Artur Jorge

Mike_Walsh

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Arquibancada
4 Janeiro 2024
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3 de Abril de 1986, um dia que nunca esqueci. Durante muitos anos, foi o mais triste da minha vida. A minha avó morrera em nossa casa e, para me tirar daquele cenário de dor, o meu pai foi pôr-me no Estádio das Antas. Ali fiquei o dia inteiro a andar de um lado para o outro.
Pude ver o treino da equipa principal, no campo de treinos que ficava atrás da Arquibancada, e pude esperar pela saída dos jogadores e da equipa técnica. Falei com o Futre, com o Gomes e com o Madjer. O último a sair, muito depois de todos os outros, foi o Artur Jorge. Já não estava ninguém, só eu. Passou por mim e cumprimentou-me: «Bom dia». Tinha eu acabado de fazer 15 anos e só consegui responder: «Bom dia».
Admirei sempre Artur Jorge. Profundamente. Atrás de Pedroto e a par de José Mourinho, foi o mais importante treinador da nossa história. A sua morte, apesar de esperada, comoveu-me. Soltei algumas lágrimas quando reli o texto que se segue, que escrevi num livro que me foi encomendado há uns anos pela ANTF.

Artur Jorge de Braga Melo Teixeira. Simplesmente Artur Jorge no mundo do futebol. Começara como jogador nas camadas jovens do FC Porto, mas distinguira-se na Académica e sobretudo no Benfica. Em Coimbra, na época de 1966/67, era a estrela da equipa e por pouco não foi campeão nacional. Certo dia, no final de um jogo, questionado acerca do facto de a Académica se poder sagrar Campeã Nacional, responderia: «Ganhar o Campeonato? Mas eu tenho um exame de Alemão amanhã!»
Jogou a grande nível durante várias épocas, ao mesmo tempo que terminava a licenciatura em Filologia Germânica e que cultivava a sua vertente cultural como poucos neste meio - escreveu um livro de poesia, «Vértice da Água», e mais tarde tornou-se coleccionador de arte. Foi o primeiro presidente do Sindicato dos Jogadores, organismo cuja fundação contou com muito do seu labor.
Ao decidir enveredar pela carreira de treinador, Artur partiu para a RDA – República Democrática da Alemanha, onde iria estudar e estagiar durante largos meses. Saiu como o melhor aluno do curso e com uma imagem de «disciplinado e disciplinador
Em 1980, era Américo de Sá o presidente do FC Porto, José Maria Pedroto, que quebrara um jejum de 19 anos sem títulos, preparava-se para conduzir o FC Porto ao primeiro tricampeonato da sua história.
Visionário como era, decidiu que na época seguinte ia deixar de ser treinador de campo. Passaria a ser uma espécie de "manager", coisa de que em Portugal ainda não se falava. Escolheu então o seu sucessor: Artur Jorge. Um jovem treinador que nunca tinha treinado antes. Aceite o convite, assinou imediatamente contrato.
Mas veio a perda do tricampeonato, o "Verão Quente" de 1980 e a saída de Pedroto. Artur Jorge, apesar de já ter contrato, também não quis ficar.
Mas estava escrito. Em 1983, Pedroto regressou. No ano seguinte, condenado pela doença que o vitimou, voltou a indicar Artur Jorge como o seu sucessor. Estava mesmo escrito.
Acabou por chegar ao FC Porto em 1984. Nas primeiras duas épocas, conquista o bicampeonato – o terceiro português a consegui-lo depois de Cândido de Oliveira e Pedroto. Na terceira época, em 1987, conquista a Taça dos Campeões Europeus quando o FC Porto vence o Bayern de Munique na Final. O primeiro treinador português Campeão Europeu. À frente de uma equipa cuja base fora herdada de José Maria Pedroto mas com uma identidade muito própria e construída à imagem do seu treinador.
Essa Final de Viena foi heróica. Ao intervalo, o FC Porto perdia por 1-0 e Artur Jorge dirige-se ao coração dos jogadores. Um discurso poderosíssimo, o verdadeiro momento da viragem.
«Aquela palestra do intervalo foi a mais incrível que me deram em toda a minha carreira, foi o discurso de um génio. Estávamos a perder, com a moral em baixo e ele teve um discurso fortíssimo, que nos tocou na alma, com palavras inesquecíveis. Ele chegou ao balneário, tirou o casaco, tirou a gravata, arregaçou as mangas e disse: Olhem para mim - porque estávamos cabisbaixos, isto não é um sonho, têm 45 minutos para entrar na história.» - revelará Paulo Futre anos mais tarde.
Ao mesmo tempo, não tem medo de mexer de imediato na equipa. Frasco e Juary construíram o golo do empate, o célebre calcanhar de Madjer, e o brasileiro marcou o segundo.
Os minutos finais foram um desespero. No banco, ninguém conseguia estar parado. «Estou a ver e o mais calmo é o Artur Jorge», diz um eufórico Óscar Coelho aos microfones da Antena 1. «Tem de ser. É o comandante da nau» - completa um não menos eufórico António Pedro.
Era assim Artur Jorge. Aparentemente sereno. Frio. Distinto e distante. A sua vitória vai correr célere e, com a primeira grande vitória internacional de um português, vai abrir as portas da Europa e do mundo aos nossos treinadores. É verdade que já tinham existido experiências anteriores – Filipe dos Santos (Saragoça), Cândido de Oliveira (Flamengo), Severiano Correia (África e Grécia), Quinito (Kuwait) ou Fernando Cabrita (Raja Casablanca) – mas em países ou clubes sem grande expressão. Agora, são os grandes clubes europeus que se viram para Portugal e que vêem a qualidade que existe por aqui.
Entre 1991 e 1994, já depois de uma segunda passagem pelo FC Porto, com a conquista do terceiro título de Campeão, Artur Jorge sagra-se Campeão de França pelo Paris Saint-Germain. Pelo meio, chega às meias-finais da Taça UEFA depois de eliminar o Nápoles, o Anderlecht e o Real Madrid. É o primeiro título nacional na Europa de um treinador português. Não era ainda o PSG dos petrodólares de 2022, era um PSG que até aí tinha ganho apenas um título de campeão, 10 anos antes, e que só voltaria a ganhar de novo quase 20 anos depois.
A partir da vitória de Artur Jorge e da sua posterior ida para França, são inúmeros os exemplos de treinadores portugueses que partem à conquista do estrangeiro. Tornando-se quase uma moda, um selo de qualidade. Que se tornaria definitivo, em 2004, com o segundo português a sagrar-se até hoje Campeão da Europa, José Mourinho.
Era a vitória do futebol português que estava ali em causa. O «saber português», que nascera do futebol de rua e da capacidade que os treinadores portugueses, por terem começado também na rua, tiveram em entendê-lo. Tornando os atletas uma espécie de esponja, apta a absorver tudo. «Todos os jogadores que estão na Selecção Nacional de Futebol iniciaram o seu crescimento a jogar Futebol de Rua» - dizia Aurélio Pereira, treinador da formação do Sporting.

