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Natural de Budapeste (Hungria) 26 de Janeiro de 1905 a 28 de Agosto de 1981
Jogou futebol no MTK, chegando a alinhar pela selecção húngara nos Jogos Olímpicos de Antuérpia, em 1924. Era um avançado-centro fulminante. Mas, para além do futebol tinha outra paixão: a dança. Era fascínio que lhe vinha de Viena, onde gostaria de ter nascido. Resquício de coração austro-húngaro. Apesar do seu sangue de cigano.
Logo após a sua consagração olímpica, Béla Guttmann partiu à aventura e aos torcilhões, para a América. Ao chegar a Nova Iorque cogitou, de si para si, que futebol nunca mais, até porque, por esse tempo, na América o soccer nem sequer tomado à guisa de bizarria era.
Como professor de dança começou a ganhar dólares. E a jogar na bolsa. Enriqueceu. Descobriu o valor do dinheiro e a hipocrisia dos homens. «Tinha muitos amigos, que achavam imensa graça a tudo o que eu dizia, mesmo que fossem banalidades. As senhoras admiravam o meu grande talento para o negócio! Fui muito rico até chegar aquela sexta-feira negra de 1928. Nesse dia, com o escândalo na Bolsa de Nova Iorque perdi 55 mil dólares. Fiquei pobre como Job. De um momento para o outro os amigos afastaram-se e quando se referiam a mim, chamavam-me pobre pateta...»
Pobre e humilhado, partiu para Viena. E, em impulso sentimental, fez-se austríaco e tornou-se treinador de futebol. Conquistou a Lua. Por isso, com algum mal disfarçado orgulho, costumava dizer, nos seus anos de glória, que tinha de se pagar bem como treinador, para que os amigos nunca mais pensassem mal de si...
Depois de se ter sagrado campeão brasileiro e argentino, o F. C. Porto contratou-o na ânsia, desesperada, de afastar, de vez, a aura nostálgica que Yustrich deixara na cidade e no clube. Guttmann chegou, viu e venceu. Os portistas recuperaram o título nacional, naquele famoso ano de... Calabote, mas, ao fazer a festa, sem que alguém sequer desconfiasse disso, Béla já tinha escolhido outro caminho, trocando o F. C. Porto pelo Benfica, num processo pouco leal, em que, se calhar como nunca, se notou que não era só o seu sangue que era de cigano...
Salazar fê-lo comendador e Béla despediu-se...
Na Luz, voltou a ser campeão nacional. E muito mais. Dois títulos europeus conquistou. Por Salazar foi feito... comendador. Tal como os jogadores. Desconcertante, à saída do Palácio de São Bento, disse ao presidente do Benfica que não continuaria treinador porque não poderia mandar em... «14 comendattori». Tomaram-lhe o desabafo à laia de ironia, especialidade muito sua. Mas não. Partiu. Para o Peñarol, a troco de 72 contos por mês! Não foi muito feliz. Meteu o treino em sabatina e foi para Viena descansar e viver dos rendimentos, como um sibarita. Mas, de súbito, sebastianicamente, começaram a surgir-lhe acenos de Portugal. Primeiro do Sporting. Depois do Benfica. Para Alvalade mandou dizer que não, que era cada vez mais um homem a viver de sentimentos e que por isso não poderia treinar clube que jogasse todos os domingos em luta directa contra o... Benfica. Para a Luz, apesar de se dizer cada vez mais homem a viver de sentimentos, enviou preço alto: 2000 contos de «luvas», casa de luxo em bairro chique, automóvel com motorista, férias pagas na Áustria e um ordenado de pelo menos 500 contos por ano, livre de impostos. E, vá lá, uma condescendência. O prémio pela conquista da Taça dos Campeões mantinha-se igual ao de 1962: 500 contos. Os benfiquistas fizeram contas à vida e julgaram que era impossível abrir mais os cordões à bolsa e contrataram Schwartz.
