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Natural do Montijo 26 de Fevereiro de 1966
Aos 13 anos tinha corpo franzino, mas já um jeito malandro, diferente, de jogar à bola. Eram os segredos que o pai lhe ensinara no pequeno terraço, com menos de 40 metros quadrados, da sua casa, no Montijo. Pequenino, dormia com uma... bola na cama, como se fosse um ursinho de pelúcia, e em todos os seus sonhos uma bola havia. «Meu pai, embora nunca tivesse sido profissional, jogou no Montijo, no Amora e no Cova da Piedade. Era um esquerdino nato. Saio a ele em tudo, até esse jeito herdei dele. Era empregado de escritório, apoiava-me muito, ensinava-me, com a paciência de um professor, os segredos do domínio da bola, as fintas, os bamboleios do corpo para enganar os adversários. Minha mãe era doméstica, não percebia nada de futebol, ralhava-me quando chegava a casa com os joelhos deitados abaixo, pedia-me que me deixasse dessas traquinices, que estudasse». Estudou pouco. «Chumbei dois anos e abandonei os estudos, ao fim do segundo ano do ciclo.» José Paulo Futre compreendeu a opção do filho. Com algum sentido visionário. O seu futuro, a sua estrada de Damasco eram os seus pés, sobretudo o... esquerdo. Depressa o percebeu. Por isso, nem sequer se aborrecia quando o dono da gasolineira que havia perto de casa o procurava, iracundo, dizendo-lhe que o Paulo voltara a fazer disparates dos seus! «Muitos vidros paguei, não eram pequenos os prejuízos, sei que a primeira conta, no início dos anos 70 foi de... 92 escudos! Nunca mais me esqueci da verba.»
Em 1978 Paulo Futre espalhou, urbi et orbi, os primeiros sinais de talento imenso, jogando futebol de cinco pelo Cancela do Montijo, na Onda Verde, torneio promovido pela DGD, para promoção do futebol em Alvalade. De tal modo brilhou que foi convocado para competição similar, em Rocheville, na França, de lá voltando com o título de melhor jogador. «No Aeroporto da Portela estava o sr. Aurélio Pereira para me convidar para ir para o Sporting. Chegámos logo a acordo.» Começava, assim, a lapidar-se o diamante...
Aos 15 anos, ainda parecia uma minhoquinha. Era preciso que crescesse mais, que os músculos se fortalecessem, isso se fez graças a doses por vezes industriais de vitaminas. Por essa altura, o rapaz que nunca disfarçava o ar ensonado que dormia em qualquer lado, desde que encontrasse encosto, ainda hoje assim é... já era profissional de futebol, nunca ninguém o fora tão cedo, vivendo no Centro de Estágio de Alvalade, para evitar a maçada das viagens de barco para os treinos.
Sabia-se, também, que no final do contrato que assinara com o Sporting, até 1986/87, ganharia 100 contos por mês e que só sonhava ter um grande carro, «um BMW a sério»... Outras confidências faria, por essa altura, a Rui Santos, que, pouco antes, dele dissera que nascera um novo Chalana: «Álcool? Nada. Não gosto. Bebo uma cervejinha quando tenho muita sede. Acompanho a comida com água. Tabaco? Fumo de cinco a 10 cigarros por dia. No Sporting sabem que fumo, mas não o faço ao pé deles. Na Selecção posso fumar. Não me proíbem. Mas evito fumar à frente dos responsáveis. Não sinto, para já, que o tabaco me afecte durante os jogos. O meu pai? Também sabe, mas não puxo de um cigarro ao pé dele...»
Lançado por Venglos em 1984, Futre era praticamente titular no Sporting, mas ganhava cinco vezes menos que quase todos os suplentes que o clube tinha. Por isso, o pai esboçou aquilo que julgava ser a justa proposta para renovação de contrato, pediu ao filho que a entregasse a Armando Biscoito. Paulo chegou a casa a chorar. «Chamaram-me maluco!» Mas o F. C. Porto já estava na jogada, Pinto da Costa tinha contas para ajustar, porque, havia pouco, João Rocha lhe arrebatara Sousa e Jaime Pacheco, a troco de 30 mil contos oferecidos a ambos, por dois anos. No primeiro dia de Agosto, como o Sporting não lhe devia um tostão, que fora a causa das rescisões de Sousa e Pacheco, Paulo alegou «falta de condições psicológicas» para a sua própria rescisão. Correu para o Porto, com o pai, que, nas Antas, haveria de desabafar: «Mandaram-no tratar da vida dele e foi o que ele fez, foi tratar da vida dele para o F. C. Porto.» Mil contos por mês foi ganhar para as Antas. Com Artur Jorge explodiu. O seu futebol desconcertou. O Mundial do Méxido haveria de desfazer-lhe ilusões, de tal forma que, no regresso não calaria o lamento: «Fui uma sombra de mim próprio, sei que perdi uma grande oportunidade.»
