Estórias da nossa história

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Com dinheiro para o carnaval.
José Monteiro da Costa transformou o Grupo do Destino em Foot Ball Club do Porto com o dinheiro que tinham recolhido para um carro alegórico.

Jerónimo Monteiro da Costa, pai de José, horticultor, era, tal como seu filho, membro da União dos Jardineiros do Porto. O fascínio do jogo que descobrira em Inglaterra fez-lhe estudar os sentidos e o coração, despertando-lhe vontade mais rija que espada de o lançar no Porto. Desconhecia que já se jogava futebol no Porto, sobretudo entre os ingleses do Oporto Cricket e do Boavista Footballers Club — e que até já houvera um Foot Ball Club do Porto, fundado por António Nicolau de Almeida. Procurou o aristocrata comerciante pela cidade. Ao falar-lhe do futebol, Nicolau de Almeida sentiu um pouco do coração a aquecer-se. Faísca em paixão antiga, que só razões familiares e políticas tinham arrefecido. E, inflamado, instou Monteiro da Costa a continuar o seu Foot Ball Club do Porto. Sem esmorecer. Amigos ficaram e António prometeu envolver-se na medida do possível. Era o bastante.
Na Rua da Rainha (que com a implantação da República haveria de passar a chamar-se Rua Antero de Quental) existiam uns terrenos arrendados à Companhia Hortícola Portuense, para viveiros de plantas, mas como não eram aproveitados na sua totalidade, fácil se tornou a Monteiro da Costa conseguir a cedência ao Grupo do Destino dessa parte disponível, bem como de uma pequena e modesta casita onde instalou um vestiário e balneário ainda mais modesto. Marcar um rectângulo de cerca de 50x30 metros e espetar umas toscas balizas também não foi difícil, apesar das linhas serem traçadas a pincel molhado em cal desfeita em água. E, ainda segundo Camilo Moniz, bola havia porque o presidente do Grupo tinha trazido algumas na sua bagagem. E botas era questão de comprar umas que fossem fortes, mandar pôr-lhes umas gáspeas a reforçar e na sola umas travessas, que embora não se soubesse bem para que serviam, se aproximavam das que Monteiro da Costa tinha comprado em Inglaterra. As camisas foram feitas de um pano vermelho e forte que havia nessa época e os calções de uma espécie de ganga azul-escuro. As meias, serviram as que nesse tempo usavam os ciclistas. E foi assim que os rapazes do Grupo do Destino começaram a jogar o futebol. Ou a pensar que jogavam... «Pouco tempo depois da chegada do seu presidente, o Grupo do Destino tinha duas equipas dentro de ‘uma caixa de fósforos’; no campo improvisado da Rua da Rainha, que davam durante horas pseudo pontapés numa bola, sem terem quem os orientasse, sem progredirem, mas também sem desanimarem. E como poderiam desanimar se, exceptuando o seu presidente, nunca tinham visto jogar melhor? Quis o acaso favorecer os rapazes do Grupo do Destino. Um dia foi visitar a Fábrica de Salgueiros, para onde davam as traseiras do terreno arrendado ao Grupo do Destino, um químico italiano, Catulo Gadda. Como de lá tivesse visto saltar uma bola de futebol, não resistiu sem subir ao muro de vedação para averiguar do que se tratava... Ao deparar-se-lhe um grupo de rapazes equipados a dar pontapés numa bola (pois não se podia chamar jogar futebol ao que eles faziam), pediu autorização para entrar. Sabia — disse — algo daquilo.»

O pontapé do italiano que embasbacou os rapazes do Destino.

