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Guest
Natural do Entroncamento 17 de Novembro de 1927
Naquele tempo já o Entroncamento se afamara como terra de fenómenos mais ou menos pícaros, mais ou menos pitorescos. Mas era também encruzilhada de mil caminhos-de-ferro, de sonhos e desilusões, urbe de cheiro a carvão. Virgílio Mendes nasceu à beira da estação. Os pais trabalhavam na CP. Cresceu, pois, entre ferros e vagões. Mas com o sonho de que um dia pudesse apanhar um comboio chamado desejo e fugisse, para sempre, da vida pequenina de operário de horizontes acanhados, salários de miséria, dores de corpo e de alma, a felicidade suja como os fatos-macacos. Cinco filhos tinha o casal Mendes. Um deles, Zeca, ainda jogou no Sporting, o outro, Germano, ficou com as pernas cortadas por causa da asma. Era o melhor de todos, isso mesmo asseveraria, pela vida fora, Virgílio, que o destino quis que, afamando-se, da lei da morte se libertasse.
Virgílio começou a jogar como avançado-centro. No Entroncamento, pois claro. Tinha 18 anos e já trabalhava como serralheiro nas oficinas da CP. Parecia ser a sina da família Mendes. Mas, um dia, com o sangue fervendo-lhe de ambição, de vontade de vencer o seu destino, Virgílio meteu licença na companhia e foi, à aventura, para Lisboa fazer testes de futebolista. Para o Benfica foi. Como impulso do seu coração. Era o seu clube. Três semanas lá andou. Mas não conseguiu entusiasmar Janos Biri.
Alguns anos depois, mercê de uma exibição fabulosa, o F. C. Porto ganharia em Lisboa ao Benfica. Com essa derrota os benfiquistas perderiam o Campeonato. Como se isso fora a sua vingança, Virgílio deixaria o campo chorando de alegria. Como se tivesse ganho o Campeonato do Mundo, ele que, pequenino, chorava quando o Benfica perdia...
Do Campo Grande partiu com o coração despedaçado pelo sonho desfeito. Por essa altura, Severiano Correia, que
Com amigos assim...
Depois de passar a treinador adjunto, em 1966, Virgílio assumiu as funções de treinador principal do F. C. Porto, substituindo Flávio Costa, entretanto demitido. O F. C. Porto estava já afastado da luta pelo título era a má sina que voltava... , o Benfica e o Sporting estavam em luta ombro a ombro. Os benfiquistas ofereceram 20 contos a cada jogador do F. C. Porto no caso de ganharem ao Sporting. Perderam. Por 0-4. Mas o Sporting só logrou vantagem depois de uma polémica expulsão de Américo, que foi substituído, na baliza, pelo avançado Carlos Manuel. Virgílio, com as lágrimas rorejando-lhe os olhos, aventou: «João Calado foi atleta do Ferroviário do Entroncamento quando eu também lá estava. Éramos amigos e colegas de equipa e de trabalho nas oficinas de vagões da CP. Sei bem que ele é sportinguista dos sete costados. A expulsão de Américo deveu-se apenas a um facto: ser o jogador-chave da minha equipa.» Com amigos assim... Confidenciaria que fora nessa altura que descobrira que o melhor do futebol era a bola e que por isso não valeria a pena prosseguir, com o afã com que o fizera como futebolista, a carreira de treinador...
Aquele castigo que só Virgílio sofreu...
Em 1957, Virgílio protagonizou situação completamente sem precedentes no futebol português. Como se um arroubo de justiça salomónica pudesse transformar-se num sinal de duvidosa... justiça. Num jogo contra o Benfica, nas Antas, foi expulso por entrada súcia sobre Fernando Caiado, que do lance se queixaria assim no final da partida: «Mal posso respirar, desconfia-se de que tenho qualquer costela fracturada, mal me mantenho em pé, estou groggy...»
A FPF enristou a espada e puniu com severidade. Exemplarmente, como, então, se dizia. Virgílio foi suspenso por três jogos... ou mais! Isso mesmo: enquanto se mantivesse a incapacidade do adversário atingido estaria impedido de jogar futebol. Espantado ficou com o escarmento, dizendo, acabrunhado, que estava de consciência tranquila, só sentindo «a culpa de não ter pedido desculpa a Caiado». Mas se o princípio do castigo até seria aceitável, estranho foi que apenas uma vez se tivesse aplicado. E logo contra aquele que era o esteio do F. C. Porto, então na luta pela conquista do título nacional. E como à mulher de César não basta ser séria... as dúvidas ficaram para sempre sobre a justiça da Justiça do futebol...
Virgílio reapareceria à liça dois meses depois, contra o Sporting, num jogo que ficaria famoso por um dos fiscais de linha ter agredido um apanha-bolas com a própria bandeirola. Os portistas, que já não estavam na corrida pelo título, ganharam por 2-1. Emocionado, Virgílio diria no balneário: «Preferi jogar a ter 50 contos na carteira.» A talho de foice, refira-se que de prémio pela vitória recebeu, como todos os jogadores, dois contos...
