O Século XX do Desporto

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1988 – slm derrotado na final da Taça dos Campeões Europeus

Estugarda e Viena sem glória
Em Estugarda, Toni levou o slm até onde era humanamente possível, isto é, até à marca das grandes penalidades. A infelicidade de Veloso e a inteligência de Van Breukelen ditaram a vitória do PSV Eindhoven.
Dois anos depois, em 1989/90, já com Eriksson à frente da nau, e com uma equipa totalmente remodelada, o slm foi uma vez mais derrotado. Nas meias-finais encontrou o maior obstáculo, o grande Marselha de Bernard Tapie, que já nessa altura preparava o assalto ao ceptro europeu. Os franceses não cumpriram devidamente a tarefa no Velódromo. Ganharam, sim, mas permitiram um golo aos encarnados (marcado pelo brasileiro Lima). Na segunda mão, o slm tinha 90 minutos para dar a volta a um resultado de 1-2. O Marselha não foi uma equipa ameaçadora mas revelou enorme consistência defensiva. Até que nos minutos finais, na sequência de lance confuso na grande área, a mão de Vata empurrou a bola para o fundo da baliza. Era o delírio nas bancadas e a revolta entre os franceses.
Em Viena o slm encontrava o Milan de Arrigo Sacchi. Também de Rijkaard, Gullit e Van Basten. E de Baresi, Maldini e Donadoni. Era a melhor equipa da Europa e a máxima referência do futebol dos anos 80. Eriksson, como Toni em Estugarda, sabia até onde podia ir a sua intervenção. Tapou bem os caminhos de acesso à baliza de Silvino mas não evitou o golo de Rijkaard.

Pete Sampras – Robot com magia
Também conhecido como pistol Pete ou shotgun Sampras — não corre vertiginosamente para o título de tenista do século, levando a palma a Rod Laver, o seu ídolo, a Bjorn Borg ou a John McEnroe, porque há uma falha incontornável no seu palmarès: vitória na terra dos deuses de Roland-Garros. Ele próprio o reconhece: «Só depois disso terei tudo.» Mas vários críticos lhe apontam outra falta grave: o carisma dos grandes senhores — o fogo da polémica, o instinto da rebeldia, o arrojo da aventura. Em si, tudo parece ter o efeito do robot — o génio sem alma, industrialmente programado. No entanto, Boris Becker haveria de abrir o elogio em leque: «Todas as pessoas vivem na busca do modelo ideal. Para um tenista, não é preciso ir muito longe, ninguém encontrará melhor do que Pete Sampras». Filho de emigrantes gregos, foi o pai que o inscreveu, aos oito anos, numa academia de ténis de Potomac, onde nasceu, no distrito de Columbia, a 12 de Agosto de 1971 — mas, por receio de ser traído pelos nervos, nunca conseguiu assistir a qualquer grande desafio de Pete. Com apenas 19 anos e 28 dias tornou-se o jogador mais jovem a vencer o US Open de 1990 — voltaria a ganhá-lo em 1993, 1995 e 1996. Em Wimbledon ultrapassou Borg, com seis vitórias, em 1993, 1994, 1995, 1997, 1998 e 1999 — triunfando na Austrália em 1994 e 1997. Em 1993 chegou, enfim, ao topo do Mundo — assumindo o primeiro lugar no ranking ATP, por lá se manteve para além das 270 semanas, ultrapassando Ivan Lendl (270) e Jimmy Connors (268). Ao longo do seu reinado — contestado sobretudo em situações mais ou menos dramáticas, quer pela morte trágica do treinador quer pelas sucessivas lesões nas costas — os seus prémios oficiais já ultrapassaram os 40 milhões de dólares.

1989 – Portugal bicampeão Mundial de juniores em Lisboa
Queirós e a geração de ouro
De um dia para o outro o País deu-se conta da possibilidade de um feito absolutamente impensável em toda a história do futebol português: a Selecção de sub-20 estava à beira de sagrar-se campeã do Mundo. Foi assim em Riade, em fins de Fevereiro, princípios de Março de 1989.
Quando Portugal bateu a Nigéria na final de Riade o país passou a ter olhos para Carlos Queirós, para o seu trabalho, entusiasmando-se com as proezas que, de repente, passaram a surgir com alguma naturalidade. Mas foi em 1991 que a bola de neve atingiu a máxima dimensão, no Mundial organizado por Portugal e para o qual partia com fortes probabilidades de êxito. Na memória de todos os adeptos do futebol está a final no Estádio da Luz, com lotação esgotada, partida em que o nome do adversário assustava só de pensar nele: Brasil. A vitória, garantida nos pontapés da marca de grande penalidade, através de remate vitorioso de Rui Costa, deu cor ao triunfo garantido antes mesmo da partida se iniciar: estavam lançadas as bases de uma Selecção como o futebol português nunca conhecera. Da junção do melhor de Riade — Vítor Baía (que acabou por não estar presente na fase final), Fernando Couto, Paulo Madeira, Paulo Sousa, Jorge Couto e João Pinto — com os mais representativos nomes da vitória de Lisboa — Jorge Costa, Rui Bento, Peixe, Figo, Capucho e Rui Costa — Portugal tinha condições para pensar que o tempo corria a seu favor. A caminhada não foi fácil, até porque a imposição desses jogadores conheceu obstáculos. Não foi imediata a titularidade nas equipas principais e à Selecção chegaram a conta-gotas, processo iniciado por Artur Jorge. Em 1991, altura a partir da qual não se melhorou nem aperfeiçoou na formação os métodos seguidos até aí, o futebol português ficava nas mãos de um grupo de jogadores extraordinários, uniformizados sob a sigla de geração de ouro. Ficava-lhes bem e por isso ficou. Ultrapassadas todas as dúvidas, levantados todos os entraves à sua afirmação plena, eles aí estavam a mostrar talento que os havia de conduzir a extraordinárias carreiras, na maior parte dos casos expressas no estrangeiro, em grandes clubes. O tempo passa depressa. Agora que o século se aproxima do fim e os meninos de ouro não tarda são todos ilustres trintões — alguns deles já lá chegaram mesmo — Portugal continua à espera da terra prometida.

Dionísio Castro – recordista mundial de 20 km
Dionísio Castro foi convidado para lebre no ataque ao record do Mundo dos 20 quilómetros em La Fléche. Aceitou e a 31 de Março de 1990 foi o relumbre — 57.18,4 minutos, deixando o inglês Carl Thackiery a mais de 10 segundos. «Puxava, puxava e o cansaço não aparecia. A certa altura comecei a dar palmadinhas nas costas dos adversários, para os incentivar a correr mais rapidamente. Até que me decidi a não parar e deu no que deu. Máximo de segunda categoria? Não me venham com larachas, que o Lopes e o Mamede também o tentaram e não o conseguiram.» E em vez de um, poderiam ter sido dois. «Não sei se não me roubaram dois metros para eu não bater o record da hora. É que, assim, teriam de me pagar mais 1600 contos. Acho estranho que, com o tempo aos 20 quilómetros, só se eu acabasse de rastos — e como até acelerei ainda mais.»
Na lista de recordistas de 20 quilómetros surgiam, antes de Dionísio, fulgentes heróis como Taavetti Kolehmainen, Paavo Nurmi, Emil Zatopek, Ron Clark, Gaston Roelants e Jos Hermans. Um ano depois o mexicano Arturo Barrios, que também destronaria Fernando Mamede como recordista dos 10 mil metros, perfaria a distância em 56.55,6 minutos — mas no ano 2000 Dionísio entrará ainda com o record da Europa.

Pouca magia, Mathäus e menos... Maradona, no Mundial de futebol
Alemanha tricampeã
Para esquecer. É a conclusão global do Campeonato do Mundo de Itália, em 1990, que não apresentou uma grande selecção e no qual a figura maior foi Lothar Mathäus, facto em si mesmo indiciador da pouca qualidade da prova. O alemão, que não possui o talento dos predestinados, potenciou o seu futebol à custa de muito trabalho físico, dedicação ao jogo e inteligência na forma como assimilou os ensinamentos dos vários mestres que o orientaram desde a primeira hora. Foi, muito provavelmente, a primeira grande figura de um Mundial que não obedecia a requisitos estéticos, à magia e ao génio dos artistas mais brilhantes. Nada contra o eterno Mathäus, que muito trabalhou para chegar ao topo do Mundo, que atinge o fim do século com 38 anos tendo boas razões para pensar que pode estar no Europeu de 2000, que foi grande à sua custa, que conseguiu tudo pelo trabalho. Mas a concepção do que é um jogador para a lenda obriga a maior exigência de classe natural, daquela arte que nasce incorporada.

O Mundial de Itália marca um retrocesso evidente: menos golos, menos magia, mais equipas a jogar para não perder e até esse pormenor de ter mostrado menos Maradona. O astro que iluminara o México-86 estava com mais quatro anos e dava sinais de menor frescura, apesar de manter o estatuto de maior esperança e ponto de referência intocável da selecção argentina, que em 1990, por sua vez, tinha ainda menos qualidade que quatro anos antes.
Apesar de tudo, Maradona ainda deixou as suas marcas. Nos oitavos-de-final foi dele o rasgo que permitiu a Caniggia eliminar o Brasil. Um jogo paradigmático do certame: domínio total dos brasileiros, ataque contínuo, três vezes a bola no ferro da baliza de Goycoechea e vitória argentina na única investida digna desse nome à baliza de Taffarel.

Os italianos foram cumprindo a obrigação, jogando bom futebol a espaços. A certa altura descobriram o goleador inesperado, Salvatore Schillaci, que havia de tornar-se paixão do povo. O percurso dos organizadores da prova permitiu-lhes atingir as meias-finais. O adversário era a Argentina, o local do jogo era a Nápoles dos amores de Diego Armando. Um jogo intenso decidido a favor dos sul-americanos na marcação de grandes penalidades — Goycoechea decisivo como já tinha sido com a Jugoslávia.
Excelente o percurso da Inglaterra de Bobby Robson. Ousado na forma como estruturou a equipa — o quase sacrilégio de jogar com três centrais —, o técnico que havia de ser campeão pelo F. C. Porto orientou uma selecção que foi responsável por alguns dos melhores jogos da prova. Frente aos Camarões, nos quartos-de-final — nunca África chegou tão longe num Mundial, muito à custa do fenómeno Roger Milla —, só no prolongamento garantiu a vitória. A Inglaterra, que ficaria afastada da final ao perder com a Alemanha nos penalties, forneceu ainda uma grande figura à competição: o fabuloso e excêntrico Paul Gascoigne.

A final entre alemães e argentinos (os mesmos finalistas do México) foi penosa. Má de mais para ser verdadeira. Foi ao mesmo tempo a imagem perfeita da prova: mau futebol e decisão numa grande penalidade altamente discutível. A Alemanha juntava-se ao Brasil e à Itália no restrito clube dos tricampeões do Mundo. Campeões do Mundo
Illgner, Brehme, Khöler, Augenthaler, Buchwald, Berthold, Reuter, Littbarsky, Hässler, Mathäus, Völler e Klinsmann

Depois de Campos, Ana Oliveira
Em 1985, João Campos sagrou-se campeão mundial de 3000 metros em pista coberta. No ano seguinte, conquistou a medalha de bronze nos europeus. Quatro anos depois, mais uma surpresa portuguesa, Ana Oliveira também tatuada a bronze no triplo salto, com 13,44 metros, atrás da russa Galina Chistyakova, que chegaria a recordista mundial (14,14) e da alemã Helga Radtke. «Só no último ensaio perdi a medalha de prata, mas a alegria do bronze nem sequer me fez pensar nisso. Só tenho pena de não poder ter, em Portugal, um décimo das condições de trabalho e dos apoios que têm algumas das atletas que comigo perderam.» Nem os 500 contos de bolsa o governo lhe deu. No ano seguinte, em 1991, nos Campeonatos do Mundo, em Sevilha, quinto lugar, a apenas 40 centímetros do pódio.
Abandonou a pista a chorar. «Não, não estou assim por pieguice, estou a chorar de revolta. Estou farta de mendigar. Desamparada continuou. E, sem possibilidade de dedicar-se a tempo inteiro ao atletismo, resignou-se. Em dor funda e em revolta surda — voltou a dar aulas de educação física.
 
