Memórias do século XX

jsm

Tribuna
29 Abril 2007
3,319
16
Grande Maos de Ferro!Uma glória do nosso clube que tantos e tão bons guarda redes teve!
Siska, Soares dos Reis, Barrigana, Pinho, Acúrcio, Américo, Rui, Armando, Tibi, Fonseca, Mly, Baía, Helton...
 
T

Timofte 2-3

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O Zé Beto era assim assim....fazia grandes exibições e era capaz das maiores desilusões...às vezes oscilava durantre o mesmo jogo. Paz à sua alma
 
H

hast

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Fernando Gomes

Com o ano 2000 à porta e em pleno reinado de Jardel, a grande referência do FC Porto, no que a pontas-de-lança concerne, continua a ser Fernando Gomes. As duas Botas-de-Ouro continuam em destaque na casa de Miramar, ou não tivessem sido os golos a única razão desportiva da vida do antigo camisola nº 9. Para ele, quem se distingue é quem falha menos e as suas memórias recuam até aos tempos de futebolistas ilustres. Estilo, elegância e, claro, eficiência nos terrenos decisivos são os grandes argumentos de uma raça que não está em vias de extinção mas conhece um nítido período de vacas magras.
O esgotar do século trouxe maior protecção aos artistas da grande área, dantes as marcações eram “assassinas” e sem contemplações e a incursão no passado não o preocupou. O 25 de Abril encontrou-o no Liceu Alexandre Herculano, preocupado com o futebol e já quase à porta da equipa principal do seu clube de sempre. E não conseguiu reprimir um lamento comedido: “Fui para o Sporting porque o FC Porto não me quis”.

“Artur Jorge e João Pinto dedicaram-me a vitória de Viena”
“Sabe, quem falha menos é quem mais se distingue. O ponta-de-lança ‘está lá’, vai a todas e, claro, tem mais oportunidades para marcar golos. Trata-se de uma posição que foi e será sempre difícil, razão por que nunca digo que agora é mais ou menos fácil, que as marcações são mais ou menos rigorosas. Lá, na área, nunca existem facilidades. Talvez haja hoje mais rigor em termos globais, mas pouco mudou naqueles poucos metros de terreno. Eu, por exemplo, tinha um estilo muito diferente do Eusébio, que foi o melhor de todos nós, o mais completo e talentoso. O Gerd Muller talvez tenha sido o mais eficiente num palmo de terreno, Van Basten certamente o mais elegante e mais versátil, enfim, homens que cito de cor, que admiro e que tinham, como eu, uma característica comum: todos marcávamos muitos golos”.
Em Miramar, numa tarde de chuva incómoda e vento agreste, Fernando Gomes acedeu a revisitar as suas memórias. “Falo pouco, não procuro a evidência, mas trata-se, de facto, de um fim de século que tem muita coisa para contar. A política nunca foi o meu forte, o 25 de Abril apanhou-me no Liceu Alexandre Herculano, já muito preocupado com o futebol, mesmo que me tenha tocado como tocou muitos portugueses. Mesmo assim, prefiro olhar para o Portugal de hoje, um país evoluído e que caminha num passo igual a todos os outros, na Europa e no Mundo”.
“Fui um homem feliz na profissão que escolhi, no FC Porto, no Gijon, no Sporting e na selecção nacional. Fui para Espanha através de um processo normal de transferência de um jogador, como tantos outros, para o Sporting porque o FC Porto não me quis. Mas são coisas que aconteceram há já muitos anos, nesta altura prefiro olhar para o meu clube, que continua a ganhar e se projectou como a maior força do futebol português. Que diferença relativamente ao ano em que fomos campeões, depois de dezanove sem ganhar! Passámos de ‘nortenhos’ a ‘nacionais’, coisa que hoje nem sequer se discute, em Portugal e no estrangeiro. O clube está organizado, servido de dirigentes capazes, trata-se, de facto, de um fim de século de glória azul-e-branca”.
Gomes parece um homem frio… mas não o é, definitivamente. “Aqui, nesta sala, comovi-me quando ouvi o Artur Jorge e o João Pinto, em Viena, a dedicarem-me a vitória na Taça dos Campeões Europeus. E o desfile pelos Aliados, hoje normal porque acontece com muita frequência, também ocupa um lugar muito especial nas minhas memórias”. “E, claro, não nos podemos esquecer de Basileia, da nossa mística dos anos oitenta e de um espírito que era quase de família. Jogadores, treinadores, dirigentes… éramos mesmo uma família, acredite. José Maria Pedroto era uma personagem quase consensual, que percebia muito de futebol. Adiantado em relação ao seu tempo, teve em Pinto da Costa um homem que soube perceber rapidamente as suas ideias. Artur Jorge foi um excelente continuador”.
E Saltillo? Que influência terão tido os acontecimentos mexicanos, há já mais de 13 anos, no actual futebol português?
“Eu acho, hoje e olhando para trás, que todas as partes tiveram culpa. Mas também julgo que foi nessa altura que o futebol deu os primeiros passos para ser o que é neste fim de século. Terá, na altura, faltado diálogo e alguém mais frio para juntar as sensibilidades em confronto. Coisas boas e más, afinal, como sempre acontece, acontecendo que nos dias de hoje há coisas parecidas, se calhar feitas de maneira diferente”.
Quarenta e oito horas antes (21/09/99) da conversa com o inesquecível futebolista, o FC Porto tinha recebido e vencido (2-0) o Olympiakos, naquela que foi a segunda vitória consecutiva dos Dragões na presente edição (1999/2000), da Liga dos Campeões. E como, afinal, a vida se faz mais de presente e futuro do que de passado, Fernando Gomes não conseguiu disfarçar o seu entusiasmo e optimismo: “Jogámos bem, numa noite com muito vento e muita chuva, com uma exibição muito conseguida. Estive lá, como sempre, porque o FC Porto é o meu clube, a equipa, ‘a minha equipa’ e sinto as vitórias como se ainda lá andasse. E fico feliz por ver que os avançados de hoje estão mais protegidos, que as marcações violentas são punidas com maior severidade. No meu tempo, a violência era terrível para os homens da grande-área e para os artistas do futebol. Outra diferença positiva prende-se com a decisão da UEFA de apenas punir os jogadores com um jogo de suspensão ao terceiro amarelo, protegendo o espectáculo e conseguindo, assim, levar mais gente aos estádios. Às vezes, ainda me custa ver os árbitros assistentes ‘arrancarem’ foras-de-jogo duvidosos, mas está tudo muito melhor. Uma das minhas memórias, neste caso uma má memória, é a forma como muitas vezes me marcaram, com agressões que passavam em claro. Mas, mesmo assim, tive sorte, quando penso, por exemplo, no caso de Marco van Basten, que terminou a sua carreira quando ainda tinha muito para dar ao futebol, por força da forma impiedosa como foi marcado, sofrendo lesões que ninguém conseguiu curar”.
Serenamente, Fernando Gomes vive a sua vida, provavelmente à espera do momento certo para voltar ao futebol. E guarda as suas memórias quase a sete chaves. Mas, neste fim de século, acedeu em recordar as coisas que entendeu, sem entrar em polémicas, mesmo que não tenha conseguido evitar o desabafo, muito breve, referente ao processo que o levou das Antas para Alvalade. Com a camisola do Sporting, o avançado continuou a marcar golos, a sua maior arte. Mas foi nas Antas que fez história, nas Antas e nos relvados de todo o mundo onde esteve com a camisola do FC Porto. E, nessa coisa dos golos, Gomes terá, forçosamente, que fazer a unanimidade. Com ou sem memórias.