«Sentimentalmente» quis Guttmann passar o Natal de 1964 em Lisboa, alojado no Hotel Tivoli. E defendeu-se, ao ataque, do que começava já a ser labéu: «Eu, o treinador mais caro do Mundo, em face dos resultados obtidos, posso dizer que sou o mais barato. Basta ver a escrita do Benfica: quando lá cheguei o clube recebia 2500 dólares por desafio, depois passou a receber 30 mil. Por ter ganho o Campeonato Nacional recebi 150 contos de prémio. Czeizler, depois, ganhou 250 contos e estava instalado num hotel em que o Benfica gastava oito contos por mês. Se o Benfica chegasse a uma situação de ruína financeira, era capaz de treinar o clube sem levar um tostão. Mas como o Benfica está ganhando muito dinheiro com o futebol, só queria comer o que cozinhei. Porque fui eu que cozinhei o Benfica europeu, de que, depois, vieram outros comer. Ganhei o campeonato europeu com jogadores como Neto, Saraiva, Serra, Artur, Mário João... E agora que squadra tem o Benfica? Só Serafim ficou mais caro que todas as aquisições feitas no meu tempo: o Eusébio, o Torres, o Germano, o José Augusto. E não tem jogado. Mas eu é que sou um treinador muito caro...»
Um ano depois, regresso à Luz, para substituir o romeno Elek Schwartz. Refulgindo a aura messiânica em torno de si. Pela assinatura do contrato recebeu 400 contos, por cada mês ordenado de 15 contos e mais: um por cento de todas as receitas obtidas pelo clube em jogos internacionais, 400 contos pela vitória na Taça dos Cam-peões, 250 no Campeonato e 100 na Taça de Portugal. O mago perdera a magia. Nesse ano, a glória foi do Sporting de Otto...
Reza de Eusébio no cemitério judeu...
Para deixar o F. C. Porto, em meados de 1959, Béla Guttmann exigiu ao Benfica ordenado anual líquido de 400 contos, 150 pela conquista do Campeonato e 50 pela conquista da Taça de Portugal. Mais quis: pediu que no contrato se colocasse uma alínea garantindo-lhe prémio de 200 contos pela vitória na... Taça dos Campeões. Homem de pouca fé, um dos directores, se calhar divertido com o que julgava bizarra hipótese, naquele ar bonacheirão tão tipicamente português, terá dito: «Oh homem, não ponha 200, ponha mais 100!» Guttmann não se fez rogado. Pôs. Assim, recebeu 300 contos, 10 vezes mais que a maquia que coubera a cada um dos seus pupilos pela vitória sobre o Barcelona, em Berna. E, no ano seguinte, em Amesterdão, batendo o Real Madrid de Puskas e Di Stéfano, por 5-3, igual pecúlio arrecadaria. A mais alta honraria teria direito. Salazar e Américo Tomás outorgaram comendas aos benfiquistas. À saída de São Bento acercou-se discretamente de António Fezas Vital, que substituíra já Maurício Vieira de Brito na presidência, ciciando-lhe que se demitira naquele preciso momento de treinador do Benfica, por não poder treinar 14 comendattori! Houve quem julgasse que era blague, especialidade muito sua. Mas não. Matraqueou frase que era espécie de sina sua: «o terceiro ano é quase sempre mortal para um treinador» e despediu-se, lançando, no caminho, a famosa maldição: «Nem daqui a 100 anos uma equipa portuguesa será bicampeã europeia e o Benfica jamais ganhará uma Taça dos Campeões sem mim...»
Sem ele, o Benfica nunca mais ganhou, apesar de ter estado por mais cinco vezes na final da Taça dos Campeões. A última, em 1990, em Viena, no Prater. Bem perto do cemitério judeu onde Guttmann está sepultado. Nesse dia, Eusébio foi ao túmulo rezar pela alma de Béla. A talho de foice, pediu aos deuses que desfizessem a maldição dele. Houve quem fosse bem mais profano e despejasse terra sobre a campa. De nada serviu.
O medo do sexo e a guerra fria...
Antes dos grandes desafios, Guttmann impunha aos pupilos semana inteira de... abstinência sexual. Fora do estágio, não se sabe bem como controlava a ordem, mas acreditava que ninguém seria capaz de lhe desobedecer... Via no sexo maldição e não parava de decretar: «Putanas, não, putanas, nunca». Contou a mulher, Emma, que, muitas vezes, durante a noite, sofria pesadelos e neles havia sempre jogadores em excesso de sexo!!!