Naquele tempo já o Entroncamento se afamara como terra de fenómenos mais ou menos pícaros, mais ou menos pitorescos. Mas era também encruzilhada de mil caminhos-de-ferro, de sonhos e desilusões, urbe de cheiro a carvão. Virgílio Mendes nasceu à beira da estação. Os pais trabalhavam na CP. Cresceu, pois, entre ferros e vagões. Mas com o sonho de que um dia pudesse apanhar um comboio chamado desejo e fugisse, para sempre, da vida pequenina de operário de horizontes acanhados, salários de miséria, dores de corpo e de alma, a felicidade suja como os fatos-macacos. Cinco filhos tinha o casal Mendes. Um deles, Zeca, ainda jogou no Sporting, o outro, Germano, ficou com as pernas cortadas por causa da asma. Era o melhor de todos, isso mesmo asseveraria, pela vida fora, Virgílio, que o destino quis que, afamando-se, da lei da morte se libertasse.
Virgílio começou a jogar como avançado-centro. No Entroncamento, pois claro. Tinha 18 anos e já trabalhava como serralheiro nas oficinas da CP. Parecia ser a sina da família Mendes. Mas, um dia, com o sangue fervendo-lhe de ambição, de vontade de vencer o seu destino, Virgílio meteu licença na companhia e foi, à aventura, para Lisboa fazer testes de futebolista. Para o Benfica foi. Como impulso do seu coração. Era o seu clube. Três semanas lá andou. Mas não conseguiu entusiasmar Janos Biri.
Alguns anos depois, mercê de uma exibição fabulosa, o F. C. Porto ganharia em Lisboa ao Benfica. Com essa derrota os benfiquistas perderiam o Campeonato. Como se isso fora a sua vingança, Virgílio deixaria o campo chorando de alegria. Como se tivesse ganho o Campeonato do Mundo, ele que, pequenino, chorava quando o Benfica perdia...
Do Campo Grande partiu com o coração despedaçado pelo sonho desfeito. Por essa altura, Severiano Correia, que
Com amigos assim...
Depois de passar a treinador adjunto, em 1966, Virgílio assumiu as funções de treinador principal do F. C. Porto, substituindo Flávio Costa, entretanto demitido. O F. C. Porto estava já afastado da luta pelo título era a má sina que voltava... , o Benfica e o Sporting estavam em luta ombro a ombro. Os benfiquistas ofereceram 20 contos a cada jogador do F. C. Porto no caso de ganharem ao Sporting. Perderam. Por 0-4. Mas o Sporting só logrou vantagem depois de uma polémica expulsão de Américo, que foi substituído, na baliza, pelo avançado Carlos Manuel. Virgílio, com as lágrimas rorejando-lhe os olhos, aventou: «João Calado foi atleta do Ferroviário do Entroncamento quando eu também lá estava. Éramos amigos e colegas de equipa e de trabalho nas oficinas de vagões da CP. Sei bem que ele é sportinguista dos sete costados. A expulsão de Américo deveu-se apenas a um facto: ser o jogador-chave da minha equipa.» Com amigos assim... Confidenciaria que fora nessa altura que descobrira que o melhor do futebol era a bola e que por isso não valeria a pena prosseguir, com o afã com que o fizera como futebolista, a carreira de treinador...
Aquele castigo que só Virgílio sofreu...
Em 1957, Virgílio protagonizou situação completamente sem precedentes no futebol português. Como se um arroubo de justiça salomónica pudesse transformar-se num sinal de duvidosa... justiça. Num jogo contra o Benfica, nas Antas, foi expulso por entrada súcia sobre Fernando Caiado, que do lance se queixaria assim no final da partida: «Mal posso respirar, desconfia-se de que tenho qualquer costela fracturada, mal me mantenho em pé, estou groggy...»
A FPF enristou a espada e puniu com severidade. Exemplarmente, como, então, se dizia. Virgílio foi suspenso por três jogos... ou mais! Isso mesmo: enquanto se mantivesse a incapacidade do adversário atingido estaria impedido de jogar futebol. Espantado ficou com o escarmento, dizendo, acabrunhado, que estava de consciência tranquila, só sentindo «a culpa de não ter pedido desculpa a Caiado». Mas se o princípio do castigo até seria aceitável, estranho foi que apenas uma vez se tivesse aplicado. E logo contra aquele que era o esteio do F. C. Porto, então na luta pela conquista do título nacional. E como à mulher de César não basta ser séria... as dúvidas ficaram para sempre sobre a justiça da Justiça do futebol...
Virgílio reapareceria à liça dois meses depois, contra o Sporting, num jogo que ficaria famoso por um dos fiscais de linha ter agredido um apanha-bolas com a própria bandeirola. Os portistas, que já não estavam na corrida pelo título, ganharam por 2-1. Emocionado, Virgílio diria no balneário: «Preferi jogar a ter 50 contos na carteira.» A talho de foice, refira-se que de prémio pela vitória recebeu, como todos os jogadores, dois contos...