Eu não disse que a Mortágua era pior que o Ventura, ou que tenha sido ela também a instituir esse discurso. Disse que, neste debate, ela esteve igual a ele, creio que o primeiro ataque até tenha vindo dela.
Considero o Ventura e o Chega muito piores que Mortágua e BE, mas não me engano acerca destes últimos: o Chega abriu o caminho para maior polarização e extremismos na sociedade, e o BE seguiu com gosto, embora ainda estando longe desse grau zero da política. É-me impossível qualificar de outra forma quem defende a aniquilação prática do direito de propriedade privada, ou se não defende, pelo menos permite.
Sim, a estratégia do Ventura é deliberada e envolve tudo o que disseste. Cabe aos restantes não chafurdar do mesmo modo que o porco; a questão é que Mortágua decidiu também chafurdar. Provavelmente não chafurdou tanto, mas chafurdou.
Atacou Ventura e procurou desferir alguns golpes que este por norma aplica aos adversários. Interpelou-o, fez-lhe cara feia, atirou-lhe um par de comentários ácidos e cortantes. Torna-se normal e não mais foi que um debate típico com Ventura, com a cacofonia e os excessos habituais. Quem debate com o líder do Chega sabe que parte para um provável jogo de boxe, de regras incertas, e não para uma discussão política. A crispação que tomou conta desta contenda foi a mesma que apanhou outros líderes partidários. Que são confrontados com um problema de difícil resolução: como enfrentar um tipo selvático cujo comportamento aparenta colher admiração e aprovação de parte significativa do eleitorado. Mortágua não emulou a postura marmórea e estadista de PNS, é certo, e é possível que nem todos se possam dar a esse luxo, mas não fez nada de particularmente extraordinário. Confrontou Ventura com a suas posições mais frágeis, como a recente polémica das tarifas. Tal como PNS usou o programa da IL contra Rui Rocha ou o último instrumentalizou as posições do PCP sobre a Ucrânia no fecho do debate entre o próprio e Raimundo. Chutou para canto o que lhe era incómodo, à semelhança do que têm feito todos os debatentes e defendeu o que tem por hábito defender e o que é conhecido ao programa do BE.
O problema é que não resulta grande coisa deste tipo de confronto, por muito que alguns encontrem valor de entretenimento ou um qualquer interesse retórico e performativo. Nem sempre se consegue debater com quem não quer o debate ou não aceita as suas regras. Quem debate com Ventura não pode recear sujar-se, não pode furtar-se ao combate, sob pena de ser assoberbado pelas ondas incessantes de ataques e argumentos desconexos e passar uma imagem de fraqueza. Se conseguir passar-lhe ao largo, muito bem; se não conseguir, tem de ter a capacidade de tapar o nariz e arregaçar as mangas. Pode ser necessário. Foi isto o que Ventura trouxe, num grau muito particular, e normalizou com sucesso.
Ventura tem sorte, por enquanto. Ainda não surgiu um contraponto seu à esquerda. Alguém que lhe ofereça um mala de viagem em pleno debate televisivo ou o mande ir dar uma volta com os seus amigos pedófilos. Lá chegaremos, sobretudo se o eleitorado continuar a dar sinais de recompensar acções políticas do tipo Chega e Ventura e os partidos tradicionais continuarem a não satisfazer.
O direito à propriedade privada não é absoluto nem ilimitado, como qualquer outro direito. Para mais quando se fala da propriedade de um bem escasso como a habitação. É politicamente legítimo legislar para evitar a concentração de bens imobiliários, estimular o seu uso ou limitar os rendimentos deles extraídos. Há quem aplique limites de renda, há quem impeça a venda de casas a cidadãos estrangeiros, quem privilegie o aumento da propriedade estatal ou camarária em detrimento da privada... não se pode esperar que o BE apresente soluções características de outros partidos e linhas políticas.