O retorno ao Benfica, na temporada de 1965/66 foi aziago. Na Taça dos Campeões, contra o Manchester United, seu triste destino começou a traçar-se. Lembrados estavam os ingleses ainda das fitas do Feiticeiro, quando da visita do Benfica a Londres, para jogar com o Tottenham, no segundo ano da conquista da Europa, com a relva encharcada, os quilolitros de água e outras coisas do género que puseram os nervos dos fleumáticos ingleses em franjas. Em Manchester, Guttmann dispôs-se a repetir a facécia, mas sem... água. Pregou a quatro ventos que trazia um Benfica envelhecido, com jogadores gastos e ricos e já sem motivação para se baterem com o afã de outros tempos. Burburinho entre os jogadores, de tal modo que Germano, pouco antes da partida em Old Traford, lhe perguntou, carrancudo: «Que é isto mister, com que então estamos velhos e acabados?» Convocou reunião de emergência para explicar aos pupilos que «tudo aquilo era guerra psicológica que se destinava a perturbar e desorientar Matt Busby».
Aquietaram-se os ânimos, pelo menos na aparência, até porque o Benfica perdeu apenas por 2-3. Mas não deixaram de ficar ondas eléctricas a incomodar e a Direcção do Benfica obrigou Béla a estar calado. «Pela primeira vez em toda a minha vida ter sido proibido de parlare pelos directores... E eu sempre orientou as minhas guerras frias falando e... nunca me deu mal com o sistema» lamentar--se-ia, depois, anunciando mesmo que aquela seria a sua última época no Benfica. Sujeitarem-no a blackout era amputarem-lhe um pouco de si, humilhando-o. E, ainda em Manchester, se calhar pela angústia do silêncio, Béla consultou de emergência um cardiologista, mas o electrocardiograma nada acusou. Não fora isso e, se calhar, o seu coração teria estoirado, 15 dias depois, na Luz, com o Benfica vergado a humilhante derrota por 1-5! Pelo que a 30 de Março de 1966, o Departamento de Futebol propôs à Direcção o afastamento de Guttmann, mas a Direcção optou por uma solução menos radical: não o afastando de imediato, decidiu depositar as funções de treinador de campo «de pleno direito» em Fernando Cabrita.
Chazinho e morte de Pavão
Despedido e humilhado pelo Benfica, em 1966, Béla Guttmann partiu para Viena, destroçado. Era treinador a viver apenas do... prestígio. Cansado da vida e da glória. Estrela pálida no firmamento. Apesar disso, em 1973, Américo de Sá convidou-o para treinador do F. C. Porto. Deixara as Antas, em 1959, como um trapaceiro, sobretudo por se saber que, sempre que os dirigentes do F. C. Porto lhe pediam para renovar o contrato, retorquia que havia tempo, mas já tinha casa alugada em Lisboa e compromisso fechado com o Benfica. Por isso o alcunharam de Mago Intrujão. Mas como o tempo tudo apaga...
Ao Porto chegou, com um aviso: que não perdera o chicote, que continuava a ser treinador de pouca liberdade. Ao menos era sincero. Tragicamente, haveria de ficar marcada a sua passagem pelas Antas ponto final na sua carreira. Num dia negro de Dezembro de 1973, ao minuto 13 da jornada 13, Pavão caiu fulminado. Ficou o mistério: terá sido doping a despedaçar-lhe o coração. Apesar de Eusébio jurar ainda hoje que o famoso chazinho de Guttmann era apenas chá de limão aquecido e muito açucarado, nunca mais ninguém esqueceu o dia em que a mulher de Costa Pereira foi a um estágio do Benfica apostrofar Béla por andar a dar comprimidos esquisitos ao marido, que, muitas vezes, lhe infernizavam a noite com pesadelos e estranhas euforias. Com a mascarra da morte de Pavão, partiu Guttmann. Para Viena, obviamente. Dos fartos rendimentos do futebol viveria a partir de então, até morrer.
