H
hast
Guest
Natural de Vila Nova de Gaia 21 de Novembro de 1961
EM jogo, João Pinto não deixou, nunca, de conservar, no que isso tem de mais puro, de mais fascinante, o espírito do operário que ele foi, carregando nos ombros as durezas de uma vida amarga, de luta, para que, assim, com o suor do rosto, com a força de dois braços que não cediam na labuta, ao menos vencesse provações, misérias. Por isso, talvez ninguém o tenha definido tão bem como Bobby Robson, no ano passado, quando o lateral-direito do F. C. Porto assinou a sua centésima internacionalização: «Tem um carácter invulgar, uma enorme vontade de vencer, uma atitude irrepreensível. Até parece que tem dois corações e quatro pernas. É muito difícil encontrar um jogador como João Pinto, com tanto entusiasmo, com tanta motivação, com tanta ambição. Mesmo quando se lesiona, não há dores, não há nada.»
Um profissional portista a ganhar... 20 contos!
Foi sempre assim. Só em 1980 assinou o seu primeiro contrato como futebolista profissional, no F. C. Porto, a troco de 20 contos no primeiro ano, 25 no segundo e 32 no terceiro que passara a 50 quando quando já conquistara a titularidade, mas ainda ia para as Antas num utilitário Fiat 127, admitindo que gostaria de ter um carro melhor, mas que o que tinha dava e sobrava para ir aos treinos e que o dinheiro era preciso para outras coisas, como, por exemplo, para acabar de pagar o apartamento que comprara para viver com Mary, filha de um industrial gaiense com quem se casara no defeso dessa temporada de 1983. «Quando o sr. Pedroto fez de mim titular, aumentaram-me o ordenado mensal de 32 para 50 contos, mas, mesmo assim, continuava a ser o jogador mais barato da equipa, embora houvesse quem pensasse que eu ganhava milhões... Quando falava nessa verba aos meus companheiros, ficavam admirados, mas nunca quis chatices, se assinara por esse dinheiro, o contrato seria para cumprir até ao fim. Só no final dessa época, revalidando o contrato, é que passei a ganhar um bocado melhor, mas continuei longe de ser dos mais bem pagos jogadores portugueses...»
Um ano antes, João Pinto apanhara o primeiro grande susto da sua vida ao lesionar-se, no pé direito, num jogo com o Varzim. «O dr. Espregueira Mendes disse-me que tive uma sorte danada em não ter de submeter-me a operação melindrosa. Sabe que foi por causa de uma lesãozita que o meu pai deixou de jogar futebol? Jogava no Oliveira do Douro, parece que era defesa-central e trabalhava na Salvador Caetano, exercendo as funções de encarregado de chapeiro. Um dia, chegou a casa lesionado e a minha mãe meteu-lhe a faca ao peito dizendo-lhe que tinha de optar por ela ou pelo futebol. Claro, optou pela mãe, que fez tudo para que eu não jogasse à bola. Chegava suado e apanhava coças. Sem os meus pais saberem, fui-me treinando no Oliveira do Douro. Queriam que eu fizes-se parte da equipa de iniciados e deram-me uns papéis para assinar. Fui directo ao meu pai, ele assinou, a minha mãe nunca mais me disse nada.»
Até houve comemoração com o vinho americano que é especialidade que o pai faz na terreola, no dia em que o João passou a jogar nos juvenis do F. C. Porto. Nunca mais mudaria de camisola. Andava ele no terceiro ano quando desistiu da escola, pedindo ao pai que o metesse na Salvador Caetano. «Foi assim que fui para estofador, profissão que só abandonei após ter feito o primeiro contrato como profissional de futebol, em 1980. Mas, se não tivesse sorte ou se acontecesse alguma coisa má, continuava com as portas abertas na empresa, onde me deram sempre grandes liberdades para me treinar. Só assim me foi possível ir ao estrangeiro integrado nas Selecções de juvenis e de juniores, talvez o fizessem por o meu pai ser o operário mais antigo da fábrica, pela consideração que tinham por ele.»
Único português «capitão» de uma Selecção do Mundo
João Pinto começara a jogar, nos iniciados do Oliveira do Douro, como extremo-esquerdo. Nas categorias jovens do F. C. Porto só não actuou a... guarda-redes, foi defesa, foi médio, foi avançado, quer na direita quer na esquerda. Quando Pedroto o lançou na equipa de honra, utilizou-o, inicialmente, como defesa-esquerdo... Não seria por muito tempo. Perdendo Gabriel, descobriu, com o seu sentido visionário, que estava ali o substituto de que precisava para... suplantar até o substituído. Assim aconteceu. Eram os primeiros passos para uma carreira fabulosa, como há poucas em Portugal, de tal forma que, quando João Pinto, que já somara nove internacionalizações em esperanças, 20 em juniores e quatro em juvenis, bateu o record nacional que pertencia a Nené, com 66 jogos na Selecção A, Pinto da Costa, depois de abraçá-lo com emoção e de considerá-lo o «atleta n.º 1 do F. C. Porto», retocou-lhe ainda com mais brilho o retrato: «O record de internacionalizações é apenas mais um facto a acrescentar à carreira brilhante de João Pinto, pois, para além disso, ele foi já o capitão da equipa do F. C. Porto que ganhou a Taça dos Campeões, em Viena, venceu a Taça Intercontinental e a Supertaça Europeia, vai a caminho das sete vitórias em Campeonatos Nacionais e foi o único português a ter a honra de capitanear uma selecção mundial na festa de despedida de Zico, depois de ter jogado, igualmente, na Selecção do Mundo, na festa de Platini.» Só não alargou mais o fosso em relação a Nené porque, antes de o Campeonato terminar, teve de sujeitar-se a complicada operação, que o atacara logo no arranque da época, mas não quis parar, jogou até resistir com dores, em mais um sinal do seu espírito, da sua galhardia. Mesmo assim, chegou às 70 internacionalizações A.
