a fundo, isolou-se e mais ninguém o apanhou. No antepenúltimo dia contra-relógio e a conquista do terceiro lugar, a 3.07 minutos de Zoetmelk e a 20.03 de Hinault. Já em Paris a declaração surpresa: «Não estou satisfeito, queria ganhar o Tour. Acho que era o meu ano, apesar de o Hinault esmagar toda a gente ou, como alguns disseram, ridicularizar tudo... Só que aquela queda marcou-me até ao fim, foi o que foi.» No ano seguinte, mais um quinto lugar para juntar ao de 1971. Em 1981, a desistência e dois anos depois, já com 40 anos, o top 10 falhado por cinco segundos. E a morte já tão perto.

Agostinho a 11 segundos da Vuelta
Era um simples cavador que namorava a filha do feitor, lá para os lados de Torres Vedras. Um dia mandaram-no combater para Moçambique — azoinaram-no com a ideia de que havia pátria para defender no Ultramar. Esteve para ficar por lá, como capataz numa fábrica. Aliás, foi em Vila Cabral que o génio despontou. Um dia, deixou o quartel com uma pasteleira a cair de podre, alinhou numa corrida e ganhou. Quando regressou à terra, morto de saudades da loirinha, pediu uma bicicleta emprestada a João Roque, vizinho dos Casalinhos de Alfaiata, um dos melhores ciclistas do Sporting — que ficou logo de boca aberta. O que o Jaquim voara com galochas e tudo! Levou-o a treinar-se a Alvalade, maior ainda o deslumbramento. Puseram-no logo a correr a Volta de 1968 e ficou em segundo lugar, atrás do benfiquista Américo Silva — os sportinguistas tanto quiseram proteger Leonel Miranda que nem sol na eira nem chuva no nabal. E assim se foi tecendo a sua lenda. Vitória na Volta ao Estado de São Paulo, na Volta a Portugal de 1970, 1971, 1972 e 1973 — também ganhara em 1969 mas fora desclassificado por doping. Em 1974 Joaquim Agostinho em segundo lugar na Vuelta, a 11 segundos de Fuente. No contra-relógio decisivo ganhou 2.14 minutos a Fuente e 1.05 a Ocaña. Apesar de haver quem insinuasse manigância na cronometragem, Agostinho limitou-se a desabafo pragmático: «Perdi a Volta nos últimos metros, sinceramente até poderia ter andado mais um bocadinho.»

Cinco vitórias de «Balireau» no Tour
Bernard Hinault
No dia 18 de Maio de 1978 Eddy Merckx anunciava a reforma desportiva. Alguns dias mais tarde Bernard Hinault, com 24 anos, tornou-se campeão de França, compartilhando o pódio com os companheiros de equipa, Bernaudeau e Chaumaz. Glória total para a equipa Renault-Gitane e para o seu dono, Cyrille Guimard, cujos métodos de treino começavam a merecer reacções hostis no meio ciclista profissional. Logo nesse ano Hinault, nascido a 14 de Novembro de 1954 em Yffignac, ganhou o primeiro Tour — rubricaria igual proeza em 1979, 1981, 1982 e 1985, sendo segundo em 1984 e 1986. O mesmo número dourado de Anquetil e Merckx — e se um joelho não andasse recalcitrante a aborrecê-lo em 1980, obrigando-o a desistir na subida do Granon, seis poderiam ter sido. Para além disso mais dois primeiros lugares na Vuelta (1978 e 1983) e três no Giro (1980, 1982 e 1985). Com um sistema nervoso e mental inabalável, a coragem era uma das suas armas mais perigosas. Disso fez prova no Liège-Bastogne-Liège de 1980 — quando, devido a condições meteorológicas duríssimas, cruzou a meta com um dedo congelado, ganhando com 9.24 minutos de vantagem. Só alguns anos mais tarde é que aquele dedo recobrou as suas capacidades. Ganhou tudo aquilo que queria ganhar — estava no ciclismo não pelo prazer de correr mas pelo prazer de ganhar, ele próprio o afirmou vezes sem conta. «Quando deixou de ser esse o caso retirei-me», disse. Em criança teve uma educação severa, onde o esforço e o trabalho eram dois valores sagrados — aplicou isso ao ciclismo. E 77 dias andou pelo Tour de amarelo — logo na edição de estreia ganhou alcunha que ficaria para sempre: blaireau. Poucos o conheciam, perguntavam quem era aquele blaireau — palavra pejorativa muito em voga que significava broxa de pintor! Acabou a carreira de desportista aos 32 anos, considera-se agora agricultor. Não, não é só, acumula os trabalhos de campo com o cargo de responsável pelas relações exteriores da Sociedade da Volta à França. E, como não frequentou a escola muito tempo, procura agora aprender o máximo com os livros em que se afunda horas a fio — porque com a vida já muito aprendeu.

Lauda — Acidente brutal e tri
Parecia premonição. Véspera do Grande Prémio da Alemanha de F1 de 1976. Niki Lauda, do alto dos galões de campeão mundial, criticava asperamente a falta de condições de segurança no circuito de Nürburgring. Vinte e quatro horas depois despiste do seu Ferrari — a explosão e o piloto resgatado pelos próprios adversários, Brett Lunger, Guy Edwards e Arturo Merzario, de dentro de uma infernal bola de fogo. Ainda conseguiu andar, trôpego, pelo próprio pé até à ambulância mas as queimaduras escalavraram-lhe o rosto, os gases tóxicos entranharam-se nos pulmões, antes ainda de chegar ao hospital entrou em coma. Chegou a receber a extrema-unção. «Só que recusei morrer — e não morri», haveria de dizer seis semanas depois, quando, torcido ainda por dores horríveis, regressou aos comandos do Ferrari e terminou o Grande Prémio de Monza em quarto lugar. Acabaria por perder o título mundial, por um escasso ponto, para Hunt. No ano seguinte, apesar de três vitórias apenas em grandes prémios, recuperaria a coroa. Recusou-se a disputar o Grande Prémio do Japão por achar que o traiçoeiro e molhado circuito não cumpria as normas mínimas de segurança — Enzo Ferrari embezerrou, discutiram, ganhou o campeonato e partiu para a Brabham. Uma época em penumbra e em 1979 o anúncio do abandono — para se dedicar ao negócio da aeronáutica. Dificuldades financeiras obrigaram-no a mudar de rota. Em 1982 o regresso — pela McLaren. «Claro que é para ganhar algum dinheiro — algum não, muito», não o escondeu. Em 1983 andou vacilante, a acertar a mão. E no ano seguinte a conquista do terceiro título mundial. O adeus definitivo em 1985 — no circuito de Adelaide — o regresso à gestão da Lauda Air, actualmente a segunda maior companhia austríaca. Que vale pelo nome. De sucesso. Tudo porque Nikolaus Andreas Lauda, nascido a 22 de Fevereiro de 1949 no seio de uma abastada família de Viena, aos 19 anos arriscou participar numa prova de rampa ao volante de um Cooper. O pai não achou muita piada à ideia de se tornar piloto mas quatro anos depois, em 1971, até já assinou, sorrindo, o cheque para pagar o lugar do filho na equipa March que disputaria o campeonato de F2. Em 1974, a convite de Luca Montezemolo, já estava na Ferrari — e na Fórmula 1.
 
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1980 – Jogos Olímpicos de Moscovo

Governo português pagou aos atletas para boicotarem
Rábulas e maroscas
Cyrus Vance, secretário de Estado de Jimmy Carter, terminou assim declaração em Lake Placid, onde decorreram os Jogos de Inverno: «Deixo aqui claramente a posição do meu governo: opor-nos-emos à participação de uma equipa americana nos Jogos Olímpicos que se querem fazer na capital de um país invasor. Esta posição é firme. Ela reflecte a mais profunda convicção do Congresso norte-americano e do seu povo.» Era a política a penetrar no movimento olímpico pouco depois da invasão soviética ao Afeganistão. Dominar o xadrez político não significava dominar os comités olímpicos, se bem que, no que dizia respeito aos Estados Unidos, a inclusão na legislação federal do Amateur Athletic Act 1979, que transformava virtualmente o Comité Olímpico Norte-Americano (USOC) na instituição responsável pelo desporto, deixava esta quase completamente tolhida de movimentos. A 12 de Abril de 1980, em Colorado Springs, reuniu-se o USOC — ganharam os partidários do boicote por 1604 votos contra 797. Dias depois Carter encenou a mais dramática rábula da sua governação ao enviar uma força de elite para libertar os reféns na embaixada em Teerão — as tropas nem sequer chegaram à capital do Irão, pois morreram antes numa colisão entre os próprios veículos! O êxito do boicote transformava-se na única tábua de salvação para o que era já a remotíssima reeleição de Carter. Em Inglaterra Margareth Thatcher, recém-chegada ao poder, lançava a sua transpiração anticomunista sobre um Parlamento que aprovou festivamente o boicote que seria ignorado pelo Comité Olímpico da Grã-Bretanha, pelos atletas e mesmo pelo próprio príncipe Filipe, à data presidente da Federação Internacional de Equitação! Na RFA segue-se o modelo de Colorado Springs, uma reunião transmitida em directo pela televisão e sem hipótese de o movimento olímpico se explicar — vitória do boicote por 59-40. Na Austrália o governo perdeu por um voto e os italianos arranjam um compromisso bem latino: só os atletas militares é que seriam proibidos de participar! Em Portugal o COP vota pela presença em Moscovo, um comunicado da Presidência do Conselho de Ministros informa: «O Governo compromete-se apoiar todos os que recusarem participar nos Jogos de Moscovo.» Mas, a 15 de Maio, a assembleia plenária do COP ratifica a posição da comissão executiva, apesar do voto contrário de algumas federações, sobretudo daquelas que não tinham atletas em condições de estar presentes e, curiosamente, das ligadas às modalidades de índole militar, como tiro, esgrima e hipismo. A 24 de Maio é extinta, pelo Governo, a Comissão de Preparação Olímpica e de seguida é criada a Comissão para a Alta Competição para funcionar até Setembro, oferecendo ao prof. Moniz Pereira a liderança. Em consonância com esta sua actuação são publicadas no Diário da República de 26 de Junho as benesses para os atletas pré-seleccionados que voluntariamente renunciassem aos Jogos, determinando-se ainda que as provas internacionais em que esses atletas interviessem, no âmbito da preparação, seriam consideradas de interesse nacional. Simultaneamente a Direcção-Geral dos Desportos comunicou que não emitiria autorizações para a saída do País aos membros da missão olímpica, quem fosse a Moscovo iria na condição de... comum cidadão. Fernando Mamede, depois de afirmar que nem sequer sabia onde era o... Afeganistão, hesitou. Alcançara, entretanto, a melhor marca mundial dos 5000 metros (13.20) e uma das melhores nos 10 mil (27.37,9). Por mais ou menos passiva influência de Moniz Pereira — opta pelo boicote, essencialmente em instinto de defesa, para que pudesse continuar a ter dispensa do banco e um subsídio de alimentação de cinco contos!!! Cruel ironia do destino — não muito tempo depois ficou a saber-se que as promessas do Governo de Sá Carneiro aos atletas do boicote caíram em saco roto. Utilizando verbas de reserva do COP, beneficiando dos descontos da Aeroflot, partiria para Moscovo uma delegação de 11 atletas — mas as estrelas não. Carlos Lopes por lesão, outros por sedução! O COP, apesar das dificuldades financeiras, e no sentido da maior isenção política, recusou 450 contos provenientes da subscrição pública para apoio ao envio da delegação a Moscovo. As despesas da estada foram pagas através de verbas do COI, que recebera o dinheiro dos direitos televisivos em rublos não convertíveis — o que criaria óbvia instabilidade financeira. Passada a tormenta, e já sob a presidência do eng. Lima Belo, os 450 contos creditados na conta do COP foram paradoxalmente canalizados para a preparação da equipa que se deslocaria a Los Angeles.

