Eleitores do Chega: muitos homens, poucos idosos e poucos universitários
Bárbara Reis
9–12 minutes
Não é por acaso que esta semana PS e PSD falaram sobre os eleitores do Chega, os
1,1 milhões de pessoas que deram ao partido da direita radical populista, até agora, 18% dos votos e 48 assentos na Assembleia da República nas
legislativas de 10 de Março.
“Vamos fazer políticas para
reconquistar a confiança desses 1,1 milhões de portugueses que estão descontentes”, disse Miguel Pinto Luz, vice-presidente do PSD, em entrevista ao PÚBLICO e à Rádio Renascença. “Temos de acarinhar esse eleitorado.”
“Procuraremos recuperar os cidadãos descontentes com o PS”, disse Pedro Nuno Santos, líder socialista, no
discurso da noite eleitoral. “O Chega teve um resultado muito expressivo. Não há 18% de portugueses racistas e xenófobos, mas há muitos portugueses zangados que sentem que não têm tido representação e aos quais não foi dada resposta aos seus problemas concretos.”
Até o PCP mudou de tom e, num comunicado do comité central,
vincou a diferença entre o Chega e quem votou no Chega. A “expressão” dos eleitores do partido fundado por André Ventura não deve ser interpretada como “base de apoio à extrema-direita”, disse o PCP esta quarta-feira. Uma coisa é o partido, outra são os eleitores “levados” pela “ilusão” do “falso discurso contra a corrupção e as injustiças”.
Num milhão de pessoas cabem muitos grupos, subgrupos e características. Mas há
padrões e já se conhecem indicadores básicos para definir o perfil sociodemográfico dos eleitores do Chega em 2024.
“Não é a CDU que alimenta o Chega”
Sabemos que o Chega atraiu muitos homens, poucos idosos e poucos universitários. Sabemos que os eleitores que votaram no Chega decidiram o voto antes da semana das eleições, em contraste com os eleitores dos outros partidos recentes, que decidiram só dias antes. E também sabemos que, antes de votarem no Chega, muitos não votavam ou votavam no PS.
“Com base na recolha de dados feita no dia das eleições em todo o país, vê-se que o Chega cresce junto da abstenção e do PS”, diz
João António, desde 2011 responsável técnico pelas sondagens políticas da Universidade Católica Portuguesa e do Centro de Estudos e Sondagens de Opinião (Cesop), que fez uma sondagem à boca das urnas, cujos dados estão a ser tratados. “Também vêm um pouco do PSD”, diz, “mas pouco”.
Basta ver, nota o investigador, que não há diferença entre os
resultados eleitorais da Aliança Democrática (AD) de 2024 e a soma do PSD e CDS das
eleições de 2022.
“A transferência de voto — insiste o investigador do Cesop — vem sobretudo da abstenção e do PS, o que confirma os dados das sondagens feitas durante e antes da campanha. Os números dizem-nos que pode haver uma sugestão geral de que o PS perdeu directamente para o Chega. Não é a CDU que alimenta o Chega.”
Contrariando o que é repetido muitas vezes, João António sublinha: “Não é a CDU e nunca foi. Pode haver uma terra ou outra onde a CDU desceu e o Chega subiu, mas isso não tem significado estatístico.”
O investigador dá o
exemplo de Beja. “A CDU não elegeu nenhum deputado em Beja e perdeu três pontos percentuais em comparação com as legislativas de 2022 — desceu de 18,42% para 15,03%. E, em Beja, o Chega subiu de 10,27% para 21,55%. Mesmo que os três pontos percentuais que a CDU perdeu tenham todos votado no Chega — o que eu não acredito, pois é mais plausível que uns tenham morrido, outros tenham votado no PS e noutros partidos e alguns no Chega —, o Chega quase duplicou em Beja. Os votos tiveram de vir de outro lugar. O que vemos de Norte a Sul do país é que o Chega cresce à custa do PS, da abstenção e, menos, do PSD.”
Em 2019, a abstenção foi de
51,43% e, em 2022, de
48,6%. Falta contar os votos dos emigrantes — serão públicos a 20 de Março — pelo que a taxa poderá aumentar, mas, para já, a abstenção está em 33,77%. Nestas eleições, diz o investigador do Cesop, “os antigos abstencionistas saíram de casa para votar Chega”.
58% são homens
O que mais se sabe? Na noite eleitoral, Pedro Magalhães, cientista político do Instituto de Ciências Sociais (ICS), da Universidade de Lisboa, apresentou alguns dados na SIC, com base num inquérito feito à boca das urnas pela GfK, numa parceria ICS/ISCTE.
Os dados mostram que 58% dos eleitores do Chega são homens e 42% são mulheres, o que é a maior percentagem de todos os partidos com assento parlamentar.
