Tu dizes isso porque Bernie Sanders é um "europeu" defensor da social democracia ao bom estilo europeu.
Mas aqui mais uma vez falha se em perceber a génese de um país e a sua mentalidade.
EUA foi criado no liberalismo.
Eles têm a mentalidade do self made man, do culto da individualidade e de singrares com o.minimo de estrutura estatal.
A social democracia nos EUA é um projecto utópico.
Nunca irá acontecer porque não foi assim que o país nasceu.
E em última análise pela sua composição social.
O paradoxo social faz parte da cultura americana, do "sonho americano".
Se a pobreza for menos que determinado patamar, acaba a narrativa de tudo o que América é.
Os Estados Unidos são um rol interminável de coisas. Não só tiveram Reagan como Roosevelt. Não apenas valorizam a liberdade do indivíduo como preservam a importância da comunidade. Se actualmente as administrações dão borlas fiscais aos mais ricos, no passado taxaram brutalmente os que mais têm. Os Estados Unidos chegaram a ter mais de um terço da força de trabalho sindicalizada. A realidade social, económica e política dos Estados Unidos nem sempre foi esta. O país é cada vez mais desigual, uma tendência de perdura há décadas. O sonho americano está morto, os americanos sabem-no e estão zangados.
Os tempos mudaram e continuam a mudar. Em tempos normais, Trump não seria eleito. Trump mostra-nos a magnitude da transformação, do liberalismo globalizante para o proteccionismo nacionalista, do país arquitecto e líder da ordem internacional para a federação voltada para si própria. O Partido Republicano actual, mantendo o nome, tornou-se algo em muito distinto. Os eleitores não se importaram. Estão-se nas tintas para isso.
O estratega da primeira candidatura de Trump, Bannon, defende que se aumente a progressividade dos impostos e se taxe os mais ricos. Parte do eleitorado de Trump não estará tão longe de Bernie Sanders quanto se possa imaginar. Mais depressa rejeitará figuras como Clinton, Biden e Kamala. Há eleitores que votaram em AOC e em Trump. Nem tudo se reduz a ideologia, categorizações e teoria política. Compreender, expressar e fazer políticas para as pessoas são capacidades que contornam clivagens tradicionais. A oportunidade política está lá. Os salários estagnados, a desigualdade crescente, as injustiças do sistema de saúde e de educação americanos, a aversão às elites... sobretudo a frustração e o desejo de mudança.
A popularidade de Bernie Sanders seria impensável há não muito tempo atrás. Encaminhava-se, será legítimo pensar, para a conquista da nomeação democrata caso o próprio partido não lhe houvesse puxado o tapete. Sanders compreende que há vontades maioritárias entre os eleitores norte-americanos: a maioria dos norte-americanos deseja um serviço universal de saúde; a maioria dos norte-americanos defende que o ensino superior seja gratuito; a maioria acredita que os mais ricos e as grandes corporações têm demasiado poder; a esmagadora maioria acredita que a desigualdade económica é grande e que a riqueza deve ser melhor distribuída; a esmagadora maioria acredita que o sistema eleitoral norte-americano é disfuncional e distorcido por interesses financeiros; que as corporações devem pagar mais impostos e o salário mínimo federal deve ser aumentado...
Os Estados Unidos não terão de se transformar no apogeu da social-democracia europeia ou escandinava, mas tão pouco estão condenados àquilo que são hoje. Pouco é adquirido, imutável ou definitivo.