... "Ainda não percebi a associação entre situação socioeconómica e crimes de violação", (...) "a condição socioeconómica intervém de um modo indireto, e a sua relevância é mínima no que toca aos crimes de violação em concreto". Palavras do colega.Ainda não percebi a associação entre situação socioeconómica e crimes de violação. Se aquela é relevante para a aferir a criminalidade num cômputo geral, no que concerne ao crime de violação torna-se praticamente inútil. Caso exista alguma relevância, será mínima.
A experiência permite verificar que o crime de violência transcende o património dos indivíduos. Os pobres violam. Os remediados violam. Os ricos (!) violam. Por isso é que países tão diferentes como a França ou a Índia possuem uma rape culture. Bem assim, certos setores que têm um problema nesse sentido (Hollywood).
Quais serão os verdadeiros critérios?
1. Baseado no sexo - os homens têm uma maior propensão à prática do crime de violação.
2. Religioso - certa doutrina religiosa poderá diminuir a lesão provocada por um crime de violação ou até vê-lo como uma não infração.
3. Cultural - a cultura pode desculpar ou até incentivar este ato. Como encara o papel da mulher? Como julga moralmente o ato de violar alguém? Como julga a vítima que reporta a violação? Como reagem os indivíduos da sociedade perante um crime desta natureza?
4. Jurídico - o crime de violação está previsto no ordenamento jurídico? Todas as formas de violação estão previstas? Como é aferida a essencialidade do bem jurídico? Como é punido o crime de violação? Qual a medida da pena na ordem jurídica em questão?
5. Médico - qual a propensão de doenças mentais numa dada sociedade? O acesso a cuidados de saúde é generalizado e de baixo custo? Qual a eficácia no tratamento de doenças mentais?
6. Institucional - como funcionam as instâncias formais de controlo de um Estado? Como encaram o crime de violação?
Mas eu já vi de tudo. Pude presenciar uma vez alguém a afirmar que o sistema capitalista aumenta a recorrência dos crimes de violação. É uma parvoíce, claro.
De todo o modo, fica o basilar: a condição socioeconómica intervém de um modo indireto, e a sua relevância é mínima no que toca aos crimes de violação em concreto.
Mas não minhas, pois não foi o que escrevi. Talvez não o tenha feito da forma mais feliz, que sempre é possível. Criticava a instrumentalização e as análise deliberadamente ínvias de muitas pessoas que usam temas polémicos para a obtenção de pretensos ou reais ganhos políticos e ideológicos. Para a sua causa pessoal. Como a dissonância entre o crime sexual cometido por imigrantes, de pronto assinalado e atribuído a explicações culturais e religiosas, e homicídios de companheiras e ex-companheiras por portugueses, essa realidade tão comum, porém ignorada por não servir a causa. Não será por acaso que se escolhe partilhar umas notícias e não outras. Ironizava essa selectiva defesa da condição feminina por muitos que se apressam a negar a existência de desigualdades baseadas no sexo e no género, como as salariais e as da violência. Ou somente admitem a existência de casos isolados e não de factores macrossociais de discriminação.
Quanto ao resto... a situação socioeconómica, e a fragilidade social em geral, têm influência no crime. O que é relevante na discussão da imigração e da criminalidade. Convém ter presente que a privação material contribui para um sem número de outras realidades, do potencial grau de escolaridade a atingir e respectivo nível de rendimento (não só da própria pessoa como da sua descendência) à capacidade para manter a condição de saúde... podendo ter um efeito mais ou menos directo, mais ou menos indirecto nas mais diversas dimensões da vida da pessoa.
Será ainda interessante contemplar as esferas mencionadas nas suas diversas combinações e interdependências, pois nenhuma delas existe de forma isolada. Até mesmo introduzir o substrato económico, político... e tentar perceber qual a sua influência sobre a expressão religiosa, a vivência do género, a construção do aparato institucional, etc. etc. etc.
E que relação entre pobreza, tráfico e exploração sexual? Entre pobreza e, em muitos países, abuso sexual de crianças? Ou turismo sexual... Qual o papel da pobreza em situações de assédio sexual sobre mulheres? Pobreza é sinónimo de falta de poder.
Nem a propósito: To tackle violence against women, we need to alleviate poverty | World Economic Forum
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