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1990 – Rosa Mota tricampeã europeia

Depois do título em Split, vitória na Taça do Mundo
Susto e drama
Terceiro título europeu consecutivo de Rosa Mota. A 27 de Agosto de 1990, em Split, na Croácia. O ouro arrancado do fundo da alma grande. Durante mais de 20 quilómetros parecia a reedição de anteriores passeios triunfais mas, de súbito, 15 de sofrimento e expectativa.
«Cheguei a ter medo, comecei a sentir uma picada na perna esquerda. Problemas de ciática. Corri muitos riscos, talvez não devesse ter arriscado tanto». Aos 34 quilómetros Egorova neutralizava uma desvantagem que se aproximara dos dois minutos. «Nunca entrei em pânico, nunca senti que tivesse a prova perdida. Até porque no momento mais crítico, pouco depois dos 36 quilómetros, o Pedrosa disse-me que a deixasse encostar a mim e depois fosse eu própria. Foi o que fiz. Ao sentir a Egorova nas minhas costas dei uma sapatada, ela talvez tenha perdido aí todas as esperanças, voltei a ganhar vantagem e a conquistar o título europeu pela terceira vez consecutiva. Foi uma vitória sofrida mas muito agradável.» E para o pódio teve de ir com calças de fato de treino emprestadas, porque a FPA não lhe tinha dado equipamento à medida e para não «parecer um palhacinho». Rosa Mota gastou 2.31.27 horas, Egorova, que haveria de sagrar-se campeã olímpica em Barcelona, 2.31.31 — e o bronze coube a Maria Rebelo Lelut, que nascera em Portugal, emigrara para França, casara — e como gaulesa correra.
Depois de Split, vitória em Londres, na Taça do Mundo, com 2.26.14 horas — e a despedida agreste da glória, nos Mundiais de Tóquio, em Agosto de 1991, a desistência. Três meses antes tivera de sujeitar-se a operação cirúrgica de emergência. «Se fosse mulher de arranjar desculpas fáceis tinha uma boa razão para me justificar... Se a operação foi uma precipitação a tão pouco tempo dos Campeonatos do Mundo? Não, não foi — foi uma necessidade. Uma ecografia detectou um quisto nos ovários com quase um punho! Tive de ser operada de urgência, extraiu-se mais de meio litro de líquido de dentro de mim... Uf... Que horror!»

Mário Silva – Duas medalhas nos 1500 metros
Mário Silva conquistou em 1990, nos Europeus de Split, aos 29 anos, a medalha de bronze nos 1500 metros. Quando cortou a meta, batido por Jens-Peter Herold e Gennaro di Napoli, Aurora Cunha abraçou-o e beijou-o. E, emocionado, o desabafo: «Isto é uma loucura, eu consegui.» Depois, mais um segredo revelado: «Tinha estado a rezar toda a manhã. Estava muito confiante. E antes da chamada para a câmara de partida voltei a rezar. Pedindo a Deus que me mantivesse mais calmo e que não me abandonasse no meio daquelas feras todas. Parti cheio de confiança, não tinha nada a perder, tinha tudo a ganhar. E sabia que a essa hora tinha uma velinha acesa no Santuário de Fátima. Toda a noite sonhei com a medalha...» No ano seguinte, nos Mundiais de Sevilha, mais um brilharete — com mais encanto ainda, porque à sua frente ficaram apenas o argelino Nourredine Morceli (campeão olímpico em Atlanta) e o espanhol Fermin Cacho (campeão olímpico em Barcelona), mas nem isso o consolou: «Estou triste, estava à espera de muito melhor.Não preguei olho durante toda a noite. Até banho tomei, para ver se serenava. Não, não eram os nervos, não era medo do desafio, que não sou homem para isso. Houve quem tentasse perturbar-me. Problemas particulares, mas não quero falar nisso...» Não falou e nunca mais falaria. O mistério ficou. Eterno, como as suas medalhas.

Magic Johnson, a dinastia dos Lakers, a medalha olímpica já contaminado
Sida e duas mil mulheres
Natural da pequena cidade de Lasing, nos arredores de Detroit, Earving Johnson Jr. deixou-se tocar pela paixão do basquetebol mal deixou de gatinhar. Nascido a 14 de Agosto de 1959, aos oito anos levava uma bola de basquetebol para todo lado — a caminho da escola entretinha-se em malabarismos com ela. Era a sua companheira inseparável. Depressa se tornou no melhor jogador do liceu de Evertt e não só. Não querendo afastar-se da família optou por ingressar na Universidade de Michigan. Em final histórica frente a Indiana State, onde actuava o amigo e eterno rival Lary Bird, conquistou o título universitário de 1979. Já baptizado como Magic, no final da temporada foi escolhido pelos Los Angeles Lakers, como n.º 1 do draft. Com 2,06 metros de altura, revolucionou a forma de actuar de um base e de parceria com Kareem Abdul-Jabbar construiu a dinastia dos Lakers na década de 80 — com cinco títulos da NBA (1980, 1982, 1985, 1987 e 1988). A final mais memorável foi a de 1980, em que o elegeram rookie do ano. Defrontando os Philadelphia 76\'ers, no sexto jogo, Abdul-Jabbar lesionou-se, Magic disse que não se preocupassem que ele actuaria a poste.
Passando por todas as posições, terminou com 42 pontos, 15 ressaltos e 7 assistências. Eleito em três ocasiões MVP do campeonato, três dos finals, foi duas vezes o melhor em campo em 12 convocações para o All-Star Game. Antes do início da temporada de 1991/92 — após ter ganho o Open McDonalds em Paris —, anunciou o abandono da competição por ter contraído o vírus HIV. Mais tarde reconheceu que a sua desgraça se devera ao facto de ter tido relações sexuais com mais de duas mil mulheres. Apesar de já não alinhar pelos Lakers, foi convocado para o All-Star de 1992 (onde foi o MVP) e assim justificou a inclusão no famoso Dream Team que maravilhou o Mundo nos Jogos Olímpicos de Barcelona.
Após curta e frustante passagem como treinador dos Lakers no final da época de 1993/94, em 1996 voltou a envergar o equipamento de LA durante 32 jogos. Quatro anos de paragem roubaram-lhe a velocidade e destreza. Percebeu-o e saiu de cena. Recuperou os cinco por cento de acções dos Lakers, onde é vice-presidente, e voltou a dedicar-se aos negócios de centros comerciais, cinemas e hotelaria no Hawai. Durante o Verão de 1999 comprou uma equipa sueca — a que deu o nome de M7 Magic — e em Outubro estreou-se na Liga profissional da Suécia. Compreende-se, o seu sorriso rasgado e carisma ainda lhe rendem milhões de dólares em publicidade.

Mike Powell – Voo que apagou Bob Beamon
Apesar de ter fechado a carreira sem qualquer título olímpico, Mike Powell ficará na história como um dos atletas do século, por ter sido ele a destronar Bob Beamon, que, em 1968, colocara o record mundial do salto em comprimento em 8,90 metros — dizendo-se então que saltara algures no México e aterrara no século XXI. Num duelo épico, fascinante, inapagável, num fim de tarde em Tóquio, conquistou o título de campeão do mundo com 8,95 metros. Carl Lewis chegara lá com 65 vitórias consecutivas, até passou por três vezes os 8,84 metros e com ligeiríssima ajuda de vento foi além dos 8,90 de Beamon — só que Powell, a quem o treinador chamara Mike falha pela sua famosa inconstância conseguira o salto da sua vida, o rival, para além da consolação não muito suave da medalha de prata, não teve direito a mais que um desabafo com ligeiro toque premonitório: «Nunca pensei que pudesse saltar tão longe e perder. Mas isso nunca mais voltará a acontecer...» No ano seguinte, nos Jogos Olímpicos de Barcelona, a vingança — terceira medalha de ouro consecutiva para Lewis, com 8,67 metros, três centímetros adiante de Powell. Em Estugarda-93, Powell revalidou o título mundial, Lewis não competiu, algumas semanas antes sofrera um acidente de automóvel e decidira não apostar no comprimento — e por essa altura Powell esteve à beira de conseguir proeza ainda mais fantástica: pulou 8,99 metros, só que o vento não era (por muito pouco...) regular. Em Atlanta, a última oportunidade para o ouro. Lesão agravada e nem sequer lugar no pódio, a pista abandonada com um arrepiante esgar de dor. O ouro era para Lewis. Pela quarta vez consecutiva.
 
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1992 – Jogos Olímpicos de Barcelona

História arrepiante de Gail Devers, campeã dos 100 metros
Para amputação
A história de Gail Devers dava um filme de Capra. No Inverno de 1990 começou a sentir fortes dores de cabeça, febres altíssimas, tremores nas pernas — e uma inexplicável falta de visão do olho esquerdo. Em poucos meses perdeu 16 quilos. Ao espelho, uma silhueta de si mesma: rosto fundo, corpo dessorado, olhos de brilho perdido, já só 40 quilos de angústia e dor. E os médicos sem saberem o que fazer — a doença era um mistério. Uma amiga aconselhou-a a sujeitar-se a um tratamento de raios laser — a sessões de quiroprática. Em vão. Treinar-se era cada vez mais um suplício. Ao calçar as sapatilhas enchiam-se-lhe os pés de bolhas de sangue. «Um pé grangrenou e, por duas vezes, tive marcações para amputação de uma perna. Exames provaram que tinha má reacção aos raios laser e que talvez fosse essa a causa das infecções sucessivas. Só por isso, não me amputaram. Decidiram esperar para ver. Foi a minha sorte.»
O corpo doido de cansaço. O rosto já crespado — e sempre aquela sombra baça, luz coalhada de angústia e medo. «Parecia um bebé. Precisava de ajuda para qualquer movimento. Pensava que não voltaria mais a andar, mas, no fundo, tinha fé em Deus, acreditava que me deixasse, ao menos, sobreviver.
Um médico da UCLA, Bonnie Flores, acabou por diagnosticar-lhe a doença: síndrome de Graves, disfunção hormonal que causa hiperactividade da tiróide. O pai de Devers, pastor evangélico, passava a vida a dizer-lhe que quando se crê em Deus e em si mesmo todos os sonhos são possíveis. Ela fez dessa frase a sua divisa. Santo e senha para a glória. E para a ressurreição.
Já restabelecida, no princípio de 1991 aceitou o desafio de Bobby Kersee para regressar às pistas. Três meses depois, nos Mundiais de Tóquio, a medalha de prata, nos 110 metros barreiras, batida apenas pela russa Liudmila Narozhilenko, que sueca e Enqvist haveria de tornar-se alguns anos depois.
Em Barcelona Devers conquistou a medalha de ouro nos 100 metros, batendo, claramente, as favoritas Merlene Otty, Irina Privalova e Gwen Torrence. Falhou o segundo título individual nos 110 metros barreiras, devido a queda no último obstáculo, quando seguia já isolada na frente — a vitória caiu do céu aos trambolhões nas mãos da grega Paraskevi Patoulidou. Continuou a ganhar medalhas nos Campeonatos do Mundo que se seguiram, em Atlanta juntou mais dois pedaços sagrados de ouro aos três que já tinha — poucos imaginariam que fosse capaz de ganhar os 100 metros a Ottey e Torrence e ganhou. Todos esperavam que vingasse o destino cruel de Barcelona nas barreiras, julgando-a imbatível e nem às medalhas chegou. É, assim, uma caixinha de surpresas — a mulher que também há-de ficar na história por ter tido as unhas mais longas do atletismo, mais de cinco centímetros retorcidos.

Javier Sotomayor – Baliza e cocaína
O título olímpico da altura foi arrancado a ferros. Numa emoção de esfrangalhar nervos. Cinco homens saltaram 2,34 metros. Pelas regras de desempate, o bronze coube ao polaco Artur Partyka, ao australiano Tom Forsyth e ao americano Hollis Conway, a prata ao sueco Patrick Sjoeberg e o ouro ao cubano Javier Sotomayor. Por vezes os deuses escrevem direito por linhas tortas — ganhou mesmo o melhor, sem estar num dos seus dias de especial inspiração. Ninguém chegaria até 2000 mais alto que ele — 2,43 metros, a altura de uma baliza de futebol e nunca ninguém deu a ideia de ser tão fácil tocar as nuvens. Com 1,94 metros e 82 quilos, Soto, que festeja as vitórias com cerveja a rodos e sessões de mambo no hotel, voa em majestosa graça felina, transformando o salto em altura numa arte cénica deslumbrante. Aos 15 anos já saltava 2,15 metros — lesões várias impediram-no de mais relumbre ainda no palmarès, para além de quatro títulos mundiais e dois records do Mundo. Por causa disso, não pôde repetir a façanha em Atlanta — e em vésperas dos Mundiais de Sevilha, onde tentaria o penta, foi apanhado nas malhas do doping — acusado de uso de cocaína. Até Fidel saiu lesto em sua defesa, afiançando que fora traído pela CIA durante os Jogos Pan-Americanos. E Javier continuou a jurar inocência — acentuando que «por graça da revolução» nenhum cubano precisa de se drogar. «Para que é que eu precisaria de tocar em coca?!»

