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Natural de Vila do Conde 24 de Dezembro de 1957
UM verdadeiro dragão em campo. Talvez fossem resquícios dos primeiros anos da vida, dura, amarga, de homem do mar. Por esse jeito sempre galhardo, sempre estóico de jogar, André haveria de tornar-se símbolo do espírito de conquista, da mística do F. C. Porto. «Nasci em Caxinas, numa grande família de pescadores, de oito filhos, três raparigas e cinco rapazes. Dos dez aos dezasseis andei no barco do meu pai, que também era criança quando entrou na vida de pescador. Não gostava daquela vida, ingrata, lixada, de muitos sacrifícios, por isso fiz tudo para a abandonar. Quando ia para longe e puxavam os temporais, assustava-me, maldizia aquela vida de muita miséria e muitos riscos, mas até a isso nos habituávamos depressa, mesmo vendo, quase todos os anos, colegas a serem engolidos pelo mar ou a morrerem à entrada da barra da Póvoa sem que ninguém pudesse salvá-los.»
O destino lançou-lhe ao caminho tábua de salvação, que lhe permitiu que fugisse desse modo arriscado de viver, sempre em sacrifícios e provações, à mercê dos caprichos do mar, que não lhe deixara sequer tempo para estudar para além da quarta classe. «Comecei a jogar com 14 anos no Rio Ave na equipa de juvenis. Mas nem sempre podia treinar-me, o conjunto era à quinta-feira, só se estivesse mau tempo no mar é que aparecia. Um dia, o meu pai chateou-se com um director do clube e fez tudo por tudo para que eu fosse para o Varzim, que estava na I Divisão, enquanto o Rio Ave andava pelos Regionais. Assinei o primeiro contrato como profissional com 17 anos de idade, por indicação de António Teixeira, e fui logo campeão nacional da II Divisão. Recebi quatro contos de ordenado. Ganhava mais no mar, mas os meus pais viram que eu tinha mesmo vontade de ser futebolista e ajudaram-me. Acabei o primeiro contrato (que era de um ano) e pedi mais uma verbazinha. Não ma deram e fiquei à boa vida, porque nos clubes onde fui treinar-me não agradei. Um ano depois fui para o Ribeirão, que ajudei a subir da I Divisão da A. F. Braga à III Divisão Nacional. O Varzim voltou a contratar-me, a tropa prejudicou-me, não tinha hipóteses de ser titular e fui emprestado ao Ribeirão. Regressei no ano seguinte. Tinha uma força de vontade de vencer no futebol. Para o mar, não queria voltar mais.»
Quando Pedroto surgiu no seu caminho
Doze anos jogaria André no Varzim. Quando, no rescaldo do Verão Quente das Antas, em 1980, José Maria Pedroto ingressou no Vitória de Guimarães, interessou-se por ele, mas... «Tinha contrato válido com o Varzim e acho que o Guimarães não quis dar o dinheiro que o Varzim pediu pela minha desvinculação. No entanto, o sr. Pedroto nunca mais se esqueceu de mim, acabando por estar na base da minha transferência para o F. C. Porto, quando ainda tinha um ano de contrato para cumprir na Póvoa. O destino acabaria por impedir-me de treinar-me com ele, sinceramente, ficou-me, para sempre, desgosto por isso não ter acontecido.»
Na temporada de 1984/85, a conquista do sonho que tantas vezes acalentara, nas tormentas do mar alto. «A maior alegria da minha vida foi ter vindo para o F. C. Porto. Não fui feliz no princípio da minha primeira época, estava para me estrear em Mulhouse, lixei um ligamento, o que me fez parar duas semanas. Atrasei a preparação. Depois, num jogo particular com o Varzim sofri uma luxação e parei mais uma semana. Felizmente, depois disso não me aconteceu mais nada que me impedisse de fazer a preparação normal. Num desafio com o Sporting sofri uma contusão forte num joelho, mas continuei a jogar. No fundo, a lesão mais grave que tive foi uma hérnia interior, a que fui operado quatro anos antes de entrar nas Antas.»
