Ortografia e Gramática

Devenish

Tribuna Presidencial
11 Outubro 2006
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  • Reinaldo Teles
  • Março/19
Leiam o Fernão Lopes na ortografia da época, eu lí cerca de 50 anos atrás (17 anos) demorou a ler e a compreender mas lá conseguí.
 

emm84

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22 Outubro 2014
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Bom dia a todos,

Bem gostaria de enriquecer este tópico com outros temas.

Contudo, vejo-me compelido a voltar aos flagelos ortográficos que recorrentemente surgem no fórum.

São eles:

1) "à" ou "há"

"há" é a conjugação do verbo haver e deve ser empregue nessas condições.
"à" é a contração da preposição a com o artigo ou pronome a e deve ser usado para nos referirmos a a locais, horários e outros.

Há 18h que estou sem dormir; Naquela rua há uma casa azul;
Às 18h tenho um encontro. Naquela rua fui à casa azul;

Reparem que no caso do "Há 18h" o verbo haver é utilizado para mostrar a extensão de tempo decorrido desde a última vez que dormi.
Já no caso do "às 18h" existe um momento exato no tempo claramente definido e não uma extensão temporal.

Por favor não utilizem o "à" como substituto do "há".

Felizmente o contrário não se passa com tanta frequência.


2) "Houveram", "haviam", "hajam", etc.

O plural do verbo haver NÃO EXISTE, salvo quando é utilizado como sinónimo do verbo TER, o que não é NADA comum.

Exemplos de erros que leio com muita frequência:

Espero que este ano hajam muitos reforços de qualidade para a nossa equipa. --> Errado
Espero que este ano haja muitos reforços de qualidade para a nossa equipa. --> Correto

No jogo passado houveram muitos jogadores que se destacaram pela positiva. --> Errado
No jogo passado houve muitos jogadores que se destacaram pela positiva. --> Correto

Um exemplo correto da utilização dos termos acima descritos é:

Os jogadores já haviam sido sujeitos aos exames médicos --> reparem como podiam substituir aqui o "haviam" por "tinham"


3) "Eu não me acredito"

Eu não me acredito
NÃO existe no sentido em que geralmente é empregue. Eu não me acredito significa que não concedo credito a mim mesmo e não "eu não creio" como penso que quem utiliza essa expressão deve querer sugerir.

Quando não acreditamos em algo basta dizer eu não acredito.

Eu não me acredito que isto aconteceu. --> Errado
Eu não acredito que isto aconteceu. -->Correto
Eu não me acredito para a realização desta tarefa. -->Correto, apesar de não ser nada comum.


Espero que não levem a mal este post.
Apenas pretendo contribuir para a melhoria do fórum.

Abraço a todos os portistas.
 

emm84

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22 Outubro 2014
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Hoje vou deixar apenas mais um breve apontamento, desta vez não tão comum como os que já escrevi.

Quando se diz "Há muito tempo", não devemos acrescentar o advérbio de tempo "atrás".


Há muito tempo atrás que não se via um Verão tão quente. --> Errado

Há muito tempo que não se via um Verão tão quente. --> Correto


Ele foi de férias há muito tempo atrás. --> Errado

Ele foi de férias há muito tempo. --> Correto


Acrescentar "atrás" é redundante. A expressão "há muito tempo" já indica um tempo passado e não necessita de qualquer outra referência.

Abraço a todos os portistas.
 

DeZ

Tribuna
9 Março 2012
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  • Artur Jorge
  • Fernando "Bibota" Gomes
  • Alfredo Quintana
  • José Maria Pedroto
Excelente tópico.

A quantidade de vezes que já li "houveram" e "fize-mos" neste espaço faz-me pensar que o Jesus foi professor de alguns foristas.

Vá pessoal, vamos fazer um esforço para tratar um bocadinho melhor a língua portuguesa, não custa nada.
 

Czarli9

Tribuna Presidencial
23 Julho 2017
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Bom dia a todos,

O plural do verbo haver NÃO EXISTE, salvo quando é utilizado como sinónimo do verbo TER, o que não é NADA comum.
Tudo o que referiste está correcto, apenas queria acrescentar outro uso correcto do haver no plural que significa um desejo, um conselho, uma obrigatoriedade ou intenção futura... Falo do Haver de.
 
