Despedidas do mundo dos vivos

Barrigana

Tribuna Presidencial
3 Novembro 2014
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isto pode soar mal, mas fiquei surpreso com esta notícia porque pensei que já tinha morrido...
 
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Mike_Walsh

Guest
Foi hoje a enterrar, aos 85 anos, um grande portista. Um grande portista a quem devo tudo o que sou hoje. Um grande portista que desde muito cedo começou a levar-me pela mão ao Estádio das Antas e que introduziu em mim a paixão da minha vida, o FC do Porto.
Sabem, eu chamo-me Ricardo, mas ele às vezes chamava-me Nuninho. Era o único que me chamava Nuninho. Quando queria chamar-me à atenção. Quando queria que eu percebesse que me portara mal. Quando chegava de jogar futebol no Campo do Inatel, encharcado, depois das 8 horas da noite.
Lembro-me vagamente de estar ao lado dele num FC do Porto - Varzim, não sei quando, em que vencemos por 5-1. Lembro-me de como ganhámos ao Barreirense e fomos campeões em 1979. Calor infernal e eu, por ter apenas 7 anos, não consegui ver um minuto que fosse do jogo.
Lembro-me da final da Taça de Portugal de 1983, que foi no Estádio das Antas depois de uma polémica enorme. Ele não queria ir, porque os bilhetes mais baratos custavam 750 escudos e eram no peão, mas tanto o chateei que ele acabou por aceder. Acabámos por perder com um golo do Carlos Manuel e ele, furioso por eu o ter convencido a ir, avisou-me que na época seguinte não íamos ao futebol. Logo aquilo de que mais gostava na vida - ele ia logo de manhã deixar o carro junto ao Estádio das Antas, vinha de autocarro para casa e íamos também de autocarro para o Estádio - o "78" de dois andares que subia a Av. da Boavista.
A verdade é que desde cedo tive de começar a ir sozinho para o futebol. Ele deixou de ir, mas no dia 3 de Abril de 1986, uma quinta-feira, foi deixar-me pela manhã no Estádio das Antas. A minha avó acabara de morrer em minha casa e ele quis afastar-me daquele ambiente. Passei o dia por lá sem saber que a minha avó tinha morrido. Vi o treino, no final esperei pelos jogadores. O Futre e o Madjer deram-me um autógrafo, o Artur Jorge cumprimentou-me educadamente. Almocei no restaurante da Piscina e durante a tarde deambulei pelo pavilhão, vazio, e pelo campo de treinos que ficava nas costas da Arquibancada. Quando ele chegou, perguntei-lhe: «Como está a avó?» Respondeu-me: «Está a descansar». Percebi. Fomos para casa.
30 anos depois, nesta quinta-feira chuvosa do mês de Abril, mês da liberdade, ele libertou-se das algemas que o prenderam a uma cama nos últimos 3 anos e que lhe retiraram a lucidez e a dignidade mínima que qualquer ser humano merece. Nasceu e morreu anónimo, mas quando olho para as minhas filhas, vejo que a sua obra foi grande e nunca irá morrer.
Foste grande, pai. Obrigado por tudo.
 