Allan Wells – Varrer corredor do ídolo e treinar-se com boxe
Lynn Davies, campeão olímpico do salto em comprimento em Tóquio, era o seu ídolo. Para estar perto dele, Allan Wipper Wells ofereceu-se para varrer o corredor de saltos durante os Jogos da Commonwealth, em 1970. Tinha então 18 anos e era jogador de râguebi. Nesse dia decidiu dedicar-se ao atletismo e sem espanto escolheu os saltos. Para ser como Davies. Num abrir e fechar de olhos tornou-se campeão escocês de triplo — só aos 24 anos é que apostou na velocidade. Quarenta e oito meses depois tornava-se campeão olímpico, em Moscovo — aos 28 era o mais velho da história na especialidade. A sua sorte foi os americanos boicotarem os Jogos de 1980? É incógnita que permanecerá para sempre. Mas de uma coisa não resta sombra de dúvida: o sprinter escocês estava entre os melhores do Mundo, após a saga russa ganhou o IAAF Golden Sprints. E na Taça do Mundo de 1981, tal como nos Jogos Olímpicos, arrecadou ouro nos 100 metros e prata nos 200. Engenheiro marítimo, nascido em 1952, Allan Wells ficou famoso também por nos seus treinos haver uma componente considerada exótica: todas as semanas tinha de estar pelo menos duas horas a socar um saco de boxe! Em Moscovo, nos 100 metros, bateu o cubano Silvio Leonard por uma unha dourada, ambos acabaram creditados de 10,25 segundos. Nos 200 metros falhou o ouro por dois décimos de segundo, batido pelo italiano Pietro Mennea — que com 20,19 segundos conseguiu uma das melhores marcas dos Jogos. O jamaicano Don Quarrie, que defendia o título de Monreal, não foi além do bronze, com 20,29 s.

Pietro Mennea – título olímpico depois de «recorde» do século XXI
Abraço a Cristo
Apaixonado por futebol, foi pelo atletismo que se imortalizou. Num fogacho. Durante as Universíadas de 1979, na Cidade do México, o italiano Pietro Men-nea riscou Tommie Smith, o mártir do black power, da lista de recordistas mundiais — com 19,72 segundos nos 200 metros, nove centésimos menos que o americano, que por essa altura ainda não conseguira fugir do purgatório em que o lançaram, lavava carros para sobreviver. Fora numa brisa até ao paraíso — cortou a meta e caiu nos braços de Primo Nebiolo, gritando: «Estou no céu, Cristo, estou no céu.» Vinte anos depois haveria de ser ele a fazer o elogio fúnebre do carismático presidente da IAAF — a quem, pelo tempo fora, continuou, ternamente, a tratar por Cristo. Pela marcha se lançou no atletismo, na sua terra, em Barletta, não havia pista — velocista se descobriria alguns anos depois num torneio escolar. Teve a sorte de ir parar às mãos de Carlo Vittorio, um dos melhores técnicos mundiais. Com muito trabalho e ainda mais paciência transformou-o em foguete. Nos Jogos Olímpicos de Munique, com 22 anos, ganhou a medalha de bronze nos 200 metros — o brilharete criou-lhe insuportável pressão, andou tempos a fio vacilante, psicologicamente perturbado, em Monreal não conseguiu chegar ao pódio — Vittorio pedia-lhe apenas calma, cabeça fria e suor a saltar do corpo. Em 1978 a explosão — campeão europeu dos 100 e 200 metros, adiante de Valerie Borzov, herói de Munique. Um ano depois o recorde do século XXI, no México — que apenas Michael Johnson conseguiria bater, nos Jogos Olímpicos de Atlanta, dele se falando logo como marca do século XXII. A Mennea faltava, contudo, a cereja no bolo. De ouro. Colocou-a lá, em Moscovo, vencendo os 200 metros num duelo electrizante com o escocês Allain Wells — e depois dos Jogos, na inauguração da pista de atletismo de Barletta, mais uma resultado espantoso: 19,96 segundos, nunca ninguém fizera coisa assim ao nível do mar! Nos Mundiais de Helsínquia, em 1983, mais uma medalha — de bronze — e aos 32 anos, em Los Angeles, a despedida, com a consolação de ainda ter chegado à final — ganha por Carl Lewis, o imperador então a despontar, vertiginosamente.

Tatyana Kazankina – Três vezes ouro e nódoa da fuga ao controlo anti-«doping»
Em Monreal Tatyana Vasilyevna Kazankina alcançara dobrabrinha dourada, nos 800 metros — com fabuloso recorde mundial: 1.54,94 minutos — e 1500 metros. Nascera em Podolsk, nas imediações de Leninegrado, tinha 48 quilos de peso e 1,62 metros de altura, e pouco antes do fulgor olímpico fora a primeira mulher a correr os 1500 metros em menos de quatro minutos, com 3.56,0 minutos. Nos Jogos de Moscovo terceira medalha de ouro, arrasando os 1500 metros — e nessa mesma época mais dois estrondosos máximos universais: 3.55,0 e o must em Zurique, 3.52,47 minutos, marca que seria ultrapassada em Setembro de 1993 por Qu Junxia, uma das chinesas da armada de Ma Juren, famosa pelo sangue de tartaruga e outros insólitos mistérios. Igualmente espectacular outro dos seus sete recordes mundiais — 3000 metros em 8,22,62 minutos, em Leninegrado, a 8 de Agosto de 1984, ano em que só não ganhou mais duas medalhas de ouro (nos 1500 e 3000 metros) porque a URSS boicotora Los Angeles. Aquela marca seria esfanicada nove anos depois pelos 8.06,11 minutos de Wang Junxia — que Fernanda Ribeiro bateria em Atlanta. Pouco depois dos Jogos de 1984 o escândalo: após vitória nos 5000 metros do Meeting de Paris, Kazankina recusou submeter-se ao controlo anti-doping, foi suspensa para IAAF, regressaria à competição dois anos depois, no Mundial de estrada de 1986, disputado em Lisboa, quedou-se pelo quinto lugar, os dois primeiros couberam a Aurora Cunha e Rosa Mota. Nesse dia anunciou que desistia do sonho da maratona, era a reforma em definitivo. Foi.

Únicos títulos olímpicos na carreira fabulosa de Marita Kock
Salvação na loja
Rejeitada pelos olheiros das escolas de desporto por ser pequena e magra, apenas aos 19 anos se dedicou seriamente ao atletismo — estava, por essa altura, já matriculada na Faculdade de Medicina, pronta para deixar Wismar, terra natal, a caminho de Berlim. «Ao aperceberem--se do modo como ganhara o campeonato nacional as autoridades desportivas decidiram logo que iria para Rostock. Protestei mas em vão — passei a ser atleta do regime.» Única cedência: poderia manter o treinador. Era Wolfgang Meier, professor na Escola Superior de Engenharia Naval de Wismar. Transformou Marita Koch numa das atletas do século — se sombra houver a escurentar a sua imagem é a da suspeita que se criou em torno da política de dopagem na RDA. Apesar dos processos que correm em tribunal, continua a jurar inocência — e o fantástico record de 400 metros, obtido na Taça do Mundo, em Camberra, com 47,60 segundos, em Outubro de 1985, mantém-se intocável; 17 foram os máximos mundiais que estabeleceu ao longo da sua carreira — dos 50 (!) aos 400 metros. Fabulosa, igualmente, a sua performance aos 200 metros: 21,71 segundos. Em Moscovo as duas primeiras medalhas olímpicas de ouro: nos 400 metros, com 48,88 segundos, adiante de Jarmila Kratochilova, e nos 4x400 metros. Por aí se ficou, a Los Angeles não a deixaram ir, em Seul já não quis estar — com 29 anos, em 1985, após a vitória na Taça do Mundo, anunciou a reforma para casar com Meier, o seu treinador, que após a queda do Muro de Berlim cairia no desemprego. A federação alemã ofereceu-lhe 1500 marcos por mês, cerca de 135 contos, a recibo verde, disse não — «por uma questão de dignidade e de respeito por mim», foi trabalhar para a Sporteck, loja de artigos desportivos que Marita abrira em Rostok.