Impressionante. Ou mais um sinal desse seu jeito para vencer até o destino. João Pinto, que na infância adorava correr, pelo que Carlos Lopes ficaria para sempre como seu ídolo, pedindo meças a Pavão, o outro, em Fevereiro de 1986, pouco depois de lhe terem nascido as duas filhas gémeas, chegou a parecer condenado para a prática do futebol, sendo operado, quase de emergência, para extracção de líquido na pleura. «Nessa época, não estava, de facto, a atingir o nível exibicional de anos anteriores, devido à doença, os médicos diziam que esse problema dos pulmões vinha de trás, mas que eu nunca me queixei. Talvez. O mais provável é que os derrames tivessem sido causados por contusão provocada por um adversário, mas, no calor da luta, se calhar nem dei por isso. Os problemas agravaram-se no jogo da Selecção, entre Portugal e a Finlândia, em Leiria, ao fim da primeira parte comecei a sentir dificuldades respiratórias, tive de ser substituído, no domingo seguinte, depois de jogo com o Estoril, fui hospitalizado. Ficou toda a gente em pânico, mas nunca me passou pela cabeça que deixaria de jogar, apesar de haver muita gente que pensava que esse era risco sério. Por exemplo, antes da operação até telefonaram para as Antas, dizendo que eu já tinha morrido. Só tive medo quando, depois da operação, já não tinham mais sítio algum para espetar o soro, nas veias dos braços, e disseram que tinha de ser no pescoço, mas, felizmente, não foi preciso.» Dois meses e picos depois, regressou aos relvados e ainda a tempo de ser convocado para o México...
EM jogo, João Pinto não deixou, nunca, de conservar, no que isso tem de mais puro, de mais fascinante, o espírito do operário que ele foi, carregando nos ombros as durezas de uma vida amarga, de luta, para que, assim, com o suor do rosto, com a força de dois braços que não cediam na labuta, ao menos vencesse provações, misérias. Por isso, talvez ninguém o tenha definido tão bem como Bobby Robson, no ano passado, quando o lateral-direito do F. C. Porto assinou a sua centésima internacionalização: «Tem um carácter invulgar, uma enorme vontade de vencer, uma atitude irrepreensível. Até parece que tem dois corações e quatro pernas. É muito difícil encontrar um jogador como João Pinto, com tanto entusiasmo, com tanta motivação, com tanta ambição. Mesmo quando se lesiona, não há dores, não há nada.»
Um profissional portista a ganhar... 20 contos!
Foi sempre assim. Só em 1980 assinou o seu primeiro contrato como futebolista profissional, no F. C. Porto, a troco de 20 contos no primeiro ano, 25 no segundo e 32 no terceiro que passara a 50 quando quando já conquistara a titularidade, mas ainda ia para as Antas num utilitário Fiat 127, admitindo que gostaria de ter um carro melhor, mas que o que tinha dava e sobrava para ir aos treinos e que o dinheiro era preciso para outras coisas, como, por exemplo, para acabar de pagar o apartamento que comprara para viver com Mary, filha de um industrial gaiense com quem se casara no defeso dessa temporada de 1983. «Quando o sr. Pedroto fez de mim titular, aumentaram-me o ordenado mensal de 32 para 50 contos, mas, mesmo assim, continuava a ser o jogador mais barato da equipa, embora houvesse quem pensasse que eu ganhava milhões... Quando falava nessa verba aos meus companheiros, ficavam admirados, mas nunca quis chatices, se assinara por esse dinheiro, o contrato seria para cumprir até ao fim. Só no final dessa época, revalidando o contrato, é que passei a ganhar um bocado melhor, mas continuei longe de ser dos mais bem pagos jogadores portugueses...»
