cabeleireiro e guarda-redes do FC Porto: É uma vida boa
Tipo Meio: Internet Data Publicação: 14/12/2018
Meio: Mais Futebol Online Autores: Pedro Jorge da Cunha
URL:
http://www.pt.cision.com/s/?l=6e3ec3e
2018-12-13T11:53:00.000
Entrevista a Thomas Bauer, um andebolista austríaco com uma história incrível: começa aos oito anos
e num piano ao som de Beethoven, passa por Robbie Williams e Kate Perry, continua em cortes de
cabelo e acaba na Invicta. Não podia pedir mais.
FOTOS: Ricardo Jorge Castro
O Dragão Caixa é a nova casa de Thomas Bauer. 32 anos, austríaco, guarda-redes de andebol, 139
vezes internacional pela sua seleção. Chega? Não, há mais, muito mais.
Tom, como gosta de ser tratado, é apaixonado por música. Nascido em Viena, no seio de uma família
tradicional, o andebolista do FC Porto começa aos oito anos a ter lições de piano. Descobre os grandes
compositores ainda antes de saber o que é uma baliza.
Ao longo dos anos evolui, conhece a música pop, toca guitarra e escreve canções. Em 2014,
ultrapassa Robbie Williams e Kate Perry nos charts austríacos. Um artista, pois claro. Chega? Não, há
mais.
Tom é hair stylist. Cabeleireiro, em bom português. Corta os cabelos aos colegas do plantel do FC
Porto, mas não só. E é um conversador de excelência, bem humorado, de bem com a vida.
A entrevista ao Maisfutebol dura mais de uma hora. Chega? Esperamos bem que sim.
Maisfutebol - Além de profissional de andebol, o Thomas tem outras paixões: música e cabelo. É isso?
Thomas Bauer - Correto. É fundamental ter paixão pela vida e outros interesses. Não podemos ser
obcecados com o desporto, porque vamos ter maus momentos. Temos de olhar à volta e perceber que
a vida é cheia de possibilidades. Até o Cristiano Ronaldo e o Messi têm maus momentos. É impossível
não ter isso no desporto profissional. A música e o corte de cabelos são fundamentais para mim, além
da família e amigos, claro.
MF - Já jogou na Alemanha, na França e na Noruega, além da Áustria. Porquê o FC Porto agora, aos
32 anos?
TB - É um desafio fantástico. Passei todo o verão sem clube porque recusei tudo o que o meu agente
me propôs. Não queria um clube apenas para treinar e jogar. Queria conquistar títulos e treinar a um
nível alto diariamente. Por isso só assinei contrato em outubro. No passado recusei contratos
financeiramente melhores porque a filosofia de vida da minha família é assim. Escolher o projeto
certo, para conciliar o lado desportivo e o lado social. O Porto dá-nos isso.
MF - Está no Porto há dois meses. Acertou na escolha?
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TB - Não podia estar melhor. Está a ser magnífico, perfeito. Jogo andebol há 22 anos, passei por
muita coisa, joguei Europeus e consigo perceber quando chego a um clube que é organizado ou não. A
liga não é a mais forte da Europa, mas o treinador [Magnus Andersson] é uma pessoa da minha
confiança e o FC Porto não precisa de apresentações. O que poderia correr mal? As minhas
expetativas eram altas, mas estão a ser superadas pela realidade. Não me posso queixar de nada,
nada. Adoro ver as outras modalidades do clube e conviver com a malta toda.
VÍDEO: Bauer superou as vendas de Robbie Williams e Kate Perry com esta música
MF - Vê os jogos de futebol, por exemplo?
TB - Claro. É fantástico sair aqui do pavilhão, atravessar a rua e ter uma das melhores equipas da
Europa a jogar no estádio. Sempre adorei fazer desporto. No verão até joguei hóquei em patins na
Áustria, mas não digam ao meu treinador (risos). Infelizmente tive de deixar de esquiar, porque
esquiar da forma que eu esquio é muito perigoso.
MF - Como descreve a cidade do Porto à sua família, que está na Áustria?
TB - Não preciso descrever (risos). Ao vir para o Porto percebi que todos eles já tinham cá estado
mais do que uma vez. Dois amigos meus, por exemplo, já estiveram aqui porque tinham viagem
marcada há muito tempo. É uma cidade linda, com praia, zonas comerciais, preços justos, excelente
clima e comida.
MF - Ter o Magnus Andersson como treinador foi decisivo para aceitar o FC Porto?
TB - Sim, claro que sim. Conhecemo-nos bem e sei como ele trabalha. É rigoroso, muito rigoroso,
todos os dias. Em França, no meu último clube, o nível de treino era muito baixo. Detesto isso. Valeu
a pena esperar pelo FC Porto. O Magnus telefonou-me, disse-me que precisava de um guarda-redes e
eu disse 'posso ir já amanhã para aí'. Nem tivemos de falar sobre dinheiro. Só lhe pedi os bilhetes de
avião (risos).
