[o silêncio do Jorge]
o caixão no meio do relvado
onde antes os aplausos,
as bandeiras,
os gritos embriagados de cerveja
e de paixão
agora há um caixão
e silêncio
onde o Jorge gritou golo
há uma madeira fechada
que não devolve a bola
nem o tempo
ninguém lhe grita,
ninguém lhe chama bicho,
ninguém o manda recuar
ou pressionar
está tudo quieto,
o futebol pede desculpa:
sabe que não vale porra nenhuma
quando quem joga
não pode jogar mais
os colegas vestem fato,
os velhos da bancada choram:
são outra vez os putos que eram
quando ele chegou
mas ele já não chega
foi-se embora com as pernas dobradas
por um adversário que nunca vimos
nem veremos:
o tempo, o coração,
a puta da vida
e a sua respectiva morte
as chuteiras estão lá
penduradas numa memória:
dois cães sem dono
à porta de casa, na espera
infinita de quem não vem
o estádio ouve-se
a si próprio
nunca o conheci e
sinto que me falta alguém
que sabia bater no peito
e mostrar que ainda há alma
no jogo
o Jorge era dos que morrem
com a camisola vestida
agora é só silêncio e
o eco de um nome
gritado por vozes que nunca mais
vão ser as mesmas
adeus, Jorge.
o teu estádio está de luto.
o teu grito continua
a correr na linha lateral