Curiosamente, pensei em juntar aos meus exemplos de comunitarismo a experiência anarquista na Espanha dos anos 30, que conheço muito bem.Não necessariamente, tens alguns exemplos de sociedades que se organizaram 'bottom-up'. Talvez o caso mais famoso e paradigmático seja o da Catalunha durante a Guerra Civil, que levou George Orwell a escrever o livro "Homenagem à Catalunha". É um exemplo paradigmático porque as pessoas se organizaram e tomaram conta das suas vidas, viveram de forma próspera durante um bom tempo. Só a forma como organizaram a educação com ênfase na autonomia, na curiosidade intrínseca das crianças, pensamento crítica e coeducação deveria ser um exemplo para as nossas sociedades. As pessoas liam, participavam diretamente na vida política, iam ao teatro, eram atividades praticadas de forma generalizada pelas populações.
Pena ter sido naquele contexto de guerra, mas houve outros casos em Espanha durante o mesmo período. Acredito que o período o contexto impediram que se seguissem mais exemplos.
Aliás, eu gosto sempre de dar o exemplo do que acontece quando ocorrem grandes catástrofes naturais. Por exemplo, as cheias do ano passado em Valência, o que foi que aconteceu? As pessoas rapidamente se organizaram e deram conta do recado, muito antes de receberam ajuda das instituições governamentais. Igual durante as cheias no Rio Grande do Sul. As pessoas rapidamente se organizam e cooperam, mas depois cria-se a ideia de que o povo é burro e precisa de uma classe de 'inteligentes' que os governem. É uma ideia bastante conveniente, até porque a estupidificação das massas é sempre uma prioridade de quem tem o controlo do poder e é necessário fazer acreditar que o povinho é todo burro e que precisam de um grupo privilegiado de iluminados para os liderar.
Mas essa experiência surgiu numa conjuntura muito especial, se calhar única na história, e não creio que aquilo pudesse durar mesmo que os republicanos tivessem vencido a guerra. Teriam sido rapidamente esmagados pelas forças republicanas, apoiadas pelos comunistas, como aliás foram de qualquer modo.
É verdade que em momentos de crise as pessoas têm capacidade de se organizar e trabalhar em conjunto, mas só o fazem quando sabem que não podem contar com o estado. E hoje as pessoas estão demasiado passivas, demasiado habituadas a depender do estado, até porque foram condicionadas para isso.
Então, esse espírito comunitário de entreajuda só existe em países pobres, onde sabes que não vai chegar ajuda da polícia, dos bombeiros ou da protecção civil.
Um exemplo disso são os incêndios, quando eu era puto, há 40 anos, se havia um incêndio na terra, os vizinhos todos juntavam-se para o apagar, mesmo que o pinhal não fosse deles. Hoje ligam para os bombeiros e ficam a assistir ao trabalho dos profissionais.