SEGREDOS

Toninho Metralha e a calma de Pedroto
Quem trabalhou com José Maria Pedroto tem, obviamente, coisas para contar de uma personagem muito especial do futebol português. Fernando Gomes, que nunca escondeu a sua admiração pelo saudoso “Zé do Boné”, não podia fugir à regra. E contou a O JOGO um episódio que aconteceu entre o treinador e o avançado brasileiro, pouco depois da chegada às Antas do futebolista: “O Toninho Metralha, pode dizer-se, chegou, viu e venceu. Fez treinos espectaculares, fartou-se de marcar golos e prometeu muito. Pedroto tinha avalizado a contratação e era um homem feliz”. E Gomes chegou à parte curiosa: “Uma manhã, com Pedroto na linha lateral, como sempre fazia, teve lugar um treino de conjunto e a certa altura o Toninho Metralha começou a correr com a bola dominada, e o ‘mister’ começou a gritar: ‘Cruza! Cruza!’. O brasileiro continuou a correr, Pedroto a pedir o cruzamento e, a certa altura, Metralha decidiu-se por um remate fulminante, de ângulo incrível… e impossível, fazendo um golo fantástico, numa atitude que não tivera nada a ver com o que lhe tinha sido pedido. Pedroto, bem à sua maneira, suspirou e disse baixinho: ‘Pronto, também está bem...’’’.

Epopeia de Viena vista e sofrida em Miramar
Tendo participado em todos os jogos da Taça dos Campeões Europeus de 1986/87, Fernando Gomes perdeu o mais importante: a final de Viena foi vista pela televisão na sua casa de Miramar, com uma perna partida e, certamente, muita angústia na alma.
Mesmo assim, o antigo goleador não dá menos importância à epopeia europeia austríaca: “Como já disse numa parte da nossa conversa, a vitória de Viena apenas tem paralelo na conquista do campeonato nacional depois de dezanove anos de jejum. E isto pelo que representou para o clube ser campeão, já que a vitória na Taça dos Campeões tem, naturalmente, uma dimensão muito maior e funcionou como o decisivo factor de arranque do FC Porto a nível internacional. Vi o jogo aqui nesta sala, sentado neste sitio e foi uma noite inesquecível, muito mais sofrida do que se estivesse a jogar”.
Quase sem dar por isso, Fernando Gomes juntou a noite de glória à final de Basileia, quando a Juventus derrotou o FC Porto: “Tratou-se da primeira presença do clube numa final da UEFA, já com José Maria Pedroto muito doente e ainda hoje penso que fomos infelizes e superiores ao nosso adversário. E, afinal, não demorou muito tempo até a situação se inverter. Maio de 1987 ficou na história do clube e já ninguémse admirou quando, logo a seguir, vieram as vitórias na Supertaça Europeia e na Taça Intercontinental.

“FC Porto mais constante em 1985 e mais genial na Taça dos Campeões”
“Posso dizer que joguei sempre com grandes jogadores e em grandes equipas, só assim poderia ter marcado tantos golos, durante tantos anos. Diria que as grandes memórias do século XX são os futebolistas extraordinários com quem convivi. Com Pedroto, houve um período dourado do FC Porto, Cubillas, Oliveira, Duda, Octávio, eu sei lᅔ.
E, por muito pragmático que um homem seja, a saudade está sempre presente: “Depois, com Artur Jorge e já com o Futre no FC Porto, fomos mais constantes em 1985, quando eliminámos o Ajax de Van Basten, Riijkaard, Koeman, Silooy, Van’t Schip, treinado por Cruyff, na Taça dos Campeões. Em 1987, o FC Porto era, digamos, mais genial, porque havia o Madjer, um homem que fazia, se calhar, o que mais ninguém fazia”.
De caminho, um olhar para outros sítios por onde passou: “Na selecção, claro que o Campeonato da Europa de 1984 foi, para mim, o ponto mais alto, com Chalana, Jordão, João Pinto, Frasco, Bento, Lima Pereira e tantos outros. E também estivemos no Campeonato do Mundo, dois anos depois. No Gijon e no Sporting a qualidade também era muita, por isso é que digo que não me posso queixar e as memórias são, na generalidade, muito boas”.

“Eu também tratava o Rui por senhor Rui”
Fernando Gomes aceita que, agora, “os tempos são outros”. No seu, quando começou a jogar na primeira categoria do FC Porto, as hierarquias respeitavam-se e a antiguidade era um posto. Leu o que Eusébio disse nas memórias do seu século e estabeleceu analogias: “Não me espantei nada quando li que o Eusébio tratou o capitão do Benfica por ’senhor Águas’, quando lhe pediu que o deixasse marcar o livre na final com o Real Madrid. Eu tinha dezanove anos quando cheguei à primeira categoria do FC Porto e, por exemplo, também chamava ao Rui, um dos nossos guarda-redes, ‘senhor Rui’. Hoje nada disso é assim, não sou contra nem a favor, desde que todos se respeitem. Há muitas histórias dessas para contar que, afinal, nem histórias são, porque era mesmo assim”.