Lindford Christie campeão olímpico e muito mais
Arrogância veloz
Nos Mundiais de 1991, em Tóquio, a mais rápida corrida de toda a história, nos 100 metros. Carl Lewis ganhou a medalha de ouro com 9,86 segundos — record do Mundo; Leroy Burrell foi segundo com 9,88 e Dennis Mitchel terceiro com 9,91. Linford Christie que, fanfarrão, andara a prometer humilhar os americanos... não foi além do quarto lugar com 9,92 segundos. Era o seu melhor resultado de sempre, mas não dera pódio sequer.
Descendente de miseráveis emigrantes jamaicanos, tal como Ben Johnson e Donovan Bailey, um ano depois, nos Jogos Olímpicos de Barcelona, Lindford Christie atingiu o pináculo, ganhando os 100 metros — Carl Lewis não estava lá, fora eliminado nos trials americanos. Durou 9,96 segundos o fogacho do inglês-bala — batendo por seis centésimos o namibiano Frank Fredericks (que nos 200 ganharia igualmente a medalha de prata, atrás de Mike Marsh). Era a medalha de ouro que lhe faltava, depois da prata em Seul. Na sua folha de serviços, para além dessas duas medalhas olímpicas, fulgura o título mundial de 1993, com 9,87 segundos, record da Europa — e as medalhas de ouro nos Europeus de 1986, 1990 e 1994.

Mingxia campeã aos 12 anos
Aos 12 anos, com 1,42 metros e 35 quilos, a chinesa Fu Mingxia, nascida em 1978, em Wuhan Hubei, sagrou-se campeã mundial de saltos para a água. No ano seguinte, o título olímpico de 10 metros, em Barcelona, entrando para o Guinness Book como a mais nova campeã olímpica de sempre. Continuou a conquistar o Mundo com os seus rápidos e maravilhosos saltos, de arrebatante beleza visual e elevadíssimos graus de dificuldade. Campeã olímpica voltaria a ser em Atlanta — desta feita com ouro no trampolim e na prancha. De súbito, o anúncio de que se retiraria de competição, por incapacidade em resistir à «pressão psicológica». Por causa disso falhou o tri nos Mundiais de 1998. Regressaria um ano depois, vencendo as Universíadas de Palma de Maiorca. «Quando me retirei estava cansada espiritualmente. Três anos de hibernação restituíram-me o equilíbrio psicológico. Em três anos cresci muito em altura e em comportamento, já não sou uma menina. Portanto, podem contar comigo para Sydney.»

Magia do «Dream Team» nas asas de Michael Jordan
Génio que voava
Quem pensaria que o rapazinho que fora excluído da equipa do liceu de Emsley A. Laney, na pequena cidade de Wilmington, se tornaria no basquetebolista do século? Dotado de uma capacidade física extraordinária, Michael Jeffrey Jordan cedo demonstrou ser um lutador. Ficando fora da equipa da escola passou o ano inteiro a aprimorar a técnica pessoal num playground. e na época seguinte, portas abertas e o seu perfume nunca mais parou de inebriar o Mundo inteiro. Apesar de ser natural de Brooklyn, em Nova Iorque, passou a infância na Carolina do Norte, lá frequentou a North Carolina University. Em 1982, na sua estreia na Liga universitária, com um cesto decisivo a 17 segundos do fim, conquistou o título da NCAA e nas duas temporadas seguintes foi sempre considerado o MVP do campeonato. Campeão olímpico em Los Angeles, em Outubro de 1984 mudou-se para Chicago, transformando os modestos Bulls — que o tinham escolhido como n.º 3 do draft — numa deslumbrante máquina de sucesso, no orgulho supremo de uma cidade que antes disso era conhecida mais por Al Capone do que por qualquer outra coisa.
Com o primeiro título da NBA conquistado em 1990/91 — a última década do século XX ficaria marcada pela sua excelência e pela total superioridade dos Chicago Bulls, que conquistaram os anéis de 1992 e 1993 e voltaram a realizar o tri entre 1996 e 1998. O jejum deveu-se ao abandono de Air Jordan, que não suportou o abalo emocional causado pelo assassinato do pai em Julho de 1993. Após modesta passagem pelo basebol profissional — outra das suas paixões — regressou à compita e, contra o que muitos previam, voltou a ser simplesmente o melhor, o factor de desequilíbrio. Com uma imagem comercial invulgar, todas as empresas com quem assinou contratos lucraram, até a própria NBA se ressentiu quando se retirou em definitivo dos pavilhões a poucos dias de completar 36 anos. Pelo caminho havia sido seis vezes MVP dos finals, cinco da regular season, três do All-Star em 12 convoações e 10 distinções de melhor marcador do campeonato. Repetiu o ouro olímpico em Barcelona, integrado no famoso Dream Team, a Atlanta não quis ir, dispensou o convite para jogar golfe. Só na última temporada nos Bulls auferiu cerca de 100 milhões de dólares em salários e públicidade — e é um dos mais bem pagos desportistas do século.

Steffi Graf – Facada de Seles e prisão do pai
Stefanie Maria Graf nasceu a 14 de Junho de 1969, na cidade alemã de Bruhl, e aos 3 anos começou a jogar ténis com uma raqueta adaptada pelo pai, Peter Graf — que lhe oferecia palitos salgados por cada vez que passasse 25 vezes a bola por cima da rede ou gelados de framboesa se a série fosse de 50. Algum tempo depois ele abdicou da profissão de vendedor de automóveis e de seguros para se dedicar por inteiro a manager da filha. Aposta ganha. Steffi conquistou 22 títulos do Grand Slam, fazendo o pleno em 1988 — saindo triunfante de Roland-Garros, Wimbledon, US Open e Open da Austrália — ao que juntou o título de campeã olímpica em Seul. Sagrou-se por sete vezes campeã do Mundo e foi líder do ranking WTA durante 377 semanas, 186 das quais consecutivas, de 17 de Agosto de 1987 a 10 de Março de 1991. Aos 13 anos já era profissional, aos 17 conquistou o seu primeiro grande torneio, o Family Circle Cup, batendo Chris Evert. A primeira vitória num Grand Slam dois anos depois, em 1987, em Roland-Garros. Em 1991 o trono cedido a Mónica Seles — dois anos depois, em Hamburgo, um autodenominado acérrimo fã de Steffi, Gunter Parche, apunhalou a rival pelas costas, a alemã voltou à grandes vitórias, apenas em 1995 perderia o primeiro lugar do ranking para a espanhola Arantxa Sanchez. Em 1996 voltou aos grandes dias, depois do abalo causado pela prisão do pai, por fuga aos impostos, vencendo Roland-Garros e US Open pela quinta vez e Wimbledon pela sétima, obtendo o 100.º título da sua carreira e o 21.º em provas do Grand Slam. Dois anos depois era a desportista feminina com maior volume de ganhos públicos no desporto: 14 milhões de contos. Após mais uma vitória em Roland-Garros, a 13 de Agosto de 1999 anunciou a despedida dos courts — mas continuou a enxamear páginas de jornais devido ao seu romance com Andre Agassi.

Encanto húngaro, com Egerzegi e o campeão que era cego
Ouro na toca do rato
Longas unhas pintadas de roxo começaram por ser a imagem de marca da húngara Krizstina Egerszegi. Depressa saltou para o céu por um imenso talento — dominava a água de tal forma que dava a ideia de que o caminho se abria à sua passagem deslumbrante. Em Seul, com 14 anos apenas, conquistou as primeiras de sete medalhas olímpicas: prata nos 100 metros costas, ouro nos 200. Em Barcelona, mais três, todas de ouro — em ambas as provas de costas e nos 400 metros estilos. Em Atlanta fecho de ciclo — com mais um título individual e uma medalha de bronze — e um lugar no primeiro friso do Olimpo: nenhuma outra mulher conseguiu cinco títulos individuais em Jogos, a americana Janet Evans e a alemã Kristin Otto ficaram-se pelos quatro. Para além disso, oito títulos europeus, dois mundiais — e dois records do Mundo, que acabariam derrubados pela misteriosa armada chinesa comandada por He Cihong. Nascida em Budapeste, a 16 de Agosto de 1974, media 1,80 metros — mas era com ternura que lhe chamavam simplesmente... Eger, que em húngaro significa ratinho. Quando, em 1994, se despediu da competição, abriu um restaurante em Buda, chamado A Toca do Rato. É um dos mais chiques da capital — é Krizstina quem o gere, fazendo questão de lhe dar o toque de classe que a tornou numa das nadadoras do século.

Bater no ceguinho?
O húngaro Tamas Darnyi venceu os 200 e 400 metros estilos nos Jogos Olímpicos de Seul. Quatro anos depois, em Barcelona, repetiu a façanha — tornando-se assim o único homem no Mundo a revalidar os títulos da especialidade em dobradinha. Ainda criancinha ficara cego de um olho num acidente com uma bola de neve. Chegava a nadar mais de 100 quilómetros por semana e correu sempre o rumor de que o seu treinador, Tamas Szechy, o chicoteava quando não cumpria as marcas que lhe impunha nos treinos. Para além das quatro medalhas olímpicas e de ter sido o primeiro nadador abaixo dos dois minutos nos 200 metros estilos, conquistou mais oito títulos europeus e quatro mundiais, aposentando-se em 1993, com 26 anos apenas.

Alain Prost – O professor
Alain Prost ganhou a alcunha de professor devido à sua técnica e frieza nas pistas. Baixinho e de pernas tortas, egocêntrico e muito dado a explosões temperamentais, sonâmbulo — ao volante era como um cubo de gelo, meticuloso até ao exagero, científico na busca do sucesso. Um autómato, pois. Correu por McLaren, Renault, Ferrari e Williams, averbando 51 vitórias em 199 Grandes Prémios. Despediu-se em 1993 — 13 anos depois da estreia em Buenos Aires. A primeira vitória selá-la-ia um ano depois, em Dijon. Quatro títulos mundiais conquistaria. Um momento alto da sua carreira foi no Estoril, em Setembro de 1989, no duelo com Lauda. Conhecida era a sua aversão a Ayrton Senna — apesar de ambos se terem tornado amigos pouco tempo antes da morte do brasileiro. Casado, pai de dois filhos, transformou a Ligier na Prost Grand Prix.
 
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1993 – Primeira (e única) portuguesa campeã mundial de corta-mato

Depois de prata e bronze, ouro para Albertina Dias
Brilho de colecção completa Cresceu em Miragaia, bairro degradado da zona ribeirinha do Porto. Mais nova de oito irmãos, cinco rapazes e três raparigas, o pai morreu mal Albertina Dias nasceu. «Passei dificuldades. Sobretudo alimentares. Por isso comecei a trabalhar cedo para ajudar ao sustento da casa. Não pude estudar muito, apesar de sempre ter sido boa aluna. Aos 14 anos entrei para um escritório de despachantes, fazia as limpezas. Mais tarde passei-me para um armazém de produtos alimentares. Fui carrejona. Levava sacos de figos à cabeça.
Um horror, sobretudo quando tinha de galgar as ruas e as ruelas íngremes da Sé.» O atletismo mudou-lhe a vida. Em 1990, em Aix-les-Bains, sagrou-se vice-campeã mundial de corta-mato, batida apenas pela americana Lynn Jennings. «Quando um jornalista francês me perguntou se pensava ser campeã do Mundo, disse-lhe, por brincadeira, que esperava apenas uma medalha. Mas nem isso me passava pela cabeça. Ainda bem que a brincadeira virou verdade, verdadinha. Somente a 800 metros do final comecei a sentir que o sonho era possível. E até me passou pela cabeça chegar-me à Jennings, mas depressa vi que era impossível, ela estava muito bem, com uma força interior impressionante, nesse mesmo dia soubera que lhe morrera o avô, jurou dedicar-lhe a medalha de ouro.»
Dois anos depois, em Boston, mais ouro para Jennings, estudante de jornalismo, prata para Catherina McKiernan e bronze para Albertina. «Se fosse fraca de espírito teria desistido. Que horrível correr com tanto frio, abaixo de zero graus. No último quilómetro tinha as mãos geladas, nem sequer as sentia. As dores eram insuportáveis. Não fora isso e acho que ganhava, estava em dia de não ceder a ninguém. Mas para a próxima...» Promessa feita, promessa cumprida. Imperial a forma como, no ano seguinte, em Amorebieta, Albertina Dias sagrou-se campeã mundial de crosse — conquistando o metal precioso que faltava à sua colecção, deixando McKiernan e Jennings a nove segundos. No pódio, para além da medalha de ouro, recebeu um ramalhete de cravos vermelhos e uma boina basca. «Quando olhei para a medalha de ouro senti o coração a querer fugir-me do peito.»

