PAVILHÃO DO FC PORTO

Quem ganha afinal com este negócio?

Muito além dos 50€
O Pavilhão do FC Porto não é “mais uma obra”.
É uma decisão estratégica que deve ser medida em três frentes: contas, equidade e responsabilidade.
Primeiro, o playback financeiro: quanto custaria comprar o terreno já hoje, em vez de assumir um direito de superfície por 70 anos? Em valores reais, não em manchetes à caça de cliques como a do JN.
Depois, a equidade da justiça: que tratamento tiveram Benfica e Sporting com as suas câmaras municipais, e se o FC Porto é ou não medido pela mesma bitola.
E por fim, o que poderia, e se deveria, ter sido acrescentado à mesa: contrapartidas sociais reais, ancoradas no projeto Dragon Force e numa visão integrada para uma autêntica Cidade do Dragão.
Não venho para aplaudir nem para torpedear. Venho medir.
Quem ganha, afinal, com este negócio?
Vamos aos factos.

Payback financeiro: o que valeria comprar o terreno
Quando se fala no Pavilhão do FC Porto, o ponto de partida tem de ser racional: quanto custaria ao clube comprar o terreno, e quanto paga, afinal, por tê-lo em direito de superfície durante 70 anos.
O terreno em Campanhã – 8.373 metros quadrados junto à Rua do Dr. Sousa Avides – foi avaliado pela própria Câmara em 3,56 milhões de euros.
É um valor razoável para uma zona em regeneração, abaixo do preço médio de mercado, onde terrenos com potencial urbano chegam facilmente aos 4,5 ou 5 milhões.
Se o FC Porto comprasse diretamente, teria de desembolsar essa quantia à vista — um investimento pesado, ainda mais num momento em que o clube está a reequilibrar contas e a reerguer património.
Mas se colocarmos esse número sob o barómetro do futebol, 3,5 milhões de euros é o preço de um jogador da equipa B. E é aqui que entra a parte que não se mede em Excel: as prioridades do clube. O quanto este projeto é importante, o que representa para as modalidades e para a cidade, isso cada portista avaliará à sua maneira.
Porque, no fim, só o clube pode responder.
E como eu sou insignificante, ele não me vai responder – lol.
Com o acordo atual, o modelo muda completamente:
• Durante os primeiros quatro anos, o clube paga 50 euros mensais, valor simbólico que cobre o período de projeto e arranque da obra;
• A partir do quinto ano, o pagamento sobe para 10.989,64 euros por mês, cerca de 132 mil euros por ano;
• No total, ao fim dos 70 anos, o FC Porto terá pago cerca de 9,26 milhões de euros nominais.
À primeira vista, pode parecer mais caro. Mas em valor presente líquido, calculado com uma taxa de referência de 2,15% ao ano, o custo real é praticamente igual à avaliação da Câmara: 3,56 milhões.
Ou seja, a autarquia está, na prática, a conceder ao clube um financiamento a juro zero, e o clube evita um esforço de tesouraria imediato.
Para um FC Porto que hoje privilegia sustentabilidade e liquidez, é um negócio financeiramente sensato e bem calibrado.
Há quem veja aqui um “aluguer”. Eu vejo um investimento progressivo.
O clube garante o uso integral do espaço durante 70 anos, constrói sobre ele, e dilui o custo no tempo, sem comprometer o seu capital.
Num contexto de reconstrução financeira, é uma decisão prudente.
Mas pessoalmente, espero que o contrato contemple uma cláusula de compra, seja a qualquer momento, seja no final do prazo. Mesmo sabendo que isso depende de fatores legais, como o terreno estar desafeto do domínio público (sem função municipal ativa), faria sentido garantir essa possibilidade. Caso contrário, estaremos a criar um problema para a direção futura: o clube investe, constrói, mas não tem garantia de posse. E isso, a longo prazo, não é sustentável com as ambições do clube, porque financeiramente pode ser vantajoso, mas estruturalmente, tenho duvidas que o seja.
Aliás, como veremos mais à frente, este pode nem ser um negócio assim tão justo por parte da Câmara, então ela deve, ou pelo menos pode, ceder em alguns desses pontos.
Mas se olharmos apenas para as finanças, a conclusão é simples: o valor presente do negócio é equivalente a comprar o terreno, só que sem sangrar a tesouraria agora.