As lições do mar
Estreara-se com a camisola do F. C. Porto, em jogo contra o Penafiel, substituindo Frasco, numa altura em que Artur Jorge deixara de contar com duas pedras que julgava basilares para a sua estratégia: Sousa e Jaime Pacheco, que pouco antes trocaram as Antas por Alvalade. Encetava-se, assim, a sua corrida para o fastígio, pela mão de Artur Jorge, que André nunca mais deixou de considerar um dos melhores treinadores do Mundo, «senão mesmo o melhor». Aliás, não há muito tempo, mais do que reiterar o encómio, espalhou a confidência de que Artur Jorge era o seu farol no arranque para uma nova vida, a de treinador de jovens no F. C. Porto, pois claro. «Sabe muito de futebol e é um homem de grande carácter. Por estar ligado às camadas jovens do F. C. Porto, tento transportar para os mais jovens muitas das coisas que aprendi com Artur Jorge. Nunca me apercebi de que mantivesse más relações com os jogadores que trabalhavam e lutavam dentro do campo.»
Trabalhar muito e lutar em jogo com espírito de guerreiro foram sempre, de facto, as armas de André, que, de si, diria, em jeito de auto-retrato, não muito depois de vestir, pela primeira vez a camisola do F. C. Porto: «O meu melhor pé é o direito, mas chuto bem com o esquerdo. Tenho uma técnica razoável e também um razoável poder de impulso. Tenho uma força natural, que nasceu comigo. E a vida do mar deu-me mais força para vencer no futebol. Nos seis anos em que andei no mar alto, aprendi o que era lutar pela vida, o que eram sacrifícios, percebendo que um homem que virasse a cara à luta era um homem condenado. Nasci numa família pobre, que lutou muito para ter alguma coisinha, não muito, que só queria ser menos pobre. Não passei fome, mas houve muitas vezes em que comi carapaus ao almoço e ao jantar, porque não havia dinheiro para carne. Éramos muitos irmãos e os meus pais sacrificaram-se muito para nos darem o que deram. Se não fossem eles, hoje, seria, certamente, mais um pescador na família. No fundo, só não o fui porque eles suportaram o esforço que era ter menos dois braços a trabalhar, para eu poder jogar futebol. Por isso, eu lutei, lutei muito para chegar onde cheguei. Nunca virei a cara ao trabalho e sempre confiei que a minha hora acabaria por chegar...»
O rapaz que tocava órgão na igreja de Caxinas
Pelo jeito característico de jogar, como um ferrabrás, sempre de faca na liga, em torno de André criou-se má fama de jogador assassino ou de parte pernas. Traços que refuta. Com argumentos de peso. «Só por tremenda injustiça poderia dizer-se isso de mim, nunca fui expulso por entrada dura, sempre fui um jogador regular e correcto. Ao longo de toda a carreira apenas dois cartões vermelhos, uma vez, em Portimão, pelo Varzim, por me benzer, depois de um erro clamoroso do árbitro, outra, no F. C. Porto, contra o Setúbal, por discutir uma decisão do juiz de campo. Tentaram vender-se essas imagens de assassino ou de parte pernas sobretudo a partir de uma muito propalada lesão de René, do Guimarães, para a qual não tive qualquer responsabilidade, já que ele torceu o joelho, numa disputa de bola, perfeitamente casual. Mas como esse era o tempo em que valia inventar todas as mentiras e mais algumas para se denegrir os êxitos do F. C. Porto...»
Antes de cada jogo, mal tocava com o pé... direito no relvado, André benzia-se. Não era gesto maquinal, de superstição displicente, era devoção pura. «Sempre fui muito católico, aliás pela juventude dentro toquei órgão na missa! Eu tocava e a minha mulher cantava no coro da igreja de Caxinas. Antes de vir para o F. C. Porto ia à missa aos domingos sempre que o Varzim jogava na Póvoa, no F. C. Porto só não o fazia por causa dos estágios. Tocava tudo de ouvido. Aprendi a tocar, sozinho, órgão e viola. Cheguei a fazer parte de um conjunto, chamado Leme, que abandonei apenas quando parti para as Antas. Não tenho preferência especial por esta ou aquela música, gosto de música, dos Pink Floyd e, principalmente, dos Barclay´s James Harvest, que tocam música suave e romântica, de acordo com a minha sensibilidade.»
André fechou com chave de ouro a sua carreira de futebolista, feliz por ter passado o testemunho a um rapaz de... Caxinas, a quem abrira o caminho para o F. C. Porto, chamado Paulinho Santos e que em campo é a melhor imagem do que André fora. Manteve-se no F. C. Porto e, em 1998/99, fez parte da equipa técnica que venceu o pentacampeonato.