A magia de Viena com as «fitinhas mágicas»
Em 1987, jogando, como os demais, com uma «fitinha mágica» preparada por Delane Vieira, que na véspera libertara no relvado dois... sapos, garantindo que se transformariam em golos, Futre foi, com os seus raides, encanto na noite em que o calcanhar de Madjer conquistou a Europa, para humilhação dos arrogantes bávaros do Bayern. Por isso, após o defeso, trocou as Antas pelo Atlético de Madrid. O F. C. Porto arrecadava, com o negócio, 630 mil contos, Paulo ficava com a garantia de 130 mil contos por cada um dos quatro anos de contrato. O seu prestígio internacional alargou-se, alinhou, por isso, em selecções mundiais no centenário da Liga Inglesa e no Jubileu de Michel Platini. No fundo, só não conseguira ainda cumprir promessa que atirara, eufórico, ao vento, quando, na chegada a Madrid, à ilharga de Jesus Gil, protegido pela Polícia, colocou em êxtase 5000 pessoas que o esperavam, em delírio, bradando: «Venho para ganhar tudo.»
200 mil contos por ano e o balneário da Luz
Em Agosto de 1988, Jorge Gonçalves lançou-lhe canto de sereia, Futre declinou, agradecendo, por «já estar comprometido com Gil». Menos de um ano depois, para descanso de Gil y Gil, que Paulo escolhera para padrinho do seu primeiro filho, revalidação do contrato com o Atlético, a troco de 200 mil contos por ano. Não muito depois, o horizonte começou a anuviar-se, em Abril de 1990, Futre confidenciou que estava farto do Atlético, a cabeça esquentou, de uma vez foi expulso por «chamar tudo ao árbitro», sendo multado em... 20 mil contos.
O presidente da Roma falou com Jesus Gil, que lhe pediu milhão e meio de contos para dispensar a sua pérola. Passavam, em farândola, treinadores pelos colchoneros, mas, cada vez mais, era por Artur Jorge que Futre se mostrava fascinado. Por isso, quando Artur foi para o Paris Saint-Germain, Paulo sentiu que talvez tivesse chegado a hora de mudar de ares, que era o que mais queria. Os franceses mostraram-se dispostos despender seis milhões de dólares para que a transferência se concretizasse, mas, em Abril de 1992, queixando-se de que o PSG se portara mal consigo, Futre asseveraria que ficaria, em definitivo, no Atlético. Dois meses depois, a conquista da Taça, graças a um golo seu e mais um daqueles desabafos, eufóricos, que o caracterizam: «Nem queria acreditar, o rei à minha espera, para, em-bevecido, me dizer que jogara muito bem, que aquela Taça me assentava magnificamente.» O clube entrou em crise profunda. Gil aceitou, enfim, negociar Futre, pedindo 750 mil contos a Sousa Cintra, em Janeiro de 1993. Com dinheiro adiantado pela... RTP, facto que levou a que o primeiro-ministro Cavaco Silva destituísse o Conselho de Administração, presidido por Monteiro de Lemos, o Benfica ganhou a corrida, Futre ficou a ganhar 30 mil contos por mês. Era investimento para ganhar o Campeonato, mas o F. C. Porto levou a melhor, para os benfiquistas a consolação da Taça, em mais um memorável espectáculo-Futre.
Tentando a fuga para a frente, quando os tentáculos da crise se espalhavam por todo o lado, com o futuro hipotecado à ambição louca de ter Futre só por tê-lo, Jorge de Brito vendeu o passe de Paulo ao Marseille, em negócio de 900 mil contos que se desboroaria quando estoirou o escândalo da corrupção. Na despedida, uma farpa ou um petardo: «O ambiente no balneário era mau, como eu compreendo Pacheco e Paulo Sousa! Aquele Benfica é... nada!»
De França saltou para a Reggiana, mas o sonho de pequenino de jogar no calcio depressa se volveu pesadelo. Logo na estreia, lesão grave. Depois, o Milan. Duas operações, dias do martírio entrecortados apenas pelos sonhos que ainda não morreram em si. De tal modo que quando os americanos do Metro Stars o tentaram convencer a jogar no primeiro campeonato dos Estados Unidos, ao lado de Donadoni, Capello opôs-se, acreditando que, em breve Futre estaria a 100 por cento. Não ficou. Em Dezembro de 1996, anunciou, com pompa e circunstância, o final da carreira, mas pouco depois regressou ao futebol no Atlético Madrid. Não penduraria, definitivamente, as botas sem, antes, jogar no Japão.