inot1982

Tribuna Presidencial
28 Agosto 2013
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Mike_Walsh disse:
Foi hoje a enterrar, aos 85 anos, um grande portista. Um grande portista a quem devo tudo o que sou hoje. Um grande portista que desde muito cedo começou a levar-me pela mão ao Estádio das Antas e que introduziu em mim a paixão da minha vida, o FC do Porto.
Sabem, eu chamo-me Ricardo, mas ele às vezes chamava-me Nuninho. Era o único quer me chamava Nuninho. Quando queria chamar-me à atenção. Quando queria que eu percebesse que me portara mal. Quando chegava de jogar futebol no Campo do Inatel, encharcado, depois das 8 horas da noite.
Lembro-me vagamente de estar ao lado dele num FC do Porto - Varzim, não sei quando, em que vencemos por 5-1. Lembro-me de como ganhámos ao Barreirense e fomos campeões em 1979. Calor infernal e eu, por ter apenas 7 anos, não consegui ver um minuto que fosse do jogo.
Lembro-me da final da Taça de Portugal de 1983, que foi no Estádio das Antas depois de uma polémica enorme. Ele não queria ir, porque os bilhetes mais baratos custavam 750 escudos e eram no peão, mas tanto o chateei que ele acabou por aceder. Acabámos por perder com um golo o Carlos Manuel e ele, furioso por eu o ter convencido a ir, avisou-me que na época seguinte não íamos ao futebol. Logo aquilo de que mais gostava na vida - ele ia logo de manhã deixar o carro junto ao Estádio das Antas, vinha de autocarro para casa e íamos também de autocarro para o Estádio - o "78" de dois andares que subia a Av. da Boavista.
A verdade é que desde cedo tive de começar a ir sozinho para o futebol. Ele deixou de ir, mas no dia 3 de Abril de 1986, uma quinta-feira, foi deixar-me pela manhã no Estádio das Antas. A minha avó acabara de morrer em minha casa e ele quis afastar-me daquele ambiente. Passei o dia por lá sem saber que a minha avó tinha morrido. Vi o treino, no final esperei pelos jogadores. O Futre e o Madjer deram-me um autógrafo, o Artur Jorge cumprimentou-me educadamente. Almocei no restaurante da Piscina e durante a tarde deambulei pelo pavilhão, vazio, e pelo campo de treinos que ficava nas costas da Arquibancada. Quando ele chegou, perguntei-lhe: «Como está a avó?» Respondeu-me: «Está a descansar». Percebi. Fomos para casa.
30 anos depois, nesta quinta-feira chuvosa do mês de Abril, mês da liberdade, ele libertou-se das algemas que o prenderam a uma cama nos últimos 3 anos e que lhe retiraram a lucidez e a dignidade mínima que qualquer ser humano merece. Nasceu e morreu anónimo, mas quando olho para as minhas filhas, vejo que a sua obra foi grande e nunca irá morrer.
Foste grande, pai. Obrigado por tudo.
Força neste momento difícil. Os meus sentimentos.
 

Roma

Tribuna Presidencial
17 Dezembro 2013
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Porto
Porra Mike , fiquei com uma lagrima no canto do olho ..

Obrigado por esse testemunho emocionante. Os meus pêsames. Tive o privilégio de te conhecer já e acredito que o teu Pai teve muito orgulho em ti.

Um forte abraço e os meus sentimentos a ti e a tua familia.


Força !!
 

