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Natural de S. João da Madeira 28 de Abril de 1957
Seu pai, Cândido de Sousa, fora jogador de futebol. Dez réis de gente já António sonhava ser Eusébio. Todos os dias levava na mala da escola uns sapatos velhos, suplentes, para com eles jogar à bola, não estragando os outros, que não era fácil a vida dos Sousas, em São João da Madeira. Concluído, sempre com boas notas, o ciclo preparatório, António deixou de estudar, teve de trabalhar para ajudar ao orçamento familiar. Primeiro empregou-se num escritório, depois numa loja de comércio. Mal se libertava da labuta, corria para a rua, onde o esperavam os amigos, para desafios vagabundos até que a noite caísse, densa, sobre a vila. Aos 15 anos tornou-se, enfim, jogador da Sanjoanense, foi como se tivesse conquistado o Paraíso o que sentiu no primeiro dia em que se equipou como «jogador a sério com chuteiras e tudo». Um ano depois, Harold Campos colocou-o no... primeiro time da Sanjoanense.
Um pouco por todo o lado começou a falar-se de um rapazito franzino, aloirado, que tratava a bola por tu e tinha um poder de remate de se lhe tirar o chapéu. Por isso, pouco depois, Fernando Cabrita, que Sousa faz questão de acentuar ter sido o seu segundo pai, abriu-lhe as portas do Beira-Mar, que lhe serviu, naturalmente, de melhor trampolim para o estrelato. F. C. Porto, Benfica, Sporting, Belenenses, Guimarães e Espinho lançaram-lhe, com mais ou menos insistência, o canto de sereia, resistiu até poder, dizendo, sempre, que talvez fosse perigoso deixar a família, apostar num clube que talvez fosse grande de mais para si.
Pequeno de mais para tão grande talento era o Beira-Mar, pelo que, com 21 anos, Sousa recebeu, como uma quimera descoberta, bilhete de acesso ao F. C. Porto de Pedroto. Antes de refulgir, passou pela turbulência do Verão quente das Antas, quando, em 1980, se tornou um dos 14 dos jogadores do F. C. Porto que se assumiram dissidentes por Américo de Sá ter despedido Pedroto e afastado Pinto da Costa. Também ele subscrevera o
polémico comunicado que considerava que a substituição de Pinto da Costa fora para eles uma surpresa em jeito de... «facada nas costas», perguntando ao presidente o que era a democracia e fechando assim, truculentos, o documento: «Esta mudança reflecte a rendição de alguns directores ao poder que está concentrado em Lisboa.»
Por essa altura, Vítor Sousa falava de Sousa como um génio de... futebol triste ou um tristão a jogar futebol de génio. Ele próprio aquiesceria: «Sei que, às vezes, sou um pouco triste dentro do campo, mas a verdade é que não consigo mesmo que queira disfarçar essa tristeza. Sempre fui assim. Não é agora que me vou modificar. É apenas a minha maneira de ser. Sou dentro do campo aquilo que também sou fora dele.»
Em 1984, com um golo fabuloso, não conseguiu que o F. C. Porto conquistasse a Taça das Taças, à Juventus. Mais que a mágoa da derrota injusta, diria, foi a mágoa de os portistas não terem ganho aquela Taça para a entregarem a José Maria Pedroto, que, acamado, lutava, estóico, contra a doença que o minara «e que assim talvez pudesse ter mais algum tempo de vida». Para França partiu, pouco depois, para mais uma histórica jornada e, no regresso, alegando que os portistas lhe deviam ordenados de Junho e Julho e alguns prémios, rescindiu contrato, assinando pelo Sporting a troco de... 30 mil contos. «O único dirigente portista com quem falei, para eventual revalidação de contrato, foi Teles Roxo. Estivemos durante quatro dias em contacto permanente, as nossas relações foram sempre amistosas e cordiais. A determinada altura, Teles Roxo aconselhou-me, inclusivamente, a ir para o Sporting, alegando que o F. C. Porto não estava a atravessar um grande momento financeiro e que, por isso, não podia ir além de determinada verba. Só que, depois de me virar as costas e para se defender a ele próprio, foi para os jornais dizer que eu tinha tentado fazer chantagem... Mas antes dissera-me mais, dissera-me que a única forma de resolver o problema era ficar no clube para que o F. C. Porto me mandasse para o estrangeiro. Perante isto, respondi-lhe que não era peixe enlatado para exportação e por isso fui para o Sporting.»