Fazendo fé no que escreveu António Martins, o primeiro secretário do F. C. Porto de Monteiro da Costa, em «O Tripeiro» de 1 de Março de 1926, Catulo Gadda «tinha sido um bom jogador num dos principais clubes da sua pátria e quando deu o primeiro pontapé deixou boquia-berta a rapaziada portuense: a bola atravessara o campo no seu máximo comprimento.... Catullo Gadda assinou ali mesmo uma proposta, ficando a fazer parte do Grupo do Destino. Como o entusiasmo daquele punhado de rapazes ia aumentando e a exiguidade do rectângulo de jogo se ia fazendo sentir, pensou José Monteiro da Costa em fundar um clube de desportos que em nada ficasse atrás dos que então existiam no País. Como sempre, se bem o pensou, melhor o conseguiu...»
Os contactos com António Nicolau de Almeida tinham-no enlaçado no entusiasmo de criar um verdadeiro clube de futebol, que já não pudesse confundir-se com um grupo de rapazes bem dispostos, na fronteira da vida lutulenta da folia ou da libertinagem. E assim, em Agosto de 1906, José Monteiro da Costa decidiu, enfim e definitivamente, refundar o Foot Ball Club do Porto. Com base no espírito do Grupo do Destino. Naturalmente. Para Camilo Moniz, «nessa ocasião foi reconhecido que a ideia era de difícil execução, pois requeria muito trabalho, muito sacrifício, bastante dinheiro e muita força de vontade para se lutar contra os muitos obstáculos que de todos os lados haviam de surgir; mas, habituados como estavam a levar a bom terreno todos os empreendimentos do Grupo do Destino, não se atemorizaram ante a grandeza deste: todos unidos eram uma força. Em face de tais afirmações, apresentou, então, Monteiro da Costa um desenvolvido estudo onde nenhum detalhe, por mais insignificante, deixou de ser previsto. Esse trabalho continha conclusões tão irrefutáveis pela sua ponderação, segurança e rapidez de execução, que se o seu autor não fosse já considerado um homem de valor extraordinário, ter-se-ia revelado como tal nessa histórica reunião».
 
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Tripeiros, sim mas... nacionais!

Apesar de refundado por republicanos, alguns envolvidos em conspirações, o F. C. Porto tomou as cores da «bandeira da Pátria». Por uma questão de fé...

Nem sempre o sonho é coisa vã. Talvez por isso, visionário, Monteiro da Costa tenha aventado: «O nosso futuro clube deve chamar-se Foot Ball Club do Porto, por os seus fundadores serem na sua quase totalidade tripeiros natos, a sua sede na cidade do Porto e o principal desporto a que se vai dedicar — o futebol.» Porém, como outros desportos, conforme o seu projecto, seriam praticados, tratou de acrescentar à denominação proposta outras duas mais abrangentes palavras: Sociedade Desportiva. Que sim, disseram, sem pestanejar, os prosélitos.
Estranho foi para quase todos que Monteiro da Costa, republicano convicto, anunciasse que as cores do clube seriam as da «bandeira da Pátria» — azul e branco, como nos dias de António Nicolau de Almeida. Era o tempo do Governo (em ditadura) de João Franco, que decidira já decretar pena de degredo para Timor — nesse tempo considerada quase equivalente à pena de morte — aos incriminados (obviamente, como em todas as tiranias, através de processos sumários) por «crimes políticos graves». O alvo era, naturalmente, os republicanos, cuja campanha de agitação contra a monarquia se intensificava.
Por isso, houve quem ainda aventasse escolha de outras cores. Quiçá as da cidade. Mas, sugestivo, Monteiro da Costa ripostou — que não, que as cores deveriam ser as da «bandeira da Pátria» (bandeira que ele mal imaginava ter os dias dramaticamente contados), porque «tinha esperança de que o futuro clube havia de ser grande, não se limitando a defender o bom-nome da cidade, mas também o de Portugal em pugnas desportivas contra estrangeiros». Hipótese chegou a ser também a escolha do azul e encarnado — que eram as cores do Arsenal, então a melhor equipa do Mundo — para as camisolas do F. C. Porto e que, nos primeiros confrontos do Grupo, alguns dos seus membros ainda utilizaram. Que não, que não, porque, houve logo quem o recordasse, poderia tresandar a coisa da «Pérfida Albion», mascarra que Guerra Junqueiro lançara contra a Inglaterra e que não deixara de bailar nos espíritos de todos os republicanos e não só...
Assim, aprovado, entre aplausos ruidosos, todo o seu «grandioso projecto», foi nomeada uma comissão administrativa, presidida por José Monteiro da Costa e secretariada por António Martins para lhe dar imediata execução.
E decidido ficou, também, que todos os fundos recolhidos pelo Grupo do Destino para a participação, com um carro alegórico no cortejo de Carnaval do Clube dos Fenianos seriam todos canalizados para financiar as despesas de lançamento do clube. Depressa se gastaram, mas as bolsas particulares desses rapazes, sobretudo a de Monteiro da Costa, abriram-se! E apesar de nenhum deles ser rico, o projecto foi cumprido rigorosamente.
 