Conceição com três medalhas
Conceição Ferreira é, tal como Albertina Machado e Manuela Machado, um dos vértices do triângulo mágico de Maria do Sameiro Araújo. A 4 de Outubro de 1993, em Bruxelas, sagrou-se campeã mundial de meia-maratona, com 1.10.07 horas — deixando a queniana Tegla Loroupe (essa mesmo, a recordista mundial da maratona) a cinco segundos! Uma vitória incontestável, perante um corpo de elite — apesar de, após o seu ataque decisivo, a moto da Polícia que haveria de conduzi-la para a meta quase a enganar. Alguns meses depois, nos Mundiais de crosse, em Budapeste, medalha de bronze — foi ponta-de-lança de Portugal na conquista do Universo. Em Agosto, nos Europeus de pista, mais uma medalha — de prata, nos 10 mil metros, atrás de Fernanda Ribeiro. Após a final ficou de cama. Queixou-se de fortes dores de barriga. Só quando se ficou a saber o que se passava consigo é que saltou a revelação, por entre um sorriso tímido: no dia da competição sofrera «cólicas terríveis, talvez devido ao período menstrual».

Fernanda Ribeiro campeã da Europa de 10 mil metros
Sagração de ouro
Fernanda Ribeiro cresceu com o sonho do ouro a puxar por si. A levantá-la da poeira. A garra arrancada do fundo da alma, assim se tornando dona do Mundo. Em 1981, com 12 anos, cabelos pretos entrelaçados e olhos negros a faiscarem, correu a Meia Maratona da Nazaré e só por uma nesga não ganhou a Rosa Mota, que, em Atenas se sagraria campeã europeia da maratona. «Fiquei a quatro décimos, ela passou-me mesmo em cima da meta, não sprintei porque pensava que ia com a camisola do F. C. Porto, mas como já estava no CAP, enganou-me. Nessa altura perguntaram-me se queria ser como Rosa Mota e Aurora Cunha e a minha resposta deixou meio mundo embasbacado: não, não quero, quero ser melhor que elas!»
Com essas ânsias de ganhar bulindo, sagrou-se campeã europeia e vice-campeã mundial de juniores, mas de um momento para o outro entrou, desesperada, em travessia de deserto. João Campos resgatá-la-ia para a glória — para que cumprisse o seu destino. Em Março de 1994 ganhou a medalha de ouro nos 3000 metros dos Campeonatos da Europa de pista coberta. Vitória avassaladora. Com mais de 70 metros de avanço sobre a segunda classificada, a romena Margareta Keszeg. Em 8.50,47 minutos. Emocionou-se ao ouvir o hino e ao ver a bandeira de Portugal a subir no mastro. E, naufragando no mar doce da emoção que se apoderara de si, nem sequer reaprou que A Portuguesa fora cortada a meio. «Esse título teve um sabor muito especial, porque já me davam como morta, muita gente me pusera o caixão à porta de casa.»
Duas semanas depois ajudaria Portugal a conquistar o título mundial de corta-mato, alcançando ainda a medalha de prata nos 3000 metros dos Jogos da Boa Vontade, que Ted Turner, o patrão da CNN, lançara como réplica aos Jogos Olímpicos. Mais estrondosa explosão não tardaria, em Helsínquia, nos Campeonatos da Europa: 10 mil metros em 31.08,75 minutos — record de Portugal, Conceição Ferreira, a segunda, a mais de 24 segundos! «O arranque aos 5600 metros? Sabia que estava bem mas tive algum medo de arriscar. Ao atacar convenci-me de que a Conceição me seguiria. Espantei-me ao ver que não. Quando já estava isolada, percebi que ainda tinha muitas voltas para fazer, cerrei os dentes, se abrandasse poderia estar a entregar o ouro ao bandido. Pouco depois do oitavo quilómetro senti ligeira dor de burro. Fiquei em pânico. Ainda faltavam tantas voltas. Mas, tal como veio, a dor foi...»

Fernanda de prata na Taça do Mundo
O título europeu de Helsínquia abriu outra histórica honraria a Fernanda Ribeiro: a selecção para a equipa da Europa que disputaria em Londres a Taça do Mundo. Antes de si apenas Aurora Cunha o conseguira. Mas uma prova espectacular de 10 mil metros: 31.04,25 minutos — record nacional outra vez melhorado e oitava melhor marca mundial de todos os tempos. Só lhe faltou fôlego para suster a sulafricana Elana Meyer em dia verdadeiramente... supersónico. Bateu o record de África, Fernanda já era a oitava melhor do mundo. «Ela fugiu de repente, estava um pouco cansada, não consegui, sequer, reagir». Mas estou feliz, até porque ajudei a Europa a ganhar a Taça do Mundo!» Em 1998, Fernanda Ribeiro ganharia o Challenge Europeu com a segunda melhor marca de todos os tempos, logo após Ingrid Kristiansen: 30.48,06 minutos, é o seu record — em números de sonho.

Portugal campeão do Mundo
Em termos de modalidades de alta projecção mediática, apenas uma selecção conquistou título mundial absoluto. Foi no atletismo, foi no corta-mato. Em Março de 1994, numa manhã gélida de Budapeste não arrefeceu o sonho das garimpeiras Conceição Ferreira (que, individualmente, arrecadaria a medalha de bronze, atrás da queniana Helen Chepgeno e da irlandesa Catherina McKiernan), Albertina Dias (5.ª classificada), Fernanda Ribeiro (10.ª) e Mónica Gama (37.ª), desfizeram a hegemonia do Quénia no império do crosse.
 
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1994 – Manuela abriu saga dourada

Campeã Europeia e Mundial, apenas a medalha falhada em Atlanta
Machado de ouro Nos Jogos Olímpicos de Barcelona, vibrante estava a nostalgia da Rosa. Lesão impedira-a de defender o título de Seul. À maratona foi Manuela Machado. «Pouca gente deu importância a isso, talvez nem tenham reparado: fui sétima classificada nos Jogos Olímpicos de Barcelona, nenhum português conseguiu melhor, dos 23 aos 42 quilómetros corri com os pés desfeitos, cheios de bolhas. Só por isso não fui mais além, não me esquecerei nunca de que a terceira classificada andou ao meu lado até aos 37 quilómetros. Tinha já os sapatos encharcados de sangue, mal conseguia assentar o pé, mas nesses minutos dramáticos pensava que se aguentasse aquele martírio haveria de chegar a minha hora. O azar deu-me tanta força que a partir daí deixei de ter medo de sonhar.»
Um ano depois, nos Mundiais de Estugarda, o título de vice-campeã mundial. Na véspera mal dormira, atacada por uma faringite. Logo naquele dia, na manhã do sonho quente. Apeteceu-lhe chorar. Mas muito mais assustada estava a treinadora, Maria do Sameiro Araújo. Manuela pressentiu nela a ânsia ou o medo em forma disso. Descansou-a com uma daquelas tiradas bem ao seu jeito gaiato: «Não tenhas medo, não vou correr com a garganta, vou correr com as pernas e não me doem.»
Contrariando Sameiro, atacou aos 31 quilómetros, isolada andou até aos 36 — entrou no estádio atrás da japonesa Junko Asari e ao cortar a meta ergueu os braços e sorriu. No bolso do fato de treino tinha um pente, uma toalha e um estojo (para retocar a face macerada pelo esforço de 42.195 metros), que trouxera da Aldeia dos Atletas e que eram, afinal, os indícios do sonho que foi mantendo mais ou menos secreto: «Sempre pensei que poderia ganhar uma medalha e queria subir ao pódio mais ou menos arranjada.» No pódio apeteceu-lhe chorar. As lágrimas não saltaram dos olhos que brilhavam como se fossem o espelho da alma em fogo. O sorriso largo de Manuela Machado ficou mais bonito em ano depois de Estugarda. Em Helsínquia, na maratona dos Europeus, a alquimia de paixão, transformou a prata em ouro ao cabo de 2.29.54 horas. Cortou a meta, ajoelhou-se no tartan, deu-lhe beijo papal.
Continuava assim a vingar os dias amargos em que trabalhava desalmadamente nas limpezas de um aparthotel em Viana. Só aos 27 anos decidira arriscar em exclusivo nas corridas. Três anos depois era campeã da Europa e vice-campeã do Mundo. E muito mais haveria de ser.

Manuela Machado, campeã Mundial em 1995 e vice-campeã em 1997
Em Gotemburgo-95, Manuela Machado conquistou o título de campeã mundial da maratona. Prata tivera dois anos antes em Estugarda, prata teria dois anos depois em Atenas. Quando pisou o tartan um sorriso escorreu-lhe do rosto alagado de suor, lançou beijinhos para a bancada e só alguns minutos depois repararia que tinha os pés num «trambolho» — unhas pisadas, bolhas de sangue. «Ossos do ofício, é o problema de sempre». Quando foi ver o modelo do Mercedes que acabara de ganhar, sorriu muito, gracejou: «Mas que grande máquina! Vou escolher um verde-garrafa, afinal sou do Sporting — só que também digo que não é carro que faça muito o meu jeito, vai ser para o meu marido conduzir, eu vou ficar na mesma com o meu Opel Corsa» O Opel Corsa quase lhe destroçou as esperanças para os Mundiais de 1997. Alguns meses antes, travara à queda de sinal vermelho, condutor desatento enfeixara-se-lhe pelo automóvel, Manuela Machado tivera de receber tratamento hospitalar, os medicamentos causar-lhe-iam uma anemia. Só à última hora decidiu arriscar, mas partiu para Atenas com a incerteza a pairar-lhe na cabeça. Como uma deusa da Acrópole, naquele mesmo percurso em que morrera o soldado da Maratona, foi capaz de vencer as fraquezas, em arrancos bravios de alma imensa, cortando a meta, colocada na pista negra e em forma de ferradura do estádio que servira de palco aos primeiros Jogos Olímpicos da era moderna, em segundo lugar — dizendo, a chorar: «Esta prata vale todo o ouro do Mundo que eu já ganhei, depois de tudo o que passei.»

Miguel Induráin – Penta no tour
Quando, em 1995, Miguel Induráin conquistou o seu quinto triunfo na Volta à França — tornou-se único. Sim, Anquetil, Merckx e Hinault também já o tinham conseguido, mas não de foram consecutiva. Tinha fisiologia fantástica, capaz de suportar o esforço nas mais agrestes condições atmosféricas, em sol ardente ou frio intenso, mas o seu maior trunfo foi saber ocultar as suas raras fraquezas, nunca entrar em pânico devido à pressão de ter de ganhar ou de suportar a dor com um sentido mais que heróico — trancendente. Com uma habilidade extrema para voar nas mais íngremes e vertiginosas descidas dos Alpes ou dos Pirenéus, dotado de sangue-frio inigualável, marcava a sua superioridade sobretudo nos contra-relógios. Em 1996 sofreu a maior amargura da sua vida quando se viu obrigado a deitar a toalha ao tapete na Volta à França, não entrou sequer no top ten, lá estava para tentar o hexa. Consolação suave nos Jogos de Atlanta, tornando-se o primeiro campeão profissional de contra-relógio. Dois anos antes batera o record da hora, percorrendo 53,040 quilómetros, tê-lo-ia apenas dois meses. Mas foi o Tour que fez de Induráin o gigante que ele é — com 12 vitórias em etapas e 60 dias de amarelo, ao longo de dez anos, dez anos de suprema glória.

