Na maioria dos países democráticos, a legislação não permite que partidos imponham valores religiosos — o Estado e a religião estão (ou deviam estar) em campos separados, e isso é um dos pilares básicos de qualquer democracia moderna.
Posto isto, é bem mais provável que os valores ocidentais — como o Estado social, os direitos humanos e até os princípios da velha democracia cristã — sejam postos em causa por governos de extrema-direita do que por movimentos islâmicos ortodoxos, que em democracias consolidadas quase não têm expressão.
Mesmo cá em Portugal, o discurso é parecido — e não estou a falar do Ventura, cuja consistência ideológica é frágil, mas sim à extrema-direita “bacteriologicamente pura” . Falam de uma “substituição populacional” promovida pelas elites e pelos muçulmanos, quando na realidade quantos radicais islâmicos temos identificados em Portugal? Vinte? Talvez nem isso.
Entretanto, enquanto se agita o papão do “muçulmano que odeia a nossa cultura e que vai violar as nossas mulheres”, os crimes de ódio e o terrorismo neonazi vão crescendo na Europa. E enquanto se aponta o dedo aos mais pobres, e ao degredo da condição humana nas estações centrais, o tal 1% que apoia e financia boa parte destes discursos vai ficando cada vez mais rico.
Não estou a dizer que o fundamentalismo islâmico não é um problema — é, claro, em certos contextos. Mas convém perceber a escala das coisas. Este tipo de alarmismo serve apenas para justificar medidas autoritárias e antidemocráticas e que serve como base para o regresso do discurso violento, racista e xenófobo de movimentos inspirados nas ditaduras europeias do século passado