UM verdadeiro dragão em campo. Talvez fossem resquícios dos primeiros anos da vida, dura, amarga, de homem do mar. Por esse jeito sempre galhardo, sempre estóico de jogar, André haveria de tornar-se símbolo do espírito de conquista, da mística do F. C. Porto. «Nasci em Caxinas, numa grande família de pescadores, de oito filhos, três raparigas e cinco rapazes. Dos dez aos dezasseis andei no barco do meu pai, que também era criança quando entrou na vida de pescador. Não gostava daquela vida, ingrata, lixada, de muitos sacrifícios, por isso fiz tudo para a abandonar. Quando ia para longe e puxavam os temporais, assustava-me, maldizia aquela vida de muita miséria e muitos riscos, mas até a isso nos habituávamos depressa, mesmo vendo, quase todos os anos, colegas a serem engolidos pelo mar ou a morrerem à entrada da barra da Póvoa sem que ninguém pudesse salvá-los.»
O destino lançou-lhe ao caminho tábua de salvação, que lhe permitiu que fugisse desse modo arriscado de viver, sempre em sacrifícios e provações, à mercê dos caprichos do mar, que não lhe deixara sequer tempo para estudar para além da quarta classe. «Comecei a jogar com 14 anos no Rio Ave na equipa de juvenis. Mas nem sempre podia treinar-me, o conjunto era à quinta-feira, só se estivesse mau tempo no mar é que aparecia. Um dia, o meu pai chateou-se com um director do clube e fez tudo por tudo para que eu fosse para o Varzim, que estava na I Divisão, enquanto o Rio Ave andava pelos Regionais. Assinei o primeiro contrato como profissional com 17 anos de idade, por indicação de António Teixeira, e fui logo campeão nacional da II Divisão. Recebi quatro contos de ordenado. Ganhava mais no mar, mas os meus pais viram que eu tinha mesmo vontade de ser futebolista e ajudaram-me. Acabei o primeiro contrato (que era de um ano) e pedi mais uma verbazinha. Não ma deram e fiquei à boa vida, porque nos clubes onde fui treinar-me não agradei. Um ano depois fui para o Ribeirão, que ajudei a subir da I Divisão da A. F. Braga à III Divisão Nacional. O Varzim voltou a contratar-me, a tropa prejudicou-me, não tinha hipóteses de ser titular e fui emprestado ao Ribeirão. Regressei no ano seguinte. Tinha uma força de vontade de vencer no futebol. Para o mar, não queria voltar mais.»
Quando Pedroto surgiu no seu caminho
Doze anos jogaria André no Varzim. Quando, no rescaldo do Verão Quente das Antas, em 1980, José Maria Pedroto ingressou no Vitória de Guimarães, interessou-se por ele, mas... «Tinha contrato válido com o Varzim e acho que o Guimarães não quis dar o dinheiro que o Varzim pediu pela minha desvinculação. No entanto, o sr. Pedroto nunca mais se esqueceu de mim, acabando por estar na base da minha transferência para o F. C. Porto, quando ainda tinha um ano de contrato para cumprir na Póvoa. O destino acabaria por impedir-me de treinar-me com ele, sinceramente, ficou-me, para sempre, desgosto por isso não ter acontecido.»
Na temporada de 1984/85, a conquista do sonho que tantas vezes acalentara, nas tormentas do mar alto. «A maior alegria da minha vida foi ter vindo para o F. C. Porto. Não fui feliz no princípio da minha primeira época, estava para me estrear em Mulhouse, lixei um ligamento, o que me fez parar duas semanas. Atrasei a preparação. Depois, num jogo particular com o Varzim sofri uma luxação e parei mais uma semana. Felizmente, depois disso não me aconteceu mais nada que me impedisse de fazer a preparação normal. Num desafio com o Sporting sofri uma contusão forte num joelho, mas continuei a jogar. No fundo, a lesão mais grave que tive foi uma hérnia interior, a que fui operado quatro anos antes de entrar nas Antas.»
