José Szabo

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Natural de Gonyo (Hungria) — 11 de Maio de 1896 a 17 de Março de 1973

Era uma aldeola de pescadores chamada Gonyo. À beira do Danúbio. Com a poesia dele. Moagens rústicas, com as suas azenhas. Pequenos vapores, cascas-de-noz, riscando de branco as águas. Foi nesse ambiente que nasceu Josef Szabo. Aos quatro anos, a família mudou-se para Gyor, não muito longe dali, mas cidade já cheia de indústrias, como se para aí 20 Barreiros tivessem nascido à beira do rio que Strauss pintou de azul. Foi no bairro pobre e miserável dos operários de Gyor que descobriu o jogo da bola que os ingleses tinham levado para lá havia pouco. Aos 14 anos começou a trabalhar no ofício de torneiro mecânico, mas qualquer hora livre na sua vida era para jogar o futebol com os calções de banho. Não tinha outros. Jeito não lhe faltava. Entrou, pois, naturalmente, para a equipa do Gyor. Deu nas vistas. Aos 20 anos foi convidado pelo Ferencvaros, a troco de um emprego numa fábrica de munições. Foi. Pouco depois estava a jogar na mítica selecção da Hungria, como médio-centro.
Em 1926 andou em digressão por Portugal, a famosíssima equipa do Szombately. Para se reforçar ainda mais pediu Szabo emprestado ao Ferencvaros. Quando os húngaros escalaram a Madeira, um dirigente do Nacional convidou Josef Szabo a ficar no Funchal. Para jogar no seu clube. Disse logo que sim, se lhe pagassem passagens da Hungria para duas pessoas. É que estava para casar e como era homem de palavra, tinha de cumprir. No ano seguinte, trocou o Nacional pelo Marítimo. Em 1929, uma selecção da Madeira bateu uma selecção do Porto por 5-1. Fora ele que desequilibrara. Miguel Siska, guarda-redes portista, incitou-o a mudar de ares, através de uma carta. Ao Porto chegou em 1930. Para jogar e treinar. Com a promessa de ganhar 500 escudos por mês. Consigo trazia outra preciosidade: Pinga. Foi chegar, ver e vencer. Apenas um sinal de desencanto: o F. C. Porto ter boicotado, nesse ano, o Campeonato de Portugal. Entretanto, começaram a correr rumores de que a magia do... magiar era já conhecida em Lisboa. E que por isso se precatassem os homens da Constituição. Os dirigentes portistas não fizeram a coisa por menos: sempre que a equipa descesse ao Sul, Szabo ficaria retido no Porto. Na Polícia havia ordem expressa para não o deixar embarcar, fosse em que circunstância fosse...
No F. C. Porto se manteve até 1937. Mais que dos seus métodos cesarianos de trabalho, foi vítima dos seus impulsos — ou dos seus maus fígados. Despedido, foi para o Sporting de Braga. Mas, sem Szabo, os portistas derraparam. Quando se preparavam para lhe suplicar, sebastianicamente, o regresso, foi contratado pelo Sporting. Era um maníaco de trabalho. Um disciplinador, por vezes insólito. Mas ganhara fama de insultar jogadores e dirigentes, de ser um general irascível. Por isso, em 1944, era claramente um homem... incómodo no Lumiar. Apesar de tudo ganhar. Despediram-no de treinador do Sporting. Abriu-se a sua volta a Portugal para ensinar futebol sempre com muita paixão — apesar das aparências. Regressou não muito feliz ao Porto e a Braga, passando, depois, por Faro, Viana, Olhão, Espinho, Famalicão, Marvila, Alcântara... Ao Lumiar haveria de voltar em 1953/54, para ganhar mais um Campeonato Nacional e mais uma Taça de Portugal. Dois êxitos que foram como que o canto do cisne do homem da glória farta. O roda da sorte desandou. Sobretudo na vida. Dos três filhos, José, o único que se dedicara ao futebol, como guarda-redes, sofreu um desastre de automóvel que o atirou para uma cadeira de rodas. Daniel, o outro, haveria de morrer, em Angola, em combate. Abatido por uma bala de um guerrilheiro do MPLA. Ironia do destino: foi Arménio Ferreira, que para além de fundador do MPLA e médico particular de Agostinho Neto e do Sporting, quem acompanhou os últimos dias de Szabo. Com uma ternura comovente, dessa que só aos grandes amigos se pode dar. Octávio Barrosa, jogador do Sporting entre 1937 e 1950, vencedor de cinco Campeonatos Nacionais e de quatro Taças de Portugal, para além de muitas outras coisas mais, ainda hoje se emociona ao falar do húngaro que foi baptizado como Josef Szabo (que mais não significa que alfaiate) e que em 1955, apenas por gratidão ao país que lhe arrebatou o coração, se naturalizou português com o nome de José Sezabo: «Foi sempre tão Sporting que quis morrer em... Alvalade. Passou os seus últimos dias no centro de estágio. E foi aí que morreu. Como um leão. Dos mais verdadeiros da nossa história. E dos mais fascinantes. Era um trabalhador insano. Treinava, de manhã, todas as categorias e, à tarde, ia para a sede do clube dar massagens. Jamais o Sporting terá um treinador assim, tão honesto, tão empolgado.»
A vida tem destas coisas: afinal, Szabo não poderia encontrar melhor local para a morte que um estádio de futebol. Assim foi — e ainda por cima a casa onde se desenvolveu o seu coração de leão...