Brasil campeão mundial com a magia do seu «baixinho»
Diego no inferno
Antes era o Mundial do milagre, aquele que trazia de volta Diego Armando Maradona na sequência de dolorosa viagem ao purgatório. Depois foi a prova da mais dura decepção, controlo anti-doping positivo na partida com a Nigéria, astro maior do jogo a sair do grande palco pela porta dos fundos. Maradona partiu e deixou um trono vazio. Um trono que em boa verdade ninguém ocupou até ao momento. Mas se alguém esteve perto de lhe chegar, curiosamente, foi alguém que teve nesse Campeonato do Mundo de 1994 a sua maior coroa de glória. Não porque tenha sido nos Estados Unidos que expressou o melhor das suas qualidades mas porque foi lá que atingiu a máxima consagração: Romário de Sousa Faria. Em comum com Diego, a estrutura física (baixote e gordinho) e uma certa forma de estar na vida — a tendência irreprimível de a gozar para lá dos limites que o futebol permite. Romário já era a figura máxima do futebol pela magia com que pincelou as passagens pelo PSV Eindhoven e sobretudo pelo Barcelona, aí orientado superiormente por Johan Cruyff, que o tornou muito melhor jogador. O Mundial de 1994 estava-lhe destinado. Não desperdiçou a oportunidade para ser campeão do Mundo, não a aproveitou na plenitude para entrar na lenda, para substituir com plenos poderes, chamemos-lhe assim, o reinado de Maradona.
Para além da surpreendente Bulgária, com Stoitchkov a comandar um pelotão em fim de carreira, que acabaria por garantir o terceiro lugar, importa salientar a excelente presença da Roménia, eliminada pela Suécia (que acabaria na 4.ª posição). Enquanto esteve em prova, Hagi foi uma das grandes figuras do Mundial.
A Itália de Sacchi foi andando. Ganhou etapas sem brilho e a certa altura descobriu a maravilha que lhe faltava: Roberto Baggio. O codino, sempre com aquele ar triste e distante, foi a estrela de referência da squadra azzurra levou a Itália à final, através de dois golos espantosos na meia-final com a Bulgária. Em Los Angeles, brasileiros e italianos jogaram final sem chama e sem magia. Sem golos também, algo que sucedia pela primeira vez na história do jogo decisivo. Na lotaria dos penalties foi mais feliz o Brasil, que chegou ao tetra à custa dos erros de quem menos merecia: Franco Baresi e Roberto Baggio. No meio da festa canarinha o mais feliz era um miúdo de 17 anos que Carlos Alberto Parreira não utilizou durante toda a campanha, de nome completo Ronaldo Luís Nazário de Lima. De quem ainda muito se havia de falar por outras razões.

Campeões do Mundo
Taffarel, Jorginho, Cafu, Aldair, Márcio Santos, Branco, Mazinho, Mauro Silva, Dunga, Zinho, Viola, Romário e Bebeto

João Vieira Pinto – Jogo Perfeito
14 de Maio de 1994, Estádio de Alvalade. O Benfica jogava o título no terreno do grande rival, agarrado ao primeiro lugar apenas por um ponto. João Pinto encheu o peito, arregaçou as mangas e jogou. Como só ele sabe em dia bom. O Sporting adiantou-se no marcador. Ele empatou através de golo espectacular. O Sporting voltou a adiantar-se. Ele voltou a empatar, outra vez com golo para a lenda. E assumindo o papel do génio que tem diante de si a obra-prima de uma carreira ainda lhe deu o toque final, em forma de terceiro tento. A cavalgada benfiquista prosseguiria no segundo tempo, até aos célebres 6-3. Nessa noite João Pinto tornou-se herói encarnado e mesmo quando foi substituído por Toni percebeu que a perfeição da sua actuação (classificada com a única nota 10 de A BOLA) tinha conseguido converter parte da tribuna de Alvalade. João Manuel Vieira Pinto, menino da rua nascido no Bairro do Falcão (Porto), não conheceu fronteira entre os dias da infância em que a bola era apenas o brinquedo preferido e o momento em que passou a ser o ganha-pão. Cresceu depressa, adolescente casou e foi pai e quando deu por ele tinha saltado do Águias da Areosa para o Boavista. Naquele corpo franzino escondia-se muito talento e um futebol adulto. Tinha pela frente um futuro grande. Quando foi campeão do Mundo em Riade já tinha jogado na equipa principal do Boavista (estreou-se com 17 anos). Seguiu-se a traumatizante passagem pelo Atletico de Madrid, em busca de glória, de independência financeira, com a motivação suplementar de ter Paulo Futre como companheiro e com a tranquilidade de ser Valentim Loureiro, que considera o seu segundo pai, a aconselhá-lo a não desperdiçar a ocasião única. Mas os dias madrilenos deixaram marcas psicológicas indiscutíveis e um atraso na sua afirmação plena como jogador. Quando ergueu a taça de campeão mundial de sub-20, em pleno Estádio da Luz, João Pinto sentiu que tinha retomado o caminho que o aproximava do destino. Ao Boavista voltou para tudo confirmar: era um futebolista de eleição, forte candidato a um dos melhores de sempre da história do futebol português. Em 1992 tranferiu-se para o Benfica, com a Taça de Portugal debaixo do braço, ganha ao F. C. Porto. Na primeira época teve a vida em perigo em virtude de um pneumotórax detectado em Glasgow e no fim chegou a ser dado como certo no Sporting, englobado no mesmo processo que fez Paulo Sousa e Pacheco abandonar a Luz. Tornou-se bandeira benfiquista, sobretudo a partir da noite mágica dos 6-3 em Alvalade. Às constantes solicitações para sair respondeu que era na Luz que se sentia bem. E a partir de 1997, com a renovação do contrato até 2004, melhor e com mais força ficou. Uma força que lhe permitiu encarar de frente e sair vencedor das lutas que foi obrigado a travar no início do reinado de Vale e Azevedo e, sobretudo, com Graeme Souness. A tanto talento começam a faltar títulos. Mas essas são contas de um rosário para o qual participa apenas com a sua parte e não mais que isso.

Fernanda Ribeiro mais duas medalhas nos mundiais de Gotemburgo
Ouro, dor e mágoa
A força de pôr o fogo em si em tudo aquilo que faz. A alma de gigante, a vontade de escalar todas as montanhas da vida. Com um jeito especial, um sortilégio qualquer. Foi assim Fernanda Ribeiro no seu ciclo de ouro. Sempre com os mesmos sapatos de bicos. Vermelhos. O primeiro título mundial de 10 mil metros selado em Gotemburgo, em 1995. Campeã seria também Manuela Machado na maratona. À passagem pela légua, a pupila de João Campos tomou as rédeas à corrida, estugou o passo. «Pensei que fosse coisa passageira, que puxasse só um bocadinho e que depois a Elana Meyer voltasse ao comando das operações. Mas não. E ao sentir que ela bufava como se fosse uma cafeteira a ferver, continuei com o pé no fundo do acelerador e elas, coitadinhas.»
Resultado? Vitória fantástica, deixando a etíope Deratu Tulu, campeã olímpica em Barcelona, a quatro segundos. Mal cortou a meta em 31.04,99 minutos, Fernanda, pegou na bandeira de Portugal, deu a volta à pista e... foi içada ao colo por Nuno Fernandes, que por essa altura estava a competir na vara — e foi colocar o seu autógrafo num Mercedes igualzinho ao que acabara de ganhar. Ainda não tinha... carta de condução! Apesar de martirizada pelos tendões, devido ao trabalho espantoso de Paulo Beckett, médico da FPA, arriscou nos 5000 metros. Depois do ouro, a prata. E a proeza histórica. Antes de si nunca nenhuma mulher fizera a dobradinha em Campeonatos do Mundo. Nos últimos metros foi ultrapassada pela irlandesa Sonia O´Sullivan. Foi para o pódio maquilhada por Sameiro Araújo, sentiu um pincho de mágoa a cair-lhe no coração: «Queria ganhar para oferecer o Mercedes do prémio ao João Campos, o treinador que me abriu as portas do paraíso.»

Morte de Senna
Ayrton Senna da Silva nasceu em São Paulo a 21 de Abril de 1960. Tinha quatro anos quando Milton, o pai, lhe construiu o primeiro kart. Contra a vontade da família, deixou a faculdade e o curso de administração de empresas, rumando para o Reino Unido em busca de novos desafios — em 1981 lançou-se na fórmula Ford. Dois anos depois, Frank Williams deu-lhe um dos seus bólides de fórmula 1 para testar e... para espanto de todos bateu o record do circuito de Donington. A McLaren pensou em contratá-lo de imediato, a Toleman chegou primeiro e em 1984 a estreia num dos seus carros, no Grande Prémio do Brasil. No ano seguinte, já na Lotus, estreou-se a ganhar no Estoril, em dia de vendaval. Conquistou o primeiro dos três títulos mundiais em 1987 e a sua carreira foi uma sucessão de vitórias e records: em 161 grandes prémios disputados subiu 80 vezes ao pódio, alcançou 41 vitórias. Aos 34 anos, um acidente ceifou-lhe a vida, em Imola. No sábado, o austríaco Roland Ratzenberger perdeu o controlo do carro e bateu a cerca de 300 km/hora, tendo sido declarado morto algumas horas depois. Senna, ao saber do acidente, denunciou a falta de protecção daquele troço do percurso, o que lhe valeu uma repreensão da FIA e da direcção da corrida. Em sinal de protesto, abandonou os treinos da manhã. A 1 de Maio antes de entrar para o seu Williamns pediu que lhe arranjassem uma bandeira da Áustria, queria homenagear simbolicamente Ratzenberger. À quinta volta, na liderança, à entrada da curva Tamburello, o carro seguiu em velocidade canhão para o muro, desfazendo-se nele. Às 18.40 horas, a morte de Senna, por falência cardíaca.

Fernando Couto – Demasiado impetuoso?
Com o final da época 1994/95 chegava a hora do balanço do primeiro contingente de ilustres emigrantes. Paulo Sousa (Juventus) festejava a conquista do título italiano, Rui Costa (Fiorentina) começava a fazer contas a uma vida feita de talento e poucas vitórias, Fernando Couto (Parma) fechava para balanço o ano de estreia com a vitória na Taça UEFA, retomando uma história na qual Rui Barros já tinha entrado, em 1990, quando venceu a mesma competição ao serviço da Juventus. Fernando Couto constitui em si mesmo um caso interessante. Foi o primeiro a afirmar-se em pleno, garantindo de imediato um lugar na equipa comandada por Nevio Scala. Apesar das constantes alusões da imprensa italiana ao estilo demasiado impetuoso, triunfou indiscutivelmente. Na segunda época tudo foi diferente. Foi pouco utilizado mas chegou ao Europeu de 1996 em grande forma, foi mesmo um dos portugueses em maior destaque. Se a saída de Parma parecia inevitável, a grande surpresa não se fez esperar: o futuro passava por Barcelona. No reencontro com Bobby Robson ganhou a Taça das Taças (1996/97). Seguiu-se um ano difícil em Camp Nou. Louis van Gaal considerou-o dispensável desde a primeira hora. Ganhou o título espanhol mas foi interiorizando que precisava de sair. E se ao Parma sucedeu o Barcelona, ao Barcelona seguiu-se a Lazio de Eriksson, que dava os primeiros passos para a construção de uma equipa capaz de assaltar o título italiano e até a Europa. Em 1998/99 não foi indiscutível (ao contrário de Sérgio Conceição) mas teve presença assídua na equipa. No final o terceiro triunfo europeu da sua carreira, na Taça das Taças. Agora que a Lazio caminha a bom ritmo para o scudetto e é uma das grandes favoritas à vitória na Liga dos Campeões, o central tem boas razões para pensar que em termos de currículo nenhum outro defesa português se lhe pode comparar.
 
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1996 – Jogos Olímpicos de Atlanta
Fernanda Ribeiro de ouro e «record» olímpico
Sublime senhora no céu
Fernanda Ribeiro prometeu que iria do Porto a Fátima a pé, se ganhasse a medalha de ouro em Atlanta. Cumpriu a promessa em Novembro de 1996. Dois dias para 150 quilómetros. «Quando pedi a ajuda de Nossa Senhora sentia que precisava de algo mais que a minha alma ou as minhas pernas para ganhar Atlanta. Eu acredito que há Deus nas minhas vitórias, não tenho problema algum em admiti-lo. Aliás, é isso que me dá a alma. Isso e aquele espírito danado que eu tenho de pensar que a segunda é sempre a primeira das últimas, frase que eu descobri no Ayrton Senna e que transformei na minha divisa.»
2 de Agosto de 1996. Foi, decerto, uma das mais fantásticas vitórias da história olímpica — pelo empolgamento dos últimos 200 metros de Fernanda Ribeiro. Na recta da meta recuperou os 20 metros que a chinesa Wang Junxia lhe ganhara — e tatuou-se do mais sublime ouro. «Tinha dito que lutaria até cair para o lado, só me faltou acabar de gatas. A partir do terceiro quilómetro comecei a sentir dores no tendão de Aquiles, cerrei os dentes, sofri, mas eu ia até morrer. Só apanhei um pequenino susto quando vi a Wang, a chinesa do sangue de tartaruga, que todos consideravam imbatível, isolar-se. Mas mesmo nessa altura pensei que ainda não estava vencida.»
Com 31.01,63 minutos — record olímpico da etíope Deratu Tulu desbaratado em mais de cinco segundos! A memória eterna do mais fantástico sprint que algum português fizera. O fecho do ciclo mágico do ouro. Campeã europeia. Campeã mundial. Campeã olímpica. E mais ganharia ainda...

