Mas o que é que queres que se faça?
Que seja o cidadão comum a fazer justiça pelas próprias mãos?
Num estado de direito são os juízes que decidem quem fica em liberdade ou em prisão preventiva, se os incendiários ficam práticamente todos em liberdade é porque alguma coisa deve estar mal no nosso sistema judicial ou no nosso código penal.
A democracia não fica posta em causa.
Não pretendendo comentar política nacional, por razões particulares, vou abordar esta questão por outro prisma.
Nesta questão, falham as leis, falham os juízes e falha a academia. Estas três partes, que só podem ser analisadas como um todo, estão numa relação estrita de interdependência. Quer isto dizer que a academia influencia as leis e a formação dos juízes; os juízes pertencem não raras vezes à academia e acabam por ser o meio pelo qual se avaliará a validade prática de uma lei; as leis, embora tenham o nome e o signo dos deputados e respectivos partidos, passam pelo crivo de reputados juristas, muitos deles insignes professores de Direito, e também recebem feedback jurisdicional.
No fundo, é um problema de cultura e é um problema de direito. Não é que o Código Penal e outras leis penais estejam "malfeitas", longe disso. Esses diplomas padecem, grosso modo, de uma coerência irrepreensível, sendo exemplos da melhor técnica jurídica. O cerne do imbróglio reside na ideologia, na visão que está por detrás da feitura dessas leis. O problema é cultural, é ideológico e, por conseguinte, jurídico.
Tal como as leis bebem de uma determinada fonte, também os juízes e os académicos sofrem, no que toca ao direito penal, desse problema cultural e ideológico.
Essa perspectiva que conforma este três elementos nunca criou grandes dificuldades...até agora. Hoje em dia, não dá resposta aos principais dilemas, está desatualizada. A essa conclusão chegaram outros países; o nosso, como é habitual, chegará mais tarde.
A democracia fica, portanto, posta em causa. Porquê? Porque o sistema falha, não dá resposta aos anseios da generalidade da população. Porque permite a forças antidemocráticas pegarem numa base genuína - os reais problemas que elenquei acima - e extrapolarem absurdamente, levando à adesão do eleitorado às suas ideias. E, por outro lado, cria movimentos de justiça popular, uma volta à velha lei de Talião, "olho por olho, dente por dente". Esses movimentos são inevitáveis quando o sistema está de tal forma defasado.
Esta legislatura será porventura a última em que se pode fazer algo quanto a isto para evitar um desfecho previsível. Também previsível é a possibilidade de não se fazer nada.