…E o século XXI?
“Falar de um novo século tem que ser, forçosamente, falar de optimismo e de esperança em dias melhores. Timor, questão de grande actualidade, faz-me estar de corpo e alma a favor de um povo sacrificado e martirizado que merece melhor sorte. Mas, não é só Timor, mesmo que seja o que nos toca mais directamente, porque há, por esse mundo fora, muita gente a sofrer. É preciso diálogo e compreensão para se acabar com as injustiças”.
E Fernando Gomes também deseja muita coisa boa para o futebol português e, claro, para o FC Porto: “Sei que há muita vontade, da parte de muitas pessoas, para mudar muito do que está mal no futebol português. E, se for assim, será uma questão de reestruturar, estabilizar e… disparar, porque a qualidade que sempre existiu nem sequer se discute. Situações financeiras estáveis, gestão adequada e atenção à formação serão as soluções óbvias, porque teremos sempre grandes jogadores. O Campeonato da Europa de 2004 é mais uma das grandes ambições, que muito ajudará o desenvolvimento do nosso futebol se a UEFA escolher Portugal”.
E Gomes “sente” que o novo século vai ser o seu regresso activo: “Sempre disse que só poderia estar no FC Porto ou na selecção nacional, sem nunca falar de cargos ou de responsabilidades. E estou sempre disponível, desde que seja para fazer o que julgo estar ao meu alcance. Finalmente, não posso de deixar de pretender para o meu clube um início de século tão bem sucedido como o que aconteceu, digamos, nos últimos dez/quinze anos, porque o FC Porto tornou-se na maior força do futebol português e um dos mais importantes cartazes de Portugal no mundo inteiro. O Porto a ganhar é o meu sentir e o arranque deste ano na Liga dos Campeões é um óptimo sinal para que se possam, eventualmente, repetir as jornadas de Viena e de Tóquio. É, afinal, o que eu mais desejo para o século XXI”.
 

jsm

Tribuna
29 Abril 2007
3,319
16
hast ainda bem que recordas um jogador que durante algum tempo foi ostracizado injustamente pelo nosso clube. O Gomes que eu conheci no liceu, sempre foi um portista dos sete costados e o seu amor ao porto é só comparável aos melhores do clube em dedicação e afecto pelo azul e branco das nossas cores.
Um abraço e já agora um bom ano novo para ti e para todos os que te são queridos!
 
H

hast

Guest
Obrigado jsm. Igualmente para ti e para os teus.

Os primeiros jogos que vi do FC Porto tinham uma estrela cintilante, Fernando Gomes, no meio de outras não menos reluzentes: Cubillas, Oliveira, Seninho, Duda e muitas, muitas mais. E, Fernando Gomes, na altura com 19 anos, tal como ele afirma nesta entrevista, já dava o toque de \"matador\" que todas as grandes equipas sempre têm no seu seio. Foram anos e anos de glória para ele e para o nosso clube. Enormíssimo como atleta e como homem. Tal como outros grandes nomes do clube, também ele, tem o seu nome gravado a letras (bem) douradas na fantástica e centenária existência do FC Porto.

Da entrevista destaco, entre outros pormenores, este:

“Posso dizer que joguei sempre com grandes jogadores e em grandes equipas, só assim poderia ter marcado tantos golos, durante tantos anos. Diria que as grandes memórias do século XX são os futebolistas extraordinários com quem convivi. Com Pedroto, houve um período dourado do FC Porto, Cubillas, Oliveira, Duda, OCTÁVIO, eu sei lᅔ.

Como toda a gente sabe, o afastamento de Fernando Gomes, do FC Porto, teve o seu início naquela famosa \"cena\" ocorrida na Madeira e em vésperas de um jogo com o Marítimo. O altercado com Octávio, que teve o seu ponto alto na célebre frase do Gomes, quando apelida o Octávio de \"bufo\".
Não deixa, pois, de ser estranho, que Fernando Gomes cite o \"bufo\", quando faz referência aos \"jogadores extraordinários com quem conviveu. Isso só prova que o Gomes é um senhor e que sabe apartar o trigo do joio. Bastava-lhe não mencionar o nome do dito cujo e ninguém se lembraria do dito \"bufo\", mas não, soube distinguir o homem do atleta, porque de facto, o \"bufo\", foi um dos grandes jogadores da sua geração.
O «post», para mim, valeu por isso. Um grande bem-haja ao Fernando Gomes.
 

fcporto56

Tribuna Presidencial
26 Julho 2006
7,173
0
Sacramento
Hast,achei este teu post sobre o Fernando Gomes bastante interessante, e espero que nao me leves a mal por o ter copiado e postado na ML do FC Porto.Sem duvida alguma que esta serie de memorias seculo xx e uma mais valia para este Portal.
 
H

hast

Guest
> fcporto56 Comentou:

> Hast,achei este teu post sobre o Fernando Gomes bastante interessante, e espero que nao me leves a mal por o ter copiado e postado na ML do FC Porto.Sem duvida alguma que esta serie de memorias seculo xx e uma mais valia para este Portal.

* * * * *


Então vou levar a mal que um Portista ajude a divulgar a história do FC Porto? Por favor, estás à vontade, não faltava mais nada. ;-)

fcporto56, um bom ano de 2010 para ti e para quem te rodeia.
 