Por ordem decrescente, esta é a divisão dos eleitores por género: CDU, 56% homens/44% mulheres; Iniciativa Liberal (IL), 54% homens/46% mulheres; AD, 49% homens/51% mulheres; Livre, 48% homens/52% mulheres; e PS, 46% homens/54% mulheres. Bloco de Esquerda (BE) e Pessoas-Animais-Natureza (PAN) estão no extremo oposto: 38% dos eleitores do BE são homens e 62% são mulheres, e 25% dos eleitores do PAN são homens e 75% são mulheres.
Poucos velhos, poucos jovens
Nos grupos etários, mostrou Magalhães na SIC, é notório que o Chega atrai poucos votos nos eleitores com mais de 65 anos. Nestas eleições, só 9% dos eleitores do Chega têm mais de 65 anos e, nisso, o partido está em linha com todos os partidos mais recentes.
Por ordem: dos eleitores da IL, só 4% têm mais de 65 anos; seguido do Livre (6%), Chega (9%), PAN (10%) e BE (12%).
Já nos partidos históricos, as pessoas com mais de 65 anos são parcelas importantes: no PS são 34%, na CDU, 30%, e na AD, 20%.
Os jovens, sem surpresa, votam sobretudo nos partidos mais novos. Mas, desses, o Chega é o que menos jovens atraiu nestas eleições. A 10 de Março, a percentagem de eleitores entre os 18 e os 34 anos foi esta: 49% dos eleitores da IL; 44% do Livre; 39% do PAN; 33% do BE; e 32% do Chega.
Os partidos da fundação da democracia estão todos abaixo dos 30%: 22% dos eleitores da AD têm entre 18 e 34 anos; 16% da CDU e 10% do PS.
Mas quando se olha para eleitores ainda mais novos, entre os 18 e os 24 anos, o cenário é diferente, diz João António. “É a AD que atrai mais, a seguir o Chega, depois a IL e, só a seguir, PS, BE e Livre e, esses três, por igual”.
Para o investigador do Cesop, as sondagens à boca das urnas mostram que “o PS não está a conseguir captar jovens”: “Os jovens dos 18 aos 24 anos não se lembram de um governo que não seja do PS, é normal que queiram outra coisa. Querem uma mudança? Temos de estudar. Os jovens não decidem eleições, mas é interessante ver que tenham ido tão à direita porque, tradicionalmente, os jovens são mais de esquerda.”
55% fez secundário
Outra pergunta feita aos eleitores à saída das mesas de voto foi sobre a instrução completada. Estudou até que nível? As respostas já tratadas “confirmam o que já sabíamos”, diz o especialista do Cesop. “O Chega tem sobretudo eleitores que fizeram o ensino secundário, já sabíamos isso há bastante tempo.”
Os número do ICS/ISCTE apresentados na noite eleitoral mostram isso: 55% dos eleitores do Chega fizeram o secundário (a maior percentagem de todos os partidos).
Mas há uma mudança nestas eleições, nota João António: “Ao contrário do que vimos há cinco anos, o Chega está a entrar nas pessoas com ensino superior. O partido já poderá ter entre 25% a 30% de eleitores licenciados.”
De novo, os dados apresentados por Magalhães na SIC confirmam: 22% dos eleitores do Chega têm curso universitário. É a menor percentagem de todos os partidos, mas é uma das novidades destas eleições.
No conjunto, estes são os números do ICS/ICSTE: 64% dos eleitores do Livre completaram o ensino superior; 56% da IL; 43% da AD e do BE; 38% do PAN; 29% da CDU; e 28% do PS.
O PS é o partido que tem a repartição mais equilibrada (35% abaixo do secundário; 37% secundário e 28% ensino superior) e o Livre é o mais díspar (4% abaixo do secundário; 32% secundário e 64% ensino superior).
No Chega, são 24% abaixo do secundário; 55% com secundário e 22% com ensino superior.
Estrangeiros e espiral de silêncio
Duas notas finais destacadas pelos especialistas. Ricardo Ferreira Reis, director do Cesop, identifica uma correlação nacional de 58% entre presença de estrangeiros e voto no Chega.
“Não são os estrangeiros que explicam o crescimento do Chega, mas este é um de muitos factores.” Ferreira Reis fala dos distritos onde há mais estrangeiros, sejam ou não eleitores, e diz: onde há mais estrangeiros, há mais voto no Chega.
A outra nota é uma inédita espiral de silêncio. “Nunca tinha visto uma espiral de silêncio nos eleitores do PS”, diz António Salvador, director-geral da Intercampus, que faz sondagens políticas há quase 30 anos. “Muitas pessoas não quiserem sequer participar nos inquéritos, não queriam dizer que iam votar no PS.” Porquê? “É uma mistura de desconforto, desilusão e dúvida.”