O dramatismo e a emoção da calamidade que vivemos não favorece a razão nem a moderação. A liberdade para tecer considerações que não passem apenas pela censura à Rússia parece estreitar-se. Pessoalmente, aprecio que exista quem pondere factores contextuais, acho útil que se escreva sobre a acção ou inacção da NATO e da União Europeia, acolho quem se recorda de acções bélicas censuráveis encetadas por outros intervenientes, não rejeito a possibilidade de falar sobre hipocrisias quanto ao tratamento de refugiados, das acusações de racismo quanto ao tratamento dado a quem tentou/tanta transpor as fronteiras ucranianas... acho muitíssimo bem que se debata tudo. E seguramente há lugar para estas questões. Nenhuma delas retira gravidade à invasão de um país soberano, nada relativiza a brutalidade dessa violência, nada desagrava a tragédia da perda de vidas humanas. Na Ucrânia ou no Iraque, independentemente do tipo de regime que nesses países vigore. Um ser humano é um ser humano, um civil é um civil, um hospital é um hospital, em Mariopol ou em Gaza. O mecanismo do "what about?" serve para confundir e deflectir, e serve também, enquanto acusação, para silenciar.
Compreendo que se afirme que um país soberano deve poder definir os seus próprios rumos. Escolher a que organizações aderir. Sabemos também que, no que toca às relações internacionais/geolpolítica, isso nem sempre acontece, e que países mais poderosos tratam dos seus interesses sem respeitar a soberania de outros estados. Há líderes e governos democraticamente eleitos derrubados, instabilidades fomentadas, enfim, todo o tipo de ingerências. Todos devemos reconhecer esta realidade, por indesejável que ela seja. Os grandes actores mundiais terão de fazer essas análises, para além de qualquer emoção. O que fazer quanto aos países bálticos, às ex-repúblicas soviéticas, que deve a UE fazer acerca da Turquia... convém que alguém se dedique a essas considerações.
Quanto a mim, não aprecio fake news, desinformação, excesso de informação, propaganda... mas parece-me melhor desmontá-la do que censurar tudo indiscriminadamente. Algumas formas de expressão serão ilegais, mas nem todas. E é legítimo e útil que se conheça a desinformação, a propaganda, enfim, as estratégias de comunicação usadas.
Creio que não devemos baixar a guarda da razão nem, por força da indignação, suprimir as manifestações que a ela não se limitam.