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Um Porto fofinho a caminho

(créditos foto: Pedro Granadeiro / Global Imagens)

Artigo de Opinião: Rui Dias, Empresário, Associado do FC Porto.

André Villas-Boas candidatou-se ontem à presidência do clube, num ambiente de festa e excitação para aquilo que parece ser uma legião de seguidores que em muito se assemelha ao “Ensaio sobre a Cegueira”. Há tantos motivos de preocupação com o estado do nosso clube, como há a aposta em alternativas baseadas em egos, sonhos pessoais e agendas escondidas atrás da imagem “boutique” preparada para André. Em 2021, Rui Pinto deu a entender que Antero estaria interessado em assaltar o poder na era pós-Pinto da Costa. E é precisamente Antero que muitos acreditam estar por trás de André, não tanto para estar dentro da estrutura, mas para juntar o FC Porto à influência que alegadamente deterá em clubes como o Braga, Sporting ou Portimonense. Preocupa-me pensar que podemos caminhar para que o clube seja mais um nesse saco de interesses.

A candidatura de André acaba por trazer mais preocupações do que alívio para quem, como eu, exige mudança radical na direção atual e no sentido do rigor da gestão futura. O próprio Nuno Lobo, teoricamente menos preparado e que tem uma pequena empresa para gerir todos os dias, foi mais sério na apresentação sóbria de um programa.

André fez uma festa privada que deixou a maioria dos sócios de fora mas incluiu dezenas de sportinguistas e benfiquistas, o que é um sinal claro da forma como pensa o clube, e isto ainda nem começou. Na sua apresentação, procurou ter momentos televisivos, à americana, com a ajuda de todos os meios de comunicação, claramente alinhados para dar força a André Villas-Boas. Parece oficial e é inédito: ainda mais que o Benfica e Sporting, os meios de comunicação social são os maiores adeptos e apoiantes de André.

O que mais preocupa não é tanto esta festa popular para os media e para as fotografias, mas a ausência de substância e de atitude. Senão vejamos: na substância, André não trouxe nada de novo. O programa é uma lista de obviedades mais ou menos esperadas, passíveis de serem escritas pelo Chat GPT e já evitou falar no Olival, onde havia uma estranha vontade de fazer negociações pessoais para temas do clube (mau sinal), mas onde as criticas de terrenos pequenos e ainda para mais em reserva ecológica deverão ter sido suficientes para AVB não aprofundar na única ação detalhada que tinha proposto. Não há uma única ideia diferenciadora e vencedora, exceto dizer tudo o que as pessoas queriam ouvir, por ordem meticulosamente planeada e treinada.

Mesmo assim e sempre a ler e a gaguejar conseguiu esquecer-se do Hóquei Patins, não e dando um único sinal de como tornar o programa realidade, nem como financiar cada uma das propostas. Um autêntico flop, e um flop de autenticidade, mas um sucesso enquanto ator e com atores.

Mas, ainda na substância, preocupa-me não ter apresentado ninguém da equipa. Então não era para ser transparente? Era, claro que era, mas mais momentos dá “mais marketing”, mais exposição e André parece ir ao sabor de quem planeia os detalhes de propaganda à frente de qualquer objetivo sério: de forma que não apresentou ninguém, nem uma única pessoa. Uma transparência “à la André”, que tem tido a maior das opacidades nesta matéria desde que há dois anos preparava estas iniciativas. Mas também, que substância verdadeira, retirados os filtros do marketing e o make up da imagem, poderíamos esperar de alguém que disse recentemente que tem consultores a trabalhar os modelos de futuro do clube, como se esta colectividade centenária fosse um playground em que as ideias do nosso futuro nascem de engravatados com frameworks iguais a todos os outros, mas despidos de portismo?

Ainda sobre a sua potencial equipa: baseado nos seus convidados mais destacados, parece que a equipa que pretende apresentar pode ser uma mistura de ex jogadores da sua equipa com diretores e consultores desempregados, a maioria deles de alguma forma ligados a Isabel Dos Santos, ao Luanda Leaks e a um conjunto de processos (obrigado, Rui Pinto) dos quais nós deveríamos afastar como clube. Um deles, Jaime Esteves, esteve já sob grande polémica recentemente, pelas suas múltiplas fotos defendendo um clube rival.

Mas é na atitude que está o maior problema: André confirmou o que já se esperava: é um homem que agrada aos rivais porque é o menino bem comportado que se espera de clubes que queremos ver como o ingénuo bobo da corte que facilita a vida aos outros mas fica bem na fotografia. O simpático André vai provavelmente fazer do Porto um clube fofinho, empático e simpático, que evita conflitos, que faz belíssimas fotos no Instagram mas não tem firepower na vida real. Este é talvez o maior de todos os problemas: o risco de estarmos pressionados a mudar para a primeira opção que aparece, só porque temos mesmo de mudar (e temos) e já; o risco de não haver mais opções do que alguém que, nem a ler teleponto entre amigos, consegue estar confiante e falar sem gaguejar… agora imaginem em situações de tensão e com adversários onde vale tudo.

O FC Porto não precisa nem quer ser um clube fofinho, que André quer pôr a caminho.

O FC Porto quer ser um clube de atitude, que lute contra os poderes instalados, tenha condições de justiça desportiva, seja tratado de igual forma pela banca, média e até pelo Governo. Um clube que saiba ter voz própria e não tenha vergonha dela, que lute contra este centralismo bacoco a que o país se vai habituando como se fosse normal. O FC Porto não quer ser fofinho, quer ser ele mesmo: precisa de pessoas que garantam que ninguém nos esmaga, que defendem o clube contra tudo e contra todos e que não o vão transformar no Porto Fofinho que nos fará perder o que temos de melhor: a atitude guerreira, a garra indomável, a energia única e o sentimento de união de todas as classes de Contumil à Ribeira, da Cantareira a Miragaia e de Paranhos a Campanhã, sem esquecer todas estas cidades à nossa volta e todos os portistas por todo o mundo.

Nós somos o FC Porto, de todos os sócios e de todos os portistas, não somos a passerelle das elites, dos egos e dos momentos.

E com este André vamos ser esse Porto fofinho, e não o nosso Grande FC Porto, indomável e imortal. Porque André não sabe ser esse Porto que precisamos e provavelmente também não quer, porque não sabe quanto é preciso e o quão duro é. Gostava de imaginar um cenário em que este André, legitimamente parte do nosso grande clube na sua história passada e idealmente futura, fazia parte da solução, porque penso que numa equipa que permita o Porto não ser este clube fofinho, esse André tinha o seu lugar – mas não me parece que isso seja a melhor solução já, nesta configuração e momento e sem André estar preparado para um clube que não pode nem quer ser o fofinho e simpático, o fotogénico da Boavista até à Foz.

Temos de saber mudar (já, é inadiável) para melhor, mas sem deixar de ser quem somos, que é, o maior risco que hoje enfrentamos e o principal que temos de saber evitar na cruzada pela inevitável renovação com que todos concordamos.

Precisámos de mudança, já. Mas não para um Porto fofinho e abafável. Saibamos esperar e contribuir para outro tipo de renovação.

Artigo de Opinião: Rui Dias, Empresário, Associado do FC Porto.