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emm84

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22 Outubro 2014
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Tudo o que referiste está correcto, apenas queria acrescentar outro uso correcto do haver no plural que significa um desejo, um conselho, uma obrigatoriedade ou intenção futura... Falo do Haver de.
Podes dar um exemplo?
 

Devenish

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11 Outubro 2006
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Ví agora no rodapé da TVI 24 acerca de uma notícia de Joe Berardo a palavra "contato" - soou-me mal porque falando para mim próprio eu pronuncio o "c" e fui ver ao Google. Está lá;
O vocábulo contacto na variedade portuguesa da língua continua ser escrito com c, porque os falantes portugueses pronunciam esta consoante. No Brasil, como a consoante c não é pronunciada, a grafia é contato, o que já acontecia antes do novo Acordo Ortográfico.
Em Portugal, a palavra contacto continua a ser escrita com c (não sendo admissível a grafia contato), enquanto no Brasil continua a grafar-se sem c.

Mau serviço da TVI 24 que quer ir além da nova grafia ou então...está a escrever para os brasileiros.
 

Devenish

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11 Outubro 2006
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Já esta mudou cá e não mudou lá. não tinha dúvidas neste caso mas fui consultar para comprovar.

concepção ou conceção?

Segundo o Acordo Ortográfico, a consoante p da sequência interior só se escreve quando é pronunciada.

Em Portugal, a forma é conceção porque não se pronuncia o p.

No Brasil, o p é pronunciado.
 

emm84

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22 Outubro 2014
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Havemos-de discutir esse assunto com mais tempo.

Eles hão-de chegar não tarda.

Hás-de visitar aquele lugar que te falei.

Hei-de celebrar o campeonato em Maio.
Foi muito boa a dúvida.
Tive de pesquisar nos leus livros antes de te responder, pois o segundo exemplo é interessante.

Nos casos que apontas:

No primeiro exemplo "havemos" é usado no sentido de posse a assim admite plural à partida, por isso tudo bem aqui. Confirma o que já tinha dito.

Nos dois últimos casos (hás-de e hei-de) as formas são singulares, por isso tudo bem também aqui. Verbo haver, no sentido de "existência" só mesmo no singular

Agora, o segundo caso, "hão-de". Neste caso, o verbo haver não é verbo principal da frase. É utilizado como verbo auxiliar. O verbo principal, utilizado no infinito é visitar, o que leva o verbo auxiliar haver a concordar com o sujeito "eles".

Está muito bem visto o teu exemplo!

Fica outro: Hão-de existir locais melhores para viajar que este. --> o verbo haver concorda com "locais" que é plural e auxilia o verbo principal "existir".

Infelizmente aqui no portal as dúvidas não serão nunca estas. Se assim fosse não tinha criado este tópico ;)

Abraço
 

8down

Tribuna
9 Agosto 2006
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Já esta mudou cá e não mudou lá. não tinha dúvidas neste caso mas fui consultar para comprovar.

concepção ou conceção?

Segundo o Acordo Ortográfico, a consoante p da sequência interior só se escreve quando é pronunciada.

Em Portugal, a forma é conceção porque não se pronuncia o p.

No Brasil, o p é pronunciado.
Deves ter razão porque no cantico eu sempre ouvi: "...oh conceção faz du Porto campiom..."
era mais ou menos isto quando nao o mandavam f*der (como p. ex. na derrota frente ao braga....)
 
M

MoussaM 11

Guest
Passem esta mensagem a todos os vossos amigos e familiares, até os mais formados e aparentemente educados.

Escreve-se FODA-SE, não FODASSE! É FODA-SE, FODA-SE!

Fodasse ler-se-ia, curiosamente, fudásse e não existe. Foda-se!
Fdx, que agressividade.
 
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J | [Ka!s3r^].

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7 Abril 2012
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  • Alfredo Quintana
Convém saber como se escreve foda-se correctamente, claro, embora ressalve que talvez não se deva colocar excessiva ênfase no uso do vocábulo. Numa comunicação, numa apresentação, num texto académico... pronto, talvez seja razoável considerar outra expressão não tão... mas sim, foda-se, com o hífen.
 
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paul93

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11 Outubro 2017
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Passem esta mensagem a todos os vossos amigos e familiares, até os mais formados e aparentemente educados.

Escreve-se FODA-SE, não FODASSE! É FODA-SE, FODA-SE!