O espelho de Lisboa: quando o Porto paga o que os outros recebem
Quando se analisa este negócio, é impossível não olhar para o que se passa a sul.
Porque, ainda que cada câmara tenha a sua autonomia, o país é o mesmo, e a justiça territorial devia ser também. Mas como vão ver abaixo, não é!
O que acontece a sul raramente se aplica a norte, e é aí que começa a incoerência de fundo que eu quero aproveitar este caso para expor, e que, a meu ver, mais uma vez prejudica o FC Porto.
Para muitos de vocês que estão a ler podem estar a pensar que estes assuntos parecem distantes do relvado e do tema principal, mas não são: eles moldam as regras do jogo fora das quatro linhas. E quando as regras são diferentes consoante a morada, o terreno de jogo fica inclinado.
O que a Câmara do Porto está a fazer com o terreno do novo Pavilhão do FC Porto, cobrando ao clube uma renda, não é prática nova. Já o vimos anteriormente com o Centro de Treinos do Olival.
Mas o que vos quero mostrar a seguir é que o contraste é gritante: em Lisboa, os apoios a Benfica e Sporting foram de outra escala.

Apoios milionários com carimbo público
Eu quis ir pesquisar sobre essa matéria e ao observar o tratamento dispensado aos clubes da capital, percebi que o apoio público não é teoria, é prática.
Projectos envolvendo a Câmara de Lisboa e a extinta EPUL deram aos clubes vantagens que, no Porto, dificilmente seriam concedidas sem controvérsia.
Segundo o Correio da Manhã, no âmbito de um contrato entre EPUL e Benfica, a empresa pública adiantou 9,975 milhões de euros ao clube – dava para comprar quase 3 terrenos para o nosso pavilhão – antes mesmo de se iniciar a obra, um caso que levantou dúvidas sobre apoio financeiro encapotado.
E não foi só o Benfica: o mesmo relatório do Tribunal de Contas citou operações semelhantes com o Sporting, envolvendo 9,5 milhões de euros em “resultados líquidos esperados” sobre empreendimentos urbanos.
A Polícia Judiciária também investigou o contrato-programa de 2002 entre a Câmara, a EPUL e o Benfica, concluindo que os apoios municipais atingiram os 65 milhões de euros – daria para mais de 18 terrenos iguais ao que o Porto está alugar – através de subvenções e mecanismos financeiros que se aproximam mais de “comparticipações disfarçadas” do que de simples contratos urbanísticos.
Além disso, o Correio da Manhã revelou pagamentos da EPUL de 8,1 milhões de euros ao Benfica por obras de infraestruturas, ultrapassando em 1,3 milhão o valor contratual previsto, o que levou o caso à Procuradoria-Geral da República.
O Jornal de Negócios também noticiou a venda de terrenos junto ao estádio, com mais-valia de 5,6 milhões de euros para a empresa pública.
Tudo documentado.
Tudo com o carimbo de “interesse público”.

Dois pesos, duas medidas
Em Lisboa, os clubes recebem.
No Porto, o clube paga!
É a velha bitola do centralismo: o que em Lisboa é “investimento”, no Norte é “subsídio”.
Não se trata de pedir privilégios: trata-se de exigir coerência.
O mesmo país que pagou terrenos, compensações e isenções em Lisboa não pode agora tratar o Porto como se fosse um inquilino de luxo por investir em Campanhã.
Enquanto uns foram “ajudados” a crescer, o Porto constrói com as suas próprias mãos. E é por isso que este negócio, ainda que racional nas contas, soa desequilibrado na justiça.
Porque quando o campo de jogo é desigual, o fair play financeiro não chega, é preciso fair play institucional. Quando um clube é forçado a alugar o que outros receberam, a discussão deixa de ser financeira e passa a ser moral.
Não venho discutir a legalidade dessas situações, esse não é o propósito deste artigo.
O que quero trazer aqui é uma visão mais abrangente: perceber se é ou não verdade que, neste país, uns continuam a ser filhos… e outros, enteados.