H

hast

Guest
António Feliciano

Burilador de Títulos
«Em 1949 tinha Feliciano 32 anos. Não caíra nas boas graças de Fernando Riera e como se sentisse peça de armazém, que era o que não queria ser, jogador mimado e hipersensível, abandonou o Belenenses. Foi para o Marinhense como jogador-treinador, subiu o clube dos Distritais à II Divisão, passou pelo Beja, pelo Chaves, pelo Famalicão e pelo Riopele. Em 1965 mudou de rota. Casara com uma espanhola de Orense, passava férias em Portimão. Recebeu uma chamada numa... praça de táxis. Era Afonso Pinto de Magalhães, presidente do FC Porto, a convidá-lo para treinador das camadas jovens da equipa. Aceitou de imediato. Construiu gerações de ouro, a escola Feliciano: Fernando Gomes, João Pinto, Jaime Magalhães, Zé Beto, Rui Filipe, Domingos, Vítor Baía... No FC Porto subiria a treinador principal, em 1971/72, substituindo o brasileiro Paulo Amaral. E dois anos depois desceria a adjunto de Riera, o homem que o arrumara no Belenenses. Não muito depois voltou a ser o que mais prazer lhe dava: burilador de diamantes...»
In «Lendas de Portugal»

*

Era uma sina teimosa, a das derrotas de Portugal com a selecção espanhola. Um dia, essa sina mudou e a equipa que tinha um enorme emblema das Quinas sobreposto ao coração venceu, por 4-1. “Lá calhou”, sorri Feliciano, que participou nesse encontro histórico. Ele, e “o Cardoso, o Capela, o Moreira, o Amaro, o Francisco Ferreira, o Jesus Correia, o Araújo, o Peyroteo, o Travaços e o Rogério”, que identifica na fotografia dessa jornada gloriosa: “Durante anos e anos, a Espanha ganhou-nos sempre. Daquela vez, lá calhou. Andámos uns quinze dias a festejar; era almoço para aqui, jantar para acolá… mal sabia eu que viria a casar com uma senhora espanhola!”
Não foi só nesse palco que Feliciano fez história. Fê-la também com a camisola do Belenenses. Central possante, com 1,80 metros, era “o mais baixo” de entre os que ficaram conhecidos como as Torres de Belém – “os outros eram o guarda-redes Capela e o Vasco de Oliveira” -, e deram ao clube lisboeta o único campeonato que não pertence aos três grandes. Depois deles, ninguém conseguiu repetir a proeza.

“A primeira vez que ganhámos à Espanha andámos 15 dias a festejar”
António Feliciano é um homem singular. Como atleta, foi brilhante e, como treinador, pioneiro; os êxitos não se contam por títulos, mas pelos jovens que insistiu em formar, nos clubes por onde passou. Um dia, um presidente do FC Porto reparou nessa aptidão e levou a Torre de Belém para a Constituição. Treinou miúdos como Gomes, Jaime Magalhães, João Pinto e muitos outros, e, quando foi preciso, também orientou os seniores, “por seis meses”. “Estava no contrato, lembra. A experiência não parece tê-lo marcado por aí além, gratificante foi trabalhar com os putos.
Órfão de mãe aos nove anos, Feliciano cresceu na Casa Pia, o colégio lisboeta onde se fez melhor atleta do que estudante. “Nos estudos fui um fracasso”, ri. No resto, um êxito fora do vulgar. “Com 17 anos, atingi a primeira categoria do Casa Pia, no futebol, mas não foi só isso; também fui campeão dos 400 metros barreiras e no lançamento do peso”, recorda. O gosto pela bola prevaleceu, na opção do jovem, mas a velocidade também deu jeito, principalmente, “quando jogava contra os cinco violinos do Sporting”. “Eram muito habilidosos, trocavam muito bem a bola entre eles e faziam-nos correr muito”.
Se os “violinos” eram difíceis de defrontar, as “torres” não eram fáceis de transpor – “e tínhamos o Quaresma na linha avançada” -, e foi também graças a ele que, em 1946, o Belenenses foi campeão nacional. “Fui considerado um dos melhores da Europa”, recorda o central, que explica em poucas palavras esse título histórico. “O Belenenses só ganhou um campeonato, mas andava sempre pelo segundo, terceiro lugar, era um clube que tinha uma grande aceitação”, embora “o Sporting e o Benfica” dominassem.
Ser futebolista é que era, então, completamente diferente.

Poupar para o bacalhau com grão
Nos primeiros tempos nas Salésias (O Estádio do Restelo viria mais tarde), Feliciano não era profissional. “Pagavam-me o bilhete do eléctrico” e acumulava a actividade desportiva com o trabalho no Grémio das Mercearias. Não raras vezes. “ia a pé” para o campo, a fim de “poupar para comer alguma coisa”: “Gostava muito de bacalhau com grão e, na Casa Pia, era uma vez na vida que o via. Também gostava muito de pastéis de Belém – que era o que os sócios nos chamavam, quando não gostavam da forma como estávamos a jogar”.
Quando se retirou do futebol, foi-lhe feita uma homenagem. A ele e a Rogério, avançado do Benfica. “Dantes davam-nos como acabados muito cedo”, recorda, enquanto exibe a fotografia em que surge com o benfiquista. Entre eles está Baptista Pereira, “o português que atravessou o Canal da Mancha a nado” (o Gineto, figura principal do livro “Esteiros”, de Soeiro Pereira Gomes). Fizemos questão da presença dele”.

“Comigo, tinham de ser bons rapazes”
Uma festa no Jamor assinalou a despedida simbólica de Feliciano do futebol. Continuou a carreira, mas acabou por se tornar jogador-treinador. Habituado a conjugar a bola com o trabalho, Feliciano estranhou o tempo que lhe sobrava nestas funções, e foi aí que decidiu dedicar-se aos mais novos. Propô-lo à direcção do Desportivo de Beja, e a ideia foi aceite. Fê-lo, depois, “em todos os clubes” por onde passou. “Não gostava de farras nem de cafés, e a minha vida era campo-pensão, pensão-campo. Gostava de ar livre, e juntava o útil ao agradável; entretinha-me, e entretinham-se os miúdos”.
O Chaves foi um dos clubes que apostou nas camadas jovens pela iniciativa de Feliciano. “A Associação de Futebol de Vila Real não tinha campeonato, de modo que o fazia eu, com várias equipas do Chaves”. Foi de uma delas que saiu Pavão, que viria a morrer, de forma dramática, no relvado das Antas. Foi por Trás-os-Montes que o então técnico conheceu Maria dos Anjos, a espanhola de coração e sorriso grandes que é guardiã das memórias que a memória do marido já não consegue reter. Ter-se-á gasto quando o FC Porto o adoptou… para todo o serviço, mas, sobretudo, para dar largas a esse talento para formar talentos.
“Foi do que gostei sempre mais, de treinar os miúdos. Com eles entendia-me muito bem. Com os pais é que nem tanto, Queriam que os filhos deles jogassem, vinham ter comigo e eu dizia-lhes: “Ó senhor, olhe que eu sou pai de muitos, e o senhor é pai de um só. Olho para o seu filho como para os outros. E eles calavam-se, ficavam-se com essa”.
Gomes, “já então o melhor marcador”, foi um dos miúdos que lhe passou pelas mãos. João Pinto, nesta altura treinador dos juniores, foi outro. Jaime Magalhães, Bandeirinha e muitos outros nomes que também fizeram história no futebol português leram as sebentas deste homem, que combinava de forma excepcional a compreensão – “Havia o Gabriel, que era estofador e saía mais tarde do que os outros, e ficava à espera dele para o treino” -, mas também a disciplina: “Comigo, tinham de ser bons rapazes. Não queria maus estudantes nem desempregados”. Para todos os que surgiram na conversa teve a mesma classificação. “Miúdos excepcionais”, cuja recordação o entusiasma bem mais do que a evocação dos feitos de que foi protagonista. Feliciano é mesmo um homem singular.