Jogou futebol no MTK, chegando a alinhar pela selecção húngara nos Jogos Olímpicos de Antuérpia, em 1924. Era um avançado-centro fulminante. Mas, para além do futebol tinha outra paixão: a dança. Era fascínio que lhe vinha de Viena, onde gostaria de ter nascido. Resquício de coração austro-húngaro. Apesar do seu sangue de cigano.
Logo após a sua consagração olímpica, Béla Guttmann partiu à aventura e aos torcilhões, para a América. Ao chegar a Nova Iorque cogitou, de si para si, que futebol nunca mais, até porque, por esse tempo, na América o soccer nem sequer tomado à guisa de bizarria era.
Como professor de dança começou a ganhar dólares. E a jogar na bolsa. Enriqueceu. Descobriu o valor do dinheiro e a hipocrisia dos homens. «Tinha muitos amigos, que achavam imensa graça a tudo o que eu dizia, mesmo que fossem banalidades. As senhoras admiravam o meu grande talento para o negócio! Fui muito rico até chegar aquela sexta-feira negra de 1928. Nesse dia, com o escândalo na Bolsa de Nova Iorque perdi 55 mil dólares. Fiquei pobre como Job. De um momento para o outro os amigos afastaram-se e quando se referiam a mim, chamavam-me pobre pateta...»
Pobre e humilhado, partiu para Viena. E, em impulso sentimental, fez-se austríaco e tornou-se treinador de futebol. Conquistou a Lua. Por isso, com algum mal disfarçado orgulho, costumava dizer, nos seus anos de glória, que tinha de se pagar bem como treinador, para que os amigos nunca mais pensassem mal de si...
Depois de se ter sagrado campeão brasileiro e argentino, o F. C. Porto contratou-o na ânsia, desesperada, de afastar, de vez, a aura nostálgica que Yustrich deixara na cidade e no clube. Guttmann chegou, viu e venceu. Os portistas recuperaram o título nacional, naquele famoso ano de... Calabote, mas, ao fazer a festa, sem que alguém sequer desconfiasse disso, Béla já tinha escolhido outro caminho, trocando o F. C. Porto pelo Benfica, num processo pouco leal, em que, se calhar como nunca, se notou que não era só o seu sangue que era de cigano...
Salazar fê-lo comendador e Béla despediu-se...
Na Luz, voltou a ser campeão nacional. E muito mais. Dois títulos europeus conquistou. Por Salazar foi feito... comendador. Tal como os jogadores. Desconcertante, à saída do Palácio de São Bento, disse ao presidente do Benfica que não continuaria treinador porque não poderia mandar em... «14 comendattori». Tomaram-lhe o desabafo à laia de ironia, especialidade muito sua. Mas não. Partiu. Para o Peñarol, a troco de 72 contos por mês! Não foi muito feliz. Meteu o treino em sabatina e foi para Viena descansar e viver dos rendimentos, como um sibarita. Mas, de súbito, sebastianicamente, começaram a surgir-lhe acenos de Portugal. Primeiro do Sporting. Depois do Benfica. Para Alvalade mandou dizer que não, que era cada vez mais um homem a viver de sentimentos e que por isso não poderia treinar clube que jogasse todos os domingos em luta directa contra o... Benfica. Para a Luz, apesar de se dizer cada vez mais homem a viver de sentimentos, enviou preço alto: 2000 contos de «luvas», casa de luxo em bairro chique, automóvel com motorista, férias pagas na Áustria e um ordenado de pelo menos 500 contos por ano, livre de impostos. E, vá lá, uma condescendência. O prémio pela conquista da Taça dos Campeões mantinha-se igual ao de 1962: 500 contos. Os benfiquistas fizeram contas à vida e julgaram que era impossível abrir mais os cordões à bolsa e contrataram Schwartz.