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1200 Réis por campo relvado.

O campo da Rua da Rainha foi o primeiro relvado em Portugal. Era o ex-líbris de um presidente, liberal e ditador, que tudo controlava
A força que movia os (re) fundadores do novo clube nascia dessa esperança que não mente — e arrebata e empolga. Assim, segundo Rodrigues Teles, na fantástica história do F. C. Porto (cujo calcanhar de Aquiles talvez seja apenas o facto de, apesar de os referenciar, fazer letra morta do Foot Ball Club do Porto, de Nicolau de Almeida), «por feliz coincidência ou pela diplomacia de Monteiro da Costa, a Companhia Hortícola resolveu transferir os viveiros de plantas que possuía na antiga Rua da Rainha para outro local, sendo todo o terreno alugado ao novel clube, que imediatamente iniciou as obras para as suas instalações, as quais depois de concluídas ficaram com a disposição de que vou procurar dar uma pálida ideia: ao lado direito da entrada, um amplo vestiário, cheio de ar e luz, e dois simétricos armários, todos numerados, destinados aos jogadores. Pago o seu aluguer, que era de um escudo e vinte centavos anuais, era entregue a respectiva chave aos seus arrendatários que procuravam tirar deles o melhor proveito equipando-os com todos os artigos necessários a uma boa toilette, cruzetas para pendurar a roupa e até um banquinho e tapete para os pés. A seguir a este vestiário, um balneário com três chuveiros e dois grandes lavatórios em pedra mármore. O acesso a estas dependências era feito por meia-dúzia de degraus que davam para uma varanda em cimento armado. Do lado esquerdo um bufete, estilo bar, com balcão e diversas mesas, cadeiras e sempre razoavelmente sortido. Por baixo do vestiário e ao lado esquerdo do bufete — dependências para arrecadações. Em frente, um amplo terreno cercado de arbustos e convenientemente ensaibrado destinado aos jogos do cricket e fito muito em voga nesse tempo. Descendo para o lado esquerdo, aproveitou-se outro terreno com grandes árvores; na parte norte — cadeiras, mesas e bancos de jardim; e na parte sul, um ginásio, onde havia paralelas, barras fixas, pesos, halteres, traves fixas nas árvores, argolas e trapézios».

O primeiro campo relvado e a «última ceia»

Fazendo fé nas revelações de Camilo Moniz, em 1906 o campo de futebol da Rua da Rainha tinha já medidas regulamentares e era relvado. A ser assim, foi o primeiro, em Portugal. «É que Monteiro da Costa tinha visto os campos de Inglaterra com relva e, portanto, não concebia que se pudesse jogar em campos pelados. Num nível superior ao rectângulo do jogo e no máximo do comprimento, dos dois lados, uma fila de bancos assentes em tijolos pintados de branco, que acomodavam cerca de 500 a 600 pessoas; e do lado nascente, espaço para a construção de uma ampla bancada, que não se fez por não o justificar a concorrência do público. Ao centro do terreno, porém, do lado poente, erguia-se uma tribuna destinada aos convidados de honra. Era majestosa.»
Pelos terrenos em que se implantara, o clube pagava uma renda anual de 1200 réis.
Rodrigues Telles afiança que foi nessas «magníficas instalações que os rapazes do Grupo do Destino efectuaram o primeiro jogo-demonstração», contra o Boavista Footballers Club, formado quase na totalidade por empregados da Fábrica Graham e donde mais tarde nasceria o Boavista Futebol Clube, mas com o campo de jogo em sentido oposto ao actual. Resultados? Desconhecidos, de todo, apesar de se saber que «as pesadas derrotas em nada abalaram a alegria dos fundadores, pois sabiam de antemão que os adversários eram mestres; sabiam, também, que dos alicerces construídos grande obra poderia ser erguida. O pior óbice estava vencido.»
Apesar de a decisão estar tomada havia tempo, apenas no dia 31 de Dezembro de 1906 se avança para a extinção, definitiva, do Grupo do Destino. Com uma ceia simbólica. A última. «Algumas lágrimas se verteram de comoção e de belas recordações. Mas o novel clube, o glorioso Foot Ball Club do Porto, com outra missão a desenvolver pelos tempos fora, deu a todos o abraço de boas-vindas, e ligou-se a uma interminável cadeia de triunfos e prestígios que a Cidade, o País e o Desporto em geral não esquecerão nunca.»