Atleta do século!
Depois da sua vitória maior, em Atlanta, Fernanda Ribeiro continuou a saga. Em 1997, sagrou-se vice-campeã mundial de 10 mil metros e ganhou a medalha de bronze nos 5 mil. Um ano depois, em Budapeste, apesar de ter corrido a dupla légua com anemia grave, perdeu o título de Helnsínquia para a irlandesa Sonia O´Sullivan, ainda assim arrecadou a medalha de prata — de prata já se tatuara em Março, nos Europeus de pista coberta, em Valência, vencida pela romena Gabriela Szabo. E ainda levou Portugal à conquista do título europeu de corta-mato, em Ferrara. «Foram cinco anos fabulosos, que fizeram de mim a desportista portuguesa com mais medalhas ganhas em Campeonatos do Mundo,
Campeonatos da Europa, Jogos Olímpicos. Para já são 14, mas podem ser mais ainda. Por isso mesmo, sem falsas modéstias, considero-me a Atleta do Século. Eu sei que há a Rosa Mota, há o Carlos Lopes, mas se ganhei mais medalhas que eles, se bati mais records que eles por que é que haveriam de considerar-me inferior a eles? Só porque têm mais mediatismo ou aparecem mais na televisão? Eu não gosto muito dessas coisas, tenho espírito de monja, por isso, sempre que consigo fujo às entrevistas na rádio, na TV, nos jornais. Não é que seja bicho do buraco, mas um bocadinho tímida talvez. Tentei tratar-me e não consegui. Mas por favor, não me penalizem por isso! Olhem para o meu palmarés e basta.»

1996 – Jogos Olímpicos de Atlanta

Nas asas da gaivota
Carla Sacramento campeã Mundial de 1500 metros
Nos Mundiais de Gotemburgo, em 1995, Carla Sacramento conquistara a medalha de bronze nos 1500 metros. Antes disso, mais dois brilharetes em pista coberta: em 1994, terceiro lugar nos 800 metros dos Campeonatos da Europa; em 1995, segundo nos 1500 nos Campeonatos do Mundo. Por isso, em torno de si se centraram algumas esperanças para os Jogos de Atlanta. Não entrou na luta das medalhas porque havia já uma anemia a atormentá-la, que lhe causaria, inclusivamente, um misterioso desmaio, antes da final.
Em Março de 1997 desesperava — desistira da pista coberta. Em situação de emergência, Miguel Mostaza, seu empresário, internou-a numa clínica de Madrid, desatou-se o nó górdio, ficou, enfim, resolvido o achaque. Nesses dias, através da leitura de Fernão Capelo Gaivota, descobrira um novo sentido para a vida — controlando a mente para assim se transcender, ir para além de si, para além do sonho. Foi o que aconteceu nos Mundiais de Atenas. Uma vitória soberba, nos 1500 metros. Parada na pista, olhos lançados ao ecrã gigante repetindo os últimos passos da gazela alada, parecia, quando o céu se carminava de fim de tarde, uma estátua de ouro negro, deusa incorporada na terra dos deuses. «É verdade, fiquei como se tivesse caído do céu, completamente apática. Estava presa a um sentimento de felicidade que não se consegue descrever, uma magia especial. E de um momento para o outro fiquei com a certeza de que o meu pai, que morreu semanas antes de eu ter nascido, lá no céu para onde eu olhava estava naquele momento tão feliz como eu, vibrando por o nome de Sacramento ter acabado de tocar o topo do Mundo.»
Em 1998, em Budapeste, o título de vice-campeã europeia, batida pela russa, radicada em Espanha, Svetlana Masterkova — nessa altura Carla deixara já de se treinar com Fonseca e Costa. Fora viver para Madrid.

MAIS UM TÍTULO EUROPEU
Até Atlanta, 1996 fez-se de fulgores vários para Fernanda Ribeiro. Foi o seu ano mágico. Em Fevereiro, com 5.37,34 minutos, record europeu de 2000 metros em pista coberta. Quinze dias depois, medalha de ouro nos 3000 metros dos Campeonatos da Europa, aos dois quilómetros um esticão que escaqueirou o pelotão. «Houve alguém que me deu um toque no calcanhar e para evitar complicações fui-me embora.» Uma vertigem e mais de dez segundos de vantagem sobre a segunda, a sueca Sara Wendlund. 8.39,49 minutos — terceira melhor marca mundial de todos os tempos e record de Portugal batido por quase três segundos. «Nunca imaginei que fosse para um tempo tão bom.» A volta de consagração obrigou a que a final de 60 metros barreiras fosse adiada por um bocadinho, as palmas nunca mais parando de estrugir.

Nudez e doença do beijinho
Marie-José Pérec
Marie-Jose Pérec nasceu na ilha de Guadalupe a 9 de Maio de 1968. Entrou no desporto pelo basquetebol mas depressa se percebeu que era a correr que poderia conquistar o universo — pernas longas, passada ampla, como se flutuasse pelo ocre espaço do tartan. Em 1991, em Tóquio, sagrou-se campeã mundial de 400 metros, com 49,13 segundos, no ano seguinte, em Barcelona, o título olímpico, com 48,83. Tinha 24 anos e não estava satisfeita com o modo como se treinava e como vivia em França. Aventureira partiu para Los Angeles, para se juntar ao clã de John Smith. Até Atlanta, uma impressionante invencibilidade — campeã europeia, campeã mundial. Enfim os Jogos. Vitória natural nos 400 metros — e a parada colocada bem mais alta, nos 200 metros. Simplesmente, fantástica, bateu Merlene Ottey. Ainda a viver o fulgor do ouro a dobrar, posou nua para um anúncio de relógios. E decidiu dedicar-se aos 400 metros barreiras. Mas, num fogaréu, abriu-se a boceta de Pandora: falhou os Mundiais de Atenas devido a uma distensão e, coisa pior, semanas volvidas foi atacada pelo vírus de Epstein-Barr (forma de mononucleose também chamada doença do beijinho) que se aloja nos tecidos cardíacos. Voltou a falhar os Mundiais em Sevilha — e o grande mistério é mesmo saber se alguma vez voltará a ser o que foi — Mary Jo, simplesmente MJ, deslumbrante, como Michael Johnson.

Donovan Bailey – Vingança em 9,84 segundos
Um espanto! Vitória nos 100 metros com record mundial, destronando Leroy Burrel por um centésimo: 9,84 segundos, graças, sobretudo, a 20 metros de sonho, com fogo nos pés e na alma. Pouco depois Donovan Bailey desconcertou ao insinuar que o hino que tocara no estádio olímpico e a bandeira que tremulara no mastro eram do Canadá, mas que ele era jamaicano. Sim, foi lá que nasceu, os pais levaram-no pequenino para Toronto, ele para trabalhar numa mina, ela para para faxinar de casa em casa. Ben Johnson foi o seu ídolo, mesmo depois de ter caído em desgraça não deixou de dizê-lo — o paraíso teria sido igualar-lhe a marca de Seul, 9,79 segundos, assumiu a cifra como alvo, não chegaria lá. Não muito tempo após a glória suprema despitou-se ao volante de um Mercedes topo de gama, salvou-se por milagre da morte, mazelas atiraram-no para o hospital — aparentemente nada de grave, o que se sabe é que de então em diante Bailey nunca mais foi o furacão que tinha sido. Começava já a ser a hora de Maurice Greene.

Michael Johnson – Estátua com pés de ouro
Um estilo anacrónico. De estátua. Cabeça inclinada para trás, dorso empedernido, elevação mínima de joelhos, pés em frenesim — é assim Michael Johnson, que alguém comparou a Forrest Gump a correr, mas com muito mais pujança, muito mais fulgor. Ofuscou Carl Lewis nos jogos da conquista da nona medalha olímpica. Como se já não bastasse a estrondosa vitória nos 400 metros, correndo sempre com as sapatilhas douradas que a Nike fabricou exclusivamente para si, colocou o record mundial dos 200 metros ao nível do século... XXII. 10,12 segundos no primeiro troço, 9,20 no seguinte — 19,32 segundos. Estratosférico, batendo o máximo de Pietro Mennea por 34 centésimos, a mais ampla margem de melhoria de toda a história na distância. Antes de Atlanta já conquistara o título olímpico de 4x400 metros em Barcelona. Impressionante o rol de medalhas de ouro em campeonatos mundiais: três nos 200 metros (em 1991, 1995 e 1999), três nos 400 metros (em 1993, 1997 e 1999) e três nos 4x400 metros (1993, 1995 e 1999). Mais poderia ter se, em Atenas, não se lesionasse após a conquista do primeiro título, ficando impossibilitado de correr os 200 e os 4x400 metros. Em Sevilha, para além de mais um tripla dourada, esfarelou o record mundial que Harry Butch Reynolds detinha desde 1988, com 43,93 — percorrendo a volta à pista em 43,18 segundos. O britânico Roger Black, um dos melhores quatrocentistas europeus de sempre, diria de si: «O homem é uma impressionante aberração e só isso dá logo cabo de nós. Alguém imagina o que é ir para a linha de partida sabendo que está lá o super-homem?!» Licenciado em Administração e Gestão de Empresas, comprara, pouco antes, dois por cento das acções dos Maverick Dallas, da NBA — o seu fascínio é a pesca e a navegação na Internet e nunca o escondeu: gosto pouco de Carl Lewis!

Alexander Popov – Esfaqueado com sangue de Czar
Nascido a 16 de Novembro de 1971, a velocidade do russo Alexandre Popov causou sensação nos Europeus de natação de 1991. Nos Jogos de Barcelona, com 20 anos, 1,97 metros e 87 quilos, quebrou a habitual hegemonia dos Estados Unidos nos 50 e 100 metros livres — juntando ao ouro mais duas medalhas de prata, nos 4x100 metros livres e nos 4x100 metros estilos. Natural de Sverdlosk, a cidade natal de Boris Yeltsin, revalidou os títulos de 50 e 100 metros livres nos Jogos de Atlanta e levou a Rússia a mais duas medalhas de prata nas estafetas. Descendente de um czar russo, três semanas após a glória de Atlanta foi esfaqueado por um vendedor de melancias numa rua de Moscovo. O incidente provocou-lhe danos graves no ventre, num pulmão e nos rins. Ieltsin fez questão que fosse tratado como VIP na Clínica do Kremlin. Duas semanas volvidas, ao abandonar o hospital, fez questão de se baptizar pela Igreja Ortodoxa Russa e regressou à Austrália, onde se radicara nos alvores da Perestroika. Em 1998, exibindo ainda uma longa e arrepiante cicatriz no ventre, conquistou o quarto título europeu consecutivo nos 100 metros, ganhou mais uma medalha de ouro nos Mundiais de Perth. A mágoa foi a prata nos 50 metros. Porque, gosta de dizer, «só sabe ganhar».

Haile Gebrselassie – Fundista do século... XXII
Talvez seja o homem mais rico da Etiópia, estima-se que ganhe cerca de 250 mil contos por ano com o atletismo — desde 1994 que é o maior fundista mundial, um dos maiores de sempre. Os dois Mercedes que Haile Gebrselassie conquistou em 1995, em Gotemburgo, pelos títulos mundiais de 5000 e 10.000 metros, estão em Addis Abeba guardados como relíquias. Nenhum tem mais de 40 quilómetros! «Não ando neles, tenho medo de os estragar e morrer. Não gosto de conduzir, só gosto de andar a pé.» Nos seis meses que passa anualmente na Etiópia exerce a profissão de polícia e para se ir treinar às altas montanhas viaja normalmente num Peugeot velho e ronceiro, conduzido por um dos sete irmãos. Os outros seis meses, vive na Europa, num apartamento simples de uma bucólica vila holandesa, onde está o irmão mais velho — que foi maratonista de bom nível mas que agora é simplesmente refugiado político. Não gosta que o comparem a Abebe Bikila, vencedor da maratona olímpica de Roma de pés descalços, a resposta sai-lhe invariavelmente assim: «A imagem dele é divina para todos os etíopes e eu não sou deus.» Mas já é lenda tecida a magia. Antes de qualquer competição importante, Haile Gebrselassie consulta uma misteriosa feiticeira, que lhe prepara amuletos incríveis. Em 1995 tirou 8,5 segundos ao record mundial de 10 mil metros do queniano Paul Tergat, colocando-o em 26.43,53 minutos, pouco antes de uma das mais extraordinárias façanhas do ateltismo: um corte de 11 segundos no máximo dos 5000 metros, colocado em 12.44,39 minutos, o maior avanço dos últimos 63 anos! Não, não se conteve — e, dois anos depois, proeza ainda mais faiscante: légua perfeita em 12.41,86 minutos, dupla légua em 26.31,32 minutos. Quase sem se dar por isso, em Junho de 1988, em duas semanas apenas, colocou os records do meio-fundo ao nível da irrealidade, algures nas lonjuras do século XXI: 12.39,36 minutos nos 5000 e 26.22,75 nos 10.000 metros. Não é só. Dando-se até ao luxo de se sagrar campeão do Mundo de pista coberta nos... 1500 metros, nos Mundiais ao ar livre venceu os 10 mil metros em 1993, 1995, 1997 e 1999 e em Estugarda ainda ganhou a medalha de prata nos 5000 metros.