Fodasse ler-se-ia, curiosamente, fudásse e não existe. Foda-se!
Deixo aqui o contributo do RAP para essa luta:

Um amigo assusta-se e envia por sms: “fodasse!” Gente da internet indigna-se em caixas de comentários e grafa: “fodasse!” Por todo o lado, sempre que há um sobressalto, um lamento, uma discordância, alguém escreve: “fodasse!” Ora, a palavra “fodasse” não existe. Escrever “fodasse” é exprimir uma obscenidade e incorrer num erro ortográfico. É falta de educação e falta de educação. Na verdade, quem escreve “fodasse” não exprime obscenidade nenhuma. No máximo, trata-se da expressão de uma obscenidade na forma tentada. Estamos perante alguém que deseja dizer um palavrão e não consegue – o que prova que é preciso ter formação para ser malformado.

O corrector automático não ajuda. Quando se redige “fodasse”, as sugestões são: “rodasse”, “fadasse”, “focasse”, “fofasse” e “foçasse”. Até o improvável verbo fofar (“pôr fofos em”, segundo o dicionário) ocorre mais depressa ao corrector do que a rectificação que se exigiria. Não conheço quem alguma vez tenha conjugado o verbo fofar, nem imagino situação em que tal verbo possa dar jeito. Já aquilo que se pretende dizer quando se escreve “fodasse” é de uso quotidiano.

A culpa, como sempre, é do Ministério da Educação. Os programas estão desajustados da realidade, como se vê. Estudam-se verbos das três conjugações, mas ignora-se a forma reflexa de um dos verbos que mais vamos usar pela vida fora. O resultado é este: um número chocante de pessoas que não sabem exprimir-se convenientemente. É uma área do saber que não pode continuar a ser negligenciada.

Muitos dos textos que escrevo aqui na VISÃO são posteriormente incluídos em manuais escolares. Sei disso porque, com alguma frequência, os filhos de amigos meus vêm agradecer-me, com ironia bem azeda, determinado TPC em que tiveram de me ler e interpretar. Suspeito que esta crónica, logo uma das mais importantes, não será escolhida para figurar nas selectas. É pena. Os alunos saem mal preparados do liceu e da universidade. Eu identifiquei o problema e avancei aqui com um plano de estudos que procura solucioná-lo. Serei, com toda a certeza, ignorado. Acontece muitas vezes aos melhores e mais inovadores pedagogos. Mas esse é um pobre consolo, fodasse.
 

Taciturno

Tribuna
17 Março 2017
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Deixo aqui o contributo do RAP para essa luta:

Um amigo assusta-se e envia por sms: “fodasse!” Gente da internet indigna-se em caixas de comentários e grafa: “fodasse!” Por todo o lado, sempre que há um sobressalto, um lamento, uma discordância, alguém escreve: “fodasse!” Ora, a palavra “fodasse” não existe. Escrever “fodasse” é exprimir uma obscenidade e incorrer num erro ortográfico. É falta de educação e falta de educação. Na verdade, quem escreve “fodasse” não exprime obscenidade nenhuma. No máximo, trata-se da expressão de uma obscenidade na forma tentada. Estamos perante alguém que deseja dizer um palavrão e não consegue – o que prova que é preciso ter formação para ser malformado.

O corrector automático não ajuda. Quando se redige “fodasse”, as sugestões são: “rodasse”, “fadasse”, “focasse”, “fofasse” e “foçasse”. Até o improvável verbo fofar (“pôr fofos em”, segundo o dicionário) ocorre mais depressa ao corrector do que a rectificação que se exigiria. Não conheço quem alguma vez tenha conjugado o verbo fofar, nem imagino situação em que tal verbo possa dar jeito. Já aquilo que se pretende dizer quando se escreve “fodasse” é de uso quotidiano.

A culpa, como sempre, é do Ministério da Educação. Os programas estão desajustados da realidade, como se vê. Estudam-se verbos das três conjugações, mas ignora-se a forma reflexa de um dos verbos que mais vamos usar pela vida fora. O resultado é este: um número chocante de pessoas que não sabem exprimir-se convenientemente. É uma área do saber que não pode continuar a ser negligenciada.