SEGREDOS

As nódoas negras de Peyroteo
Um recorte do jornal “A Bola”, de uma edição de 1974, em que se fez a reportagem da festa que, no Estádio do Jamor, assinalou a despedida de Feliciano e Rogério, conhecido por Pipi, porque fazia questão de andar sempre muito bem arranjado”, faz o elogio do central do Belenenses. O ancião que hoje é a então “Torre de Belém” pega no papel, lê as alusões ao seu desportivismo, lealdade, ao carácter, ao talento, e conclui, bem-disposto: “Tinha tudo de bom!” De uma coisa tem particular orgulho – da passagem em que se diz que “em cada desportista um amigo”. Era mesmo assim: “Quando entrava em campo, cumprimentava o adversário mais directo; no Sporting era o Peyroteo e, à saída perguntava-he: ‘Fernando, há aí muitas nódoas negras?’ Ele dizia o mesmo e dávamos um abraço. Era muito leal”.

“O público só queria que nos matássemos uns aos outros”
Quem não gostava deste tipo de atitudes, destas amizades com os adversários, eram os adeptos. Não conseguiam compreendê-las, e muito menos aceitá-las. Feliciano delicia-se a recordar as reacções que ouvia na Avenida da Liberdade, em Lisboa, quando, ao final do dia de trabalho no Grémio das Mercearias, onde tinha por companheiros o sportinguista Jesus correia e o benfiquista Rogério, o grupo se juntava para saborear o fim de tarde. Adversários no campeonato, eram companheiros na selecção e no quotidiano do Grémio, e ficaram grandes amigos. “As pessoas queriam que fôssemos inimigos, dentro e fora do campo e, na hora de saída do emprego, quando ia com os meus colegas dp Sporting e do Bnefica tomar um café, diziam os indivíduos que nos viam, na rua: ‘Olha para eles! Andamo-nos nós a ralar e eles cá fora são todos amigos!’ Agora a mentalidade é diferente, mas, naquela altura, o público ia ver um jogo e só queria que nos matássemos uns aos outros!”

O cabelo de Gomes
Feliciano abre um enorme sorriso quando se lhe fala de Fernando Gomes, que ele próprio formou, e que há já uns anos terminou a carreira de goleador, feita, quase toda, com a camisola do FC Porto. “Era um miúdo excepcional”, que desde os primeiros tempos mostrou apetência para o golo, mas foi também um dos que mais desagrado lhe provocou. Tudo por causa do cabelo. Feliciano era rígido: “Queria os jogadores com o cabelo curto. Tendo-o comprido, havia a preocupação de o tirar da frente; cabeceava-se uma bola e o cabelo ia atrás, e não tinha jeito nenhum. Andava sempre atrás deles, e dava o exemplo, naturalmente”.
Gomes é que não se conformava com essa exigência do técnico – a quem, registe-se, sempre se referiu, publicamente, como uma das pessoas que mais o marcou -, e nem Feliciano com o corte, compridote, do avançado. Houve que encontrar consenso: “Tivemos uma conversa. Não ficou como eu queria nem como ele queria. Era bom jogador e bom rapaz”.
O cabelo ficou mais longo atrás e mais curto à frente. Para não atrapalhar, quando a bola surgisse pela frente. Foi assim durante toda a carreira do bibota de ouro.

…E o século XXI?
“O amor à camisola é conversa”
Aos 78 anos, Feliciano, já teve quase todas as homenagens possíveis. Dos clubes por onde passou ao Governo, ninguém ficou indiferente às qualidades e humanas deste ancião, que vive num cantinho escondido de S. Roque da Lameira, pertinho das Antas – no Largo da Maceda, pouso escolhido por ter o nome da terra da esposa. Maria dos Anjos sabe que o marido gostaria de rever, todos juntos, os atletas que formou.
Entre os tempos de Feliciano jogador e os actuais, de Feliciano espectador de televisão, o futebol mudou muito – as idas às Antas tornaram-se raras, desde o dia em que, durante um jogo se viu apanhado no meio de dois adeptos em desacordo: “A certa altura, quiseram chegar a vias de facto, gerou-se a confusão e as pessoas pensaram que era algo comigo”. A situação e os equívocos deu azo, porque não faltou quem lhe perguntasse o que se tinha passado com ele, que nada tinha a ver com a questão, desagradou-lhe tanto que trocou a bancada pelo sofá. “Cheguei a casa e disse à minha mulher: acabou-se o futebol para mim”. Não deixou, contudo, de torcer pelo dragão, o símbolo ao qual se rendeu, apesar da carreira feita no Belenenses, o outro azul do campeonato: “Sempre que o FC Porto é campeão, cumpro a minha promessa: vou a Fátima oferecer uma vela do meu tamanho”.
Actualmente, a equipa das Antas não lidera o campeonato, mas Feliciano mantém a esperança de repetir a viagem. “Julgo que há hipótese de o fazer”. Não acredita é que, tão cedo, outro emblema consiga a proeza do Belenenses de 1946, por força do domínio dos três grandes.
Sem sombra de saudosismo, esta glória do futebol português vê com agrado a evolução da modalidade. Não critica os milhões que esta faz girar, porque “os tempos são outros”, e fica satisfeito se, agora, “os jogadores têm tudo” – designadamente os mais novos, satisfação que não é de estranhar em quem chegou a treinar equipas em que os juvenis jogavam com as mesmas botas dos juniores… quando não com os mesmos equipamentos. Quanto aos mais graúdos, o profissionalismo agrada-lhe ainda mais: “É bem melhor, no meu tempo, tínhamos os nossos empregos e tínhamos que nos preocupar com eles e com a vertente desportiva”.
Há quem veja no enriquecer da modalidade maus sintomas, quem suspire pelo fim do amor à camisola, mas Mestre Feliciano, que nem sequer ficou rico com o futebol, registe-se, tem outra perspectiva, a que explica que a paixão continue, apesar dos milhões: “Isso do amor à camisola é tudo conversa. Ninguém gosta de perder, queremos é ganhar, já que estamos dentro do campo!”
 
