Massa Crítica Portista

«Que laques?». A excelente crónica de Miguel Guedes ontem no JN.

O futebol português, como arte de campo e ciência transversal à boca de todos, foi sempre fértil em expressões singulares, impressões digitais dos protagonistas. O futebol sempre encontrou parte da sua identidade no jargão e em algum acinte. Parte dos adeptos, impacientes com os resultados ou com a falta deles, encostam-se às jogadas que correm fora de jogo a mando do poder do sistema, fazendo conveniente vista grossa aos problemas internos. A essência da desculpabilização da fraqueza mora aqui, na potenciação do inimigo externo que nos convoca o lado mártir e queixoso. Outros adeptos, os felizes de Maio, só vivem pela aproximação da vitória à primeira rotunda, desprezando se lá chegam passando de vidro aberto por sinal proibido. Verdade seja dita, está na essência dos adeptos de clube (sem os quais não há futebol que se aguente fora do laboratório da táctica): nunca ninguém se importou muito com regras de trânsito de jogo desde que houvesse felicidade e bom destino em títulos. Mas algo mudou desde que os paladinos da verdade chegaram e impuseram a ditadura da maioria.

Mesmo quando Pimenta Machado soltava o icónico “o que hoje é verdade amanhã pode ser mentira”, sentia-se o sustento da base da realidade bem presente. Até há bem pouco tempo, o que se sabia era apenas a parte conveniente que muitos quiseram tomar pelo todo. O futebol, como o país, dividia-se entre os bons e os maus, as virgens e os poluídos. Se a propaganda vende, então tudo está à venda. Os apitos centralistas que resolveram maquinar o juízo final sem que a carruagem passasse para o sul de Leiria criaram as condições para a ideia de impunidade do sistema novo, o novo estado a que chegaríamos. E tudo se foi operando. A incapacidade demonstrada pelos acusados para destruírem a narrativa alternativa foi confrangedora e deparou sempre com o maior dos problemas: a verdade toda não podia ser contada porque não interessava e não vendia. Em última análise, não tinha palco. Mesmo a realidade toda, não havia onde se pudesse contar. Hoje, a situação agudizou-se e só os radicais nos podem salvar dos extremistas.

Corte. Saindo da rotunda. Os arautos da verdade alternativa não contavam que os seus protagonistas, por se sentirem impunes, desprezassem completamente a realidade. Perante as acusações de que têm sido alvo, algumas delas gravíssimas, assistimos a negações em contradição, coladas à forma e ao marketing de “red pass”. O apogeu acabou por ser risível e, porventura, o sinal mais claro de que os colaboracionistas terão de ser chamados pelo nome: a forma como Luís Filipe Vieira negou a existência de claques no clube que dirige é o favor maior que presta àqueles que o acusam de tudo poder ou de todo o poder. De “Que passou se?” para “Que laques?”, foi um ápice. É este o discurso oficial: sobre o conteúdo, nada; sobre a realidade, outra.

(fonte: jn.pt)