Liberal e... ditador

Eram já os frutos do génio de Monteiro de Costa. Líder. Carismático. Revolucionário. Aventureiro. Liberal. Ditador. Ivo de Lemos, certamente o seu braço direito no lançamento do F. C. Porto para o fastígio, em artigo carregado de sentimentalismo e saudade, publicado no «Jornal de Sports», em Novembro de 1933, traçou-lhe poético retrato: «José Monteiro da Costa foi não só o idealista fundador e propulsor desse enorme edifício que é o F. C. Porto, como o organizador impecável de tudo que dizia respeito à sua agremiação, quer no campo material ou associativo. Soube lançar á terra, e cultivá-la como mestre que era em floricultura, a semente que produziu uma das mais belas flores desportivas do nosso país. Apesar de ideias liberais, ele, como dirigente, era ditador, e todos lhe obedeciam sem restrições, porque a sua energia, o seu sacrifício, os seus conhecimentos e a sua isenção, eram postos à prova a todo o momento. Dedicava-se a tudo que fosse para engrandecer o seu clube, e a Fé que dimanava da sua Alma foi tanta que ainda hoje perdura em todos os que sinceramente continuavam a sua obra. Vimo-lo praticar o futebol e dirigir desafios, treinar os grupos, organizar festas desportivas, gincanas, corridas pedestres, provas atléticas, torneios de ténis, sessões de boxe, luta greco-romana, pesos, ginástica, tudo enfim que dissesse respeito a exercícios físicos e que se praticavam no clube...»
Antes de fundar o F. C. Porto, foi José Monteiro da Costa o primeiro presidente da União dos Jardineiros do Porto, onde, segundo Rodrigues Telles na «História do F. C. Porto», demonstrou como era «um homem vigoroso e de longa visão», criando, imediatamente, escolas, bibliotecas, gabinetes de leitura e uma caixa de socorros para associados, para além de exposições e conferências hortícolo-agrícolas.
 
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Médicos, higiene livros e... vergonha

O F. C.Porto de Monteiro da Costa não queria ser apenas um clube de futebol. Antes pelo contrário. A fascinante viagem pelo primeiro Relatório e Contas

Naturalmente, os incipientes jogadores do Grupo do Destino formaram a primeira equipa de futebol e o primeiro rol de associados do refundado Foot Ball Club do Porto: José Monteiro da Costa, Joaquim Pinto Rodrigues de Freitas, António Martins, António Elisabeth de Mesquita, Jerónimo Monteiro da Costa, Silvério Pinto Monteiro, Joaquim António Mendes Correia, António Moreira da Silva, Cândido Pinto Mota, Eugénio Machado da Costa, Catullo Gadda e Gaspar José de Sousa. Em todos eles bruxuleava a luz do sonho do golpe de asa. Apesar das sistemáticas (e quase sempre pesadas) derrotas com os ingleses do Boavista Footballers Club ou do Oporto Cricket and Lawn-Tennis. Visionário — e contando com o apoio de Nicolau de Almeida —, José Monteiro da Costa lançaria (mas só depois de vencida a aposta na criação e valorização de infra-estruturas) o canto de sereia aos já «esmerados campeadores britânicos do futebol». Acederam e trouxeram para o clube sangue de génio. E outro sentido do sport. Mais ambicioso, sobretudo. E nem sequer se importaram com o facto de terem de passar a jogar aos domingos, violando assim a tradição anglo-saxónica do desporto como litania ao sábado.
Antes deles, contudo, hostes reforçadas com Carlos Vouga Pinheiro (que havia jogado a extremo-direito no colégio onde estudara, em Inglaterra, mas que, ninguém sabe bem porquê, acabou por ir parar a guarda-redes) e mais alguns «académicos», atraídos pela curiosidade do jogo: Romualdo Torres (que era já um desportista consagrado, praticando futebol, atletismo, cricket, patinagem, pesos e alteres, modalidades todas que o FCP incluiu, célere, no seu rol de actividades), Eduardo Dumont Vilares (excelsa figura de homem do desporto, dirigente que viria a consagrar parte da sua animada vida ao clube, e que, por essa altura, era incontestavelmente um dos melhores nadadores portugueses e indubitavelmente o melhor do Norte, fulgurando também no atletismo, em especial nos 110 metros barreiras e no salto em altura, atingindo em 1907 a meritória marca de 1,55 metros), António Antunes Lemos, António Oliveira Calém, António de Azevedo Campos, Ernesto Sá, Américo Soares, Nuno Salgueiro. E ainda um futebolista alemão de muita categoria — Hermann Brugmann, que ao Porto chegara, entretanto.