Dragon G

Tribuna Presidencial
28 Abril 2012
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Mike_Walsh disse:
Foi hoje a enterrar, aos 85 anos, um grande portista. Um grande portista a quem devo tudo o que sou hoje. Um grande portista que desde muito cedo começou a levar-me pela mão ao Estádio das Antas e que introduziu em mim a paixão da minha vida, o FC do Porto.
Sabem, eu chamo-me Ricardo, mas ele às vezes chamava-me Nuninho. Era o único que me chamava Nuninho. Quando queria chamar-me à atenção. Quando queria que eu percebesse que me portara mal. Quando chegava de jogar futebol no Campo do Inatel, encharcado, depois das 8 horas da noite.
Lembro-me vagamente de estar ao lado dele num FC do Porto - Varzim, não sei quando, em que vencemos por 5-1. Lembro-me de como ganhámos ao Barreirense e fomos campeões em 1979. Calor infernal e eu, por ter apenas 7 anos, não consegui ver um minuto que fosse do jogo.
Lembro-me da final da Taça de Portugal de 1983, que foi no Estádio das Antas depois de uma polémica enorme. Ele não queria ir, porque os bilhetes mais baratos custavam 750 escudos e eram no peão, mas tanto o chateei que ele acabou por aceder. Acabámos por perder com um golo do Carlos Manuel e ele, furioso por eu o ter convencido a ir, avisou-me que na época seguinte não íamos ao futebol. Logo aquilo de que mais gostava na vida - ele ia logo de manhã deixar o carro junto ao Estádio das Antas, vinha de autocarro para casa e íamos também de autocarro para o Estádio - o "78" de dois andares que subia a Av. da Boavista.
A verdade é que desde cedo tive de começar a ir sozinho para o futebol. Ele deixou de ir, mas no dia 3 de Abril de 1986, uma quinta-feira, foi deixar-me pela manhã no Estádio das Antas. A minha avó acabara de morrer em minha casa e ele quis afastar-me daquele ambiente. Passei o dia por lá sem saber que a minha avó tinha morrido. Vi o treino, no final esperei pelos jogadores. O Futre e o Madjer deram-me um autógrafo, o Artur Jorge cumprimentou-me educadamente. Almocei no restaurante da Piscina e durante a tarde deambulei pelo pavilhão, vazio, e pelo campo de treinos que ficava nas costas da Arquibancada. Quando ele chegou, perguntei-lhe: «Como está a avó?» Respondeu-me: «Está a descansar». Percebi. Fomos para casa.
30 anos depois, nesta quinta-feira chuvosa do mês de Abril, mês da liberdade, ele libertou-se das algemas que o prenderam a uma cama nos últimos 3 anos e que lhe retiraram a lucidez e a dignidade mínima que qualquer ser humano merece. Nasceu e morreu anónimo, mas quando olho para as minhas filhas, vejo que a sua obra foi grande e nunca irá morrer.
Foste grande, pai. Obrigado por tudo.
Os meus pêsames Mike, Força!
 

onurB

Tribuna Presidencial
8 Agosto 2015
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Porto
Palavras verdadeiramente emocionantes...

Um abraço sentido, caro Mike.

Os meus mais sinceros sentimentos para ti e para a tua família,
 

FCPorto1989

Tribuna Presidencial
16 Junho 2015
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Mike_Walsh disse:
Foi hoje a enterrar, aos 85 anos, um grande portista. Um grande portista a quem devo tudo o que sou hoje. Um grande portista que desde muito cedo começou a levar-me pela mão ao Estádio das Antas e que introduziu em mim a paixão da minha vida, o FC do Porto.
Sabem, eu chamo-me Ricardo, mas ele às vezes chamava-me Nuninho. Era o único que me chamava Nuninho. Quando queria chamar-me à atenção. Quando queria que eu percebesse que me portara mal. Quando chegava de jogar futebol no Campo do Inatel, encharcado, depois das 8 horas da noite.
Lembro-me vagamente de estar ao lado dele num FC do Porto - Varzim, não sei quando, em que vencemos por 5-1. Lembro-me de como ganhámos ao Barreirense e fomos campeões em 1979. Calor infernal e eu, por ter apenas 7 anos, não consegui ver um minuto que fosse do jogo.
Lembro-me da final da Taça de Portugal de 1983, que foi no Estádio das Antas depois de uma polémica enorme. Ele não queria ir, porque os bilhetes mais baratos custavam 750 escudos e eram no peão, mas tanto o chateei que ele acabou por aceder. Acabámos por perder com um golo do Carlos Manuel e ele, furioso por eu o ter convencido a ir, avisou-me que na época seguinte não íamos ao futebol. Logo aquilo de que mais gostava na vida - ele ia logo de manhã deixar o carro junto ao Estádio das Antas, vinha de autocarro para casa e íamos também de autocarro para o Estádio - o "78" de dois andares que subia a Av. da Boavista.
A verdade é que desde cedo tive de começar a ir sozinho para o futebol. Ele deixou de ir, mas no dia 3 de Abril de 1986, uma quinta-feira, foi deixar-me pela manhã no Estádio das Antas. A minha avó acabara de morrer em minha casa e ele quis afastar-me daquele ambiente. Passei o dia por lá sem saber que a minha avó tinha morrido. Vi o treino, no final esperei pelos jogadores. O Futre e o Madjer deram-me um autógrafo, o Artur Jorge cumprimentou-me educadamente. Almocei no restaurante da Piscina e durante a tarde deambulei pelo pavilhão, vazio, e pelo campo de treinos que ficava nas costas da Arquibancada. Quando ele chegou, perguntei-lhe: «Como está a avó?» Respondeu-me: «Está a descansar». Percebi. Fomos para casa.
30 anos depois, nesta quinta-feira chuvosa do mês de Abril, mês da liberdade, ele libertou-se das algemas que o prenderam a uma cama nos últimos 3 anos e que lhe retiraram a lucidez e a dignidade mínima que qualquer ser humano merece. Nasceu e morreu anónimo, mas quando olho para as minhas filhas, vejo que a sua obra foi grande e nunca irá morrer.
Foste grande, pai. Obrigado por tudo.
Força!
 