Steve Ovett – Provocador, (im)previsível
Steve Ovett criou uma imagem de aço em torno de si. Senhor autoconfiança lhe chamavam — e, como contraponto, Sebastian Coe surgia como mister modéstia. Ambos foram vértices de um triângulo (o terceiro seria Steve Cram) que simbolizou o predomínio britânico nas provas de 800 e 1500 metros ao longo das décadas de 70 e 80. Em 1973 sagrou-se campeão europeu de juniores de 800 metros, no ano seguinte, ainda sem idade de sénior, ganhou a medalha de prata nos Europeus absolutos. Entre 1977 e 1980 permaneceu imbatível tanto nos 1500 metros como na milha — averbou 45 vitórias consecutivas ao mais alto nível, medalhas de ouro nos 1500 metros na Taça do Mundo de 1977 e nos Campeonatos da Europa de 1978 — nos quais arrecadou também a medalha de prata nos 800 metros. Em Moscovo, depois de bater Coe nos 800 metros, a grande surpresa: o arqui-rival ganhou-lhe os 1500 metros. Aliás, não foi só Coe, Ovett teve de contentar-se com a medalha de bronze, batido também pelo alemão de Leste Jurgen Straub. Esse desaire espicaçou-lhe o ego. E as pernas. Até então mostrara por vezes alguma irritante displicência pelo ataque aos recordes mundiais — dizia, irónico, que era obsessão que deixava para Coe. Quis vingar-se por aí e entre 1980 e 1981 estilhaçou por três vezes o recorde mundial dos 1500 metros e por duas o da milha, colocando-os, respectivamente, em 3.30,77 e 3.48,40 minutos. Cinco anos depois Steve Cram apoderar-se-ia do recorde dos 1500 metros, tornando-se o primeiro homem a menos de 3.30: 3.29,67 m. Na milha seria... Coe e derrubá-lo, com 3.47,33. A época de 1982, durante a qual recebeu a condecoração de membro do Império Britânico, ficou marcada pela sua ausência das pistas devido a acidente num treino. Mas no ano seguinte regressou à competição com o quarto lugar nos 1500 metros dos Mundiais de Helsínquia. Insatisfeito com a marca, prometeu a si próprio fazer melhor nos Jogos de Los Angeles-84, altura em que lançou a autobiografia. Só que uma série de problemas provocados por uma bronquite atirou-o para o último lugar na eliminatória dos 1500 metros. Tentou a passagem aos 5000 metros mas a estrela turvou — despediu-se com o 10.º lugar nos Mundiais de 1987. Percebera-se, enfim, que afinal Ovett talvez fosse mais vulnerável que a imagem que criara ao longo dos anos. E não tinha sequer o coração de chumbo quando, por essa altura, depois de ter sido humilhado por Coe, surgiu diante das câmaras de televisão a chorar, com palavras murmuradas pela mágoa que o torcia: «Afinal qualquer um pode prever que eu também sou imprevisível e, mais que isso, um ser finito. Por isso adeus, que fique de mim a imagem que quiserem...» Passou, então, a comentador de televisão e conselheiro técnico de atletismo. Mas para a história ficará sempre como o rebelde provocador nos duelos com Coe — que uma vez surgiu em pista com equipamento ornado por uma foice e um martelo com o simples intuito de irritar Seb, o bem comportadinho economista, ex-líbris do Partido Conservador de Thatcher.

Barbara, Viren, YFTER
Os Jogos foram, como se previa, uma apoteose para a União Soviética, cujos atletas somaram 80 medalhas. Na ginástica Nikolai Andrianov, que se despediu-se dos Jogos com mais duas medalhas de ouro, uma no cavalo com arções e outra no concurso por equipas. Na natação a alemã de Leste Barbara Krause venceu nos 100 e 200 metros livres. O finlandês Lasse Viren tentou pela terceira vez os títulos olímpicos dos 5000 e 10 mil metros. A duas voltas tudo parecia sorrir-lhe mas então o etíope Mirius Yfter, impedido de estar em Monreal, venceu em 27.42,7 — e dias depois repetiu a façanha na légua, depois também nos 5000 m (13.21,0). Mas de qualquer modo houve um finlandês no pódio: Maaninka, que admitiria anos depois que utilizara o doping sanguíneo, conquistou a medalha de bronze na légua e a de prata na dupla légua. Entre os soviéticos Jack Oudmae causou uma das grandes desilusões ao entusiástico público ao impedir Saneyev de obter a quarta medalha de ouro no triplo salto, relegando-o para segundo lugar. Os resultados portugueses foram invariavelmente fracos, sendo João Campos, que atingiu a meia-final dos 1500 metros, depois de ter sido 4.º na eliminatória (3.41,3), o atleta que mais se distinguiu.
 
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Daley Thompson desconcertante campeão do decatlo

«Gay» na camisola e «lady» Di
Um competidor fanático. Que chegou a dar a ideia de infalibilidade no decatlo — que transformou em palco da sua fascinante, complexa e multi talentosa personalidade. De tal forma que até ao surgimento do americano Dan O´Brien, todos os adversários se assustavam só de senti-lo por perto; estava sempre nos limites. Nascido no pitoresco bairro londrino de Notting Hill, Francis Morgan Thompson estreou-se, aos 20 anos, com uma medalha de bronze nos Europeus de 1978. A partir de então ganhou tudo o que havia para ganhar no decatlo. Campeão olímpico em 1980 e 1984, campeão mundial em 1983, campeão europeu em 1982 e 1986. E, sobre tudo isso, quatro recordes mundiais: o primeiro em 1980 (8648 pontos), dois em 1982 (8730 e 8774) e o último a coroar o seu memorável triunfo nos Jogos Olímpicos de Los Angeles, em que surgiu com uma t-shirt ironicamente provocatória, onde se lia: «Será que o segundo maior atleta do Mundo é gay?!» Era um remoque a Carl Lewis — e, mais que isso, a expressão do seu superego: ele, Daley, era simply the best! Várias outras vezes a sua irreverência roçava a grosseria mas mesmo os mais sisudos ingleses lhe perdoavam tudo — até a heresia de afirmar que depois de tudo o que conseguira nas pistas só lhe faltava mesmo... «ter um filho com a princesa real». Sim, sim, era a Diana que se referia. Em Seul falharia o terceiro título olímpico. E, como se em torno de si se abrisse boceta de Pandora, lesões nunca mais deixaram de infernizá-lo. Submeteu-se a uma intervenção cirúrgica para corrigir problema ósseo no joelho esquerdo, nada resolveu, tudo se complicou — e por isso não conseguiu chegar à meta que a si impusera: participar em cinco Jogos Olímpicos. Em 1982 a rainha atribuiu-lhe a prestigiada condecoração de membro do Império Britânico (MBE) e há alguns anos a famosa marca de relógios Swatch criou um modelo chamado Daley Thompson, com o seu próprio autógrafo. Anda também pelo mercado um jogo de vídeo com o seu nome. É óbvio que é um decatlo.

Sara, ouro, prata e televisão
Esperava-se que fosse um dos mais empolgantes duelos de Moscovo. Nas alturas. De um lado a alemã de Leste Rosemarie Ackermann, primeira mulher a saltar mais de dois metros, medalha de ouro em Monreal; do outro a italiana Sara Simeoni, que com prata se contentara quatro anos antes. A batalha tinha outro simbolismo: Ocidente contra o Leste numa altura em que a guerra fria voltara a aquecer. Moscovo deu ouro sobre azzurra. Sara saltou 1,97 metros, Rosemarie nem sequer ao pódio chegou. Simeoni haveria de ganhar a terceira medalha de prata, em Los Angeles. Batida por Meyfarth. Fora também campeã europeia em 1978, com 2,01 metros — igualando o recorde mundial de Ackermann —, e em 1974 e 1982 já ganhara medalhas de bronze. Na pista coberta quatro medalhas de ouro em Campeonatos da Europa deram ainda mais brilho à sua folha de serviços. Em 1986 tornou-se apresentadora de um programa desportivo na televisão italiana. E Rosemarie, funcionária da federação de atletismo em Bradeburgo, por agora só quer jogar ténis com os dois filhos.

Sebastian Coe – Vingança de deputado conservador
Nascido em Londres a 29 de Setembro de 1956, Sebastian Newbold Coe foi treinado ao longo de toda a sua fantástica carreira pelo pai, Peter. Quando ainda estudava história económica e social na Universidade Loughborough conquistou o primeiro grande título aos 21 anos, sagrando-se, em San Sebastian, campeão europeu dos 800 metros. Dois anos depois, em 1979, Coe estabeleceu os primeiros recordes do Mundo, nos 800 metros e na milha. Os Jogos de Moscovo fomentaram ainda mais a rivalidade entre Sebastian e Steve Ovett — assumido simpatizante comunista, que uma vez chegou a competir num meeting com foice e martelo no equipamento, enquanto Coe já era figura ilustre do Partido Conservador. Coe era favorito nos 800 metros mas vários erros tácticos atiraram-no para o segundo lugar — a amargura espicaçou-o mais ainda por o ouro ter ido para o arqui-rival. Nos 1500 metros inverteram-se os papéis — Sebastian venceu e convenceu através de uma corrida perfeita, um disparo incrível aos 1000 metros — e 3.32,53 minutos, record olímpico. Nos Jogos de Los Angeles a convocação de Coe abriu polémica na Grã-Bretanha. Doenças e lesões tinham aparentemente destruído as suas possibilidades, mesmo assim, nos 800 metros só o brasileiro Joaquim Carvalho Cruz conseguiu ganhar-lhe — e nos 1500 metros, prova que fazia questão de dizer que «odiava», a revalidação do título olímpico. Campeão europeu de 800 metros em 1986 — e mais alguns meses entre lesões e doenças; ao contrário de Los Angeles, o seleccionador não lhe deu o benefício da dúvida, foi afastado de Seul. Vinte dias depois dos Jogos a fabulosa marca de 3.29,77 minutos no Meeting de Rieti! Já em tempo de pré-reforma, com ambos vestidos à moda dos anos 20, Coe bateu Steve Cram na reposição do Certamen of Caius — cumprir uma volta ao court da Universidade de Cambridge antes da última das 12 badaladas do relógio da torre, corrida imortalizada no filme Momentos de Glória. Seb conseguiu passar a ser um dos únicos seis corredores que superaram a prova ao longo de dois séculos — outro fora Harold Abrahams, campeão olímpico dos 100 metros em 1924. Em 1992 foi eleito pelo Partido Conservador para o Parlamento britânico, sendo sucessivamente eleito para as legislaturas seguintes — e dois anos depois experimentou correr a maratona, apenas para sentir «sabor da epopeia» — sem muito treino gastou 2.48 horas. Não, não chegou morto de cansaço...
Salnikov, três medalhas de ouro – e outra oito anos depois

