E pararmos com essa modinha de chamar facho a tudo o que mexe?
São cada vez mais fachos e andam mais vocais (este fórum, por exemplo, tem alguns), mas o Dagerman, por mais que considere algumas opiniões dele muito questionáveis, é alguém que nunca vi exibir um comportamento ou pensamento fascista e que é educado no trato.
Essa merda devia ser proibida. Quanto a mim, prefiro que me chamem de filho da puta do que de facho.
Vivemos num tempo em que se tu não alinhas a 100% no consenso político ou científico és logo tachado de extremista, seja de esquerda ou de direita.
Se te atreves a dizer que compreendes que os russos não queiram mísseis da Nato na Ucrânia, é porque és comuna.
Se és de opinião que a imigração devia ser permitida apenas em função das necessidades do país, e que todo o imigrante devia ter o seu cadastro verificado à entrada, e se preferes imigrantes formados por culturas laicas/liberais em vez de formados por culturas religiosas, é um xenófobo de extrema-direita.
Se achas absurdo, e ofensivo para as mulheres, que elas agora tenham de competir no desporto com gajos que cortaram a piroca, és transfóbico.
Se não te incomoda ver no cinema uma Branca-de-Neve negra ou pele-vermelha, é porque és woke.
Se te atreves a dizer, ou a mostrar, que o método científico pode ser desvirtuado e que a ciência pode ser dirigida por interesses políticos ou económicos, és rotulado de teórico da conspiração.
Desta forma, uma mesma pessoa pode ser rotulada no mesmo espaço, em dias diferentes, como comuna, chegano, facho, nazi, woke ou teórioco da conspiração (mas há outros rótulos prontos-a-usar: anti-americano, anti-semita, islamófobo, etc). A mim já me colaram quase todos esses rótulos aqui, só benfiquista e infiltrado é que ainda não me chamaram (mas se calhar não devia estar a dar ideias). O que, se não fosse engraçadíssimo, seria um bocado triste.
E tudo isso porque para certas cabeças monolíticas, é inconcebível que alguém em certos assuntos tenha opiniões de esquerda, noutros assuntos tenha opiniões liberais, noutros tenham opiniões conservadoras e noutros tenha opiniões de extrema-esquerda/extrema-direita ou mesmo anarquistas.
Certo é que num ambiente tão polarizado como o actual, em que as pessoas acham aceitável defender as suas crenças com rótulos insultuosos em vez de argumentos, é impossível qualquer discussão racional, porque em vez de troca de palavras, há troca de tiros, como numa guerra de trincheiras, com cada um encafuado nas suas convicções como num castelo. Tudo menos admitir que alguma vez se podem ter enganado. E tudo menos tentar compreender as razões do outro, do "inimigo". Eu graças a deus já enganei muitas vezes, e já mudei de opinião alguma vezes na vida. Costuma-se dizer que só os burros é que não mudam de opinião, mas eu acho exactamente o contrário. Para mudar de opinião é preciso antes de mais ter a humildade de reconhecer que estávamos a ser burros. Quem nunca muda de opinião são os "inteligentes", ou tolos-sabichões, que acreditam que já sabem tudo. Conheço alguns assim, dentro e fora do Portal, e curiosamente são todos licenciados ou doutorados. O que se calhar diz alguma coisa sobre o ensino chamado superior, mas isso já seria outra conversa e de qualquer modo não interessa nada.