Entrevista de Jesualdo Ferreira ao Record.
R Como está a correr esta experiência no Panathinaikos ao final de alguns meses na Grécia?
JF Sabia que ia encontrar uma experiência completamente diferente. Vim para uma equipa que é campeã nacional, ganhou a taça e estava na Champions com dois jogos para disputar, embora já estivesse fora de qualquer das duas competições europeias. A proposta que me foi feita era clara e passava por colocar a equipa a jogar melhor, chamasse mais os adeptos e que pudesse, de novo, chegar ao título. Foi-me pedido tudo aquilo que todos querem: ganhar e impressionar. Não é coisa a que não esteja habituado, mas não deixa de ser uma realidade completamente nova, já que a comunicação também não é fácil. A intenção do clube passa por trazer jogadores com algum nome e treinadores com currículo. Tive oportunidade de, ao longo destes jogos, conhecer os jogadores quase todos e tenho ideias mais claras, mas perfeita noção das dificuldades que vamos encontrar.
R Não é um risco demasiado elevado, uma vez que está obrigado a ganhar com um plantel em que não teve a mínima interferência?
JF Claro que é um risco, mas não sei por que não deveria aceitar. Trata-se de um grande clube. Agora, com uma imprensa com 14 jornais diários a contarem todas as histórias possíveis e imaginárias e adeptos fanáticos, tornam-se as coisas mais difíceis, mas depois resume-se tudo ao campo e ao jogo. Mas, repito, estou num grande clube.
R Com tantas dificuldades que enfrenta, este é o maior desafio da sua carreira?
JF Não! Cada desafio é difícil. É diferente, mas não tem mais risco ou menos risco do que já enfrentei no passado. Todos os clubes que treinei antes tinham riscos. Uma das características que tenho, é que sou um homem de coragem. Não provoco conflitos, mas não fujo deles. Não me atiro às feras porque sou capaz de racionalizar e pensar que vou perder e não vou lá. Mas tenho coragem para enfrentar desafios.
R É possível dar dimensão europeia ao Panathinaikos?
JF O Panathinaikos, antes de discutir na Europa, tem de ser o melhor na Grécia e ultrapassar as limitações que a liga grega apresenta e que, no fundo, são o mesmo problema que se passa na liga portuguesa. Há que preparar a equipa para ganhar sustentabilidade no plano interno e depois conseguir apresentar um bom nível na Europa. No FC Porto foi possível passar essas dificuldades. Não vai ser fácil, mas é possível.
R Já consegue perspetivar para quando terá um Panathinaikos à sua imagem?
JF Não vai ser muito fácil. Tenho de me adaptar aos jogadores que existem, aos seus ritmos, à sua cultura tática. Quero que se aproximem daquilo que pretendo numa equipa que eu dirija. Estamos muito longe de poder dizer que esta equipa é boa ou está forte. Não temos muito tempo, mas há o tempo necessário para melhorar.
R Quando aceitou o convite, pensou nos fracassos de Fernando Santos e José Peseiro no clube?
JF A estrutura do futebol grego é propícia a isso. Depois, os treinadores com currículo não gostam de estar sujeitos a situações de desgaste que não são boas para ninguém.
R Há algum jogador português que gostasse de contratar já em janeiro?
JF Podia haver um ou outro jogador, mas não vou referir mais nada sobre isso. Se reparamos naquilo que são as exigências do Panathinaikos, teriam de ser sempre jogadores acima da média e estamos a falar de jogadores que, em Portugal, estão em clubes grandes.
R É impossível parar o Barcelona?
JF É difícil, nada é impossível, mas é muito difícil. O Barcelona num jogo, pode perder ou empatar mais por demérito próprio do que por mérito do adversário.
R Como é que se anula o Barcelona?
JF Tentar jogar com eles. As equipas têm medo do Barcelona, logo à partida. Tenta-se encontrar muitas maneiras de os anular e ninguém pensa em jogar com eles.
R Estamos na presença da melhor equipa da história?
JF Este Barcelona tem muitas semelhanças com o Ajax do tempo do Cruijff, que foi um equipa sublime. Este Barcelona tem cultura, tem história, tem clube. O clube está acima de todos os jogadores.
R E isso não acontece no Real Madrid?
JF O Real Madrid já foi mais do que é agora. O FC Porto também é mais clube que jogadores ou dirigentes.
R Treinou Benfica e FC Porto, está a trabalhar no estrangeiro. Não lhe fica a faltar ser selecionador nacional?
JF Fui selecionador uma série de anos em outras categorias. Sei perfeitamente o que é ser selecionador, é um tarefa muito difícil. Não tenho mágoa nenhuma de não ser selecionador nacional.
R Como é que tem visto o trabalho de Paulo Bento?
JF Bom, até agora, bom. Os resultados é que determinam as qualificações da pessoas, os resultados é que qualificam os momentos, os números é que ficam para a história. Os factos passam rapidamente e os números ficam.
R Esse ar sempre muito sério é uma defesa sua?
JF Para já, não ajuda a forma como me fizeram a cara. Na altura em que fui construído podiam ter-me posto uma cara mais sorridente (sorrisos). Não sou uma pessoa tão séria e difícil como se pode pensar. Mas no meu trabalho é provável que haja qualquer defesa.
R Sente que nunca caiu nas graças da generalidade das pessoas?
JF Não, nunca caí nas boas graças, mas também não é agora que me vou preocupar por que é que isso aconteceu. Custou-me muito a chegar onde cheguei e também sempre senti que, por muito que fizesse, nunca ia ser uma figura de consenso e simpatia. Quem é capaz de num clube como o FC Porto conseguir ganhar o que eu ganhei, teria de ser uma figura que concitasse mais elogios, mais respeito.