Treino em lágrimas
Vladimir Salnikov foi uma das figuras maiores de Moscovo, conquistando três medalhas de ouro na natação — nos 400 e 1500 metros livres e na estafeta de 4x200 metros.
Fabuloso o recorde do Mundo que alcançou nos 1500 metros, com 14.58,27 minutos — à média de menos de um minuto por cada troço de 100 metros. 58 anos antes Johnny Weissmuller tornara-se o primeiro homem a menos de um minuto nos... 100 metros, a proeza valeu loas de excepcional. Nos 400 metros, para além do título olímpico, outro máximo mundial, com 3.51,31 minutos. O boicote russo a Los Angeles cortou-lhe o voo na caça às medalhas — continuou a bater records, foram mais 10, nos 400, 800 e 1500 metros. Poucos acreditariam que o homem modesto com pulmões duas vezes mais eficientes que o normal, que sulcava as águas da piscina como um albatroz, pudesse recapturar o título olímpico em Seul, quando já tinha 28 anos. Mas Salnikov possuía uma confiança inexpugnável, curtida na dor: «Chorava durante as duas horas de treino, doía tanto que, depois, as provas eram coisa simples, quase brincadeira de criancinha a chapinhar na água de uma piscina.» E, assim, mais ouro na Coreia. Quando, depois da consagração no pódio, entrou no restaurante da aldeia, atletas e técnicos de várias nacionalidades levantaram-se e receberam-no com uma saraivada de palmas — e ele, comovido, chorou. As lágrimas agora eram de felicidade. Alguns anos depois de Seul, muitos mais após Moscovo, um jornalista do The Times conseguiu convencê-lo a dar-lhe entrevista exclusiva. Combinaram o encontro no quarto do hotel. Quando o repórter lá chegou estava ele, apenas com uma tanguinha no corpo, deitado na cama, anéis de fumaça do seu cigarro enovelando-se no ar — e a pronta justificação para aquela figuraça: «Não se espante, é que agora sou simplesmente treinador, posso fazer o que me apetecer e até já nem tenho de ser escravo da minha imagem.»

Nelli Kim e perversões na puberdade
Na ginástica feminina Nadia Comaneci cedeu o trono à russa Jelena Dawydowa — mesmo assim a romena ganhou a medalha de prata no concurso individual e a de ouro na trave e nos exercícios de solo, de parceria com Nelli Kim. Dawydowa levou o ouro mas sem despertar sedução — tirante Nadia, foi a imagem de Kim que acabou por passar à história, há mesmo quem fale de si como uma das maiores de sempre. A originalidade e a elegância deram-lhe o título mundial de 1979 e 17 medalhas olímpicas — só lhe faltou o título supremo no concurso individual. Deslumbrantes os exercícios na barra. Filha de um coreano e de uma russa, nasceu na região montanhosa do Sul da URSS e após o abandono liderou campanha de sensibilização para proibir a participação de ginastas com menos de 16 anos em grandes competições internacionais: «Não é bom para uma criança passar, durante a puberdade, por tanta pressão e por treinos físicos tão intensos e saturantes — para além de eventuais perturbações fisiológicas, transforma-as em precoces máquinas, retira a graça feminina ao exercício.» Isso, a graciosidade e o enleio, foi coisa que nunca aconteceu com Kim.

Alexandr Ditiatin – Oito medalhas de ditiatin
Alexandr Ditiatin foi o recordista de medalhas nos Jogos de Moscovo. Não, não foi só de Moscovo — ultrapassou o septeto dourado de Mark Spitz em Munique e de Nikolai Andrianov em Monreal. Só que nas medalhas de Ditiatin havia de tudo: três de ouro, no concurso individual, adiante de Andrianov, nas argolas e no concurso completo por equipas; quatro de prata, nas paralelas, no salto de cavalo, na barra fixa e no cavalo de arções; e uma de bronze, nos exercícios de solo. Aos 17 anos Alexandr foi terceiro nos Campeonatos da Europa, logo apontado como o fenómeno que obscureceria Andrianov — mas uma lesão cortou-lhe o voo. Ao menos permitiu-lhe terminar o curso no Instituto de Cultura Física de Leninegrado e em 1979 ressurgiu. Airoso, deslumbrante, conquistando o título mundial em Dallas, a que juntou mais ouro nas argolas e no salto de cavalo — pelo que o seu fulgor, a sua avalancha, em Moscovo, mais não foi que a anunciação americana do ano anterior.

Lendl — década no céu e crianças deficientes
Ivan Lendl nasceu a 7 de Março de 1960 em Ostrava, na Checoslováquia, adquirindo a cidadania americana em 1992. Com 94 vitórias, é o segundo tenista do Mundo com mais títulos de singulares, menos 10 que Jimmy Connors. O Masters é o seu reduto de glória maior, com um record de cinco vitórias: 1981, 1982, 1985, 1986 e 1987. Apesar do seu extraordinário palmarès, faz parte da lista dos grandes jogadores que nunca conseguiram vencer em Wimbledon, onde foi finalista em 1986 e 1987. Três vezes ganhou Roland-Garros (1984, 1986 e 1987) e o Open dos Estados Unidos (1985, 1986 e 1987) e da Austrália saiu com dois sucessos, em 1989 e 1990. Entre 1983 e 1990 ocupou o topo do ranking ATP durante 270 semanas — 157 delas de forma consecutiva, entre 9 de Setembro de 1985 e 5 de Setembro de 1988. Entre 30 de Janeiro de 1989 e 5 de Agosto de 1990 mais 80 semanas seguidas como dono do mundo. No top 10 figurou 10 anos a fio — e é um dos dois únicos jogadores profissionais a ganhar mais de 1000 jogos. Retirado de competição em 1994, tornou-se um golfista ávido. Preocupado com questões sociais, fundou, em 1991, um campo para crianças com deficiências físicas.
 

Diomedes

Bancada central
9 Outubro 2007
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Almada, 1979
Comovente: A equipa de futebol que preferiu morrer a perder

A história do futebol mundial inclui milhares de episódios emocionantes e comovedores, mas seguramente nenhum será tão terrível como o protagonizado pelos jogadores do Dinamo de Kiev nos anos 40. Os jogadores jogaram um partida sabendo que se ganhassem seriam assassinados e, no entanto, decidiram ganhar. Na morte deram uma lição de coragem, de vida e honra, que não encontra, pelo seu dramatismo, outro caso similar no mundo.

Para compreender esta decisão, é necessário conhecer como chegaram a jogar aquela decisiva partida, e porque é que um simples encontro de futebol apresentou para eles o momento crucial de suas vidas.

Tudo começou em 19 de setembro de 1941, quando a cidade de Kiev (ex-URSS, actual capital ucraniana) foi ocupada pelo exército nazi, e os homens de Hitler aplicaram um regime de castigo impiedoso e arrasaram com tudo. A cidade converteu-se num inferno controlado pelos nazis, e durante os meses seguintes chegaram centenas de prisioneiros de guerra, que não tinham permissão para trabalhar nem viver nas casas, assim todos vagueavam pelas ruas na mais absoluta indigência. Entre aqueles soldados doentes e desnutridos, estava Nikolai Trusevich, que tinha sido avançado do Dinamo.

Josef Kordik, um padeiro alemão a quem os nazis não perseguiam, precisamente pela sua origem, era torcedor fanático do Dinamo. Num dia caminhava pela rua quando, surpreso, olhou para um mendigo e de imediato se deu conta de que era seu ídolo: o gigante Trusevich.

Ainda que fosse ilegal, mediante artimanhas, o comerciante alemão enganou aos nazis e contratou o guarda-redes para que ele trabalhasse na sua padaria. A sua ânsia por ajudá-lo foi valorizada pelo avançado, que agradecia a possibilidade de se alimentar e dormir debaixo de um tecto. Ao mesmo tempo, Kordik emocionava-se por ter feito amizade com a estrela da sua equipa.

Na convivência, as conversas giravam sempre em torno do futebol e do Dinamo, até que o padeiro teve uma idéia genial: encomendou a Trusevich que em vez de trabalhar como ele, amassando a massa para o pão, se dedicasse a encontrar o resto dos seus colegas. Não só continuaria a pagar-lhe, senão que juntos podiam salvar os outros jogadores.

O jogador percorreu o que restara da cidade devastada dia e noite, e entre feridos e mendigos foi descobrindo, um a um, a seus amigos do Dinamo. Kordik deu trabalho a todos, esforçando-se para que ninguém descobrisse a manobra. Trusevich encontrou também alguns rivais do campeonato russo, três jogadores do Lokomotiv, e também os resgatou. Em poucas semanas, a padaria escondia entre os seus empregados uma equipa completa.