Após a bronca de Saltillo, que também o chamuscou, Sousa retornou às Antas. Com tempo ainda para ganhar tudo. Sob o signo de Artur Jorge. Queixou-se de que, em Alvalade, faziam chacota por causa da pronúncia, que nunca deixou de ser visto como um homem do F. C. Porto. João Rocha contra-atacou, dizendo que os jogadores tinham pedido 60 mil contos por três anos ao Sporting e que Sousa e Jaime Pacheco tinham sido comprados com o dinheiro que o Governo dera aos portistas para obras. Pinto da Costa, retorquiu, ao seu jeito, falando, ironicamente, da falsa moralidade de um clube que recebera milhares de contos do erário público para uma piscina olímpica que nem projecto tinha!
Sousa pôde, então, voltar a ser o homem que sempre fora, que, à noitinha, depois do treino, ajudava o sogro no quiosque do totobola e que todos os dias fazia mais de 100 quilómetros para ir treinar-se às Antas por só se sentir bem vivendo em São João da Madeira...
No Europeu de França, actuara em todos os jogos, no Mundial do México também. Sempre em brilho intenso. No regresso de Saltillo, farto de nada ganhar, trocou o Sporting pelo F. C. Porto. Quando, após a conquista da Taça dos Campeões, Artur Jorge foi para Paris, Ivic tomou o comando dos dragões, que pareciam destinados a só... vencer. Partiu, igualmente glorificado, mais pesando a herança que Quinito recebia. Aquele que era o mais exótico treinador português acabaria imolado pelo fogo de deslumbramento que se ateara, rolando a sua cabeça após copiosa goleada em Eindhoven. Os dragões já estavam desabituados disso e, sebastianicamente, pediram que Artur Jorge regressasse. Retornou, trazendo consigo o desejo da famosa «limpeza de balneários», sacrificando, se preciso fosse, os heróis que pelas Antas se aboletavam: Gomes, Sousa, Jaime Pacheco, Madjer, Inácio...
Sousa seria das primeiras vítimas, recebendo, embasbacado, em Julho de 1989, carta de dispensa, poucas semanas depois de Artur Jorge lhe ter dito que continuaria a contar consigo. Tomou a carta como falta de coragem de Artur Jorge, que daí em diante passou a ser como que o seu odiozinho de estimação. No rescaldo da amargurada dispensa, que o fez regressar ao Beira-Mar, ainda teve cuidado com as palavras, que não foram com punhais, dizendo que a Artur Jorge «faltava coragem para dizer as coisas que não fossem boas nos olhos de quem quer que fosse», que era «uma pessoa extremamente fechada, que vivia muito para dentro de si mesmo». O tempo foi passando, a espada enristou-se, Sousa sugeriu que se fizera caça às bruxas nas Antas. E, quando, ainda no Beira-Mar, se aproximava do fabuloso record de quase 500 jogos na I Divisão, com os críticos dizendo, unânimes, que ainda jogava ao seu melhor nível, mais alfinetou Artur Jorge, pedindo-lhe que nunca se esquecesse de que fora o «grupo maldito» que ele escorraçara indignamente do F. C. Porto que o projectara, porque antes disso «não era ninguém»! Do Beira-Mar passaria para a Ovarense e, à beira dos 40, ainda jogava. Enveredou, de seguida, pela carreira de treinador. Em 1998/99 atingiu ponto altíssimo, ao vencer a Taça de Portugal ao serviço do Beira-Mar. O golo da vitória foi da autoria do filho Ricardo.