Aos 13 anos tinha corpo franzino, mas já um jeito malandro, diferente, de jogar à bola. Eram os segredos que o pai lhe ensinara no pequeno terraço, com menos de 40 metros quadrados, da sua casa, no Montijo. Pequenino, dormia com uma... bola na cama, como se fosse um ursinho de pelúcia, e em todos os seus sonhos uma bola havia. «Meu pai, embora nunca tivesse sido profissional, jogou no Montijo, no Amora e no Cova da Piedade. Era um esquerdino nato. Saio a ele em tudo, até esse jeito herdei dele. Era empregado de escritório, apoiava-me muito, ensinava-me, com a paciência de um professor, os segredos do domínio da bola, as fintas, os bamboleios do corpo para enganar os adversários. Minha mãe era doméstica, não percebia nada de futebol, ralhava-me quando chegava a casa com os joelhos deitados abaixo, pedia-me que me deixasse dessas traquinices, que estudasse». Estudou pouco. «Chumbei dois anos e abandonei os estudos, ao fim do segundo ano do ciclo.» José Paulo Futre compreendeu a opção do filho. Com algum sentido visionário. O seu futuro, a sua estrada de Damasco eram os seus pés, sobretudo o... esquerdo. Depressa o percebeu. Por isso, nem sequer se aborrecia quando o dono da gasolineira que havia perto de casa o procurava, iracundo, dizendo-lhe que o Paulo voltara a fazer disparates dos seus! «Muitos vidros paguei, não eram pequenos os prejuízos, sei que a primeira conta, no início dos anos 70 foi de... 92 escudos! Nunca mais me esqueci da verba.»
Em 1978 Paulo Futre espalhou, urbi et orbi, os primeiros sinais de talento imenso, jogando futebol de cinco pelo Cancela do Montijo, na Onda Verde, torneio promovido pela DGD, para promoção do futebol em Alvalade. De tal modo brilhou que foi convocado para competição similar, em Rocheville, na França, de lá voltando com o título de melhor jogador. «No Aeroporto da Portela estava o sr. Aurélio Pereira para me convidar para ir para o Sporting. Chegámos logo a acordo.» Começava, assim, a lapidar-se o diamante...
Aos 15 anos, ainda parecia uma minhoquinha. Era preciso que crescesse mais, que os músculos se fortalecessem, isso se fez graças a doses por vezes industriais de vitaminas. Por essa altura, o rapaz que nunca disfarçava o ar ensonado que dormia em qualquer lado, desde que encontrasse encosto, ainda hoje assim é... já era profissional de futebol, nunca ninguém o fora tão cedo, vivendo no Centro de Estágio de Alvalade, para evitar a maçada das viagens de barco para os treinos.
Sabia-se, também, que no final do contrato que assinara com o Sporting, até 1986/87, ganharia 100 contos por mês e que só sonhava ter um grande carro, «um BMW a sério»... Outras confidências faria, por essa altura, a Rui Santos, que, pouco antes, dele dissera que nascera um novo Chalana: «Álcool? Nada. Não gosto. Bebo uma cervejinha quando tenho muita sede. Acompanho a comida com água. Tabaco? Fumo de cinco a 10 cigarros por dia. No Sporting sabem que fumo, mas não o faço ao pé deles. Na Selecção posso fumar. Não me proíbem. Mas evito fumar à frente dos responsáveis. Não sinto, para já, que o tabaco me afecte durante os jogos. O meu pai? Também sabe, mas não puxo de um cigarro ao pé dele...»
Lançado por Venglos em 1984, Futre era praticamente titular no Sporting, mas ganhava cinco vezes menos que quase todos os suplentes que o clube tinha. Por isso, o pai esboçou aquilo que julgava ser a justa proposta para renovação de contrato, pediu ao filho que a entregasse a Armando Biscoito. Paulo chegou a casa a chorar. «Chamaram-me maluco!» Mas o F. C. Porto já estava na jogada, Pinto da Costa tinha contas para ajustar, porque, havia pouco, João Rocha lhe arrebatara Sousa e Jaime Pacheco, a troco de 30 mil contos oferecidos a ambos, por dois anos. No primeiro dia de Agosto, como o Sporting não lhe devia um tostão, que fora a causa das rescisões de Sousa e Pacheco, Paulo alegou «falta de condições psicológicas» para a sua própria rescisão. Correu para o Porto, com o pai, que, nas Antas, haveria de desabafar: «Mandaram-no tratar da vida dele e foi o que ele fez, foi tratar da vida dele para o F. C. Porto.» Mil contos por mês foi ganhar para as Antas. Com Artur Jorge explodiu. O seu futebol desconcertou. O Mundial do Méxido haveria de desfazer-lhe ilusões, de tal forma que, no regresso não calaria o lamento: «Fui uma sombra de mim próprio, sei que perdi uma grande oportunidade.»