Reunidos pelo padeiro, os jogadores não demoraram em dar o seguinte passo, e decidiram, incentivados pelo seu protector, voltar a jogar. Era, além de escapar dos nazis, a única coisa que sabiam fazer bem. Muitos tinham perdido as suas famílias às mãos do exército de Hitler, e o futebol era a última sombra mantida das suas vidas anteriores.


Como o Dinamo estava enclausurado e proibido, deram um novo nome para aquela equipa. Assim nasceu o FC Start, que através de contactos alemães começou a desafiar equipas de soldados inimigos e seleções formadas no III Reich.

A 7 de junho de 1942, jogaram a sua primeira partida. Apesar de estarem famintos e cansados por terem trabalhado toda a noite, venceram por 7 a 2. O rival a seguir foi a equipa de uma guarnição húngara, ganharam por 6 a 2. Depois marcaram 11 goloss a uma equipa romena. As coisas ficaram mais sérias quando em 17 de julho enfrentaram uma equipa do exército alemão e golearam por 6 a 2. Muitos nazis começaram a ficar chateados pela crescente fama do grupo de empregados da padaria e tentaram encontrar uma equipa melhor para lhes ganhar. Trouxeram da Hungria o MSG com a missão de derrotá-los, mas o FC Start goleou mais uma vez por 5 a 1, e mais tarde, ganhou 3 a 2 no 2 jogo.

A 6 de Agosto, convencidos da sua superioridade, os alemães prepararam uma equipa com membros da Luftwaffe, o Flakelf, que era uma grande equipa, utilizada como instrumento de propaganda de Hitler. Os nazis tinham resolvido ir buscar a melhor equipa possível para acabar com o FC Start, que já gozava de enorme popularidade entre o povo refém dos nazis. A surpresa foi grande, porque apesar da violência e falta de desportivismo dos alemães, o Start venceu por 5 a 1.

Depois dessa escandalosa queda da equipa de Hitler, os alemães descobriram a manobra do padeiro. Assim, de Berlim chegou a ordem para acabar com eles todos, inclusive com o padeiro, mas os lideres nazis locais não se contentaram com isto. Não queriam que a última imagem dos russos fosse uma vitória, porque acreditavam que se fossem simplesmente assassinados não fariam nada mais que perpetuar a derrota alemã.

A superioridade da raça ariana, em particular no desporto, era uma obsessão para Hitler e os seus altos comandos. Por esta razão, antes de fuzilá-los, queriam derrotar a equipa do FC Start num jogo.

Com um ambiente de pressão enorme e ameaças por todos os lados, anunciou-se a desforra para 9 de Agosto, no estádio Zenit a aborrotar. Antes do jogo, um oficial da SS entrou nos balneários e disse em russo:

- \"Vou ser o juiz do jogo, respeitem as regras e saúdem com o braço levantado\", exigindo que eles fizessem a saudação nazis.

Já no campo, os jogadores do Start (camisa vermelha e calção branco) levantaram o braço, mas no momento da saudação, levaram a mão ao peito e no lugar de dizer: - \"Heil Hitler!\", gritaram - \"Fizculthura!\", uma expressão soviética que proclamava a cultura física.

Os alemães (camisa branca e calção negro) marcaram o primeiro golo, mas o Start chegou ao intervalo do segundo tempo ganhando por 2 a 1.

Receberam novas visitas no balneário, desta vez com armas e advertências claras e concretas:

- \"Se vocês ganharem, não sai ninguém daqui vivo\". Ameaçou um outro oficial das SS. Os jogadores ficaram com muito medo e até propuseram-se a não voltar para o segundo tempo. Mas pensaram em nas suas famílias, nos crimes que foram cometidos, nas pessoas que sofreram e que nas arquibancadas gritava desesperadamente por eles e decidiram, sim, jogar.

Deram um verdadeiro baile nos nazis. E no final da partida, quando ganhavam já por 5 a 3, o atacante Klimenko ficou cara a cara com o guarda-redes alemão. Fez-lhe um drible deixando o coitado estatelado no chão e ao ficar de frente para a baliza, quando todos esperavam o golo, deu meia volta e chutou a bola para o centro do campo. Foi um gesto de desprezo, de deboche, de superioridade total. O estádio veio abaixo.

Como toda Kiev poderia a vir falar da façanha, os nazis deixaram que saíssem do campo como se nada tivesse ocorrido. Inclusive o Start jogou dias depois e goleou o Rukh por 8 a 0. Mas o final já estava traçado: depois dessa última partida, a Gestapo visitou a padaria.

O primeiro a morrer torturado em frente a todos os outros foi Kordik, o padeiro. Os outros foram presos e enviados para os campos de concentração de Siretz. Ali mataram brutalmente Kuzmenko, Klimenko e o avançado Trusevich, que morreu vestido com a camisola do FC Start. Goncharenko e Sviridovsky, que não estavam na padaria naquele dia, foram os únicos que sobreviveram, escondidos, até a libertação de Kiev em novembro de 1943. O resto da equipa foi torturada até a morte.

Ainda hoje, os possuidores de entradas daquele jogo têm direito a um lugar gratuito no estádio do Dinamo de Kiev. Nas escadarias do clube, guardado de forma permanente, conserva-se actualmente um monumento que saúda e recorda aqueles heróis do FC Start, os indomáveis prisioneiros de guerra do Exército Vermelho aos quais ninguém pôde derrotar durante uma dezena de históricas partidas, entre 1941 e 1942.

Foram todos mortos entre torturas e fuzilamentos, mas há uma lembrança, uma fotografia que, para os adeptos do Dinamo, vale mais que todas as jóias em conjunto do Kremlin. Ali figuram os nomes dos jogadores. Abaixo a única foto que se conserva da heróica equipa do Dinamo e o nome dos seus jogadores.

Goncharenko e Sviridovsky, os únicos sobreviventes, junto ao monumento que recorda os seus colegas.

Na Ucrânia, os jogadores do FC Start hoje são heróis da pátria e seu exemplo de coragem é ensinado nos colégios. No estádio Zenit uma placa diz o seguinte:\"Aos jogadores que morreram com a cabeça levantada ante o invasor nazi\".


Esta é a história da dramática \"Partida da Morte\". O cineasta John Huston inspirou-se neste facto real para realizar o filme \"Fuga para a vitória\" (Escape to Victory) de 1982 que chamou muita atenção na época do lançamento porque nele participaram grandes nomes do cinema como Michael Caine, Sylvester Stallone e Max Von Sydow, mas muito mais pela participação de algumas estrelas do futebol, como Bobby Moore, Osvaldo Ardiles, Kazimierz Deyna e Pelé. No filme John Huston fez o que não pôde o destino: salvar os heróis.
 
H

hast

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1981 – Primeiro português recordista europeu

Contra o cronómetro, 27.27.7m nos 10 mil metros, em Alvalade
Havia dois Mamedes
Moniz Pereira já o garantiu uma vez: Fernando Mamede foi a maior máquina do atletismo. Só que tinha um laqueio psicológico que o punha em sarilhos na pressão dos grandes campeonatos. Apesar disso fez coisas soberbas — é um dos desportistas do século em Portugal. «Fui o que fui com a força das minhas pernas. Purinho, sempre purinho. Mas vi muitos atletas dopados transformados em heróis do mundo. Também não acredito que o Lopes se tenha dopado alguma vez. Nem ele nem nenhum outro atleta português de alto nível. O nosso doping é o trabalho, o treino e a vida honesta. Pelo Cova é que não seria capaz de pôr as mãos no lume. Toda a gente sabe que fazia transfusões de sangue. Ganhou tudo o que havia para ganhar mas a sua sorte foi, sinceramente, o meu azar. Sem os meus problemas psicológicos não precisava de transfusões de sangue ou do que quer que fosse para ser campeão olímpico, campeão do Mundo, campeão da Europa. Era, incontestavelmente, o melhor de todos. Perdi medalhas mas fiz coisas fabulosas no atletismo. Por isso estou feliz por ter nascido, feliz por ter vivido o que vivi, só por parvoíce poderia sentir mágoa de mim ou ter razões de queixa do destino.»
O verdadeiro Mamede, aquele que não se deixava atraiçoar pelos nervos, maravilhou o mundo em todos os grandes meetings.
Esteve, arrebatante, anos a fio invencível em corridas de 5000 e 10 mil. O outro Mamede é que perdeu tudo o que poderia ganhar à excepção de uma medalha de bronze no corta-mato. Que nem sequer era o seu reduto de excelência. Foi a 28 de Março de 1981, em Madrid, batido apenas pelo americano Greg Virgin e pelo etíope Mohamed Kedir.
Dois meses depois, no Estádio de Alvalade, deixando Carlos Lopes a mais de 20 segundos (!), bateu o primeiro dos seus três recordes da Europa de 10 mil metros, com 27.27,7 minutos. Em cavalgada solitária, venceu sensações e cronómetros, retirou 5,3 segundos à marca do badaladíssimo Brendan Foster.

Riscar Lopes e descobrir enganos
Pouco antes do adeus às armas Fernando Mamede confidenciou: «Homem rico não me posso considerar, nunca ganhei verbas fabulosas, só a partir de 1981 é que comecei a receber bem. Por exemplo, em Paris, quando falhei o recorde do Mundo do Rono por 45 centésimos, recebi 1500 dólares e o Alberto Salazar 10 mil. Por aqui se pode ver o que os atletas portugueses deixaram de ganhar. A minha sorte foi ter aberto os olhos nesse dia. Se a partir de então nunca mais me enganaram? Nunca me senti enganado, que culpa tinham empresários e organizadores que os portugueses lhes pedissem tão pouco?» A 9 de Julho de 1982, no Meeting de Paris, o tal em que se apercebeu, pela primeira vez, das manivérsias dos organizadores, Mamede tinha um desafio de gigante pela frente: recuperar o máximo europeu que Carlos Lopes lhe retirara 15 dias antes, em Oslo — com 27.24,39 minutos. Ante um estádio a abarrotar de gente, que ao longo de toda a corrida sincopou palmas de tango, Mamede creditou-se de 27.22,95 minutos, deixando Salazar, americano que desertara de Cuba, a mais de seis segundos. E, emocionado, afirmou: «Devo esta proeza a Carlos Lopes! Foi o seu exemplo e a sua garra que me estimularam. Infelizmente, só me faltou um pouco mais de ajuda nesta corrida, senão teria batido o recorde do Mundo. Rono tomou a iniciativa da corrida nos primeiros quilómetros mas, ao aperceber-se de que eu estava lá, teve medo de perder o recorde e tentou emperrar tudo. Salazar não o admitiu, pena foi que só me tivesse ajudado até aos oito quilómetros...» Foi a partir de então que o seu cachet médio passou a rondar os seis mil dólares. O contrato da sua vida acabaria por ser o que assinou com a Le Coq Sportif, após o recorde do Mundo: 10 mil contos recebeu para publicitar a marca francesa e se ao serviço dela tivesse voltado a bater o máximo mundial arrecadaria mais 10 mil.
 
