O que está aqui em causa não é uma questão de moralidade, é de competência.
O que dizes parte de um ponto que, à superfície, parece razoável: dar tempo, dar pré-época, dar reforços.
Mas a pergunta que tem de ser feita é: dar tempo a quê? A que modelo? Com que base?
Tu próprio disseste que o Anselmi precisa de vários reforços.
Mas vamos por partes, porque o problema aqui nem é só dizer que são precisos reforços — é que nem os perfis que apontas encaixam no modelo de jogo que o próprio Anselmi tenta impor.
"1 médio centro de jeito"
O quê é um médio centro de jeito, será um médio de construção? Um box-to-box?
Porque no modelo do Anselmi, o meio-campo joga com dois interiores muito altos e um “líbéro” disfarçado a sair de trás.
Se metes um médio criativo a jogar de frente para o jogo, vais deixá-lo pendurado — sem apoios curtos, sem linhas de passe, sem espaço entrelinhas porque a ocupação do meio-campo no desdobramento para 3-4-3 dele é desorganizada.
"2 extremos de jeito"
E onde é que vão jogar, exatamente?
O Anselmi não usa extremos abertos clássicos.
Usa dois avançados interiores (falsos extremos, se quiseres), que jogam por dentro — e que precisam de entender-se com o avançado-centro e os médios que vêm de trás.
Ou seja, queres investir em extremos quando o modelo nem os acomoda — a não ser que mudes completamente o sistema.
"1 ponta-de-lança experiente com golo"
Claro, todos os clubes do mundo querem esse. Até no Distrital.
Mas se o tens, vais pedir-lhe que jogue isolado, sem apoio interior real, com cruzamentos que não chegam e num sistema onde não há ocupação de área consistente.
Basta ver o que (não) acontece com o Samu.
Podes ir buscar o Harry Kane — se for para estar sozinho entre centrais sem chegada, não serve de nada.
"1 líbero"
Aqui então é poesia total.
Sabes que tipo de jogador é que esse papel exige?
Alguém com leitura defensiva apurada para fechar transições.
Capacidade de subir ao meio-campo para participar na construção.
Velocidade para cobrir profundidade.
Tomada de decisão sob pressão.
E ainda liderança para orientar a linha defensiva.
O líbero no modelo do Anselmi tem de ser central com saída, médio com critério, velocista com timing e líder com voz.
Tens ideia de quantos jogadores no mercado sabem fazer isso tudo… e estão ao alcance financeiro do FC Porto?
É que nós estamos a falar do mercado como se houvesse vários Beckenbauers com cláusula de 3 milhões prontos a assinar. Isto numa posição para o qual nenhum jogador é formado porque é uma "posição morta".
E se arranjares um — quem vai proteger os centrais quando esse líbero sobe e deixa o espaço livre nas costas?
Que estrutura defensiva vai segurar esse risco?
Com os mesmos centrais lentos e ou sem leitura? Com laterais que não conseguem fechar por dentro?
Vamos ter de contratar laterais e centrais.
Ou seja, estás a dizer que ele precisa praticamente de uma equipa nova.
Então a pergunta é: se o modelo dele só pode funcionar com jogadores novos para todas as posições… será que o modelo é adequado ao que o clube pode oferecer?
E mesmo que todos cheguem — o que garante que os comportamentos coletivos, que hoje são descoordenados, vão magicamente encaixar?
Não estamos a falar de dar tempo a um treinador que está a mostrar caminho, mas precisa de afinar detalhes.
Estamos a falar de alguém que chegou há meses, e desde então a equipa piora em todos os indicadores — posicionais e comportamentais.
Quanto à Champions, dizes que falhar não é dramático.
Mas neste momento, falhar a entrada direta na Champions representa mais do que perder receitas.
É adiar a recuperação financeira, comprometer reforços, e manter o clube fora da montra que atrai talento.
E atenção: não se está a dizer que o treinador tem de sair “só porque perdeu.”
Tem de sair porque não melhorou nada — e insiste num modelo que não se adequa ao plantel, nem ao campeonato, nem ao momento do clube.
Portanto, sim, podemos dar pré-época, reforços e crédito.
Mas só se houver sinais de que há base para isso.
E neste momento, tudo o que vemos é um modelo que exige muito — mas dá pouco.
E esse tipo de aposta, para um clube como o FC Porto, não é ambição. É roleta.