in «abola»
Seu pai, Cândido de Sousa, fora jogador de futebol. Dez réis de gente já António sonhava ser Eusébio. Todos os dias levava na mala da escola uns sapatos velhos, suplentes, para com eles jogar à bola, não estragando os outros, que não era fácil a vida dos Sousas, em São João da Madeira. Concluído, sempre com boas notas, o ciclo preparatório, António deixou de estudar, teve de trabalhar para ajudar ao orçamento familiar. Primeiro empregou-se num escritório, depois numa loja de comércio. Mal se libertava da labuta, corria para a rua, onde o esperavam os amigos, para desafios vagabundos até que a noite caísse, densa, sobre a vila. Aos 15 anos tornou-se, enfim, jogador da Sanjoanense, foi como se tivesse conquistado o Paraíso o que sentiu no primeiro dia em que se equipou como «jogador a sério com chuteiras e tudo». Um ano depois, Harold Campos colocou-o no... primeiro time da Sanjoanense.
Um pouco por todo o lado começou a falar-se de um rapazito franzino, aloirado, que tratava a bola por tu e tinha um poder de remate de se lhe tirar o chapéu. Por isso, pouco depois, Fernando Cabrita, que Sousa faz questão de acentuar ter sido o seu segundo pai, abriu-lhe as portas do Beira-Mar, que lhe serviu, naturalmente, de melhor trampolim para o estrelato. F. C. Porto, Benfica, Sporting, Belenenses, Guimarães e Espinho lançaram-lhe, com mais ou menos insistência, o canto de sereia, resistiu até poder, dizendo, sempre, que talvez fosse perigoso deixar a família, apostar num clube que talvez fosse grande de mais para si.
Pequeno de mais para tão grande talento era o Beira-Mar, pelo que, com 21 anos, Sousa recebeu, como uma quimera descoberta, bilhete de acesso ao F. C. Porto de Pedroto. Antes de refulgir, passou pela turbulência do Verão quente das Antas, quando, em 1980, se tornou um dos 14 dos jogadores do F. C. Porto que se assumiram dissidentes por Américo de Sá ter despedido Pedroto e afastado Pinto da Costa. Também ele subscrevera o
polémico comunicado que considerava que a substituição de Pinto da Costa fora para eles uma surpresa em jeito de... «facada nas costas», perguntando ao presidente o que era a democracia e fechando assim, truculentos, o documento: «Esta mudança reflecte a rendição de alguns directores ao poder que está concentrado em Lisboa.»
Por essa altura, Vítor Sousa falava de Sousa como um génio de... futebol triste ou um tristão a jogar futebol de génio. Ele próprio aquiesceria: «Sei que, às vezes, sou um pouco triste dentro do campo, mas a verdade é que não consigo mesmo que queira disfarçar essa tristeza. Sempre fui assim. Não é agora que me vou modificar. É apenas a minha maneira de ser. Sou dentro do campo aquilo que também sou fora dele.»
Em 1984, com um golo fabuloso, não conseguiu que o F. C. Porto conquistasse a Taça das Taças, à Juventus. Mais que a mágoa da derrota injusta, diria, foi a mágoa de os portistas não terem ganho aquela Taça para a entregarem a José Maria Pedroto, que, acamado, lutava, estóico, contra a doença que o minara «e que assim talvez pudesse ter mais algum tempo de vida». Para França partiu, pouco depois, para mais uma histórica jornada e, no regresso, alegando que os portistas lhe deviam ordenados de Junho e Julho e alguns prémios, rescindiu contrato, assinando pelo Sporting a troco de... 30 mil contos. «O único dirigente portista com quem falei, para eventual revalidação de contrato, foi Teles Roxo. Estivemos durante quatro dias em contacto permanente, as nossas relações foram sempre amistosas e cordiais. A determinada altura, Teles Roxo aconselhou-me, inclusivamente, a ir para o Sporting, alegando que o F. C. Porto não estava a atravessar um grande momento financeiro e que, por isso, não podia ir além de determinada verba. Só que, depois de me virar as costas e para se defender a ele próprio, foi para os jornais dizer que eu tinha tentado fazer chantagem... Mas antes dissera-me mais, dissera-me que a única forma de resolver o problema era ficar no clube para que o F. C. Porto me mandasse para o estrangeiro. Perante isto, respondi-lhe que não era peixe enlatado para exportação e por isso fui para o Sporting.»