H

hast

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1987 – Rosa Mota campeã mundial Maratona transformada em passeio triunfal

Com antibiótico
Era o império a abrir-se. No fulgor das suas pernas, do seu galope — as pétalas em ouro. Em Novembro de 1986 vitória em Tóquio, com quase quatro minutos de avanço sobre a alemã Katrin Dorre. Em Abril de 1987 a conquista de Boston, com 2.25.21 horas, a segunda a quase cinco minutos.
Era Agosto, era a hora dos Mundiais. Quando chegou a Roma, quatro dias antes da maratona, Rosa Mota vinha assustada. «Sentia muitas dificuldades para urinar, tive medo, muito medo. Comecei a tomar antibióticos, as coisas melhoraram quando fui para a prova já nem sequer pensava na infecção, nunca me passou pela cabeça que os antibióticos pudessem enfraquecer-me.» Um passeio triunfal pela cidade monumental, sem adversárias à altura, alada, a voar baixinho sobre o alcatrão. Aos 28 quilómetros a russa Soya Ivanova já levava quatro minutos de atraso. «Foi, de facto, uma vitória fácil, muito mais fácil do que esperava, mas, apesar de tudo, sofri bastante para suportar o calor, a humidade e algumas picadas dos tendões. O percurso era muito bonito mas muito irregular.» Nos Mundiais de 1987 já não estiveram Joan Benoit, Greta Waitz e Ingrid Kristiansen. Se estivessem? A história não teria sido certamente diferente. «Com elas em competição eu seria eu! Se não competiram foi porque não puderam ou não quiseram. O tempo que fiz, correndo sempre só, ante condições atmosféricas impróprias, prova que mesmo com Benoit, Waitz e Kristiansen as minhas possibilidades eram imensas. Até porque melhorei o recorde dos campeonatos em quase três minutos.»

Capitão gancho, islamismo, ioga e Bruce Lee
Kareem Abdul-Jabbar
Nascido a 16 de Abril de 1947, em Nova Iorque, com o nome de Ferdinand Lewis Alcindor Jr., ainda frequentava o liceu nova-iorquino de Power Memorial e já era uma celebridade devido às suas invulgares capacidades para o basquetebol e não só. Seria, contudo, sob o nome de Kareem Abdul-Jabbar — adoptado após a sua conversão ao islamismo — que conquistou a fama mundial, um dos melhores postes da história. Escolhido pelos Bucks como o n.º 1 do draft de 1969, foi logo o rookie do ano. Em 1971, sob seu fascínio a equipa de Milwaukee tornou-se campeã da NBA, três anos após a sua entrada na liga. Foi por essa altura, para lutar contra o racismo do poder branco que seguiu as pisadas de Mohammad Ali e se tornou... Kareem Abdul-Jabbar. Em 1975 ingressou nos Lakers, ajudando a construir uma das mais famosas dinastias da NBA. Aperfeiçoando o mortal e indefensável lançamento em gancho — baptizado de sky-hook —, aprendeu artes marciais, ioga e adoptou uma dieta especial que lhe permitiram manter-se em actividade até aos 42 anos, completando 20 (!) épocas na liga, tornando-se o melhor marcador da história, com 38.387 pontos. Para além de seis títulos de campeão (um nos Bucks e cinco nos Lakers), igual número de troféus MVP da regular season, dois nas finals e 19 selecções para o All-Star Game. The Capitain lhe chamavam, após o adeus da competição envolveu-se em organizações de defesa dos direitos de minorias e em diversas obras sociais, publicou três livros e participou, para além de várias séries televisivas, em seis filmes — sendo os mais famosos Aeroplano I e Jogo de Morte, no qual o puseram a lutar contra Bruce Lee.

Martina Navratilova
Lésbica com pimenta
Carreira fulgurante e sempre apimentada por histórias de homossexualidade e escândalos com namoradas, sendo a mais famosa aquela que envolveu Judy Nelson, que abandonou os filhos e o marido para viver com Martina Navratilova e que quando a ligação se quebrou exigiu indemnização gigantesca.
O pai, Mirek Navratil, era professor de ténis, em Praga, onde Martina nasceu, a 18 de Outubro de 1956. Aos 21 anos ganhou o primeiro de 18 títulos do Grand Slam, — foi em 1978, no torneio de Wimbledon, o seu espaço sagrado. Lá ganharia mais oito vezes, a última em 1990, antes do adeus às armas.
No princípio da década de 80, por não suportar mais que o governo comunista da Checoslováquia, se apoderasse dos seus prémios no circuito profissional, pediu asilo político aos Estados Unidos. Refugiou-se em Manhattan, no apartamento de Jeanie Brinkman, funcionária da WTA, só de lá saiu quando as autoridades americanas lhe garantiram a naturalização. Oficia-la-iam a 21 de Julho de 1981. Montou residência em Dallas, no Texas, os pais acompanharam-na, mas Mirek não se sentiu bem, preferiu regressar a Praga, deixando Martina em profunda crise emocional. Só em 1982 é que sentiu a cabeça limpa. E foi simplesmente avassaladora: 15 títulos em grandes torneios, 90 vitórias em 93 jogos. Em 1983, quase o mesmo vendaval — 86 vitórias em 87 possíveis.
Para além das nove vitórias em Wimbledon, duas em Roland-Garros, três na Austrália, quatro no US Open — em 1992, em Chicago, ganhou o troféu 158, até então nunca nenhum tenista, homem ou mulher, chegara tão longe em vitórias. Haveria de fechar a carreira, em 1994, com 167 títulos individuais, 332 semanas na liderança do ranking mundial e 20 milhões de dólares em prémios oficiais.
Proprietária de várias mansões nos Estados Unidos, passa a maior parte do tempo na sua casa de Aspen, nas montanhas do Colorado, dedicando-se ao esqui, ao golfe e aos longos passeios a cavalo. Já publicou três romances policiais, ténis só joga para captação de fundos para instituições de solidariedade — e vive apaixonadamente uma outra missão: lutar pelos direitos dos homossexuais no Mundo inteiro.

Domingos Castro vice-campeão Mundial de 5000 metros
Um ano antes, nos Good Will Games, réplica olímpica montada por Ted Turner, para compensar os estragos dos boicotes, o primeiro sinal de glória dos Castro. Domingos ganhou a medalha de ouro nos 10 mil metros, Dionísio a de prata. Mas seria a 6 de Setembro, no Estádio Olímpico de Roma, que o paraíso se escancarava quase de par em par. Tinha 23 anos, sagrou-se vice-campeão mundial de 5000 metros, batido apenas pelo lendário Said Aouita. «Nunca esperei que uma coisa destas me pudesse acontecer tão cedo. Só tenho vontade de rir e de dar pulos. As lágrimas que eu já chorei! Não imaginava que a alegria pudesse fazer de mim um choramingas. Quando cortei a meta nem acreditava, por isso chorei, chorei perdidamente.» O intransponível marroquino, que em Los Angeles já roubara o sonho do ouro a António Leitão, gastara 13.26,44 minutos, Domingos apenas um poucochinho mais — 13.27,59. «Quando o Aouita arrancou só pensei no segundo lugar. Cerrei os dentes e quando aquilo acabou senti algo esquisito a correr pelo corpo todo.» Antes da partida para Roma, suplicando por ajuda divina, Domingos fora acender uma velinha à estátua do dr. Sousa Martins, porque alguém lhe garantira que assim ficaria mais protegido. Abriu um ritual que o acompanharia pela vida fora, numa mistura de superstição e misticismo.
 
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hast

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1988 – Jogos Olímpicos de Seul