MF - Como é a relação entre o Tom e o Quintana, o outro guarda-redes do FC Porto?
TB - Especial, muito especial. Já tive no passado alguns colegas muito stressados ou com um ego
gigante, e por isso digo que o Quintana é especial. Só um de nós pode jogar, mas o apoio que ele e o
Hugo Laurentino me deram quando cheguei, mostrou que eu era bem-vindo e que ia ser apoiado. E é
por isso que também os apoio, mesmo quando estou no banco. Se damos amor, recebemos amor; se
damos inveja, recebemos inveja. Acho que podemos fazer um trio fantástico, agora só espero que o
Laurentino recupere rapidamente da lesão.
MF - A sua exibição contra o Magdeburgo na Taça EHF foi a melhor até agora?
TB - Sim, acho que sim. O pavilhão estava cheio e o adversário era o segundo classificado da liga
alemã. Foi o primeiro grande obstáculo que tive no FC Porto, o primeiro grande desafio. Defendi dois
livres de sete metros e provei que posso ser importante e útil ao FC Porto. Foi para isso que vim.
Quero ser campeão de Portugal e fazer uma boa figura na competição europeia com este emblema
lindo.
MF - E jogar aqui neste Dragão Caixa, como é a atmosfera?
TB - Barulhenta (risos). Um bocadinho agressiva, mas também apaixonada e divertida. Adoro jogar
aqui. 2500 pessoas fazem mais barulho do que oito mil na Alemanha. Já joguei em centenas de
pavilhões e não há muitos com esta atmosfera. Contra o Benfica, por exemplo, foi magnífico. Não
gosto de ver espetadores sentados e nesse jogo toda a gente estava de pé e a participar, de facto, no
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jogo. Ajudaram-nos muito a ganhar.
MF - Vamos ao passado. Como foi a sua infância em Viena? O Tom pertence a uma família de
desportistas?
TB - Não, não, absolutamente não (risos). Fui uma criança com demasiada energia e os meus pais
levavam-me para parques. Eles nunca ligaram nada a desporto. Cansavam-me para eu chegar a casa
e adormecer. Eu tinha o sonho de ser futebolista profissional, mas só até aos dez anos.
MF - O que mudou aí?
TB - Fui para uma escola diferente e conheci o senhor Klaus Schuster. Era meu professor e jogador
profissional de andebol. Convenceu os meus pais e eu fui experimentar a modalidade. Ele tornou-se o
meu ídolo. Um professor genial, um andebolista fantástico e louco como eu. Depois de um mês a ter
aulas e a treinar com ele, disse aos meus pais que ia ser o futuro guarda-redes da seleção de andebol
da Áustria. Acertei (risos).
MF - Falemos agora da música. Da sua música. O que o inspirou a escrever We Go Our Way , que se
tornou o hino da sua seleção no Euro2014?
TB - Escrevi e compus essa música com um amigo alemão, também andebolista. É poderosa,
emocionante, é um bocado como a minha vida. Procura a aventura, o desafio. Foi um enorme sucesso
no meu país.
MF - É verdade que vendeu mais do que o Robbie Williams e a Kate Perry nesse ano?
TB - Na Áustria, sim (risos). Ganhei algum dinheiro, mas pouco. O itunes e as editoras levaram quase
tudo. A motivação também não era essa, mas sim a promoção do andebol. E a diversão, claro. Foi
muito cool.
MF - Quando nasceu essa paixão pela música?
TB - Toco piano desde os oito anos. Não se esqueça que nasci em Viena, capital da música clássica
(risos). A minha mãe também tocava e convenceu-me. Comecei logo por Beethoven, Mozart, Chopin,
coisas leves (risos). Mais tarde pedi à minha professora para experimentar Robbie Williams e James
Blunt. Coisas mais pop. Um dia, era eu adolescente, essa professora organizou um concerto. Toquei
para 200 pessoas, num piano branco enorme. Assustador, assustador.
MF - Tem a ambição de fazer um álbum em nome próprio?
TB - Sim, mas não é fácil. A música original que tenho demorou-me quatro meses a produzir. Sou
andebolista profissional, não tenho tanto tempo livre (risos). A minha banda favorita chama-se The
Calling. Vi um concerto deles na Alemanha e fiquei louco com o vocalista. Tenho uma versão de uma
música deles.
VÍDEO: Tom Bauer a cantar The Calling
MF - Além do andebol e da música, há outra paixão: cortar cabelos. Como começou isto?
TB - Fiquei descontente com a minha experiência em cabeleireiros na Áustria (risos). Quando chegava
a casa tinha sempre de mudar alguma coisa. Comecei a pensar que poderia fazer melhor. Tinha 15
anos. Das primeiras vezes que o fiz, a minha mãe passou-se: Tens de cortar isso, não vais à rua
assim . Mas comecei a criar. Não é comum, mas perguntei a um colega na escola se lhe podia cortar o
cabelo. Era um amigo meu, brasileiro! Continuamos ligados. Outros rapazes viram e disseram que
estava bem. Tenho de encontrar sempre alguém para começar. Aqui no FC Porto foi o Diogo
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Branquinho.