Carl Lewis – Saltar para ouro largo
Nos Jogos de Seul Carl Lewis foi humilhado por Ben Johnson nos 100 metros, algumas horas depois era considerado campeão, devido ao doping do arquirival. No comprimento, o tri. E o tetra, em Atlanta, com 35 anos. Ao todo, nove medalhas olímpicas de ouro (quatro no comprimento, duas nos 100 metros, uma nos 200 e três nos 4x100) e ainda uma de prata, oitos título de campeão do mundo (três nos 100, três nos 4x100 e dois no comprimento) e dois de vice-campeão, não sendo mais largo o pecúlio porque em 1995 uma tendinite o afastou de Gotemburgo. Votações várias à esquina do novo milénio deram-lhe o título de Atleta do Século. Só Pelé e Muhammad Ali rivalizaram com ele. Eterno, Carl Lewis vai tratando de negócios, vivendo de rendimentos e honrarias. «Tenho uma empresa que se dedica à venda de material desportivo, com uma linha extravagante que tem feito grande sucesso. Por exemplo, o Mundo embasbacou quando surgi, no Mónaco, com um fato de treino que era uma réplica de um smoking. E posso fazer outras coisas mais, coisas de artista.» Quando entrou para a universidade matriculou-se em Economia. Desistiu pouco depois, licenciando-se em rádio e televisão. E criou um conjunto musical, a Carl Lewis Band, que realizou alguns grandes concertos na América. Gravou um disco com os Electric Storm, The Feeling That I Feel, que andou pelos tops americanos. Enfronhou-se também no ensino do atletismo em Houston, de permeio vai estimulando campanhas para a doação de órgãos e gerindo uma fundação de apoio a negros que ainda vivem na América abaixo do limiar da pobreza.
 
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1998 – Campeonato do Mundo de Futebol em França

França campeã do Mundo e o grito: «Ronaldinho está a morrer!»
Zidane e desmaio
Para a história do Mundial de França fica a derrota canarinha e o mistério das horas que antecederam a grande final: Ronaldo à beira do colapso, desmaio que pôs o hotel em alvoroço, aos gritos de «acudam que o Ronaldinho está a morrer». Se a final é na maior parte das vezes o pequeno nada que faz pender os pratos da balança para um dos lados, o jogo de Paris foi categórico: decidiu França e coroou Zidane. E mesmo sabendo que Ronaldo é o maior fenómeno do futebol dos nossos dias, Zidane foi o herói da tarde, que abriu caminho à glória máxima dos bleus com dois golos de cabeça. Até lá, grande parte do Mundo apaixonou-se pela Holanda, perfume de um futebol raro, feito de iniciativa, traduzido no culto da posse de bola e na inteligência de uma movimentação colectiva brilhante. Quando os holandeses defrontaram os brasileiros nas meias-finais estavam lançados os dados para um grande jogo. E foi. Intenso, bem jogado. Marcou primeiro Ronaldo, igualou Kluivert mais tarde. Na decisão das grandes penalidades, Taffarel foi decisivo e levou o Brasil à final. A grande surpresa veio da Croácia. Para começar desfizeram o mito Alemanha. Ganharam por 3-0 e puseram a nu o que há muito estava a ficar a descoberto: o envelhecimento dos alemães. Depois, nas meias-finais, fizeram sofrer a França muito para além do esperado. Suker marcou primeiro, os franceses empataram e adiantaram-se à custa de dois golos do surpreendente Thuran. A Croácia garantiu a terceira posição ao bater a Holanda.

Campeões do Mundo
Barthez, Thuram, Leboeuf, Desailly, Lizarazu, Karembeu, Deschamps, Vieira, Petit, Zidane, Djorkaeff, Boghossian, Guivarc’h e Dugarry

Dura questão do pigmento
Althea Gibson fez história simplesmente por conseguir entrar em Forest Hill, em 1950. Era a primeira tenista negra a disputar o mais lendário dos torneios da América. Demorou sete anos a ir bem para além disso, a ganhar o U. S. Open, derrotando grandes jogadoras como Doris Hart ou Louise Brough e mais que isso, um preconceito estúpido que se arreigara: que aquele não era reduto de sucesso para negros. No seu caminho teve Walter Johnson, que faria o mesmo a Arthur Ashe, como farol. Em 1956, de parceria com a britânica Buxton, ganhou Wimbledon mas em 1957 o seu brilho foi ainda mais intenso: ganhou na catedral da relva quer em singulares quer em pares. «Tive de lutar muito para chegar onde cheguei, tive de lutar mais que as outras simplesmente porque tinha na pele um pigmento diferente», haveria de dizer. E pôs na cabeça que haveria de fazer o mesmo papel no golfe profissional. Foi à luta com o mesmo espírito. Só o sucesso foi diferente. Bem mais acanhadinho.

Luís Figo – «Capitão» da Catalunha
Luís Figo entra no ano 2000 como expoente máximo de uma geração — quinto no referendo anual do France Football, atrás do companheiro Rivaldo, de David Beckham, Shevchenko e Batistuta. E nunca um futebolista nado e criado em Portugal se dimensionou tanto num baluarte com a expressão mundial do Barcelona, clube que representa desde 1995. Foi no reencontro com Carlos Queirós, quando o professor substituiu Bobby Robson no comando técnico sportinguista, em finais de 1993, que Luís Figo retomou o
fio à meada e se aproximou do estatuto de um dos mais brilhantes juniores nascidos em pleno processo de criação e desenvolvimento da geração de ouro. Tendo sido um dos primeiros a atingirem a I Divisão, Figo perdeu tempo na transição das camadas jovens para o profissionalismo. Em Novembro de 1993, enquanto Vítor Baía, Fernando Couto, Paulo Sousa, Rui Costa e João Pinto jogavam em San Siro a presença de Portugal no Campeonato do Mundo dos Estados Unidos, Luís Figo estava na equipa de Esperanças que perdeu em Pádua. Em conflito com o presidente Sousa Cintra recusou-se a renovar o contrato que terminava no final da época 1994/95. Juventus e Parma correram por ele e do conflito nascido a partir da situação apetecível em que se encontrava — e de alguma leveza na forma como todas as partes abordaram a questão — o calcio fechou-lhe as portas. O Barcelona, por indicação de Johan Cruyff, entrou na corrida. E ganhou. Ganhou Figo também. E o futebol português. Driblador por excelência, rápido com e sem bola, inteligente, forte fisicamente, de assiduidade impressionante na equipa, dono de uma visão de jogo extraordinária e de grande facilidade de adaptação a todos os lugares do meio-campo para a frente, Luís Figo cresceu seguramente até ao estado actual de um dos melhores jogadores do Mundo e símbolo de um grande clube como o Barcelona. À entrada para o ano 2000, Luís Figo tem já o currículo bem recheado: duas ligas espanholas (1997/98 e 1998/99), uma Taça do Rei (1996/97), uma Taça das Taças (1996/97), uma supertaça espanhola (1995/96) e uma supertaça europeia (1998). No dia em que conseguir, como parece ao seu alcance, a máxima consagração europeia, através da conquista da Liga dos Campeões, estaremos a falar de um jogador cuja importância no seu tempo só poderá ser comparada com a exercida por Eusébio nos anos 60. Ainda que, mesmo assim, lhe continue a faltar, como a todos da sua geração, um grande êxito ao serviço da Selecção Nacional.

Paulo Sousa – Nada lhe falta
28 de Maio de 1997, Estádio Olímpico de Munique. O Borússia de Dortmund vencia a Juventus na final da Liga dos Campeões, guiado pela mão de um médio português, nascido em Viseu no dia 30 de Agosto de 1970, Paulo Manuel de Carvalho Sousa de seu nome. Foi a sua noite, aquela em que ajustou todas as contas: consigo próprio, com a história, com o futebol português e com aqueles que, em Turim, um ano antes, lhe tinham indicado a porta da rua como saída para a encruzilhada criada em forma de lesão grave no joelho esquerdo. Depois de operado, de ter vivido o drama de sentir a carreira em risco, Paulo Sousa lutou, recuperou e lá estava em Munique para conseguir um dos maiores feitos individuais de sempre do futebol português: ser bicampeão europeu por clubes diferentes em dois anos consecutivos. Aos 15 anos, trocou Viseu pelo Benfica. Em 1989 era um extremo-direito como tantos outros, convocado por Carlos Queirós para a grande odisseia de Riade. Foi campeão do Mundo. No momento de passar a sénior encontrou Sven-Göran Eriksson. Durante um ano trabalhou muito e jogou pouco. Tornou-se então médio de zona central e assim começou a jogar numa equipa que tinha... Valdo e Thern. Por actuar à frente da defesa, Paulo Sousa ainda hoje fala da importância de Ricardo Gomes, espécie de professor fundamental para o seu crescimento. Com incalculável contribuição da sua parte, o Benfica foi campeão nacional em 1990/91. Permaneceu na Luz até ao Verão quente de 1993. Numa operação só comparável à saída de Futre para o F. C. Porto, aos ingressos de Sousa e Jaime Pacheco no Sporting (todas em 1984) e às transferências de Rui Águas e Dito do Benfica para o F. C. Porto (em 1988), trocou a Luz por Alvalade, juntamente com Pacheco. Pelo Sporting jogou uma época. Saiu para a Juventus, dando início a uma longa lista de vitórias no estrangeiro que lhe conferem o estatuto de emigrante mais bem sucedido da história do futebol português e àquele que de entre todos os jogadores nacionais melhor currículo possui. Em 1995/96 foi campeão de Itália, vencedor da Taça e finalista da Taça UEFA. Foi considerado o melhor jogador do ano no calcio. Na época seguinte venceu a Supertaça italiana e sagrou-se campeão europeu, na final de Roma frente ao Ajax. Ao serviço do Borússia de Dortmund regressou ao topo da Europa e no final de 1997, em Tóquio, garantiu a vitória na Taça Intercontinental, frente aos brasileiros do Cruzeiro. Apaixonado por Itália, vivia com a nostalgia dos dias felizes ao serviço da Juventus. O regresso fez-se pela ilustre porta do Inter de Milão. Entrou mal. Falou-se na hipótese de ser renegociado no defeso de 1998. Até que reencontrou Marcello Lippi, que sempre considerou o melhor treinador da sua carreira, mas que fora responsável pela atribulada (desumana) saída da Juventus. O veredicto não se fez esperar: «Fica.» E por lá continua, titular de uma das mais fortes equipas do Mundo. No fim de contas no lugar que lhe é devido.

Vítor Baía – Regresso do herói
Quando, em 1996, Vítor Baía saiu do F. C. Porto, o Barcelona adquiriu (e pagou) um dos melhores guarda-redes do Mundo. Nas Antas, durante esse período, chorou-se a partida de uma das maiores figuras da geração de ouro — não foi campeão do Mundo em Riade mas nestas contas é como se tivesse sido. Em 1996/97, com Bobby Robson, triunfou, deu seguimento a uma carreira feita de grande talento e suportada por forte personalidade. Ganhou a Taça das Taças e a Taça do Rei, ao lado de Fernando Couto e Luís Figo. E essa é a parte feliz de um período que levou mudança radical a partir do momento em que o holandês entrou a porta de Camp Nou. Van Gaal levava a ideia fixa de o afastar em benefício de Ruud Hesp. Uma lesão no joelho apressou as coisas e acentuou o choque entre treinador e jogador. Em finais de 1998, Vítor Baía recuperava o sorriso e reentrava pela porta grande do Estádio das Antas. Com Baía os campeões nacionais recuperaram solidez defensiva, tranquilizaram-se no arranque para o penta.
 