Charuto e cadeirinha
Nos seus primeiros tempos de treinador, Szabo orientava os trabalhos de campo sentado numa cadeirinha talismã, junto de uma das linhas laterais, com um típico chapéu de coco encafuado na cabeça, baforinhando charuto havano. Nesse tempo, não admitia que os jogadores gargarejassem água no intervalo dos jogos: «Sinhores, não beber água fria porque garaganta estar quente e fazer inginhas. Sinhor Zé trazer chá quente para os sinhores jogadores.» Um dia, Manuel Marques, esse mesmo que jogava sempre com um lencinho branco preso aos calções, perguntou-lhe, chalaceando, se não era melhor trazer cerveja. Ia caindo o Carmo e a Trindade. Que era o que acontecia sempre que Manecas lhe escondia os bonecos da táctica. Não era por desrespeito. Era por ternura. Para que todos se rissem de Szabo a ferver em pouca água...

Murro por lhe chamarem maluco!

Tinha os olhos muito azuis, miúdos e vivos como dois berlindes de vidro colorido. E um carão redondo, bolachudo, vermelhaço. Digno de um cartaz de propaganda de um uisque escocês. Quando chegou ao Porto, espantou os seus pupilos ao dizer-lhes que sempre que, nos treinos, rematassem dentro da área e falhassem o golo, seriam multados em «10 per cente dê órdenada». Eles perceberam-no bem e até tomaram a coisa à conta de exotismo. Não se importando muito...
Quando, em 1935, o F. C. Porto conquistou a primeira edição do Campeonato da Liga, Szabo demonstrou aos seus dirigentes desejo de ir estagiar um mês a Londres. Foi e encantado ficou com o que descobriu no Arsenal. No regresso ao Porto, deu o tom da revolução que se dera em si — entrou no balneário de rosto fechado e avisou que dali em diante tudo mudara. No dia seguinte, na abertura da época de 1935/36, obrigou os pupilos a percorrer sete quilómetros a pé, da Constituição à Circunvalação, dose que passaram a repetir pelo menos três vezes por semana. Ele que fora companheiro terno de outras vezes, tornava-se, assim, espécie de irascível general, obcecado pela disciplina, apavorado pelo sexo antes dos jogos, transformado em intransigente polícia de costumes, aplicando multas de 10 por cento do ordenado a quem chegasse atrasado ao treino das sete da manhã um... minuto!
Apesar das animosidades que foram crescendo lentamente, Szabo foi sendo suportado. Por dirigentes e por jogadores. Porque o seu mérito era, cada vez mais incontestável. E a sua devoção ao clube quase evangélica. Seria, exactamente, nessa lenha que acabaria por se imolar...
Em 1937, conquistou o seu último título ao serviço do F. C. Porto. O Campeonato de Portugal. Em Coimbra. Contra o Belenenses. Os pupilos foram ao balneário, vestiram-se à pressa e foram para a festa, pela cidade fora, como iguais entre os seus adeptos. Szabo chegou ao balneário e viu os equipamentos todos espalhados no chão. E nem vivalma. Mandou chamar uma ambulância, pedindo aos bombeiros que os levassem ao hotel. Que ele iria com eles. Quando lá chegaram, um dirigente, rindo-se, disse que só de um maluco como ele se poderia esperar coisa assim. Szabo não se conteve e deu-lhe um murro. «Chamar mi maluco porquê cuidei dê património dê clube?!» Poucas horas depois era despedido com justa causa...