As lições do mar
Estreara-se com a camisola do F. C. Porto, em jogo contra o Penafiel, substituindo Frasco, numa altura em que Artur Jorge deixara de contar com duas pedras que julgava basilares para a sua estratégia: Sousa e Jaime Pacheco, que pouco antes trocaram as Antas por Alvalade. Encetava-se, assim, a sua corrida para o fastígio, pela mão de Artur Jorge, que André nunca mais deixou de considerar um dos melhores treinadores do Mundo, «senão mesmo o melhor». Aliás, não há muito tempo, mais do que reiterar o encómio, espalhou a confidência de que Artur Jorge era o seu farol no arranque para uma nova vida, a de treinador de jovens no F. C. Porto, pois claro. «Sabe muito de futebol e é um homem de grande carácter. Por estar ligado às camadas jovens do F. C. Porto, tento transportar para os mais jovens muitas das coisas que aprendi com Artur Jorge. Nunca me apercebi de que mantivesse más relações com os jogadores que trabalhavam e lutavam dentro do campo.»
Trabalhar muito e lutar em jogo com espírito de guerreiro foram sempre, de facto, as armas de André, que, de si, diria, em jeito de auto-retrato, não muito depois de vestir, pela primeira vez a camisola do F. C. Porto: «O meu melhor pé é o direito, mas chuto bem com o esquerdo. Tenho uma técnica razoável e também um razoável poder de impulso. Tenho uma força natural, que nasceu comigo. E a vida do mar deu-me mais força para vencer no futebol. Nos seis anos em que andei no mar alto, aprendi o que era lutar pela vida, o que eram sacrifícios, percebendo que um homem que virasse a cara à luta era um homem condenado. Nasci numa família pobre, que lutou muito para ter alguma coisinha, não muito, que só queria ser menos pobre. Não passei fome, mas houve muitas vezes em que comi carapaus ao almoço e ao jantar, porque não havia dinheiro para carne. Éramos muitos irmãos e os meus pais sacrificaram-se muito para nos darem o que deram. Se não fossem eles, hoje, seria, certamente, mais um pescador na família. No fundo, só não o fui porque eles suportaram o esforço que era ter menos dois braços a trabalhar, para eu poder jogar futebol. Por isso, eu lutei, lutei muito para chegar onde cheguei. Nunca virei a cara ao trabalho e sempre confiei que a minha hora acabaria por chegar...»
O rapaz que tocava órgão na igreja de Caxinas
Pelo jeito característico de jogar, como um ferrabrás, sempre de faca na liga, em torno de André criou-se má fama de jogador assassino ou de parte pernas. Traços que refuta. Com argumentos de peso. «Só por tremenda injustiça poderia dizer-se isso de mim, nunca fui expulso por entrada dura, sempre fui um jogador regular e correcto. Ao longo de toda a carreira apenas dois cartões vermelhos, uma vez, em Portimão, pelo Varzim, por me benzer, depois de um erro clamoroso do árbitro, outra, no F. C. Porto, contra o Setúbal, por discutir uma decisão do juiz de campo. Tentaram vender-se essas imagens de assassino ou de parte pernas sobretudo a partir de uma muito propalada lesão de René, do Guimarães, para a qual não tive qualquer responsabilidade, já que ele torceu o joelho, numa disputa de bola, perfeitamente casual. Mas como esse era o tempo em que valia inventar todas as mentiras e mais algumas para se denegrir os êxitos do F. C. Porto...»
Antes de cada jogo, mal tocava com o pé... direito no relvado, André benzia-se. Não era gesto maquinal, de superstição displicente, era devoção pura. «Sempre fui muito católico, aliás pela juventude dentro toquei órgão na missa! Eu tocava e a minha mulher cantava no coro da igreja de Caxinas. Antes de vir para o F. C. Porto ia à missa aos domingos sempre que o Varzim jogava na Póvoa, no F. C. Porto só não o fazia por causa dos estágios. Tocava tudo de ouvido. Aprendi a tocar, sozinho, órgão e viola. Cheguei a fazer parte de um conjunto, chamado Leme, que abandonei apenas quando parti para as Antas. Não tenho preferência especial por esta ou aquela música, gosto de música, dos Pink Floyd e, principalmente, dos Barclay´s James Harvest, que tocam música suave e romântica, de acordo com a minha sensibilidade.»
André fechou com chave de ouro a sua carreira de futebolista, feliz por ter passado o testemunho a um rapaz de... Caxinas, a quem abrira o caminho para o F. C. Porto, chamado Paulinho Santos e que em campo é a melhor imagem do que André fora. Manteve-se no F. C. Porto e, em 1998/99, fez parte da equipa técnica que venceu o pentacampeonato.