A magia de Viena com as «fitinhas mágicas»
Em 1987, jogando, como os demais, com uma «fitinha mágica» preparada por Delane Vieira, que na véspera libertara no relvado dois... sapos, garantindo que se transformariam em golos, Futre foi, com os seus raides, encanto na noite em que o calcanhar de Madjer conquistou a Europa, para humilhação dos arrogantes bávaros do Bayern. Por isso, após o defeso, trocou as Antas pelo Atlético de Madrid. O F. C. Porto arrecadava, com o negócio, 630 mil contos, Paulo ficava com a garantia de 130 mil contos por cada um dos quatro anos de contrato. O seu prestígio internacional alargou-se, alinhou, por isso, em selecções mundiais no centenário da Liga Inglesa e no Jubileu de Michel Platini. No fundo, só não conseguira ainda cumprir promessa que atirara, eufórico, ao vento, quando, na chegada a Madrid, à ilharga de Jesus Gil, protegido pela Polícia, colocou em êxtase 5000 pessoas que o esperavam, em delírio, bradando: «Venho para ganhar tudo.»
200 mil contos por ano e o balneário da Luz
Em Agosto de 1988, Jorge Gonçalves lançou-lhe canto de sereia, Futre declinou, agradecendo, por «já estar comprometido com Gil». Menos de um ano depois, para descanso de Gil y Gil, que Paulo escolhera para padrinho do seu primeiro filho, revalidação do contrato com o Atlético, a troco de 200 mil contos por ano. Não muito depois, o horizonte começou a anuviar-se, em Abril de 1990, Futre confidenciou que estava farto do Atlético, a cabeça esquentou, de uma vez foi expulso por «chamar tudo ao árbitro», sendo multado em... 20 mil contos.
O presidente da Roma falou com Jesus Gil, que lhe pediu milhão e meio de contos para dispensar a sua pérola. Passavam, em farândola, treinadores pelos colchoneros, mas, cada vez mais, era por Artur Jorge que Futre se mostrava fascinado. Por isso, quando Artur foi para o Paris Saint-Germain, Paulo sentiu que talvez tivesse chegado a hora de mudar de ares, que era o que mais queria. Os franceses mostraram-se dispostos despender seis milhões de dólares para que a transferência se concretizasse, mas, em Abril de 1992, queixando-se de que o PSG se portara mal consigo, Futre asseveraria que ficaria, em definitivo, no Atlético. Dois meses depois, a conquista da Taça, graças a um golo seu e mais um daqueles desabafos, eufóricos, que o caracterizam: «Nem queria acreditar, o rei à minha espera, para, em-bevecido, me dizer que jogara muito bem, que aquela Taça me assentava magnificamente.» O clube entrou em crise profunda. Gil aceitou, enfim, negociar Futre, pedindo 750 mil contos a Sousa Cintra, em Janeiro de 1993. Com dinheiro adiantado pela... RTP, facto que levou a que o primeiro-ministro Cavaco Silva destituísse o Conselho de Administração, presidido por Monteiro de Lemos, o Benfica ganhou a corrida, Futre ficou a ganhar 30 mil contos por mês. Era investimento para ganhar o Campeonato, mas o F. C. Porto levou a melhor, para os benfiquistas a consolação da Taça, em mais um memorável espectáculo-Futre.
Tentando a fuga para a frente, quando os tentáculos da crise se espalhavam por todo o lado, com o futuro hipotecado à ambição louca de ter Futre só por tê-lo, Jorge de Brito vendeu o passe de Paulo ao Marseille, em negócio de 900 mil contos que se desboroaria quando estoirou o escândalo da corrupção. Na despedida, uma farpa ou um petardo: «O ambiente no balneário era mau, como eu compreendo Pacheco e Paulo Sousa! Aquele Benfica é... nada!»
De França saltou para a Reggiana, mas o sonho de pequenino de jogar no calcio depressa se volveu pesadelo. Logo na estreia, lesão grave. Depois, o Milan. Duas operações, dias do martírio entrecortados apenas pelos sonhos que ainda não morreram em si. De tal modo que quando os americanos do Metro Stars o tentaram convencer a jogar no primeiro campeonato dos Estados Unidos, ao lado de Donadoni, Capello opôs-se, acreditando que, em breve Futre estaria a 100 por cento. Não ficou. Em Dezembro de 1996, anunciou, com pompa e circunstância, o final da carreira, mas pouco depois regressou ao futebol no Atlético Madrid. Não penduraria, definitivamente, as botas sem, antes, jogar no Japão.