Treinador francês da corveta para a Rua da Rainha

Estavam lançados os dados. E, segundo Rodrigues Telles, mais se lançaram no entusiasmo os footballers do F. C. Porto quando «atraído pelo que já se dizia sobre o F. C. Porto, apareceu, um dia, na Rua da Rainha, o súbdito francês Adolphe Cassaigne. Era um técnico. Sabia de futebol. Adolphe fora treinador em França e orientava, no Porto ,os amadores de futebol da Escola de Alunos-Marinheiros da Corveta Estefânia. Falou com o infatigável José Monteiro da Costa e nada mais foi preciso. Adolphe Cassaigne elogiou a ordem dos rapazes do clube, a sua disciplina, a sua admirável vontade — e ofereceu-se para treinar obsequiosamente os praticantes. A alegria de todos não pode descrever-se! Os ensinamentos do técnico francês produziram os seus efeitos e os grupos azuis-brancos acusaram imediatos e visíveis progressos».
Era o fim do autodidactismo no futebol. Que poderia ser o bacilo que impedisse a conquista do futuro. Que era já a ambição de todos. Sem que sequer as forças se desvanecessem pelo dinheiro que começava a faltar, sobremodo porque muito onerosas eram as obras no campo atlético. O romantismo do desafio, o ardor do sonho, era a cadeia que unia todos os portistas, cujo número não parava de aumentar. Quase todos sócios de fervor e de acção.