Muitos dos textos que escrevo aqui na VISÃO são posteriormente incluídos em manuais escolares. Sei disso porque, com alguma frequência, os filhos de amigos meus vêm agradecer-me, com ironia bem azeda, determinado TPC em que tiveram de me ler e interpretar. Suspeito que esta crónica, logo uma das mais importantes, não será escolhida para figurar nas selectas. É pena. Os alunos saem mal preparados do liceu e da universidade. Eu identifiquei o problema e avancei aqui com um plano de estudos que procura solucioná-lo. Serei, com toda a certeza, ignorado. Acontece muitas vezes aos melhores e mais inovadores pedagogos. Mas esse é um pobre consolo, fodasse.
Olha, nunca tinha lido este texto. Excelente. É mesmo isso. É falta de educação e obscenidade na forma tentada. Lindo.
 
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paul93

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11 Outubro 2017
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Olha, nunca tinha lido este texto. Excelente. É mesmo isso. É falta de educação e obscenidade na forma tentada. Lindo.
O RAP é um tipo muito inteligente, só não percebe é nada de bola.
Caso tenhas interesse, e não conheças, deixo aqui outra crónica icónica do mesmo género, da autoria do Miguel Esteves Cardoso:

Gosto muito de palavrões, como gosto de palavrinhas e de palavras em geral. Acho-os indispensáveis a quem tenha necessidade de escrever ou falar. Mas como sou moralista tenho uma teoria, que é a seguinte: quando se usam palavrões, sem ser com o sentido concreto que têm, é como se estivéssemos a desinfectá-los, a torná-los decentes, a recuperá-los para o convívio familiar e quando um palavrão é usado literalmente é repugnante. Dizer que "a sanita está entupida de merda." ou "tenho uma verruga na ponta do caralho" é inadmissível. No entanto, dizer que um filme "é uma merda" ou que "comprar uma casa em Massamá não lembra ao caralho", não mete nojo a ninguém.

Cada vez que um palavrão é utilizado fora do seu contexto concreto e significado, é como se fosse reabilitado. Dar nova vida aos palavrões, libertando-os dos constrangimentos estritamente sexuais ou orgânicos que os sufocam, é simplesmente um exercício de libertação.
Quando uma esferográfica pode ser "puta" - não escreve - desagrava-se a mulher que se prostitui.
Quando um exame de Direito Administrativo é fodido, há alguém, algures, deitado numa cama, que escusa de se foder.

Em Portugal é muito raro usarem-se os palavrões literalmente. É saudável. Entre amigos, a exortação "Não sejas cona", significando "Despacha-te! Não percas tempo a decidir!", nada tem a ver com a cona em si, palavra bastante feia, que se evita a todo o custo nas conversas do dia-a-dia. Ao separar os palavrões dos seus significados libertam-se! O verbo "foder", por exemplo, fora da cama quase nunca se usa para dizer "fornicar". Quando se conta uma aventura, e caso se queira ser ordinário, diz-se "fiz" ou "papei" ou "comi". Geralmente, "foder" significa "estragar", "prejudicar" ou "fazer mal". Quando o Sr. Marques da contabilidade diz que "fodeu" o Sr. Sousa do contencioso, refere-se apenas a um acerto de contas entre eles. Pessoalmente, somente gosto da utilização "é fodido". Quando tem o sentido de "triste sorte a minha". Por exemplo, quando não se encontra uma peça sobressalente para a mota, ou se não se acerta no TotoLoto por um único número, ou se vê que alguém nos passa a frente numa promoção só porque conhece o patrão, diz-se "é fodido". Qual é o sujeito? Deveria ser a vida, mas nesse caso dir-se-ia "é fodida". Na minha opinião, a frase subentendida é algo como "é fodido um gajo andar para aí a tentar safar-se e ver que não tem sorte nenhuma". Do mesmo modo, quando dizemos "foda-se", é raro que a entidade que nos provou a intercação seja passível de ser sexualmente assaltada. Quando nos queimamos no ferro de engomar, ou quando temos visitas em casa e se acaba o whiskey, não existe, ao dizer-se tranquilamente "foda-se" qualquer intenção de mandar fornicar o ferro ou a garrafa.

Quando o verbo é usado com o sentido que tem, eu acho indelicado e grosseiro, até porque fornicar ou ser fornicado não são coisas assim tão más quanto isso. Sendo aceite que o sexo é divertido, não se percebe como é que "vai-te foder" exprima um desejo antipático. Eu acho muito mais ofensivo "vai pentear macacos" ou "vai dar uma volta ao bilhar grande!".

