Acho sempre imensa piada quando alguém diz que vai explicar coisas pela ciência e depois contradiz a esmagadora maioria dos cientistas que trabalham nessa área.
A ameaça das alterações climáticas é isso mesmo: uma ameaça. Os estudos apontam para uma alteração quase irreversível aos 1,5ºC e não consequências apocalípticas para a atual situação.
O que referem os cientistas é que um aumento da temperatura a partir de 1,5ºC provocará alterações graduais cada vez mais rápidas que não permitirão esse retrocesso. A previsão disso é para 2050, ou seja, a tal previsão catastrófica que referes coloca uma alteração de 0,4ºC para os próximos 30 anos. Em termos matemáticos, é o momento em que a escala deixará de ser logarítmica e passará a ser exponencial já que, a esta velocidade, prevê-se um aumento até os 2ºC antes de 2100. Mas antes de 2100, haverá muito a acontecer:
Falamos de uma aceleração de correntes marinhas (e alteração de correntes devido à redução gradual e instabilidade do vento), aquecimento dos oceanos, que provocaria - aliás, já provoca, aproximadamente 15% - a morte dos corais, que são a base de toda a cadeia alimentar marinha. Cadeia essa que produz mais de 50% de todo o oxigénio da atmosfera.
Falamos da devastação dos "pulmões", não só na Amazónia, mas das grandes massas verdes que têm sido devastadas pelo fogo um pouco por todo o mundo. Estas pequenas alterações têm provocado uma prevalência maior de "desastres naturais". Fenómenos meteorológicos como ciclones, secas, ondas de calor/frio tornam-se mais comuns e atingem áreas que antes não eram atingidas.
Falamos da desertificação dos solos, devido ao uso de químicos, de monoculturas e à escassez de água que tem provocado uma redução na produção de alimentação. Hoje em dia, para obteres o mesmo nível de produção agrícola dos solos, precisas de 50% mais fertilizantes do que há 50 anos.
Falamos do esgotamento de recursos naturais (especialmente água potável) devido à interrupção dos ciclos hidrológicos, e ao contágio dessa mesma água nos lençóis freáticos pelo abuso de químicos e de metais industriais.
Creio que a maioria das pessoas acha que o cenário devastador é uma destruição planetária. Isso não acontecerá. O planeta há de cá ficar mais uns milhares de milhões de anos, até o sol implodir ou outra galáxia chocar com a nossa. O que cada uma destas coisas implica é a redução das condições de habitabilidade do planeta.
Os tais eventos de extinção maciça que referiste aconteceram, mas aquilo que provocou a extinção não foi o evento em si. Erupções explosivas, megachoques (gosto de inventar palavras) tectónicos, meteoritos a colidirem na Terra, etc, não matam 85% da vida por todo o planeta. O que o faz são as nuvens de cinza que cobrem a superfície e impede a absorção do calor solar, que por sua vez causa uma era glaciar que congela as cadeias alimentares. Ou a libertação de quantidades incomportáveis de dióxido de carbono que provoca um efeito de estufa e coze essas mesmas cadeias. Ou uma redução tão drástica de oxigénio na atmosfera que sufoca organismos multicelulares. Tenho ideia que uma delas foi motivada pela criação do supercontinente que provocou uma estagnação das correntes marinhas e acumulação de dióxido de carbono que limpou - adivinhaste - os corais. O equilíbrio necessário para manter a vida na Terra não é só alterado por eventos extremos, mas neste caso, por uma deterioração contínua e cada vez mais agressiva dessas condições que mantêm esse equilíbrio.
E claro, consumimos demasiado.
O mundo desenvolvido sofre atualmente de escassez populacional que alimente o sistema económico que vivemos, e que provocará o descalabro dos sistemas financeiros existentes, por falta de financiamento dos já deficitários sistemas sociais responsáveis pela saúde e pensões, que se agudiza à medida que a média de idades aumenta. E somos culpados de tudo o que está em cima, devido ao nosso consumo individual bem acima da média, em alguns países, três vezes a mais do que aquilo que o planeta consegue sustentar.
O mundo subdesenvolvido, pelo contrário, tem um consumo muito sustentável per capita, mas é culpado de sobrepopulação e terá na saúde e na alimentação os seus grandes desafios, porque o planeta não consegue sustentar a quantidade estúpida de humanos que países como a China, Índia, Bangladesh, Nigéria e por aí fora estão a produzir. E as suas condições sanitárias continuarão a provocar doenças contagiosas que a globalização encarrega de transmitir pelo mundo todo, à medida que o próprio aquecimento global liberta novos vírus e bactérias presos nos glaciares há milhões de anos.
Resumindo, quando traçam um cenário "apocalíptico", é porque se junta 2+2 e observa-se um mundo indesejável, com doenças, miséria, escassez de comida e com maior ocorrência de desastres. O alarmismo deve-se a três factos:
1) Embora 2050 seja a previsão, o ponto de inflexão para não permitir que isso aconteça é 2027;
2) Hoje em dia, a comunicação social é sensacionalista e qualquer comentador sabe tudo sobre tudo, por isso é que acabam todos na política;
3) A única alteração bem sucedida na história humana, no que ao ambiente diz respeito, teve a ver com os gases CFC que prejudicavam a camada de ozono, e que foram banidos pelo Protocolo de Quioto. Isso aconteceu devido à pressão popular cada vez maior, que gerou alterações na utilização desses gases em aerossóis, e que obrigou à utilização de filtros industriais (e quotas) para as emissões. A adaptação ocorreu na base da produção, a consequência para o average Joe foi... Zero. Não teve de se preocupar com nada, não perdeu nada, não sacrificou nada. Atualmente, para que se inverta este caminho, não bastam as empresas alterarem procedimentos. A população em geral terá de mudar os seus hábitos de consumo. Sim, aquelas pessoas que se recusavam a usar uma máscara para não apanharem uma doença contagiosa precisam de alterar os seus hábitos de alimentação e de perceberem que vários artigos que hoje em dia tomam como garantidos irão encarecer devido à alteração da sua composição para materiais recicláveis/renováveis, causando-lhe perda do poder de compra. Boa sorte com isso.