Amanhã, a Juventude Leonina vai à Academia. Amanhã? Sim, amanhã. Foram estas as mensagens telefónicas enviadas por Bruno Jacinto, oficial de ligação do Sporting com os adeptos (OLA), a André Geraldes, então team manager dos leões, que provam que pelo menos um responsável do clube foi avisado da invasão da Juventude Leonina a Alcochete que provocou ferimentos em jogadores, técnicos e funcionários sportinguistas, incluindo o treinador Jorge Jesus.
O alerta foi dado a 14 de maio de 2018, um dia antes do ataque, e terá sido desvalorizado ou mesmo ignorado por Geraldes, que não respondeu às mensagens. Quando foi ouvido pelo Ministério Público, o ex-team manager disse não se lembrar se recebeu ou não as mensagens, mas, um mês antes, em declarações ao Correio da Manhã, admitiu que as tinha recebido, embora não lhes tivesse dado importância.
Problema: estas mensagens não constam da acusação nem do processo, e o coletivo de juízes presidido por Sílvia Rosa Pires só sabe que existem porque Bruno Jacinto o disse na primeira sessão do julgamento, que começou esta semana no Tribunal de Monsanto, em Lisboa. O ex-oficial de ligação, ele próprio um antigo membro da Juve Leo, insiste na tese de que não pode ser responsabilizado criminalmente por nada do que aconteceu porque cumpriu a obrigação de avisar quem tinha de avisar. Mesmo assim, o MP acusa-o de ser um dos autores morais da invasão, uma vez que há outras mensagens de WhatsApp, estas recuperadas, em que ele diz que os jogadores eram bem malhados.
Por alguma razão que não conseguiu explicar, Bruno Jacinto apagou as mensagens que enviou a André Geraldes, e a polícia não as conseguiu recuperar, porque não tem um programa informático que o permita. O telemóvel de André Geraldes foi apreendido pela PJ, mas no âmbito de outro processo, o Cashball, que está a ser investigado no DIAP do Porto, por suspeitas de corrupção em jogos de andebol e de futebol há um ano e meio, ainda sem despacho de acusação ou de arquivamento.
A procuradora Cândida Vilar tentou ter acesso ao conteúdo do aparelho, mas, mais uma vez, esbarrou na falta de um software eficaz para recuperar as mensagens apagadas. O exame acabou por ser feito em Espanha, através de um programa informático israelita, mas, com os prazos para a manutenção da prisão preventiva dos arguidos a esgotarem-se, a magistrada teve de concluir a acusação, deixando André Geraldes e as mensagens que este recebeu de fora, frisando que a investigação não estava concluída, porque a PJ não tinha feito a peritagem ao telemóvel.
MENSAGEM CUSTA 3 MIL
Por causa deste desabafo/despacho, o Conselho Superior do Ministério Público aplicou uma multa de cerca de 3 mil a Cândida Vilar, acusando-a de falta de zelo, uma vez que a procuradora devia ter mandado extrair uma certidão para investigar Geraldes num processo à parte. Ao invés disso, arrolou-o como testemunha, impedindo que pudesse ser julgado por qualquer tipo de envolvimento nos incidentes de Alcochete. A multa foi paga esta semana, apesar de a magistrada ir recorrer da decisão para o Supremo Tribunal Administrativo.
E as mensagens de Jacinto para Geraldes? Na fase de instrução, Cândida Vilar disse ter novas provas a apresentar durante o julgamento. Entre elas está uma mensagem de Geraldes para o ex-presidente Bruno de Carvalho a perguntar se queria que fosse para cima dos jogadores. Como foi enviada em 2016, é pouco provável que tenha alguma ligação com a invasão de Alcochete, que ocorreu dois anos depois. Segundo uma fonte judicial ouvida pelo Expresso, Cândida Vilar pediu também as mensagens de Bruno Jacinto, mas estas ainda não terão sido juntas ao processo, que já está a decorrer no Tribunal de Monsanto. Porquê? Não é claro. Uma fonte judicial diz que o pedido à PJ do Porto já foi feito mas ainda não foi executado; e outra diz que o MP já teve acesso a toda a informação que pediu.
Mensagens estão na posse da PJ do Porto por causa do processo Cashball
De acordo com Germano Marques da Silva, advogado e professor de Direito, as mensagens que não fazem parte da acusação podem ser usadas como prova mas não podem servir para imputar novos crimes aos arguidos que estão em julgamento. Neste caso em concreto serviriam para demonstrar que o presidente do Sporting, através de André Geraldes, foi avisado da invasão.
Grande parte das provas reunidas pelo MP assenta em mensagens de telefone trocadas em grupos de WhatsApp, como o Piranhas on Tour, Exército Invencível e Academia Amanhã. Os arguidos planearam a invasão de Alcochete e decidiram quem batia em quem e quem seriam os principais alvos a abater. Levam todos, até o Paulinho, dizia uma das mensagens, referindo-se ao técnico de equipamentos do clube, deficiente físico.
Na última sessão desta semana do julgamento, o advogado Miguel A. Fonseca fez questão de perguntar ao sargento da GNR que conduziu as investigações: Quantas mensagens de WhatsApp dirigidas a Bruno de Carvalho a investigação detetou? Não há, respondeu João Monteiro. Zero? Posso apontar, então? Pronto. E reencaminhadas? Também zero? Zero, admitiu o investigador.
https://tribunaexpresso.pt/atualidade/2020-01-31-O-SMS-desaparecido-que-pode-decidir-Alcochete