«Sentimentalmente» quis Guttmann passar o Natal de 1964 em Lisboa, alojado no Hotel Tivoli. E defendeu-se, ao ataque, do que começava já a ser labéu: «Eu, o treinador mais caro do Mundo, em face dos resultados obtidos, posso dizer que sou o mais barato. Basta ver a escrita do Benfica: quando lá cheguei o clube recebia 2500 dólares por desafio, depois passou a receber 30 mil. Por ter ganho o Campeonato Nacional recebi 150 contos de prémio. Czeizler, depois, ganhou 250 contos e estava instalado num hotel em que o Benfica gastava oito contos por mês. Se o Benfica chegasse a uma situação de ruína financeira, era capaz de treinar o clube sem levar um tostão. Mas como o Benfica está ganhando muito dinheiro com o futebol, só queria comer o que cozinhei. Porque fui eu que cozinhei o Benfica europeu, de que, depois, vieram outros comer. Ganhei o campeonato europeu com jogadores como Neto, Saraiva, Serra, Artur, Mário João... E agora que squadra tem o Benfica? Só Serafim ficou mais caro que todas as aquisições feitas no meu tempo: o Eusébio, o Torres, o Germano, o José Augusto. E não tem jogado. Mas eu é que sou um treinador muito caro...»
Um ano depois, regresso à Luz, para substituir o romeno Elek Schwartz. Refulgindo a aura messiânica em torno de si. Pela assinatura do contrato recebeu 400 contos, por cada mês ordenado de 15 contos e mais: um por cento de todas as receitas obtidas pelo clube em jogos internacionais, 400 contos pela vitória na Taça dos Cam-peões, 250 no Campeonato e 100 na Taça de Portugal. O mago perdera a magia. Nesse ano, a glória foi do Sporting de Otto...
Reza de Eusébio no cemitério judeu...
Para deixar o F. C. Porto, em meados de 1959, Béla Guttmann exigiu ao Benfica ordenado anual líquido de 400 contos, 150 pela conquista do Campeonato e 50 pela conquista da Taça de Portugal. Mais quis: pediu que no contrato se colocasse uma alínea garantindo-lhe prémio de 200 contos pela vitória na... Taça dos Campeões. Homem de pouca fé, um dos directores, se calhar divertido com o que julgava bizarra hipótese, naquele ar bonacheirão tão tipicamente português, terá dito: «Oh homem, não ponha 200, ponha mais 100!» Guttmann não se fez rogado. Pôs. Assim, recebeu 300 contos, 10 vezes mais que a maquia que coubera a cada um dos seus pupilos pela vitória sobre o Barcelona, em Berna. E, no ano seguinte, em Amesterdão, batendo o Real Madrid de Puskas e Di Stéfano, por 5-3, igual pecúlio arrecadaria. A mais alta honraria teria direito. Salazar e Américo Tomás outorgaram comendas aos benfiquistas. À saída de São Bento acercou-se discretamente de António Fezas Vital, que substituíra já Maurício Vieira de Brito na presidência, ciciando-lhe que se demitira naquele preciso momento de treinador do Benfica, por não poder treinar 14 comendattori! Houve quem julgasse que era blague, especialidade muito sua. Mas não. Matraqueou frase que era espécie de sina sua: «o terceiro ano é quase sempre mortal para um treinador» e despediu-se, lançando, no caminho, a famosa maldição: «Nem daqui a 100 anos uma equipa portuguesa será bicampeã europeia e o Benfica jamais ganhará uma Taça dos Campeões sem mim...»
Sem ele, o Benfica nunca mais ganhou, apesar de ter estado por mais cinco vezes na final da Taça dos Campeões. A última, em 1990, em Viena, no Prater. Bem perto do cemitério judeu onde Guttmann está sepultado. Nesse dia, Eusébio foi ao túmulo rezar pela alma de Béla. A talho de foice, pediu aos deuses que desfizessem a maldição dele. Houve quem fosse bem mais profano e despejasse terra sobre a campa. De nada serviu.
O medo do sexo e a guerra fria...
Antes dos grandes desafios, Guttmann impunha aos pupilos semana inteira de... abstinência sexual. Fora do estágio, não se sabe bem como controlava a ordem, mas acreditava que ninguém seria capaz de lhe desobedecer... Via no sexo maldição e não parava de decretar: «Putanas, não, putanas, nunca». Contou a mulher, Emma, que, muitas vezes, durante a noite, sofria pesadelos e neles havia sempre jogadores em excesso de sexo!!!