MF - Foi o primeiro aqui no Porto?
TB - Sim. Branquinho, acho que posso cortar-te o cabelo e pôr-te com bom visual . Poderia ser
estranho para o Branquinho ver um tipo austríaco, o novo guarda-redes, a querer cortar-lhe o cabelo,
mas ele aceitou.
MF - Ficou contente com o resultado?
TB - Absolutamente. Quando vais a um cabeleireiro, cortas o cabelo. Assim aconteceu. Ficou bem.
MF - Os colegas do FC Porto deixam-no cortar-lhes o cabelo?
TB - Sim. O Branquinho foi a primeira vítima. Antes, disse-lhe. Não vou cortar-te o cabelo, vou mudar
a tua vida . Deixei-o expectante. Encontrámo-nos após o treino, trouxe a máquina de cortar e ele ficou
contente. No dia a seguir, outro colega perguntou-me se lhe podia cortar o cabelo. Sou sortudo por
não ter uma fila com a equipa toda a querer cortar o cabelo (risos). O Branquinho já me perguntou
ontem se podia cortar-lhe antes do Natal.
MF - Tem algum negócio nesta área na Áustria?
TB - Não, não. Apenas tentei, gostei e faço-o. Mas nunca forço ninguém a fazê-lo. Eu faço-o com
humor: Se não queres que te corte o cabelo, então não vais ter um bom penteado . Fi-lo nos outros
clubes, na seleção nacional. As mulheres dos jogadores já me dizem que eles têm de cortar o cabelo
na seleção. Levo sempre a máquina de cortar o cabelo para a seleção. Divertimo-nos, mas faço-o de
forma séria.
MF - O Thomas corta o seu próprio cabelo?
TB - Sim, desde os 15 anos. Claro que é mais rápido cortar a outra pessoa. Na seleção nacional e num
clube na Alemanha, fizemos a Cut and Cocktail Party , uma festa. Eles trazem bebidas, eu levo a
máquina e depois do treino ficamos três horas no balneário a beber cocktails e a cortar cabelos
(risos). Não serão hábitos normais das equipas, mas passa-se bem.
MF - Há algum corte especial que recorde?
TB - Na Áustria um colega pediu-me para cortar-lhe uma semana antes do casamento. Não podia
cometer erros nesse. Também cortei a uma jogadora de andebol. Demorou duas horas e meia. Com
um cabelo longo... os erros são proibidos (risos). E também a um rapaz sueco, que tinha um cabelo
grande. Eu disse-lhe para vir na manhã seguinte. De manhã, fui ao Youtube pesquisar como cortar
cabelos longos (risos). Dez minutos antes de ele vir! Foi tão rápido... só tive tempo de ir procurar.
MF - E se tivesse de cortar um cabelo como tinha o Fellaini?
TB - Seria um desafio. Por acaso, será um desafio quando o António Areia decidir cortar. Quando ele
quiser fazer algo especial, posso pensar em mudar a vida dele (risos). Mas que não espere muito. Não
sou médico, não o posso fazer bonito, mas posso melhorar aquilo.
MF - Espera estar no Porto vários anos?
TB - Não posso dizer que vou ficar aqui até ao fim da carreira. Mas sinto-me bem aqui. Fiquei
surpreendido com o nível, o comprometimento, a organização. Espero que muitos amigos possam vir
aqui e ver a vida que tenho, o clube onde jogo. Quero partilhar essa experiência. Verem quão sortudo
eu sou. Eu fui o capitão da seleção nos últimos dois anos. E o capitão, no último verão, não tinha
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clube. E vais ter um campeonato do mundo no próximo ano. Agora, todos estão mais relaxados,
sabem que estou a treinar bem.
MF - Teremos o Thomas no Mundial?
TB - Claro. Espero que o meu filho nasça antes. Deve nascer em janeiro. Temos um grupo com
Dinamarca e Noruega, é difícil, mas o resto é do nosso nível e podemos ir à fase final. Vou ter o natal
com a minha família, mulher, vou ver os meus amigos. O nascimento do meu filho, a seleção, voltar
para Portugal, Taça de Portugal contra o Sporting. Depois a Taça EHF. Queremos ir à final four, em
Kiel, perante 10 mil espetadores. A época 2018/2019 é das mais excitantes da minha vida. E estou
absolutamente pronto para continuar esta jornada aqui no FC Porto. Ontem, alguns colegas
perguntaram-me qual é o meu clube de sonho. Neste momento é o FC Porto. Não podia pedir mais.
Boa equipa, colegas, adeptos, lutar pelo campeonato, cidade fantástica, esperar pelo meu filho. Vai
ser um grande ano.
Pedro Jorge da Cunha