Rosa Mota campeã depois de olhar Pedrosa
Perfume de guerra
O corpo na aparência frágil da borboleta sempre ponteado de sorrisos. A imagem dela. Fina. Arrebatante. Em Seul a chama mágica a orlar o nome da maratonista do século — Rosa Mota, pois claro.
Setembro de 1988, dia 23. Galgou 42.195 metros com entusiasmo fazendo lembrar ondas bravias de um mar de honor que depois do destino cumprido se transformariam em fímbria no beijo do ouro. Ao cabo de 2.25.39 horas cortou a meta de sorriso largo, braços no ar, dedos em V. Foi a vitória da raiva. Bofetada com luva dourada em quem tentara impedi-la de participar nos Jogos. Nos dias mais quentes do diferendo com a FPA — chegou a colocar hipótese de alinhar por Macau se fosse por diante o escarmento que lhe quiseram dar: proibir-lhe a inscrição olímpica enquanto não se filiasse na Federação! Logo após cortar a meta as palavras saíram-lhe comovidas: «Dedico esta vitória a quantos participaram nela, me ajudaram. Aos outros, que só guerrearam, por favor não se aproveitem, não se metam nela, não têm nada com isso.»
Aos 35 quilómetros não achou piada à companhia que com ela seguia. «Fiquei um pouco assustada, não era a gente mais conveniente que ali estava — a Dorre, sim, deixava-me tranquila, agora as outras: a Tatyana Polovinskaya acabara de vir dos 10 mil metros, a Lisa Martin era ainda uma perigosa atleta de pista. Se chegasse com elas à parte final.» Mas continuou galgando em busca do sonho sem queimar os olhos no fulgor dourado que já se incendiara premonitoriamente em si. De súbito tilintou a campainha — e a garimpeira partiu para a conquista, a mais emocionante de todas, a mais emocionante de sempre. «O Pedrosa tinha-me recomendado que aos 38 quilómetros, se ainda fosse acompanhada, olhasse para ele. Olhei e disse-me: ‹Rosa, é agora ou nunca!› E fui-me embora... Foi muito mais difícil do que fora em Roma, os maratonistas gostam de dizer que a última maratona é sempre a melhor mas esta... arre, parecia que nunca mais chegava o dia.» Na sala de conferências, cheia de jornalistas como um odre, entrou, de súbito, Roberto Carneiro, o ministro. Para felicitar Rosa. Pôs-se de cócoras para não perturbar o ambiente. Só depois o beijinho.
No pódio Lisa Martin, que gastara mais 14 segundos — de unhas muito compridas e olhos pintados como se fosse para uma gala. Algum tempo depois haveria de casar com Yobes Ondieki, queniano que bateria o record mundial de 10 mil metros a menos de 27 minutos. Conheceram-se em Boulder, na casa de Barrios, onde Rosa estagiava sempre. E Katrin Dorre, que ficara a quase um minuto, alemã de Leste que começara por ser ginasta — e bem depois dos 40 continuaria a correr e a brilhar. O hino a tocar, o coração dela a arder — um país inteiro a vibrar, inebriado pelo seu perfume. Eterno.

Greg Louganis – Na história com sida
Passando pela dança clássica, Greg Louganis começou a mergulhar competitivamente com 10 anos e seis anos depois conquistou a primeira de cinco medalhas olímpicas: prata na plataforma dos Jogos Olímpicos de Montreal. Devido ao boicote americano a Moscovo, só voltou aos Jogos em 1984 — arrecadando as duas medalhas de ouro em disputa nos saltos para a água: plataforma e trampolim. Em Seul, repetiu a dose. Nunca ninguém conseguira safra assim. Poucas semanas antes de partir para a Coreia ficou a saber que estava contaminado com o vírus da sida.
A sua primeira reacção foi desistir, mas o médico assistente, seu primo, convenceu-o a ir buscar mais glória, tratando-o, de imediato, com AZT. Em 1994 assumiu a sua sexualidade, participou até nos Jogos Gay de Nova Iorque e um ano depois, em Breaks the Surface, desvenda todos os segredos da sua vida — mantendo-se apaixonado nos novos desafios que se abriram na sua vida: trabalhos com jovens problemáticos, grupos de reabilitação de alcoólicos e toxicodependentes e organizações para apoio a doentes com dislexia.

Jackie Joyner Kersee e a premonição da Avó
Primeira dama
Quando nasceu, a 3 de Março de 1962, numa pequena cabana das ruas esconsas e arenosas de um bairro problemático da zona oeste de St. Louis, no Ilinóis, a avó garantiu que lera nas estrelas que se deveria chamar Jacqueline, tal como a mulher de John Kennedy, porque «iria ser primeira dama de uma coisa qualquer». Foi. Jackie Joyner-Kersee é uma das maiores atletas do século, com três medalhas olímpicas de ouro (duas no heptatlo e uma no comprimento), uma de prata (no heptatlo) e duas de bronze (no comprimento) — a que se juntam mais três títulos mundiais (dois no heptatlo e um no comprimento). Tudo isso ganhou como resultado de uma estonteante combinação de alma, velocidade e força. Recebeu uma bolsa de estudo para a UCLA, famosíssima universidade californiana, mas para jogar basquetebol. O então treinador adjunto de atletismo, Bob Kersee, com quem se casaria em 1986, percebeu o diamante que Jackie era — e convenceu-a a mudar de rota. Mudou. Na sua estreia olímpica, em Los Angeles, onde o irmão Al Joyner, marido de Florence Griffith, se outorgou o título de campeão no triplo salto, Jackie creditou-se da medalha de prata no heptatlo, a cinco escassíssimos pontos da australiana Glynis Nunn. Em Seul o must: para além da medalha de ouro no heptatlo, fabuloso record mundial com 7291 pontos — que nunca mais ninguém beliscaria. Venceu igualmente o salto em comprimento com um espantoso voo a 7,40 metros — mais 18 centímetros que Heike Dreschler.
Nos Jogos de Barcelona revalidou o título do heptatlo, outra vez acima dos 7000 pontos. Adoentada foi para a final do comprimento, mesmo assim arrecadou a medalha de bronze, batida por Heike Dreschler e Inessa Kravets. Em Atlanta ardia no sonho do tri mas uma lesão na coxa direita obrigou-a a atirar a toalha ao tapete. Deixou o tartan em lágrimas, amparada a Bob Kersee — mas seis dias depois, com uma ligadura gigante a ornar-lhe quase toda a perna, alinhou no comprimento e no último salto saltou do sexto lugar para a medalha de bronze, deixando o estádio em delírio, como se aquela vitória sobre as suas fraquezas fosse a maior da sua vida, o rasgo assombroso da heroína.
Depois de se aposentar do atletismo centrou a vida no seu escritório de negócios em St. Louis, onde dirige várias empresas: Elite Sports Marketing (representação e direcção de atletas), Gold Medal Rehab (medicina desportiva). Para além disso empenhou-se na Fundação Jackie Joyner-Kersee, organização que trabalha no apoio a crianças pobres e doentes do Ilinóis. E também patrocina uma equipa que disputa o Nascar — um dos mais empolgantes campeonatos de automobilismo dos Estados Unidos.

Florence Grifith-Joyner para além da humanidade
Super-mulher
Em Los Angeles já dera nas vistas — não, não tanto pela medalha de prata nos 200 metros, batida pela fulgurante Valerie Brisco-Hooks, não tanto por ser a mulher deslumbrante de Al Joyner, campeão olímpico do triplo salto, mas sobretudo pela silhueta esbelta, pelas unhas que chegavam a 5 centímetros artisticamente pintadas, obras de arte em miuçalhas, e pelos exóticos equipamentos que usava. Em Seul Florence Grifith-Joyner surgiria literalmente transformada. Os músculos alargados, ondeando-se pelo corpo todo, davam pábulo às suspeitas da escatima do doping, da utilização de hormonas de crescimento e de esteróides usados na veterinária para engorda de gado que o controlo ainda não era capaz de detectar. Antes da partida para a Coreia o primeiro record colocado a dimensão julgada irreal: a 16 de Julho, em Indianápolis, 10,49 segundos aos 100 metros — estilhaçando o máximo que Evelyn Ashford colocara, quatro anos antes, em 10,76 segundos. Não voltou a batê-lo durante os Jogos, ficou-se pelos 10,54 segundos, mesmo assim deixou Ashford (que em Los Angeles se sagrara campeã olímpica com 10,97) a... 29 centésimos! Era apenas um sinal. Fabuloso o desempenho nos 200 metros. Nas meias-finais derribou o record de Marita Koch e Heike Dreschler (21,76 segundos), fazendo mais de 50 metros em desaceleração: 21,56. Na final um voo fabuloso — em apenas 21,34 segundos partiu de Seul e só parou algures no século... XXII, retirando 18 centésimos à marca do dia anterior. Nunca mais mulher alguma baixaria sequer de 21,60. A terceira medalha de ouro de Grifith-Joyner foi arrecadada, naturalmente, na estafeta de 4x100. Nos 4x400 metros falhou o tetra — a vitória coube à Rússia.

Hollywood, livros infantis, moda exótica
Ao aprovar-se legislação que permitia, enfim, os controlos anti-doping de surpresa quando ainda se vivia sob o efeito do deslumbramento que causara, Florence anunciou o adeus às pistas — dizendo que queria dedicar-se à carreira de actriz, em Hollywood. Passou o resto dos dias, ajudando crianças de bairros carenciados, escreveu literatura infantil, pintou quadros, apaixonou-se pela moda, desenhou equipamentos extravagantes, um deles para os dos Indiana Pacers na NBA.

Psicologia, extravagante «maillot» prateado
Delorez Florence Griffith nasceu em Los Angeles a 21 de Dezembro de 1959, filha de uma professora e de um electricista, 10 eram os seus irmãos. Aos sete anos inscreveu-se na Fundação para a Juventude Sugar Ray Robinson — pertencente ao lendário campeão de boxe — e assim começou a praticar atletismo. Em 1978 foi descoberta por Bob Kersee, que a ajudou a ganhar uma bolsa de estudo na UCLA, terminaria a licenciatura em psicologia em 1983. Só então se entregou de alma e coração ao atletismo, em Los Angeles a medalha de prata nos 200 metros. Casou-se, pouco depois, com Al Joyner, irmão de Jackie Joyner, mulher do treinador. Engravidou e por isso só voltaria aos grandes palcos em 1987, nos Mundiais de Roma, onde competiu com um extravagante maillot prateado que apenas lhe deixava a face achocolatada a descoberto. Ganhou a medalha de prata, batida pela alemã de Leste Silke Gladish. Um ano depois a explosão de Seul, a eterna imagem de uma mulher mais rápida que o vento, correndo espavorida na pista, como se voasse. Tinha 1,70 metros e 59 quilos.

Morte por asfixia sem sombra de «doping»
Viveu a correr, fez tudo a correr — a morte chegou assim, numa vertigem. A 21 de Setembro de 1998. Tinha 38 anos. Durante o sono, na sua mansão de Mission Viejo, um ataque de epilepsia, a asfixia, com o rosto enfronhado na almofada. Falou-se logo de ataque cardíaco, derrame cerebral — sequelas do doping. A autópsia desmenti-lo-ia. As sombras nem assim se dissiparam. Só isso explicará que Florence Grifith-Joyner não tenha sido indicada como Atleta do Século. É que na fabulosa saga de Seul nunca ninguém estivera tanto para além do tempo como ela, nunca ninguém chegara tão depressa ao limiar do sobre-humano.