Os palavrões supostamente menos pesados, como "chiça" e "porra", escandalizam. São violentos. Enquanto um pai, ao não conseguir montar um avião da Lego para o filho, pode suspirar após três quartos de hora, "ai o caralho", sem que daí venha grande mal à família, um "chiça", sibilino e cheio, pode instalar o terror. E quando o mesmo pai, recém-chegado do Ikea, ou do Aki, perde uma peça para a armação do estendal de roupa e se põe, de rabo para o ar, a perguntar "onde é que se meteu a puta da porca?", está a dignificar tanto as putas, como as porcas, como as que acumulam as duas qualidades.

Se há palavras realmente repugnantes são as decentes como "vagina", "prepúcio", "glande", "vulva" e "escroto". São palavrões precisamente porque são tão inequívocos.
Para dizer que uma localidade fica fora de mão, não se pode dizer que "fica na vagina da mãe" ou no "ânus de Judas". Todas as palavras eruditas soam mais porcas e dão menos jeito. Quem se atreve a propor expressões latinas como "fellatio" ou "cunnilingus"? Tira a vontade a qualquer um. Da mesma maneira, "masturbação" é pesado e maçudo, prestando-se pouco ao diálogo, enquanto o equivalente popular "punheta", com a ressonância inocente que tem de uma treta que se faz com o punho, é agradavelmente infantil.
O sexo... O sexo como a vida deveria ser o mais simples e amigável possível. Misturar as duas coisas através dos palavrões parece-me muito saudável. Deixá-los fechados debaixo dos lençóis e atrás das portas é condená-los a uma existência bafienta que não merecem.
Por que é que uma prostituta não há-de dizer "puta de vida!" sem se ofender a si mesma? Os palavrões são palavras multifacetadas, muito mais prestáveis e jeitosas do que parecem. É preciso usá-los, para que não se tornem obscenos e propagá-los, para que deixem de ser chocantes.

É pior falar mau português do que falar mal em bom português!
Quem anda para aí a foder a língua não são os que dizem "foda-se" de vez em quando. São os que dizem "acabou de terminar..." e "eventualmente estão assegurados...".
Se não usarmos os palavrões, livre e inocentemente, eles tornar-se-ão em meras obscenidades.
E para obscenidade já basta a vida em si.
 

Taciturno

Tribuna
17 Março 2017
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O RAP é um tipo muito inteligente, só não percebe é nada de bola.
Caso tenhas interesse, e não conheças, deixo aqui outra crónica icónica do mesmo género, da autoria do Miguel Esteves Cardoso:

Gosto muito de palavrões, como gosto de palavrinhas e de palavras em geral. Acho-os indispensáveis a quem tenha necessidade de escrever ou falar. Mas como sou moralista tenho uma teoria, que é a seguinte: quando se usam palavrões, sem ser com o sentido concreto que têm, é como se estivéssemos a desinfectá-los, a torná-los decentes, a recuperá-los para o convívio familiar e quando um palavrão é usado literalmente é repugnante. Dizer que "a sanita está entupida de merda." ou "tenho uma verruga na ponta do caralho" é inadmissível. No entanto, dizer que um filme "é uma merda" ou que "comprar uma casa em Massamá não lembra ao caralho", não mete nojo a ninguém.

Cada vez que um palavrão é utilizado fora do seu contexto concreto e significado, é como se fosse reabilitado. Dar nova vida aos palavrões, libertando-os dos constrangimentos estritamente sexuais ou orgânicos que os sufocam, é simplesmente um exercício de libertação.
Quando uma esferográfica pode ser "puta" - não escreve - desagrava-se a mulher que se prostitui.
Quando um exame de Direito Administrativo é fodido, há alguém, algures, deitado numa cama, que escusa de se foder.