henriqueg1984

Bancada central
19 Abril 2013
1,279
0
39
Caparica
Mike_Walsh disse:
Foi hoje a enterrar, aos 85 anos, um grande portista. Um grande portista a quem devo tudo o que sou hoje. Um grande portista que desde muito cedo começou a levar-me pela mão ao Estádio das Antas e que introduziu em mim a paixão da minha vida, o FC do Porto.
Sabem, eu chamo-me Ricardo, mas ele às vezes chamava-me Nuninho. Era o único que me chamava Nuninho. Quando queria chamar-me à atenção. Quando queria que eu percebesse que me portara mal. Quando chegava de jogar futebol no Campo do Inatel, encharcado, depois das 8 horas da noite.
Lembro-me vagamente de estar ao lado dele num FC do Porto - Varzim, não sei quando, em que vencemos por 5-1. Lembro-me de como ganhámos ao Barreirense e fomos campeões em 1979. Calor infernal e eu, por ter apenas 7 anos, não consegui ver um minuto que fosse do jogo.
Lembro-me da final da Taça de Portugal de 1983, que foi no Estádio das Antas depois de uma polémica enorme. Ele não queria ir, porque os bilhetes mais baratos custavam 750 escudos e eram no peão, mas tanto o chateei que ele acabou por aceder. Acabámos por perder com um golo do Carlos Manuel e ele, furioso por eu o ter convencido a ir, avisou-me que na época seguinte não íamos ao futebol. Logo aquilo de que mais gostava na vida - ele ia logo de manhã deixar o carro junto ao Estádio das Antas, vinha de autocarro para casa e íamos também de autocarro para o Estádio - o "78" de dois andares que subia a Av. da Boavista.
A verdade é que desde cedo tive de começar a ir sozinho para o futebol. Ele deixou de ir, mas no dia 3 de Abril de 1986, uma quinta-feira, foi deixar-me pela manhã no Estádio das Antas. A minha avó acabara de morrer em minha casa e ele quis afastar-me daquele ambiente. Passei o dia por lá sem saber que a minha avó tinha morrido. Vi o treino, no final esperei pelos jogadores. O Futre e o Madjer deram-me um autógrafo, o Artur Jorge cumprimentou-me educadamente. Almocei no restaurante da Piscina e durante a tarde deambulei pelo pavilhão, vazio, e pelo campo de treinos que ficava nas costas da Arquibancada. Quando ele chegou, perguntei-lhe: «Como está a avó?» Respondeu-me: «Está a descansar». Percebi. Fomos para casa.
30 anos depois, nesta quinta-feira chuvosa do mês de Abril, mês da liberdade, ele libertou-se das algemas que o prenderam a uma cama nos últimos 3 anos e que lhe retiraram a lucidez e a dignidade mínima que qualquer ser humano merece. Nasceu e morreu anónimo, mas quando olho para as minhas filhas, vejo que a sua obra foi grande e nunca irá morrer.
Foste grande, pai. Obrigado por tudo.
Os meus sentimentos!