O retorno ao Benfica, na temporada de 1965/66 foi aziago. Na Taça dos Campeões, contra o Manchester United, seu triste destino começou a traçar-se. Lembrados estavam os ingleses ainda das fitas do Feiticeiro, quando da visita do Benfica a Londres, para jogar com o Tottenham, no segundo ano da conquista da Europa, com a relva encharcada, os quilolitros de água e outras coisas do género que puseram os nervos dos fleumáticos ingleses em franjas. Em Manchester, Guttmann dispôs-se a repetir a facécia, mas sem... água. Pregou a quatro ventos que trazia um Benfica envelhecido, com jogadores gastos e ricos e já sem motivação para se baterem com o afã de outros tempos. Burburinho entre os jogadores, de tal modo que Germano, pouco antes da partida em Old Traford, lhe perguntou, carrancudo: «Que é isto mister, com que então estamos velhos e acabados?» Convocou reunião de emergência para explicar aos pupilos que «tudo aquilo era guerra psicológica que se destinava a perturbar e desorientar Matt Busby».
Aquietaram-se os ânimos, pelo menos na aparência, até porque o Benfica perdeu apenas por 2-3. Mas não deixaram de ficar ondas eléctricas a incomodar e a Direcção do Benfica obrigou Béla a estar calado. «Pela primeira vez em toda a minha vida ter sido proibido de parlare pelos directores... E eu sempre orientou as minhas guerras frias falando e... nunca me deu mal com o sistema» lamentar--se-ia, depois, anunciando mesmo que aquela seria a sua última época no Benfica. Sujeitarem-no a blackout era amputarem-lhe um pouco de si, humilhando-o. E, ainda em Manchester, se calhar pela angústia do silêncio, Béla consultou de emergência um cardiologista, mas o electrocardiograma nada acusou. Não fora isso e, se calhar, o seu coração teria estoirado, 15 dias depois, na Luz, com o Benfica vergado a humilhante derrota por 1-5! Pelo que a 30 de Março de 1966, o Departamento de Futebol propôs à Direcção o afastamento de Guttmann, mas a Direcção optou por uma solução menos radical: não o afastando de imediato, decidiu depositar as funções de treinador de campo «de pleno direito» em Fernando Cabrita.
Chazinho e morte de Pavão
Despedido e humilhado pelo Benfica, em 1966, Béla Guttmann partiu para Viena, destroçado. Era treinador a viver apenas do... prestígio. Cansado da vida e da glória. Estrela pálida no firmamento. Apesar disso, em 1973, Américo de Sá convidou-o para treinador do F. C. Porto. Deixara as Antas, em 1959, como um trapaceiro, sobretudo por se saber que, sempre que os dirigentes do F. C. Porto lhe pediam para renovar o contrato, retorquia que havia tempo, mas já tinha casa alugada em Lisboa e compromisso fechado com o Benfica. Por isso o alcunharam de Mago Intrujão. Mas como o tempo tudo apaga...
Ao Porto chegou, com um aviso: que não perdera o chicote, que continuava a ser treinador de pouca liberdade. Ao menos era sincero. Tragicamente, haveria de ficar marcada a sua passagem pelas Antas ponto final na sua carreira. Num dia negro de Dezembro de 1973, ao minuto 13 da jornada 13, Pavão caiu fulminado. Ficou o mistério: terá sido doping a despedaçar-lhe o coração. Apesar de Eusébio jurar ainda hoje que o famoso chazinho de Guttmann era apenas chá de limão aquecido e muito açucarado, nunca mais ninguém esqueceu o dia em que a mulher de Costa Pereira foi a um estágio do Benfica apostrofar Béla por andar a dar comprimidos esquisitos ao marido, que, muitas vezes, lhe infernizavam a noite com pesadelos e estranhas euforias. Com a mascarra da morte de Pavão, partiu Guttmann. Para Viena, obviamente. Dos fartos rendimentos do futebol viveria a partir de então, até morrer.