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1998 – Chuvas de medalhas nos europeus de Budapeste

António Pinto, «records» e... Medalha
Espectáculo!
António Pinto explodiu em Londres, vencendo a mais famosa maratona da Europa, em 1992. Um problema no dente do siso impediu-o de, nos Jogos Olímpicos de Barcelona, assinar outro brilharete. Já em 1993, atacado por uma virose, antes da Maratona de Fukuoka, esteve inactivo durante quase um ano.
Em 1994, depois de ter estabelecido a melhor marca europeia dos 10 mil metros, nova partida do destino: ataque de sinusite lançou-o à cama, deixou a medalha adiada. Algumas semanas depois, ganhou a Maratona de Berlim com 2.08.31 horas — segunda melhor marca nacional de todos os tempos, melhor só mesmo Carlos Lopes. Em Atlanta, outra decepção — no ano seguinte, nos Mundiais de Atenas, mágoa ainda mais cortante, na maratona, não chegou sequer aos 25 quilómetros, era o favorito — queixou-se do calor que o abateu, antes disso tinha voltado a vencer Londres, com record do percurso, bem abaixo das 2.08 horas. Desencantado, não parava de dizer que só lhe faltava uma medalha numa grande competição.
Nos Europeus de Budapeste, em 1998, chegou a sua hora. Ganhou os 10 mil metros de forma fantástica. Os últimos três quilómetros foram um espectáculo — como um elefante numa loja de porcelanas. «Aos 8000, quando olhei para trás e vi que os alemães Baumann e Franke já não podiam com uma gata pelo rabo, convenci-me de que só perderia a medalha de ouro se alguém me desse um tiro da bancada.»
Para juntar ao máximo nacional dos 5000 metros, destronando António Leitão — em 1999 mais um pincho de glória: conseguiu, enfim, derrubar o record da Europa de Fernando Mamede, que subsistira desde 1984, creditando-se de 27.12,47 minutos. Algumas semanas depois, Mohammed Mourith faria 26.52,30 em Bruxelas, a organização
do meeting impediria escandalosamente Pinto de estar na pista a defender a sua marca. De qualquer modo, entrará no ano 2000 como o europeu puro mais rápido da história, porque Mourith é belga mas nasceu em Marrocos.

Manuela machado bicampeã europeia
A três dias do ataque à defesa do título de campeã europeia da maratona, Manuela Machado começou a sentir «picadelas na garganta» e assustou-se. Tratada de urgência a antibiótico, a doença não lhe chegou à alma. Foi para as ruas de Budapeste e deslumbrou. Atacou aos 30 quilómetros — «só não foi antes porque a Sameiro não me quis dar ordem de soltura até aí». Cortou a meta com os pés encharcados em sangue, com novo record dos Campeonatos da Europa, melhorando em 1.28 minutos as 2.28.38 horas que valeram a medalha de ouro a Rosa Mota em Estugarda-86. Como a maratona em grandes competições só se abriu às mulheres em 1982, de Atenas a Budapeste 16 anos passaram, novo milénio se abre e o título europeu sem nunca sair de Portugal. Rosa Mota ganhou os primeiros três, Manuela Machado os dois seguintes.

Rui silva e Susana Feitor
Nos Europeus de Budapeste, a maior saga da história do atletismo português, em grandes competições: duas medalhas de ouro (António Pinto e Manuela Machado), três de prata (Fernanda Ribeiro, Carla Sacramento e Rui Silva) e uma de bronze (Susana Feitor). Rui Silva e Susana Feitor foram o sangue novo no medalheiro. Ele, que, em Março, já se sagrara campeão europeu de 1500 metros em pista coberta, tornou-se vice-campeão ao ar livre, batido apenas pelo espanhol Reys Estevez. O brilharete abrir-lhe-ia caminho à selecção para a equipa da Europa que disputaria a Taça do Mundo, em Joanesburgo, tal como Carla Sacramento, o sportinguista seria segundo, ela terceira. Susana, que já se afamara com a conquista de ouro em Campeonatos do Mundo e da Europa de juniores, ganhou a medalha de bronze nos 20 quilómetros marcha, apesar de uma anemia que a obrigou a andar o ano inteiro com frasquinhos de ferro no bolso.

Paulo Guerra, imperador do crosse, Maratona cheio de Taças dos Campeões
Em Março de 1999 Paulo Guerra colocou mais uma lança em África. Havia 15 anos que apenas quenianos, etíopes ou marroquinos passavam pelo pódio dos Mundiais de corta-mato. Portugal lá estivera três vezes, mas colectivamente. O pupilo de Rafael Marques conquistou a medalha de bronze — e nove meses depois averbou, na Eslovénia, o seu terceiro título europeu de corrse em seis possíveis. Ganhara as duas primeiras edições, em 1994 e 1995, contentara-se com a medalha de prata em 1996, batido pelo inglês Jon Brown — e depois largos meses de lesões e angústias, o sentimento de que o chão lhe fugia cada vez mais de debaixo dos pés. Afinal não — dobrará o milénio como o último imperador da lama na Europa. Na Eslovénia, onde Portugal se confirmou como a maior potência continental da especialidade, outro nome rompeu o anonimato, pôs o Mundo a falar de si: Eduardo Henriques, o vice-campeão. Ambos são atletas do Maratona de Carlos Móia, clube fundado em 1992 — em oito anos esfanicou a hegemonia do Sporting, arrecadando duas mãos-cheias de Taças dos Campeões Europeus, quer em estrada quer em corta-mato quer em femininos quer em masculinos — tornando-se o último dos grandes ganhadores do século XX, sem que às vezes se dê muito bem por isso e se reconheça a proeza na justa medida

Ticha ideal na WNBA
Em Abril de 1998, aos 23 anos, Patrícia Penicheiro tornou-se na primeira basquetebolista portuguesa a actuar na melhor liga profissional do Mundo — sendo escolhida pelas Sacramento Monarchs como a n.º 2 do draft, entre 97 candidatas. Estivera quatro anos ao serviço da Universidade de Old Dominion, onde se licenciou em Ciências de Comunicação. Durante os campeonatos universitários ganhou a alcunha de Magic Johnson de saias. Na primeira temporada na WNBA, apesar de a sua equipa não aspirar a grandes proezas, foi a melhor em assistências e jogadora mais utilizada — e a única estrangeira convocada para a digressão de uma selecção da liga pelo Brasil. Em 1999, brilho ainda mais intenso: escolhida para o All-Star Game, de novo o primeiro lugar no ranking de assistências e... escolha para o cinco ideal da WNBA.

Couto de prata e bronze
Quase 15 anos depois de Alexandre Yokochi se ter sagrado vice-campeão da Europa de 200 metros bruços, José Couto reeditou o brilharete nos Europeus de piscina curta, disputados no Jamor. Para além da medalha de prata nos 200 metros bruços, bronze nos 100.

Maurice Greene – Primeiro a igualar Ben Johnson
A sua mãe haveria de dizer que o seu segredo talvez fosse ter deixado de gatinhar para passar logo a correr. «Era o que fazia durante o dia todo, aos dois anos e daí em diante.» Durante a adolescência dedicara-se ao futebol americano, era uma das suas grandes esperanças. Mas um dia decidiu que haveria de ganhar a Carl Lewis, meteu-se num autocarro, ao cabo de 12 horas de viagem apareceu a John Smith dizendo-lhe que fizesse de si o homem mais rápido do Mundo. Não se enganou. Em 1997, no Estádio Olímpico de Atenas, sagrou-se campeão mundial de 100 metros. Um ano depois, voltou à pista que o projectara, com um objectivo assumido: tentar aproximar-se dos fabulosos 19,32 segundos de Michael Johnson nos 200 metros. À última hora pediu para correr o hectómetro. Foi um momento de inspiração divina — gastou 9,79 segundos a correr os 100 metros, igualando o resultado de Ben Johnson em Seul — afastando o canadiano Donovan Bailey da lista de recordistas mundiais. Em 1999, nos Mundiais de Sevilha, mais três medalhas de ouro para o homem que voa e que corta a meta com a língua de fora: nos 100, nos 200 e nos 4x100 metros.

Pinto da Costa – Este homem é do norte!
Nunca a hegemonia do futebol português foi tão clara. Nem o Sporting dos violinos, nem o Benfica de Eusébio chegaram tão longe ou foram tão inequívocos e dominadores quanto o F. C. Porto dos últimos quinze anos, percurso ao longo do qual venceu onze campeonatos — e não se vislumbra quando terminará o ciclo vitorioso. Para atingir este momento de ouro, tetra transformado em penta, que por sua vez pode ser hexa (e por aí fora...), o F. C. Porto tem muitos e grandes protagonistas, homens que ultrapassaram as fronteiras do próprio clube para entrarem na história do futebol português. Um processo que começou na capacidade inventiva de José Maria Pedroto, no suporte de equipas notáveis compostas por jogadores extraordinários como Fernando Gomes e António Oliveira, na felicidade da escolha de Artur Jorge para orientar o passo seguinte, do aproveitamento de Paulo Futre e Madjer, acompanhados durante anos pelo grande maratonista que foi João Pinto, pela classe discreta de Jaime Magalhães, pelo futebol de Sousa, Jaime Pacheco e André, até à explosão da nova geração comandada por Vítor Baía, mas a que Fernando Couto e Domingos deram sempre a cor da vitória. Para já não falar no astro da segunda metade da década de 90, um brasileiro chamado Mário Jardel que é o maior fenómeno do futebol português dos últimos anos.
Nesta história feita de muitos nomes, construída por figuras sem as quais não teria sido possível chegar ao topo do futebol português, europeu e mundial, há um que os liga a todos: Jorge Nuno Pinto da Costa, chefe do departamento de futebol nos dois títulos de Pedroto, presidente desde Abril de 1982. Para a história fica desde já como o dirigente de clube mais ganhador de sempre do futebol português. Homem inteligente, com requintado sentido de humor, Pinto da Costa tem sobre os presidentes dos outros grandes uma vantagem indiscutível: possui experiência, é do meio, gosta e percebe de futebol.

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E pronto, este foi o último post de «O Século XX do Desporto».

Depois de ter iniciado este tópico há dois anos (4 de Fevereiro de 2008), com um ligeiro interregno pelo meio, espero ter contribuído para que todos fiquem com uma ideia daquilo que foi o desporto no século passado. Um século prodigioso, para o bem e para o mal.
 
M

Mokiev

Guest
Não sei se se adequa ao tópico mas cá vai um pouco de história.

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Os operários heróis de Riopele e CUF

O Campomaiorense mudou de vida: \"O que era para 22, agora é para milhares de pessoas\"

Futebol é como o país: joga-se quase só no eixo da Auto-Estrada do Norte

Houve um tempo em que os heróis de domingo trabalhavam em fábricas durante a semana. Em Famalicão, uma equipa jogava \"à Barcelona\" e, no Barreiro, havia condições de topo que permitiam ombrear com os \"grandes\". Riopele e CUF desapareceram, mas têm um lugar na história do futebol português.

O Riopele passou pela I Divisão durante uma época, em 1977-78, mas a sua fama vinha do tempo em que jogava no escalão inferior. \"Tínhamos uma qualidade de jogo reconhecida. Salvaguardando as distâncias, era como o \"tiki-taka\" do Barcelona de hoje\", recorda Francisco Vital, ponta-de-lança da equipa entre 1974 e 78. O mérito, lembra, era de Ferreirinha, o treinador para quem \"era proibido jogar mal\".

O jogo bonito não chegou, porém, para manter o Riopele mais do que uma época na divisão principal. \"Sentimos a falta do Vital, a nossa principal referência\", recorda José Piruta, outro histórico jogador do clube. O ponta-de-lança saiu para o FC Porto - onde foi campeão no ano de estreia, sob o comando de Pedroto. Para o seu lugar entrou o actual treinador do Benfica, Jorge Jesus. \"Jogava benzinho, mas o Vital era de outra qualidade\", relembra Piruta.

O clube era alimentado pela firma com o mesmo nome, uma das gigantes têxteis do Vale do Ave nesse tempo, que \"oferecia emprego a quem quisesse\", afirma Piruta. \"90 por cento da equipa trabalhava na fábrica. Isso dava uma estabilidade que não era comum no futebol\", recorda o antigo atacante, que foi também funcionário do escritório da Riopele.

Foi a estabilidade proporcionada pelos clubes-empresa que levou Mário João, bicampeão da Europa pelo Benfica, a ingressar no clube da Companhia União Fabril (CUF), então a maior empresa nacional. Manuel Fernandes lembra-se bem dessa época, em que fez uso do seu curso industrial para ali trabalhar como operário, todos os dias, entre as 8h00 e as 11h00. O treinador do Vitória de Setúbal guarda ainda na memória as infra-estruturas de excepção do clube do Barreiro.

O CUF tinha dois campos relvados, ginásio e pavilhão desportivo. \"Quando cheguei ao Sporting, disse aos meus colegas que na CUF tinha melhores condições para treinar do que em Alvalade\", recorda o antigo avançado. Era a época de 1975-76 que viria a ser a última da CUF na I Divisão após 22 anos consecutivos entre os grandes. O PREC nacionalizou a empresa e cortou os apoios ao clube, mudando-lhe também o nome para Quimigal. Desde 2000 que o clube passou a chamar-se Desportivo Fabril, disputando actualmente a III Divisão

Público