Matt Biondi – torpedo que ameaçou Mark Spitz
Torpedo de Moraga. Assim lhe chamavam. Para Seul partiu com um sonho a arder-lhe na alma, no corpo todo: igualar Mark Spitz na caça ao ouro olímpico. Não conseguiu lá chegar. Foram sete as suas medalhas, mas de ouro cinco apenas, uma era de prata, a outra de bronze. Nascido em Moraga, na Califórnia, a 29 de Julho de 1965, Matt Biondi revelara-se ao mais alto nível em 1985, em Mission Viejo, após colocar o record do Mundo de 100 metros livres em 49,24 segundos. Retalhando-o em série haveria de tornar-se o primeiro homem a quebrar a barreira dos 49 segundos, marcando 48,25 segundos. De uma compleição física aparatosa, 2,01 metros e 91 quilos, nos Jogos de 1988 venceu os 50 metros livres em 22,14 segundos, os 100 metros livres em 48,63 — perdendo os 100 metros mariposa por um décimo de segundo, com 53,01, para Anthony Nesty, nadador do Suriname, que era produto de uma universidade americana. Nos 200 metros livres, o australiano Duncan Armstrong (1.47,25) e o sueco Anders Holmetz (1.47,89) deixaram-no apenas com bronze à mercê. As restantes medalhas de ouro foram conquistadas nas estafetas de 4x100 e 4x200 metros livres e 4x100 estilos. Em 1984 já fora campeão olímpico de estafetas, em 1992 Alexandr Popov afastou-o do ouro nos 50 metros livres — mais ouro nos revezamentos. Contas feitas, 10 títulos olímpicos, sete títulos mundiais — oito anos de invencibilidade nos 100 metros livres. Licenciado em História da Economia Americana legou o seu medalheiro a um museu ítalo-americano de Chicago e depois do abandono, Matt Biondi, descendente de emigrantes transalpinos, passou a dedicar-se fervorosamente a campanhas para captação de fundos destinados a apoio a crianças pobres e desvalidas.

Kristin Otto – OTTO SEIS VEZES OURO
Nas águas de Seul, Kristin Otto pediu meças a Matt Biondi. Seis medalhas de ouro foram a sua conquista a uma apenas ficou do record fabuloso de Spitz. Ganhou os 50 metros livres com 25,49 segundos, adiante da chinesa Wenyi Yang (25,64); os 100 metros livres, creditando-se de 54,93 segundos, meio segundo adiante de Yong Zhuang; os 100 metros costas, com 1.00,89 minutos, à frente da húngara Krisztina Egerszegy, a estrela que começava a despontar; os 100 metros mariposa, com 59,00 segundos — e foi a arma nuclear da RDA no ataque aos títulos de 4x100 metros livres e 4x100 metros estilos. Nascida a 7 de Fevereiro de 1966, em Leipzig, com 16 anos apenas apoderara-se de três títulos mundiais — e no ano seguinte tornara-se a primeira mulher a nadar os 100 metros costas em menos de um minuto — com 59,97 segundos. Quatro anos depois, em 1986, mais quatro medalhas de ouro nos Campeonatos do Mundo. Em 1987, campeã europeia em cinco provas. E para juntar a tudo isso, mais uma mão-cheia de records mundiais fantásticos: 54,73 segundos aos 100 metros livres, 1.57,75 minutos aos 200. Se Kornelia Ender fora a primeira mulher-maravilha da RDA, Kristin Otto foi a última. Como ela, tinha carinha de boneca num corpo todo ondulado de músculos, como ela, pairava, numa insustentável leveza, a sombra da dúvida, o rumor dos esteróides anabolisantes. Pouco depois dos Europeus de 1989, ironicamente em Bona, ruiu o Muro de Berlim — e Otto, que até só tinha 23 anos, correu a anunciar que chegara a hora da despedida, que queria apenas dedicar-se ao jornalismo e que da sua carreira ficara uma mágoa apenas: «Não ter disputado, devido ao boicote, os Jogos Olímpicos de Los Angeles.»

Maior escândalo da história olímpica
Ben esteróide

Era para ser o duelo dos Jogos e acabou, num fogaréu, em escândalo do século. Um ano antes, nos Mundiais de Roma, Ben Johnson humilhara Carl Lewis na final dos 100 metros — com 9,83 segundos, record do Mundo por um décimo, deixara o americano quase a 10 metros. Em Seul, a história repetiu-se, só que o voo de Ben foi ainda mais sublime, 100 metros em 9,79 segundos(!), Lewis, com 9,92, parecia condenado a contentar-se com a prata e com a segunda melhor marca de todos os tempos — algumas horas depois passava a campeão olímpico (outras medalhas ganharia no comprimento e nos 4x100 metros) e a recordista mundial.
Johnson esborralhado, a alma aos solavancos, a glória em fumo, o herói a despedaçar-se no abismo — fora apanhado nas teias do doping. Para além da medalha de ouro humilhantemente devolvida, todos os seus records — mesmo aqueles que tinham passado incólumes pelo controlo, como o de Roma — riscados da história.
Escorraçado da Aldeia Olímpica, atabafado por um casaco, escondendo o rosto, de vergonha, foi posto de escantilhão num avião com destino a Toronto. Do Canadá saíra como o herói, retornou como um pária — jornais que antes o divinizavam falavam de si, em acinte, como um desgraçado emigrante jamaicano!
Fizera-se trágico o destino, dramáticos os dias que se seguiram — em que até se lhe azoinou na cabeça ideia de suicídio. As mágoas afundavam-se em cerveja e uisque — passou até pela cela escura de uma prisão por ter sido apanhado a conduzir o seu Ferrari F40 em excesso de velocidade, tentando, de seguida, agredir o polícia que o travara. Confidenciaria depois que, durante largos meses, apenas uma vez sorriu, ao ler frase de artigo de Edwin Moses, na Newsweek: «Se Johnson perdeu a medalha por se ter dopado, então, se justiça se tivesse feito, mais de 50 campeões olímpicos teriam de ser, também, desclassificados.»
Pelo escândalo de Seul perdeu mais de três milhões de contos, contas por baixo. Só em 1988 ganhara 400 mil contos em contratos publicitários, por cada corrida de 100 metros cobrava 100 mil dólares de cachet.

Cerveja, impotência e prostitutas de luxo
As lendas que em torno de Ben Johnson já se teciam mais o enfarruscaram depois do escândalo olímpico. A mais desconcertante de todas? Uma que se fazia de contornos romanescos: que os esteróides o tornaram estéril ainda antes da desgraça de Seul e que para dar a aparência de virilidade fazia questão de exigir em todos os seus contratos que os organizadores dos mais importantes meetings lhe apresentassem «menu de prostitutas de luxo» uma escolhendo — não para carnalmente a utilizar, depois das competições, mas para se embebedar deliciando-se apenas com os olhos presos na rameira, em dança nua, sensual. Quando, já nos anos 90, foi contratado para correr o Meeting de Santo António, numa entrevista negou, por entre sorrisos de espanto, essas e outras catilinárias. «Ninguém imagina as fantasias que se criaram em torno de mim. Também se dizia que era antipático, insolente, egoísta, narcisista. Os meus amigos fartavam-se de rir ao ler essas coisas, eu também — no fundo, verdade, verdade é dizer-se que me dopei. Pois dopei — mas apenas porque essa era a lógica do sistema. Tinham de arranjar um bode expiatório, coube-me a mim, para desgraça minha. Não era inconscientemente que eu tomava esteróides. Queria apenas estar em igualdade de circunstâncias...» Nas longas horas de oração numa igreja baptista se foi consolando. Durante vários anos não tocou em drogas. Cumprida a pena de suspensão, em 1993 patéticos retornos às pistas — as pernas já se haviam embotado, falhavam, como antes falharam as tentativas de jogar futebol americano e soccer — e não foi capaz de resistir à tentação que se aguçava. Uma vez mais apanhado nas malhas do doping e irradiado para sempre do atletismo.

Homem mais rápido do Mundo era gago
Quando Charlie Francis o descobriu, Ben Johnson vivia num bairro degradado de Toronto, com a mãe, que emigrara da Jamaica. Pesava apenas 45 quilos. Um franganote, pois. Tímido e... gago. Através de um programa de treino intenso de musculação e de um método científico de dopagem supervisionado pela médica Jamie Astaphan, em sete anos apenas tornou-se o homem mais rápido do Mundo. Tinha 27 anos, quando a borrasca de Seul esfrangalhou o homem-canhão. Os 9,83 segundos de Roma, um ano antes, só seriam igualados pelo compatriota (também oriundo da Jamaica) Donovan Baley. Os 9,79 apenas seriam igualados 14 anos depois pelo americano Maurice Greene — o que significa que com doping ou sem doping o ano 2000 chegará sem que qualquer outro homem consiga ser mais rápido do que Ben fora em 1988.

Janet Evans – Campeã de fundo
Amplamente considerada a maior nadadora de longa distância de todos os tempos, a americana Janet Evans, chegou a Seul com 16 anos apenas — e arrecadou logo três medalhas de ouro: nos 400 metros máximo mundial com 4.03,85 minutos, nos 800 metros record olímpico com 8.20,20 minutos e nos 400 metros estilos. Fabulosa a sua performance nos 400 metros livres — de tal forma que até 1972 nenhum homem fizera melhor em Jogos Olímpicos! Em 1990 três medalhas de ouro nos Good Will Games (400, 800 e 1500 metros) e mais duas de ouro (400 e 800) e uma de prata (200) nos Campeonatos do Mundo. Nos Jogos de 1992 revalidou o título nos 800 metros e falhou a quinta medalha de ouro por uma unha negra, batida nos 400 metros livres pela alemã Dagmar Hase — desde 1986 que estava invencível.