Pela língua morre o peixe...

Foi uma vida de trabalho pela paixão do futebol. Na ânsia de ganhar. E fazer ganhar. Szabo foi um treinador de sucesso. Mas muito bem pago. Ele próprio dizia que os grandes artistas teriam de ser recompensados como tal. Mais: à entrada dos anos 60, quando pressentiu que tinha as portas dos grandes clubes fechadas, não teve pejo em dizer que isso acontecia apenas porque os dirigentes não percebiam nada de futebol e adoravam comprar... gato por lebre. Não queria sequer acreditar que estivesse a ser vítima das suas anedotas, dos seus dichotes, das suas ingenuidades — de coisas que dizia a quem quer que fosse com o seu português mascavado e picante. De pouco valera Fernando Peyroteo ter saltado em sua defesa: «Há quem já me tenha dito que mestre Szabo trata mal os seus pupilos, insulta e ofende os rapazes, castiga-os injustamente. Nada mais injusto e mais falso! Szabo não conhece a gramática da pátria que adoptou. Veio para Portugal para ensinar futebol e não para aprender português. Nos primeiros contactos com a rapaziada da bola ensinaram-lhe, maldosamente, algumas frases a que davam sentido e significado diferentes. Decorou-as e repetiu-as quando lhe parecia oportuno, até que outros melhor intencionados procuraram corrigi-lo. É certo que por vezes nos dirigia uma palavra um tanto ou quanto violenta e menos própria, mas todos nós sabíamos que mestre Szabo não nos queria ofender ou insultar deliberadamente. Pois, se ele, ao referir-se ao seu filho José — que nesse tempo fazia parte dos futebolistas do Sporting — criticando-o, em presença de todos, por uma má tarde na defesa das balizas do seu grupo, disse tanta barbaridade que nos sentimos no dever moral de o chamar à razão, fazendo-lhe sentir que dizer tais coisas do seu filho era ofender-se a si próprio, ao que Szabo respondeu: ‘Sinhores fazer favor respeitarem seu treinador. Eu falar com Zé, não chamar família que estar sossegada a casa, no trabaio. Não ter nada quê ver um coisa com outra. Não dizer um coisa dê isso... Família de tudos ser sagrada. Por favor, sinhores não brincar’...»
Mas como, nesses tempos de trevas e bico calado, perigoso era ter o coração ao pé da boca, Szabo, para sobreviver, mais não conseguia, nos últimos anos da sua vida, que treinar equipas de segundo plano. Mas isso, se o chocava, não lhe arrefecia a paixão de trabalhar, trabalhar sempre mais — porque, como ele próprio costumava dizer, no futebol o sucesso faz-se com 10 por cento de génio e 90 por cento de transpiração...

«Torneira dê mininas»...

Foi um mago no futebol português. Fez-se pagar por isso. Por exemplo, em 1937, pouco depois de o terem despedido, os dirigentes do F. C. Porto quiseram ir buscá-lo a Braga. Chegaram tarde. Tinha acordado já o ingresso no Sporting, a troco de um contrato das arábias: dois contos por mês de ordenado, 100 escudos de prémio por cada vitória e 50 por cada empate, três contos pela conquista do Campeonato de Portugal, dois pelo Campeonato da Liga e um pelo Campeonato de Lisboa. Em 1941, ganhando tudo no Sporting, arrecadou 28.500 escudos. O futebol do Sporting gastou, todo ele nessa temporada, 317 contos, logo...
Nesse tempo dava a táctica com bonecos de madeira num tabuleiro verde, era treinador de todas as categorias e... massagista de todos os jogadores e no último treino de cada semana, como se fosse um disco riscado, dizia, tonitruante, aos pupilos: «Silêncio sinhores, ouvirem com atenção: sexta-feira banho quente e massagem, sábado dê tarde, na sede têoria de jogo sobre tabuleiro, com bonecas e, mais importante, sinhores ficharem torneira dê nêmoros dê mininas. Atenção, fazer muito mal e precisar de canetas...»
 