Em Portugal é muito raro usarem-se os palavrões literalmente. É saudável. Entre amigos, a exortação "Não sejas cona", significando "Despacha-te! Não percas tempo a decidir!", nada tem a ver com a cona em si, palavra bastante feia, que se evita a todo o custo nas conversas do dia-a-dia. Ao separar os palavrões dos seus significados libertam-se! O verbo "foder", por exemplo, fora da cama quase nunca se usa para dizer "fornicar". Quando se conta uma aventura, e caso se queira ser ordinário, diz-se "fiz" ou "papei" ou "comi". Geralmente, "foder" significa "estragar", "prejudicar" ou "fazer mal". Quando o Sr. Marques da contabilidade diz que "fodeu" o Sr. Sousa do contencioso, refere-se apenas a um acerto de contas entre eles. Pessoalmente, somente gosto da utilização "é fodido". Quando tem o sentido de "triste sorte a minha". Por exemplo, quando não se encontra uma peça sobressalente para a mota, ou se não se acerta no TotoLoto por um único número, ou se vê que alguém nos passa a frente numa promoção só porque conhece o patrão, diz-se "é fodido". Qual é o sujeito? Deveria ser a vida, mas nesse caso dir-se-ia "é fodida". Na minha opinião, a frase subentendida é algo como "é fodido um gajo andar para aí a tentar safar-se e ver que não tem sorte nenhuma". Do mesmo modo, quando dizemos "foda-se", é raro que a entidade que nos provou a intercação seja passível de ser sexualmente assaltada. Quando nos queimamos no ferro de engomar, ou quando temos visitas em casa e se acaba o whiskey, não existe, ao dizer-se tranquilamente "foda-se" qualquer intenção de mandar fornicar o ferro ou a garrafa.

Quando o verbo é usado com o sentido que tem, eu acho indelicado e grosseiro, até porque fornicar ou ser fornicado não são coisas assim tão más quanto isso. Sendo aceite que o sexo é divertido, não se percebe como é que "vai-te foder" exprima um desejo antipático. Eu acho muito mais ofensivo "vai pentear macacos" ou "vai dar uma volta ao bilhar grande!".

Os palavrões supostamente menos pesados, como "chiça" e "porra", escandalizam. São violentos. Enquanto um pai, ao não conseguir montar um avião da Lego para o filho, pode suspirar após três quartos de hora, "ai o caralho", sem que daí venha grande mal à família, um "chiça", sibilino e cheio, pode instalar o terror. E quando o mesmo pai, recém-chegado do Ikea, ou do Aki, perde uma peça para a armação do estendal de roupa e se põe, de rabo para o ar, a perguntar "onde é que se meteu a puta da porca?", está a dignificar tanto as putas, como as porcas, como as que acumulam as duas qualidades.

Se há palavras realmente repugnantes são as decentes como "vagina", "prepúcio", "glande", "vulva" e "escroto". São palavrões precisamente porque são tão inequívocos.
Para dizer que uma localidade fica fora de mão, não se pode dizer que "fica na vagina da mãe" ou no "ânus de Judas". Todas as palavras eruditas soam mais porcas e dão menos jeito. Quem se atreve a propor expressões latinas como "fellatio" ou "cunnilingus"? Tira a vontade a qualquer um. Da mesma maneira, "masturbação" é pesado e maçudo, prestando-se pouco ao diálogo, enquanto o equivalente popular "punheta", com a ressonância inocente que tem de uma treta que se faz com o punho, é agradavelmente infantil.
O sexo... O sexo como a vida deveria ser o mais simples e amigável possível. Misturar as duas coisas através dos palavrões parece-me muito saudável. Deixá-los fechados debaixo dos lençóis e atrás das portas é condená-los a uma existência bafienta que não merecem.
Por que é que uma prostituta não há-de dizer "puta de vida!" sem se ofender a si mesma? Os palavrões são palavras multifacetadas, muito mais prestáveis e jeitosas do que parecem. É preciso usá-los, para que não se tornem obscenos e propagá-los, para que deixem de ser chocantes.

É pior falar mau português do que falar mal em bom português!
Quem anda para aí a foder a língua não são os que dizem "foda-se" de vez em quando. São os que dizem "acabou de terminar..." e "eventualmente estão assegurados...".
Se não usarmos os palavrões, livre e inocentemente, eles tornar-se-ão em meras obscenidades.
E para obscenidade já basta a vida em si.
Este já conhecia. Serão, certamente, das duas pessoas mais geniais - independentemente do tamanho dos textos -que escrevem nos jornais e revistas da atualidade. Pelo menos para mim, que sou um apreciador de escrita com toque humorístico. Há uns dias, o MEC tinha um artigo intitulado ‘Inter-idades’, que fazia uma analogia entre a vida e um comboio que parte da Sibéria, segundo me lembro. Fantástico. E não eram mais do que mil caracteres.
 
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dragao86

Tribuna Presidencial
20 Outubro 2014
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