Após a bronca de Saltillo, que também o chamuscou, Sousa retornou às Antas. Com tempo ainda para ganhar tudo. Sob o signo de Artur Jorge. Queixou-se de que, em Alvalade, faziam chacota por causa da pronúncia, que nunca deixou de ser visto como um homem do F. C. Porto. João Rocha contra-atacou, dizendo que os jogadores tinham pedido 60 mil contos por três anos ao Sporting e que Sousa e Jaime Pacheco tinham sido comprados com o dinheiro que o Governo dera aos portistas para obras. Pinto da Costa, retorquiu, ao seu jeito, falando, ironicamente, da falsa moralidade de um clube que recebera milhares de contos do erário público para uma piscina olímpica que nem projecto tinha!
Sousa pôde, então, voltar a ser o homem que sempre fora, que, à noitinha, depois do treino, ajudava o sogro no quiosque do totobola e que todos os dias fazia mais de 100 quilómetros para ir treinar-se às Antas por só se sentir bem vivendo em São João da Madeira...
No Europeu de França, actuara em todos os jogos, no Mundial do México também. Sempre em brilho intenso. No regresso de Saltillo, farto de nada ganhar, trocou o Sporting pelo F. C. Porto. Quando, após a conquista da Taça dos Campeões, Artur Jorge foi para Paris, Ivic tomou o comando dos dragões, que pareciam destinados a só... vencer. Partiu, igualmente glorificado, mais pesando a herança que Quinito recebia. Aquele que era o mais exótico treinador português acabaria imolado pelo fogo de deslumbramento que se ateara, rolando a sua cabeça após copiosa goleada em Eindhoven. Os dragões já estavam desabituados disso e, sebastianicamente, pediram que Artur Jorge regressasse. Retornou, trazendo consigo o desejo da famosa «limpeza de balneários», sacrificando, se preciso fosse, os heróis que pelas Antas se aboletavam: Gomes, Sousa, Jaime Pacheco, Madjer, Inácio...
Sousa seria das primeiras vítimas, recebendo, embasbacado, em Julho de 1989, carta de dispensa, poucas semanas depois de Artur Jorge lhe ter dito que continuaria a contar consigo. Tomou a carta como falta de coragem de Artur Jorge, que daí em diante passou a ser como que o seu odiozinho de estimação. No rescaldo da amargurada dispensa, que o fez regressar ao Beira-Mar, ainda teve cuidado com as palavras, que não foram com punhais, dizendo que a Artur Jorge «faltava coragem para dizer as coisas que não fossem boas nos olhos de quem quer que fosse», que era «uma pessoa extremamente fechada, que vivia muito para dentro de si mesmo». O tempo foi passando, a espada enristou-se, Sousa sugeriu que se fizera caça às bruxas nas Antas. E, quando, ainda no Beira-Mar, se aproximava do fabuloso record de quase 500 jogos na I Divisão, com os críticos dizendo, unânimes, que ainda jogava ao seu melhor nível, mais alfinetou Artur Jorge, pedindo-lhe que nunca se esquecesse de que fora o «grupo maldito» que ele escorraçara indignamente do F. C. Porto que o projectara, porque antes disso «não era ninguém»! Do Beira-Mar passaria para a Ovarense e, à beira dos 40, ainda jogava. Enveredou, de seguida, pela carreira de treinador. Em 1998/99 atingiu ponto altíssimo, ao vencer a Taça de Portugal ao serviço do Beira-Mar. O golo da vitória foi da autoria do filho Ricardo.
in «abola»