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Um treinador escondido na história
JOSÈ(F) SZABO

Numa espontânea tertúlia de café - tudo gente de «coração com uma só cor – azul e branco» (João Pinto dixit) – sem chicaneiros nem intuitos maledicentes, esvoaçou-se sobre a história do nosso clube com a leveza do voo da libelinha sobre as águas calmas de um riacho
Nestas coisas há sempre uns que se julgam mestres em tácticas mas ainda estão na era do WM, outros que preferem falar do tempo do «Grupo do Destino», mas confundem na fotografia José Monteiro da Costa com Nicolau de Almeida, uns tantos que sabem tudo o que esteve na génese de «os Andrades», mas trocam o campo do Ameal pelo da Rainha, e mais uns quantos capazes de apostar dobrado contra singelo em como a célebre frase «os grandes bailarinos dançam até em palcos tortos» tem como autor o professor «Bitaites» (um grande abraço para ele), quando quem assina por baixo é Mlynarczyk.
Feito o deve-haver final no fecho da cavaqueira, facilmente se chega à conclusão que todos sabemos um pouco de tudo mas que, por vezes o pouco atrapalha tudo! Eu incluído.
É como leu – eu incluído. Num dos sabáticos «ora-agora-sei-eu-ora agora-sabes-tu» fiu confrontado com duas perguntas que me levaram literalmente ao tapete. Coisas (aparentemente) simples da nossa história.
A primeira foi se eu sabia quantos treinadorestinha tido, até hoje, o FC Porto. Cofiei a pêra, cocei a cabeça, viajei de 1921 (Catullo Gadda) a 2008 (Prof. Jesualdo Ferreira) e julgando-o com alguma margem de segurança atirei um número redondo – cinquenta!
A segunda pareceu-me ser de fácil resposta – qual o treinador que durante mais anos comandou os destinos da nossa equipa. Confesso que não hesitei e atirei, seguro, de chofre – José Maria Pedroto! Fracasso rotundo! Não acertei uma…
Na primeira errei por mais de dez! Na verdade (embora reconheça que quanto aos portugueses poderá existir um salutar controvérsia) foram sessenta e dois (62) os «os treinadores de banco» (24 portugueses e 38 estrangeiros) neles incluindo os treinadores de «época inteira» os treinadores de «emergência» e os treinadores de «trabalho inacabado»
Na segunda errei… por meia época! Se não há documento em falta na contabilidade, o treinador que esteve efectivamente mais épocas no comando do FC Porto foi… Jose(f) Szabo (9 épocas e meia – 1928/29 a meio de1935/36 e 1945/47. José Maria Pedroto atingiu as 9 épocas (1966 a 1969, 1976 a 1980 e 1982 a 1984). Algo distantes, Artur Jorge (5 épocas e meia – 1984 a 1987 e recta final 1988/89 quando sucedeu a Quinito e 1990/91) e o também húngaro Akos Tezler (1923/24 e parte de 1927/28 – foi Alexandre Cal quem acabou a época que seria a sua 5ª consecutiva) completam o leque dos grandes resistentes.
Daí que na nossa estória de hoje pretendamos uma coisa que nos parece justa – recordar esse nome que para a grande maioria se esconde, timidamente, na nossa história embora esta mesma história não o possa, nunca, dispensar (Josef Szabo).
Relembrar quantos ao longo dos anos (nada menos que oitenta e sete) – Italianos, Chilenos, Sérvios, Franceses, Argentinos, Espanhóis, Romenos, Escoceses, Ingleses, Húngaros, Holandeses e Portugueses – estiveram nos êxitos (e inêxitos).
De Joseph Szabo – um dos nomes retratados na «História – 100 figuras do Futebol Português» editada em 1996 por A Bola, com textos de António Simões e Homero Serpa – já falamos de passagem, nestas páginas, quando recordamos a figura de Pinga.
Húngaro (em 1955 naturalizado português) nasceu a 11 de Maio de 1896, em Gonyo, uma aldeia piscatória, mas ainda miúdo de palmo e meio mudou-se com a família para Gjor, cidade não muito distante, onde a indústria dominava.