O que falta no negócio: visão social e estratégica
Depois de olhar para o espelho de Lisboa e perceber a diferença de tratamento, fica a pergunta inevitável: o que poderia o Porto ter feito diferente?
Porque a meu ver, apontar incoerências é necessário, mas pensar soluções é o que nos distingue!
A mim, como alguém que usa este espaço para se expressar e questionar o clube, e a todos vocês, como sociedade, adeptos e sócios que o sentem e o sustentam. Mesmo reconhecendo que o acordo financeiro é prudente, na minha opinião, falta-lhe propósito.
O Pavilhão do FC Porto não devia ser apenas uma nova casa das modalidades, mas também um projeto com alma social, à imagem do que o clube representa para a cidade.
A Câmara do Porto tem legitimidade para defender o interesse público, mas o interesse público não é apenas o dinheiro que entra nos cofres municipais. Também é o impacto que um clube com a dimensão e a estrutura do FC Porto pode gerar na comunidade.
Aqui, o município e o clube, podiam e deviam ter ido mais longe: negociar contrapartidas sociais reais, em vez de limitar o debate ao preço do terreno. O FC Porto tem ao seu dispor a rede e o know-how do Dragon Force, mas esse projeto, sendo formativo e pago, não é social.
A solução e sugestão a meu ver, seria simples e digna para ambas as partes: criar um programa de bolsas que abrisse parte das vagas das escolas a crianças e jovens de contextos vulneráveis. Isso daria legitimidade ao negócio e transformaria a cedência do terreno em um pacto de inclusão, não numa manchete sobre 50 euros.
Se houvesse um protocolo desse género, a Câmara teria finalmente motivos legítimos para oferecer o terreno, não por caridade, mas por dever público.
E se há lugar onde desporto, educação e oportunidade podem caminhar juntos, é precisamente ali, em Campanhã, onde o clube volta a investir quando tantos outros viram as costas.
Mais do que um acordo administrativo, este projeto podia ser o embrião de uma “Cidade do Dragão” alargada, com o pavilhão integrado numa visão estratégica de regeneração urbana e social.
Não é utopia, é coerência com o que o FC Porto sempre foi: um clube que cresce quando decide puxar o Norte inteiro consigo. O negócio pode estar assinado, mas o futuro ainda pode ser desenhado. Cabe ao clube e à cidade decidirem se este pavilhão será apenas mais um edifício… ou um símbolo de como o Porto constrói com propósito, e a Câmara apoia com visão social.

O Porto não espera - constrói
O Pavilhão do FC Porto não é um prémio, é uma afirmação. Num país onde o Norte costuma ouvir “espera”, o FC Porto responde com atitude e iniciativa.
Que fique claro: não há vitimismo, há identidade e justiça em cada palavra que vos quis trazer aqui.
Nós sabemos bem como isto funciona. Sabemos quem recebeu terrenos, quem foi financiado, e quem teve o caminho aberto de mão beijada. Mas enquanto uns precisaram de favores, nós aprendemos a ganhar em terreno inclinado, dentro e fora de campo.
E é por isso que o que aqui escrevo – e espero que seja o sentimento de muitos – não é um choro. É uma afirmação.
Um lembrete aos que fingem não saber:
Pagamos o que vocês receberam de graça. Não por ingenuidade, nem por sermos feitos de trouxas, mas porque sabemos que somos melhores e mais capazes, mesmo em terreno inclinado.
E, como sempre, será dentro de portas que provaremos o que somos feitos: trabalho, mérito e honra. Viva o Porto.
Texto de @BestofFutebol