A Joacine Katar Moreira tem 37 anos, é mulher, é mãe, é negra e é gaga. Nasceu na Guiné-Bissau e veio para Portugal com oito anos, no início dos anos 90, para estudar. É a mais velha de 11 irmãos nascidos numa família com dificuldades económicas. Defende ideais antirracistas, antifascistas, verdes e feministas e, em 2018, fundou o INMUNE - Instituto da Mulher Negra em Portugal, que luta contra a condição invisível e o silenciamento das mulheres negras no país. É uma mulher lindíssima pecado maior! e, ainda assim, é uma investigadora licenciada em História Moderna e Contemporânea (vertente de Gestão e Animação de Bens Culturais), mestrada em Estudos do Desenvolvimento e doutorada em Estudos Africanos. Como se isto tudo não bastasse é, ainda, dona de uma esmagadora coragem: mesmo conhecendo a crueldade do mundo, deu o corpo às balas pelas causas em que acredita. Mesmo sabendo que a sua gaguez ia servir de arma de arremesso aos que não têm fôlego para a combater com argumentos, Joacine continuou a falar. E, mesmo gaga, não se tem engasgado perante a maldade dos outros. Independentemente da ideologia, é impossível não admirar isto. A humanidade é (ou devia ser) ideário de todos nós.
No passado fim de semana, Joacine chegou, via eleições livres e democráticas, à Assembleia da República. E a eleição dela para o Parlamento faz de Portugal um lugar melhor. Mesmo que a prestação de Joacine como deputada não venha a melhorar o país, só a sua eleição já o fez. Ter uma mulher com este perfil como deputada da nação é algo que nos devia encher, a todos, de orgulho. Faz de nós um país mais democrático, mais igualitário, mais generoso, mais feliz e mais livre (com e sem maiúscula partidária e será que isso é assim tão mau?). Mesmo que a Joacine não faça mais nada pela Democracia, já fez a sua parte. E nós devemos-lhe isso, para além do respeito que se deve a cada ser humano, nas suas diferenças, na sua unicidade.
E tu, que gozas com a cor dela, com a gaguez dela, com a(s) bandeira(s) dela, com os títulos dela (pagos com dinheiro que ela própria ganhou na apanha do tomate ou a trabalhar em supermercados e em hotéis como empregada de quarto): o que é que já fizeste pela Democracia hoje?
NOTA: Eu não votei LIVRE (embora vote sempre livremente, como é suposto), nem este post é sobre as eleições. Mas venham de lá esses haters, que é sempre um gosto recebê-los.