Cedo (14 anos) começou a trabalhar como torneiro mecânico e a jogar, a médio centro, no clube da terra – o Gyor. Por lá tarimbou meia dúzia de anos até os olheiros do grande Ferencvaros repararem no seu talento. Acenaram-lhe com um emprego melhor (numa fábrica de munições) e lavaram-no. Foi tiro na mouche. Em pouco tempo chegou à selecção e despertou cobiças.
Em 1926, batia já Szabo à porta dos trinta anos, o Szonbately – à época um dos mais famosos clubes húngaros – veio a Portugal em digressão e integrou-o, por empréstimo, na sua equipa. Uma cedência que viria a ocasionar uma grande cambalhota na sua vida. Na escala da equipa húngara na Madeira esperava-o uma enorme surpresa – um convite do Nacional para se transferir e passar a jogar pelo clube.
Aceitou com a condição de lhe pagarem duas passagens porque estava de casamento marcado e não poderia vir sozinho. Dito e feito. Casou, viajou e jogou. Uma época no Nacional e outra no Marítimo a par de uma mão cheia de grandes exibições que lhe valeram integrar a selecção da Madeira que derrotou a do Porto por 5-1. Foi o homem do jogo. O seu compatriota Siska, guarda-redes do FC Porto, manteve-o debaixo de olho desde aí.
O clube, que vira Akos Tezler (o primeiro treinador remunerado em Portugal) abalar para a América do Norte, deixando o comando a Alexandre Cal, convidou-o para a dupla função de treinador-jogador a troco de 500$00 escudos por mês. Aceitou, mas não veio sem um jogador que há muito admirava – Pinga.
Era o inicio de uma ligação de quase oito épocas ininterruptas. Venceu o Campeonato de Portugal em 1931/32, competição que deu origem à actual Taça de Portugal e o 1º Campeonato da Liga em 1934/35. Eliminando sucessivamente o Ginásio Liz (goleada 18-0), Salgueiros (2-0 e 4-1), Marítimo (0-0 e 3-2) e Benfica (2-1 e 3-0), chegou à final do Campeonato de Portugal com o Belenenses. Num jogo de rara emoção o FC Porto esteve a vencer por 4-1 (golos de Pinga 2, Valdemar Mota e Carlos Mesquita) mas de golo em golo, o Belenenses chegou aos 4-4 com Augusto Silva (3 golos) a levar a decisão para uma finalíssima a dois minutos do fim.
Disputada a 10 de Junho de 1932 em Coimbra, no campo do Arnado (na altura o campo das grandes emoções) sob a direcção de árbitro espanhol (Ramon Melcon), consagraria Szabo como um treinador de sucesso. O FC Porto venceu por 2-1 (Pinga gp e Acácio Mesquita) e tornaria o património da nossa história uma grande equipa: Miguel Siska, Avelino Martins, Pedro Temudo, Álvaro Sequeira, Álvaro Pereira, Castro, Lopes Carneiro, Valdemar Mota, Acácio Mesquita, Pinga e Carlos Mesquita (irmão de Acácio Mesquita).
Sem sucesso na época seguinte, iria voltar às conquistas, de novo, naquela em que pela primeira vez se disputou o campeonato da Liga, tentativa clara de proporcionar ao futebol português um quadro competitivo mais alargado e que lhe permitisse, sem grandes riscos de humilhação e como acontecera frente à Espanha em Março de1934, com uma derrota por nove golos (9-0) sem resposta, ombrear com os maiores.
Só que enquanto em Portugal apenas se disputava o Campeonato de Portugal com uma mão cheia de jogos a «brincar» e apenas dois ou três mais «efervescentes» em Espanha, põe exemplo, já havia (escreveu-o, o grande cronista de então Ricardo Ornelas, no Diário de Notícias de 13.03.1934) «três torneios. O Regional de Setembro a Dezembro, o das Ligas de Janeiro a Março e o Campeonato de Espanha em Abril e Maio. Os jogadores são, assim, feitos dentro desses torneios – e, tendo de disputar quase só desafios de campeonato, a natureza desses encontros dá-lhes uma soma de conhecimento dos recursos que as partidas exigem». Foi a bomba relógio que estourou nos ouvidos da FPF.