H

hast

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> adriano cabral Comentou:

> Ainda é vivo este senhor?

* * * * *

Deve ser, porque senão, já teria sido noticiada a sua morte, como tem acontecido com outras velhas glórias do clube.
 
R

ricardo

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Boas. alguém me pode falar um pouco sobre o Mickey Walsh e a sua carreira no FCP? Eu como ainda sou relativamente novo não me recordo deste senhor.. agradecia :)
 
R

ricardo

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obrigado adriano! :D o pessoal daqui é uma verdadeira enciclopédia. qual wikipédia qual quê :)
 
H

hast

Guest
O Walsh, nos seis anos em que esteve no FC Porto, disputou 124 jogos e marcou 56 golos, o que dá uma média de 0.45 golos por desafio.

Os golos foram assim repartidos

Época Camp. T. Portugal Comp. Europeias S. taça

1980/81 19j/14g 6j/2g - -
1981/82 8j/0g 3j/2g 4j/2g -
1982/83 25j/15g 5j/2g 3j/2g 2j/0g
1983/84 16j/9g 3j/3g 7j/1g -
1984/85 8j/1g 1j/0g 2j/0g 1j/0g
1985/86 9j/3g 1j/0g 1j/0g
 
H

hast

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Américo

Américo mergulhou no passado e às vezes as recordações deixam-lhe os olhos timidamente húmidos. Está na história do futebol português como um dos melhores guarda-redes de sempre, que ganhou o direito a titular indiscutível na baliza do FC Porto durante 12 anos. Amanhã (06/03/2000), completa “oficialmente” 67 anos – na realidade, nasceu a 27de Fevereiro -, 20 dos quais ao serviço do clube do coração, que continua a ver ganhar com prazer.
É um homem sem dúvidas – o regime do estado Novo, que afrontava o Norte e deu uma hegemonia de décadas ao Sul, tirou-lhe algumas, muitas, internacionalizações. Chegou a ser um homem “só” na equipa das Quinas, mas em cada companheiro tinha um amigo. É convicto nesta afirmação: “Eu era melhor do que Costa Pereira, só que ele jogava no Benfica”… Com facilidade, faz uma auto-avaliação: nas alturas, a sair da baliza, era imbatível, tinha óptimos reflexos que ainda hoje aplica para apanhar a caneta que se escapa ou o pisa-papéis. É empresário, mas as mãos grandes de guarda-redes não enganem: tinham um “jeitinho” para a baliza, com a particularidade de considerar as luvas um perfeito estorvo, a não ser quando chovia.
Chamaram-lhe o guarda-redes suicida, “porque ia para cima dos adversários e não tinha medo de lhes sair aos pés”. É com toda a satisfação que convidamos o leitor a viajar até um passado não muito distante. Afinal, Américo, abandonou o futebol em 1970, dando lugar a Rui, no FC Porto, e a Vítor Damas, na selecção.

“Eu era melhor do que o Costa Pereira”
Antes de mais, foi um prazer conhecê-lo. Mergulhar no passado, com um guarda-redes que nunca sofreu um golo por debaixo das pernas, que detestava defender de luvas – só o fazia quando estava a chover – e que afirma com convicção que era melhor do que Costa Pereira, dá gosto. Sinceramente, mais ainda para quem o conheceu apenas como um dos ruins do fundo da lata na colecção de figurinhas. Nem fica mal dizer isto sobre Américo, 12 anos consecutivos como titular do FC Porto, que amanhã completa 67 anos oficialmente, porque nasceu a 27 de Fevereiro e o pai só o registou dias de pois, um senhor empresário, o primeiro futebolista a ter uma visão também comercial do futebol.
Hoje aplicar-se-ia esse termo que custa dizer, o merchandising, o que o guardião portista fez: mal regressou do Mundial de 1966, abriu no Porto a “Casa Magriço”, um estabelecimento de artigos desportivos que teve um impacto forte. Fê-lo ainda como profissional de futebol, a quatro anos do termo da carreira, “uma opção de vida”, como abaixo se conta. Hoje é um empresário bem sucedido, com uma clínica de medicina em S. paio de Oleiros, a poucos quilómetros de santa Maria de Lamas, terra natal, onde, ainda na primária, sentiu a intuição de que queria ser guarda-redes de futebol.
Nasceu Portista. “Acho que na barriga da minha mãe já era Portista. Fiz as primeiras defesas na escola, nunca quis outro posto. Como não havia camadas jovens, apenas os juniores, aos 16 anos fui treinar para o União de Lamas. Deixavam-me andar por lá a fazer uns treinos. Não sei quem é que me indicou ao FC Porto, mas o facto é que entrei para lá pouco depois, ainda nessa idade. Aos 18 anos, como júnior ainda, tinha um contrato profissional. Ganhava 1 500$00 (7.50 €), e tinha as despesas todas pagas. Para a época era muito bom”.
Para o leitor fazer as continhas ao preço do arroz de então, porque estamos a falar de 1954. “Bom dinheiro para a altura, sem dúvida. Ao longo da minha carreira, fui subindo os meus ordenados. Acabei em 1970, e ganhava 70 ou 80 contos (350€/400€). Também era um bom salário para os tempos que vivíamos”.
Américo Ferreira Lopes orgulha-se de ter hoje um património que lhe dá a maior estabilidade financeira. Gosta muito de pássaros, porque sempre gostou de voar para a bola.