Um ano antes, João Pinto apanhara o primeiro grande susto da sua vida ao lesionar-se, no pé direito, num jogo com o Varzim. «O dr. Espregueira Mendes disse-me que tive uma sorte danada em não ter de submeter-me a operação melindrosa. Sabe que foi por causa de uma lesãozita que o meu pai deixou de jogar futebol? Jogava no Oliveira do Douro, parece que era defesa-central e trabalhava na Salvador Caetano, exercendo as funções de encarregado de chapeiro. Um dia, chegou a casa lesionado e a minha mãe meteu-lhe a faca ao peito dizendo-lhe que tinha de optar por ela ou pelo futebol. Claro, optou pela mãe, que fez tudo para que eu não jogasse à bola. Chegava suado e apanhava coças. Sem os meus pais saberem, fui-me treinando no Oliveira do Douro. Queriam que eu fizes-se parte da equipa de iniciados e deram-me uns papéis para assinar. Fui directo ao meu pai, ele assinou, a minha mãe nunca mais me disse nada.»
Até houve comemoração com o vinho americano que é especialidade que o pai faz na terreola, no dia em que o João passou a jogar nos juvenis do F. C. Porto. Nunca mais mudaria de camisola. Andava ele no terceiro ano quando desistiu da escola, pedindo ao pai que o metesse na Salvador Caetano. «Foi assim que fui para estofador, profissão que só abandonei após ter feito o primeiro contrato como profissional de futebol, em 1980. Mas, se não tivesse sorte ou se acontecesse alguma coisa má, continuava com as portas abertas na empresa, onde me deram sempre grandes liberdades para me treinar. Só assim me foi possível ir ao estrangeiro integrado nas Selecções de juvenis e de juniores, talvez o fizessem por o meu pai ser o operário mais antigo da fábrica, pela consideração que tinham por ele.»
Único português «capitão» de uma Selecção do Mundo
João Pinto começara a jogar, nos iniciados do Oliveira do Douro, como extremo-esquerdo. Nas categorias jovens do F. C. Porto só não actuou a... guarda-redes, foi defesa, foi médio, foi avançado, quer na direita quer na esquerda. Quando Pedroto o lançou na equipa de honra, utilizou-o, inicialmente, como defesa-esquerdo... Não seria por muito tempo. Perdendo Gabriel, descobriu, com o seu sentido visionário, que estava ali o substituto de que precisava para... suplantar até o substituído. Assim aconteceu. Eram os primeiros passos para uma carreira fabulosa, como há poucas em Portugal, de tal forma que, quando João Pinto, que já somara nove internacionalizações em esperanças, 20 em juniores e quatro em juvenis, bateu o record nacional que pertencia a Nené, com 66 jogos na Selecção A, Pinto da Costa, depois de abraçá-lo com emoção e de considerá-lo o «atleta n.º 1 do F. C. Porto», retocou-lhe ainda com mais brilho o retrato: «O record de internacionalizações é apenas mais um facto a acrescentar à carreira brilhante de João Pinto, pois, para além disso, ele foi já o capitão da equipa do F. C. Porto que ganhou a Taça dos Campeões, em Viena, venceu a Taça Intercontinental e a Supertaça Europeia, vai a caminho das sete vitórias em Campeonatos Nacionais e foi o único português a ter a honra de capitanear uma selecção mundial na festa de despedida de Zico, depois de ter jogado, igualmente, na Selecção do Mundo, na festa de Platini.» Só não alargou mais o fosso em relação a Nené porque, antes de o Campeonato terminar, teve de sujeitar-se a complicada operação, que o atacara logo no arranque da época, mas não quis parar, jogou até resistir com dores, em mais um sinal do seu espírito, da sua galhardia. Mesmo assim, chegou às 70 internacionalizações A.
Impressionante. Ou mais um sinal desse seu jeito para vencer até o destino. João Pinto, que na infância adorava correr, pelo que Carlos Lopes ficaria para sempre como seu ídolo, pedindo meças a Pavão, o outro, em Fevereiro de 1986, pouco depois de lhe terem nascido as duas filhas gémeas, chegou a parecer condenado para a prática do futebol, sendo operado, quase de emergência, para extracção de líquido na pleura. «Nessa época, não estava, de facto, a atingir o nível exibicional de anos anteriores, devido à doença, os médicos diziam que esse problema dos pulmões vinha de trás, mas que eu nunca me queixei. Talvez. O mais provável é que os derrames tivessem sido causados por contusão provocada por um adversário, mas, no calor da luta, se calhar nem dei por isso. Os problemas agravaram-se no jogo da Selecção, entre Portugal e a Finlândia, em Leiria, ao fim da primeira parte comecei a sentir dificuldades respiratórias, tive de ser substituído, no domingo seguinte, depois de jogo com o Estoril, fui hospitalizado. Ficou toda a gente em pânico, mas nunca me passou pela cabeça que deixaria de jogar, apesar de haver muita gente que pensava que esse era risco sério. Por exemplo, antes da operação até telefonaram para as Antas, dizendo que eu já tinha morrido. Só tive medo quando, depois da operação, já não tinham mais sítio algum para espetar o soro, nas veias dos braços, e disseram que tinha de ser no pescoço, mas, felizmente, não foi preciso.» Dois meses e picos depois, regressou aos relvados e ainda a tempo de ser convocado para o México...