Talvez com medo de que uma prova de todos contra todos não merecesse o interesse público, talvez com medo de um deficit entre as receitas e as despesas, a FPF foi cautelosa no lançamento de nova prova, fazendo questão que constasse em acta o seguinte: «Ficou resolvido promover a título experimental os campeonatos da Liga, I e II Divisões. Sem prejuízo dos campeonatos distritais, nem do campeonato de Portugal».
Foi um campeonato de oito equipas (FC Porto, Sporting CP, SL Benfica, CF «Os Belenenses», Vitória FC, União de Lisboa, Académico do Porto e AA de Coimbra), com o FC Porto a amealhar na final 22 pontos, dois mais que o Sporting, fruto das 10 vitórias, 2 empates e 2 derrotas.
Joseph Szabo reforçaria, assim, o lugar na história «azul e branca» ao conquistar o 1º Campeonato de Liga, tal como uma dúzia de uma equipa moldada por Cattulo Gada e Adolphe Cassgane vencera o 1º campeonato de Portugal.
Inveterado fumador, companheiro inseparável de um bom charuto, guloso por uma boa cachimbada, Szabo fez de Soares dos Reis, Avelino Martins, Jerónimo Faria, João Nova, Álvaro Pereira, Carlos Pereira, Carlos Nunes, Pinga, Valdemar Mota, Lopes Carneiro, António Santos, Acácio Mesquita, Carlos Mesquita, Augusto Assis, Francisco Castro, Raul Castro e Artur Alves os primeiros campeões portugueses.
Seria despedido a meio da época 1935/36 e substituído pelo seu compatriota Magyar. Rumou sem glória ao Sp. de Braga, como sem glória passou o seu compatriota pelo FC Porto, que tentou resgata-lo. Szabo já tinha assinado um contrato das Arábias para a época – dois contos por mês de ordenado, cem escudos por vitória, 50 por cada empate, três contos pelo campeonato de Portugal, dois pela Liga e um pelo Campeonato de Lisboa. Boa malha! Em 1940/41 conseguiu o pleno e contas feitas meteu 28.500escudos ao bolso!
Haveria de voltar ao FC Porto em 1945 para substituir Heretzka e cumprir duas épocas cinzentas (6º e 3º) e partir rumo ao Olhanense. Iniciava um périplo que passaria pelo Portimonense, Oriental, Braga, Braga, Atlético, Sporting (treinador de campo, com Tavares da Silva a secretário técnico), Caldas, Leixões, Torreense, Barreirense, até terminar em 1965/66, com quase setenta anos, a sua carreira de treinador, comandando a selecção de Angola, ele que já naturalizado português «vira» o filho morrer ali, nessa mesma Angola, em combate, e o outro José (como o pai), promissor guarda-redes, sofrer um acidente de viação que o atirou dos relvados para uma cadeira de rodas. As asneiras que lhe ensinaram na Madeira e que o seu linguajar adoptou como se fossem pérolas literárias, valeram-lhe a fama de insultar dirigentes, jogadores, e, muitas vezes, pior que isso, insultar-se a si próprio quando tinha que repreender o filho que chegou a treinar.
E célebres ficaram as sua «recomendações» após o último treino da semana: «Silêncio sinhores, ouvirem com atenção: Sexta-feira banho quente e massagem, sábado dê tarde, na sede, teôria de jogo sobre tabuleiro com bonecas e, mais importante sinhores, ficharem torneira dê namoros dê mininas. Atenção: fazer muito mal e precisar de canetas…».
E célebres ficaram, também, as regras que implementou no FC Porto – uma, a de que nos treinos, sempre que alguém rematasse dentro da área e falhasse o golo, seria multado em «10 per cente dê ordenada». Outra, quando depois de estagiar um mês junto ao Arsenal, no início da época seguinte à conquista do Campeonato da Liga, trouxe «novidades» duras – três vezes por semana obrigava os atletas a percorrer a pé sete quilómetros, tanto quanto distava da Constituição à Circunvalação e, não satisfeito, «não condescendia com atrasos aos treinos das sete da manhã. Uns minutos de atraso e…zás, aplicava a multa padrão “10 per cente dê ordenada”»!
Obcecado pelo trabalho, disciplinador implacável, José Szabo não abdicou nunca da sua máxima preferida «no futebol o sucesso faz-se com 10 por cento de génio e 90 por cento de transpiração».
Luís César
In «Revista dos Dragões» Maio de 2008