Artur Jorge ainda treinou o Benfica e por duas vezes a Selecção Nacional. Em Lisboa, nunca lhe perdoaram ter dito, enquanto Seleccionador Nacional, que o Benfica era «um circo». O tumor que teve no cérebro acelerou o final da sua carreira na alta-roda. A morte da filha Francisca, com 22 anos, foi a machadada final na vida de um homem que, nos últimos anos da sua vida, viu a sua saúde deteriorar-se de forma muito acentuada.
Perdeu hoje a batalha final. Morreu serenamente rodeado de todos os que o amavam.
Nós, os portistas, nunca o esqueceremos. Obrigado, Artur Jorge. Muito obrigado.
 

PCS

Arquibancada
9 Agosto 2015
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O meu muito obrigado ao Rei Artur, por tudo o que fez pelo nosso grande Porto.
O nosso clube teve mais do que tempo para o homenagear em vida, espero que não deixem passar este momento em branco e façam algo á imagem do que foi feito a outro grande símbolo do nosso clube, refiro me ao Fernando Gomes. É muito importante que está geração mais nova de portistas, ganhe noção dos grandes homens que fizeram a nossa história, destes ídolos dos 80s, sendo o maior de todos o nosso Pedroto. É desta herança histórica, a par das conquistas do amanhã, que se materializa o sentimento de pertença ao nosso grande clube. Obrigado herói de Viena.