@Di Charis ,
em nenhuma parte escrevi a favor de reparações. Nem creio que o tema se deva colocar nesses termos. Creio sim que há uma responsabilidade inegável sobre décadas e séculos de esclavagismo, imperialismo, colonialismo e neocolonialismo que tiveram e têm um impacto profundo tanto no desenvolvimento das potências favorecidas como no subdesenvolvimento de populações e regiões exploradas. Que as práticas sejam generalizadas ou que a história mundial se encontre repleta de malfeitorias... não me parece que altere de forma substantiva a responsabilidade que existe (ou deveria existir) entre beneficiários de processos de exploração de longa duração (e recentemente concluídos) e aqueles que foram prejudicados. Até porque essas dinâmicas arrastam-se no tempo até hoje e continuam a penalizar as populações e os territórios. Em 70 ainda havia colónias, não falamos de tempos de Cleopatra e de Aztecas. Há medida que se recua no tempo, diluem-se os argumentos.
Se por um lado é fácil imputar culpas a outros, o mesmo se aplica ao sacudir de água do capote após longuíssimos períodos de exploração, esbulho de recursos ou até mesmo de criação artificial de fronteiras e unidades territoriais. Não se reprimiu apenas as zonas afectadas, desenvolveram-se também os países colonizadores. As ex-colónias entram num sistema internacional e num mercado global já estruturados e hierarquizados, entram pobres, sem indústrias, com instituições frágeis ou inexistentes... para competir com quem beneficiou e se desenvolveu também por acção da expansão territorial, da ocupação, do tráfico de seres humanos, da extracção de matérias-primas... não se pode passar um pano sobre estes fenómenos. O actual sistema de relações entre países tem que ver com esse passado recente.
Muitos fazem e aconteceu em vários sentidos. Sim, mas cada um deve assumir o seu papel histórico e a consequente responsabilidade. E a responsabilidade será tanto maior quanto mais prolongado, extenso e recente for o fenómeno, a par das suas consequências presentes. Não falo de reparações mas sim de cooperação económica, social, política... de um conjunto abrangente de acções que auxiliem o desenvolvimento dos países explorados. Creio que os países colonizadores deveriam empenhar-se mais nesse sentido. A dívida contraída, em casos assumida de tempos passados, noutros feita com o objectivo de recuperar o atraso, muita com condições penalizadoras... é uma das áreas de actuação que deve ser (e já é) repensada.
O argumento moral e ético tão pouco chega a tudo, diga-se ainda. O atraso que resultou dos processos de exploração é real e concreto, tem ramificações até ao dia de hoje. Tal como os benefícios obtidos produziram um avanço concreto nas metrópoles. Não podemos ignorar as consequências materiais das coisas, que existem à margem de quaisquer mudanças de padrões de moralidade. Não estou a afirmar que, da posição presente, o que aconteceu foi moralmente repreensível do ponto de vista ético. Embora isso também tenha que se lhe diga... deveríamos então tentar perceber o juízo moral dos colonizados acerca da exploração a que os próprios foram sujeitos. Quando falamos que os padrões morais mudaram... falamos dos padrões dos próprios colonizadores. ... mas também não coloco as coisas nesse plano. Aponto apenas que existe responsabilidade concreta pelo estado actual das antigas colónias.