“Nunca tive uma sombra”
A vida do “guarda-redes suicida” dava um livro, mas quem sabe um dia destes alguém não pega e lhe escreve as memórias mais inconfessáveis. Que as há.
Américo teve a responsabilidade de substituir Barrigana. “Na altura, não era nada fácil, porque ele era muito bom. Foi o meu ídolo em miúdo e vi-me, de repente, como companheiro dele, mas nunca procurei imitar ninguém. Tinha o meu estilo próprio, facilmente identificável”.
Ganhou lugar no FC Porto e tornou-se indiscutível. A titularidade ao longo de 12 anos, em 20 que teve de clube, faz-nos cair na tentação de, por esse particular, o comparar a Vítor Baía…”Não vou falar de outros aspectos, porque não tenho esse direito. Mas concordo que pode fazer esse tipo de comparação. Nunca tive sombra. Tirei o lugar ao Acúrcio e, depois, tive o Rui sempre como meu suplente. No fundo, as pessoas sabiam que o Américo é que era o guarda-redes”.
Confessa que gosta de ver Vítor Baía defender, “mas acho que sai pouco dos postes. Não é um mal dele, acho que é geral, pelo menos, em relação à minha forma de estar na baliza. Era determinadíssimo quando saía e dava muita segurança à defesa. Os meus companheiros sabiam disso”.

“Entre a carreira e a vida”
Perdem-se mil situações da conversa. A verdade é que Américo não gosta muito de ir ao passado: “Dá-me uma nostalgia imensa, porque adorava jogar futebol”. Abandonou aos 37 anos – uma opção de vida, assim contada: “Em 1962 ou 63, no início da época, fracturei o menisco direito. Parei duas semanas, mas depois continuei a jogar, assim, até ao final da época. Fui operado no defeso e um mês depois já estava a defender. Mas ressenti-me mais tarde dessa lesão. Em 1969, tinha duas hipóteses: ou fazia raspagem, como o Eusébio fez, e jogava mais um ou dois anos, ou era operado e terminava a carreira. Mas corria um risco imenso de o osso me entrar numa artéria e me imobilizar a perna para sempre. Escolhi a vida. Terminei a carreira, embora com a sensação de que podia ter feito mais um ou dois anos”. Ainda assim, esteve 20 anos ao serviço do FC Porto - um ano de interregno ao serviço do Boavista.
Não se lembra de ter dado frangos. Ou melhor, “acho que não há frangos. Se o guarda-redes estiver sempre no sitio certo. Daqueles por debaixo das pernas, nunca dei nenhum, nenhum mesmo”, sorri. Lamente um golo mais que todos: “No último, na CUF, perdemos por 1-0. Fiquei danado, mas não foi frango. A melhor defesa? Foram tantas! Mas fiz uma frente ao Hibernians, nas Antas. Defendi um penalti, no último minuto. A bola foi ao ângulo. Voei… Nem hoje sei como fui buscar aquela bola. Passámos a eliminatória”.

“Meter requerimento para a selecção”
Américo foi 15 vezes internacional A, mas pagou os custos de ser do Norte. “O regime prejudicou-me imenso, porque para um jogador do FC Porto chegar à Selecção era preciso meter um requerimento! Se ainda hoje dizem que o FC Porto é da província, imagine naquela altura. Mas cheguei à Selecção, porque tinha excelentes qualidades. Fui suplente do Costa Pereira, mas era melhor do que ele. Todos reconheciam isso”:
E revela: “Só depois de passado o Mundial de 1966 é que o Manuel da Luz Afonso me disse que cometeu um erro ao não meter-me a mim na baliza. Mas isso já foi depois. O Costa Pereira era um bom guarda-redes, um amigo, como todos naquela altura, mas não era melhor do que eu. Se eu deixasse entrar algumas das bolas que ele deixou, estava feito! Só que o Costa Pereira tinha uma grande defesa à sua frente. No FC Porto não tanta qualidade nos jogadores, porque a filosofia do clube era gastar pouco dinheiro com futebolistas. Mas tínhamos, como hoje existe, um grande espírito de grupo, éramos demasiados perseguidos”…
Ainda teve Vítor Damas como suplente na selecção, até terminar a carreira. Depois, deu lugar à nostalgia. Está hoje bem na vida, é um sócio Portista dos que vão ver os jogos, porque “ o futebol e o FC Porto deram-me tudo o que sou”.

SEGREDOS

Sem luvas
Calçar umas luvas para fazer a foto para esta entrevista, e para se ter a imagem do guarda-redes de antigamente, hoje empresário, acabou por resultar, para nós, numa revelação curiosa: “Eu calço, mas nunca gostei muito de jogar com luvas. Só quando chovia é que utilizava, para a bola não me deslizar das mãos. Fora isso, luvas foi coisa que nunca me preocupou. Se os remates escaldavam? Joguei contra grandes futebolistas, como o Puskas, o Di Stefano, o Pelé, o Garrincha… ou o Eusébio, e a bola nunca me escaldou nas mãos. Havia uma razão: com luvas não sentia a bola tão perto de mim. Perde-se, naturalmente, sensibilidade, e a minha opção ia sempre para jogar de mãos livres. Socava muito a bola e nunca tive uma lesão por causa disso. É preciso saber colocar as mãos.
Não digo que hoje, por imperativos até do marketing que se faz à volta do equipamento de um futebolista, não as utilizasse, mas nunca foi essa a minha preferência”. Apanhar um balázio sem luvas… deve doer.
Guarda-redes suicida
Américo não se lembra quem foi o autor da ideia, mas cedo começou a ser conhecido por o guarda-redes suicida. “Deve ter sido obra de um colega vosso” e sorri. Foi conhecido assim ao longo da carreira por quem acompanhava de perto o futebol. Américo só encontra uma explicação: “Um dos meus pontos fortes, talvez o mais forte mesmo, era a forma determinada como saía da baliza. Por vezes, sentia que não ia chegar à bola, mas o importante era afastar o adversário que ia receber o cruzamento. Era assim um pouco louco, mas fazia, mas fazia isso com consciência. Nos estágios da Selecção, nas vésperas de um jogo com o Benfica, cheguei a dizer ao José Torres, que era um adversário complicado… nas alturas, que ia para cima dele, se não acertasse na bola dava-lhe na cabeça, e que ele não marcaria nenhum golo. Aconteceu isso nalguns jogos. Isto tudo dentro de um grande desportivismo. Mas tinha também a preocupação de, se o cruzamento vinha da direita, olhar para a posição do extremo-esquerdo adversário, não fosse eu falhar a intercepção e a bola cair lá”.
Outra das razões da alcunha de suicida: “Arrojava-me aos pés dos adversários sem medo, até a bola ser minha”:

Expulso a toda a força
Um Sporting - FC Porto que nada adiantava para os Portistas, mas que os leões tinham de vencer. “A 15 minutos do intervalo, atirei-me aos pés de um adversário, já não me lembro o nome, e agarrei a bola. Ele insistiu, tirou-me a bola das mãos e marcou golo. Não me contive e protestei com o árbitro, que nem era conhecido. Acho que devia estar do lado do Sporting. O facto é que tudo fizeram para eu ser expulso. No sururu, rasgaram-me a camisola, fizeram do piorio. Perdi-me e insultei os sportinguistas que estavam à minha volta. Inclusive, o treinador, Otto Glória, que no ano seguinte foi meu treinador no FC Porto, mas teve a elegância de nunca falar no assunto. Mas essa injustiça ficou para a minha vida”.
Mulheres fora do estágio
Até parece que tem algo a ver com uma história recente, mas não… “No dia em que jogámos com a Coreia, naquele célebre jogo em que vencemos por 5-3 no Mundial de Inglaterra, eu estava no quarto do hotel, mais o Figueiredo, que era o meu companheiro, e de repente entraram umas mulheres, ainda hoje pagas não sei por quem. Sei ao que iam. Estávamos a meia hora de partir para o estádio e entramos em pânico. Já viu o que sucedia se alguém da Federação visse a cena? E olhe que não foi nada fácil tirá-las do quarto. Teve de ser à porrada. Acho que nunca me aconteceu na assim, nem sei se os meus colegas que estavam nos outros quartos passaram pelo mesmo. Provavelmente, sim. Mas foi cá um susto!...

…E o século XXI?

“Fico parvo por haver crianças de pele e osso”
“Os futebolistas são todos bons rapazes”. Diz quem sentiu algumas injustiças em relação ao que se disse e se diz dos jogadores de futebol. Acredita que o amor à camisola é eterno, “porque ninguém gosta de perder, nem a feijões”, e não abre a boca de espanto a ordenados exorbitantes que hoje se pagam. “Não sei se, comparando com o passado, as diferenças são tão acentuadas. O futebol tornou-se uma indústria, um grande negócio para muitos, mas essa é a evolução dos tempos, boa nuns casos, muito má noutros”.
Américo confessa-se uma pessoa informada. “Gosto de estar actualizado, mas por vezes não fico muito feliz com as imagens que vejo nos telejornais. São duras. Fico parvo como é possível, hoje, haver crianças de pele e osso, que morrem de fome, de frio, que não têm abrigo, enquanto são feitos investimentos em armamento para dar seguimento a guerras quase sem sentido. Não sabia que a estupidez e o egoísmo dos homens ia perdurar”.
No caminho da utopia, mas o futuro mais bonito que Américo consegue imaginar é aquele em que “se tire um pouco… ou um muito aos grandes magnatas das armas, aos senhores do Mundo, para distribuir pelos milhares e milhares de pessoas que vivem tão mal. Se pudesse, acho que como qualquer pessoa de coração e bom-senso, acabava com a guerra e a miséria”.
No virar do século, ficou muito feliz com “a vitória dos timorenses. Acompanhei aqueles dias de tanto tormento, pelos noticiários, e fiquei radiante quando vi sorrir um povo que tanto sofreu”.
De mais sorrisos, mas agora de futebol. Este pode ser um ano óptimo para Portugal. “Gosto do futebol que os portugueses jogam. Há qualidade, sem dúvida, e basta ver a quantidade de futebolistas que estão em equipas de grande craveira mundial. É uma questão de saber integrá-los no espírito da selecção, de lhes dar condições. Hoje, os futebolistas de selecção não escravos, como éramos antigamente. Mas há que deixar trabalhar quem tem a missão de os conduzir para grandes êxitos. E não vejo porque é que Portugal, se for mais eficaz – em tudo…, a começar pela organização dos dirigentes – não possa brilhar neste europeu”.
Uma palavra especial para Humberto Coelho. “É curioso que foi comigo que ele se estreou como central na Selecção Nacional. Mas o que vou dizer não está relacionado com esse facto. O Humberto Coelho viveu muitos anos o espírito da selecção como futebolista, sabe o que é preciso para chegar ao sucesso. Assim lhe dêem condições para cumprir a missão. Está indiscutivelmente a fazer um bom trabalho e é preciso não esquecer que entrou no meio de muita polémica. Já venceu meio caminho”.
 

fcporto56

Tribuna Presidencial
26 Julho 2006
7,173
0
Sacramento
Bom ha aqui certas coisas que precisam de ser corrigidas.O Americo nao foi o sucessor do Barrigana.Primeiro foi o Pinho,depois o Acursio e mais tarde o Americo.Quanto ao Costa Pereira muita gente era melhor do que ele incluindo o seu suplente Bastos.Mas houve outros,o Carlos Gomes,Acursio,Octavio de Sa,Carvalho e por ai fora.Mas sim o Manuel Afonso admitiu mais tarde que o Americo e que deveria ter sido o titular da equipa de 1966 em vez do Jose Pereira do Belenenses.Mas sabem como era,naqueles tempos, so dava Lisboa.
 

Drakonyaz

Tribuna
18 Julho 2006
2,557
2
Câmara de Lobos, 1975
Já agora deixo os dados que tenho sobre o Walsh:


Nome: Michael Anthony WALSH
Data de Nascimento: 13-08-1954
Local de Nascimento: Chorley Lancashire (Rep. Irlanda)
Carreira futebolistica: Chorley Gregorys – Blackburn Rovers (69-72) – Blackpool FC (72-78) – Everton (78-79) – Queens Park Rangers (79-80) – FC PORTO (80-86) – Salgueiros (86-87)

Jogos pelo FC PORTO: 124
Golos pelo FC PORTO: 56
 
T

Timofte 2-3

Guest
> fcporto56 Comentou:

Mas sabem como era,naqueles tempos, so dava Lisboa.



naqueles tempos, LOL
 
F

fcporto87

Guest
> Timofte 2-3 Comentou:

> > fcporto56 Comentou:

Mas sabem como era,naqueles tempos, so dava Lisboa.



naqueles tempos, LOL

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É mesmo lol...