R O futebol português nunca lhe deu o devido valor?
JF Provavelmente não, mas não estou preocupado com isso. Há pessoas que sabem da minha qualidade, e isso é mais importante que os elogios fáceis que são efémeros.
R Se acabasse hoje a carreira, levava alguma mágoa?
JF Não, não levava nada.
R Como é que tem visto o facto de Jorge Jesus passar em poucos meses de idolatrado a contestado no Benfica?
JF É bastante difícil saber gerir o sucesso e é necessário estar-se preparado para gerir esse sucesso, e isto é para todos, para toda a gente. A vida está constantemente a mudar. Quando se ganha qualquer coisa, é preciso preparar-se para ganhar mais vezes, e isso no Benfica não tem acontecido, ao contrário do que sucede no FC Porto. E no FC Porto, quando se perde, tem-se consciência por que é que se perde. O Benfica não tem sabido gerir o sucesso e a sua força, e isso é um caso evidente. Ninguém do Benfica tem de ficar zangado com o que estou a dizer. É uma verdade.
R Ficou surpreendido com o fracasso do Benfica na Champions?
JF Se calhar muita gente pensou coisas de que se arrepende nos anos em que estive no FC Porto e fomos eliminados por equipas muito fortes como Real Madrid, Manchester United, Arsenal e Chelsea. Tinha oportunidade de ver as críticas que me faziam a mim. Aí têm a resposta...
R A Liga dos Campeões não é brincadeira?
JF Não é uma prova igual àquela a que estamos habituados. Há um conjunto de fatores que nos preparam para ter uma equipa forte no campeonato e na Champions.
R O FC Porto tem dimensão europeia, ao contrário do Benfica?
JF Tem, porque ganhou-a nos últimos anos, tal como o Benfica já teve no passado. O FC Porto ganhou em 87 e o Benfica em 61 e 62. O Benfica esteve em seis finais e ganhou duas, enquanto o FC Porto esteve em duas e ganhou as duas. Significa que o sucesso para o FC Porto passa por ser campeão e estar constantemente na Champions e prepara-se para isso.
R Já consegue perceber o que correu mal em Málaga?
JF O que correu mal foi fácil. O objetivo era formar uma boa equipa e transformar o clube. Nos primeiros quatro jogos defrontámos as melhores equipas de Espanha e o tempo... nove jornadas, não dá para nada.
R Com a compra do clube por parte de um multimilionário árabe ficou a ideia de que havia dinheiro para gastar em jogadores.
JF Antes de mais, era importante montar uma estrutura para que gradualmente se pudesse investir em jogadores. Por muito dinheiro que houvesse, ninguém queria ir para Málaga. Mas a saída não foi decisão minha, foi decisão de quem mandava. Quem falhou com o que estava delineado foram eles, não fui eu.
R Foi um falhanço na sua carreira?
JF Não. Era um projeto diferente e interessante, mas no futebol não se é grande quando se quer.
R Equacionou retirar-se quando foi demitido do Málaga?
JF Não. Pensei nisso depois de sair do FC Porto.
R E porque não o fez?
JF Porque o convite do Málaga era motivante e passava por fazer um trabalho completamente diferente do que tinha feito até aí.
R Sai do Málaga e passado pouco tempo assina pelo Panathinaikos. É o bichinho do futebol que não o deixa pensar na reforma?
JF Aí teve outra componente. O de poder readquirir hábitos diferentes, voltar a um clube grande, mas mais ano menos ano vou ter de terminar e gostava de o fazer num clube grande. Nos últimos 10 anos estive no Benfica, no Braga e no FC Porto. Olhe, no Málaga nem sequer joguei...
R Não está surpreendido com este começo de época do FC Porto?
JF Já disse isto várias vezes. O FC Porto está a fazer bem o seu trabalho, está a ganhar os jogos que tem de ganhar, há um resultado anormal que é o jogo com o Benfica, não pela vitória mas sim pelos números em causa. Aliás, se as pessoas forem ver nos quatro anos que estive no FC Porto, perdi uma vez na Luz e ganhámos as outras partidas todas da Liga. Ganhar ao Benfica no Dragão aconteceu sempre enquanto lá estive. O FC Porto fez o trabalho bem. Quem não fez igual foi o Benfica. Não me surpreende a carreira do FC Porto, surpreende-me sim a carreira do Benfica.
R Como é que tem visto o trabalho de André Villas-Boas?
JF Quem está a ganhar da forma como ele está, só pode estar a fazer um bom trabalho.
R Consegue-se ser bom treinador aos 33 anos?
JF Pelos vistos, parece que sim. Sabe que a carreira de um treinador, como qualquer líder, é avaliada durante muitos anos. Daqui a alguns anos vai-se avaliar se o Villas-Boas é tão bom e vai ser o melhor, como foi possível chegar ao fim de 10 anos e dizer que o Mourinho é o melhor do Mundo. Foi o que ganhou mais vezes.
R Ficou célebre a frase de Mário Wilson quando disse que no Benfica qualquer um se arrisca a ser campeão. Hoje em dia, no FC Porto qualquer um se arrisca a ser campeão?
JF Mas por que é que mudou o sentido da frase do Mário Wilson?
R A hegemonia do futebol português mudou claramente para o lado do FC Porto?
JF Não é verdade que qualquer treinador ganhe no FC Porto. Ganham os bons.