O orgulho, o trabalho insano e a vergonha da falta de... higiene

O primeiro Relatório e Contas do F. C. Porto, aprovado, por unanimidade, em Assembleia-geral, em 1909, reflecte bem essa aposta e, mais do que isso — a forma como de sofrimento se fez o lançamento do clube, mas sem que alguma vez se notasse nos seus dirigentes desconsolo, sem que o fel da descrença lhes azedasse os ânimos. Sabendo-o, nem sequer afastaram poalha de orgulho no relato feito dos primeiros anos da refundação. «Instalou-se (o FCP) tão modestamente quanto lho permitiam os seus minguados recursos, na Rua da Rainha n.º 371, ocupando a casa onde actualmente está o vestiário, banheiro, etc., e o campo de jogos anexo. Ali foi frutificando e espalhando os seus benefícios de uma forma animadora e em extremo lisonjeiros para os seus fundadores, sendo em 20 de Fevereiro de 1907 eleita a primeira Direcção composta pelos Srs. José Monteiro da Costa, como presidente; Romualdo Fernando Torres, vice-presidente; António Martins, 1.º secretário; Manuel Luís da Silva, 2.º secretário e Joaquim Pinto Rodrigues de Freitas, tesoureiro. Apesar de lutar com a falta de recursos, esta Direcção conseguiu com um trabalho insano e digno do maior elogio conquistar para o seu clube uma animadora e franca simpatia por parte dos amadores de sports, entregando-nos em 10 de Fevereiro de 1908 a gerência deste clube com um número de sócios já elevado, 180, e as melhores esperanças de um futuro próspero. A escassez de tempo e a sempre esmagadora falta de recursos não tinha permitido à gerência de 1907 e 1908 levar a efeito melhoramentos e reformas que se tornavam inadiáveis e foi animada por os mais ardentes desejos de reformar tanto quanto possível o que mais urgente se tornava, que a gerência de 1908 a 1909 tomou posse do seu cargo. Lembrar-vos o estado em que se achava a velha casa onde se instalava o vestiário, os banhos e o campo de jogos que então possuía o clube, é certamente desnecessário. Sobejamente sabia esta Direcção que muitos e muitos dos seus sócios actuais não queriam inscrever-se a esse tempo, visto o estado da casa do vestiário e banhos ser mais de molde a desviar os animosos do que de atrair adeptos, tal a falta de comodidades e aspecto animador. Vacilou algum tempo a nossa decisão sobre se deveríamos ir reformando passo a passo tantas e tão urgentes instalações, sujeitando-nos a ter coisas boas à mistura com coisas más, ou se deveríamos duma vez só fazer as obras mais urgentes, dando lugar a podermos, ao abrir a época de jogos de 1908 a 1909, apresentar o nosso clube tão bem instalado quanto possível, de modo a que sem timidez chamássemos ali estranhos a presenciarem as práticas dos sports, num campo em condições e a visitarem as instalações dos vestiário e banhos actualmente com todos os requisitos da higiene. Optámos pela segunda conduta e não temos que nos arrepender de a termos seguido. O excelente efeito que produziram as obras que se fizeram no campo e na casa de vestiário era já esperado e com prazer registamos aqui o facto de bastantes dos actuais sócios terem pedido para serem propostos imediatamente após a primeira visita com que honraram as dependências deste clube. Para coroar também a nossa expectativa, vem juntar-se à animadora impressão que em todos os visitantes deixava o nosso campo de jogos e mais dependências o aumento elevado de número de sócios, que sendo de 180 ao tomarmos posse da nossa gerência, era de 237 ao ter- minar da primeira época de 1908 (antigas instalações) e de 285 ao terminar da época de 1909 (novas instalações). Não queremos dizer que sejam excelentes as condições em que se encontram actualmente as instalações do clube; muito falta ainda fazer. Queremos apenas dizer-vos quais os motivos que nos levaram a abalançar-nos a fazer as importantes obras que se efectuaram no campo de jogos e na casa anexa.
Mais não fizemos para não onerarmos mais o cofre do clube e porque entendemos também que, com as actuais obras, já esta agremiação pode descansar algum tempo sem temer que, enquanto os seus recursos se reforçam, os sócios lhe fujam por falta de comodidades. Se, seguindo os nossos desejos, a Direcção que nos suceder, à parte algumas obras de necessidade, como o portão da entrada que carece de reforma, se dedicar à propaganda dos sports, aproveitando o que a nossa minguada competência não deixou fazer, estamos certos que ao findar a sua gerência vos entregará o club em condições invejáveis, completando assim a nossa obra, que, escusado é dizê-lo, era grande de mais para ser levada a cabo dentro dum prazo de tempo tão curto como é o duma gerência de 18 meses, sem onerar imenso o cofre do clube que actualmente se acha sobrecarregado com défice, dentro em pouco estará perfeitamente desafogado, visto a receita do club montar actualmente à quantia de 142$500 réis mensais. Era precisamente este o outro alvo que visávamos; aumentar sensivelmente a receita para custear as despesas que se iam fazer.»

As excursões desportivas, a biblioteca e os... médicos

E que despesas se previam fazer, se os desportistas não recebiam um tostão do clube, nem sequer para pagamento de... viagens? Di-lo o Relatório, sem cortinas de fumo: gastos adicionais com «excursões sportivas, visitando as vilas e cidades mais populosas do Norte, e praticando aí o football (por enquanto) como meio de propaganda dos excelentes exercícios ao ar livre». E mais. Com sentido humanitário. E higiénico. Solidário. «Nessa ordem de ideias, outras medidas levámos a efeito, como a criação de uma biblioteca, a organização de uma comissão de jogos criada com o fim de examinar os sócios, indicando-lhe os exercícios que mais lhe eram adequados, vigiando sempre pela sua saúde e desenvolvimento, comissão que conta entre os seus membros médicos e sportmen de reconhecida capacidade nesta especialidade.» Mas como nunca é todo o bem que se faz, o lamento: «Pouco pôde fazer, é certo, esta comissão, por ter sido nomeada já tarde, não tendo podido organizar os seus exames médicos, mensurações, etc. serviços que para a nova época se estabelecerá com segurança e vantagens, mas mesmo assim muito lhe deve já este club, visto terem sido organizadas por ela as excelentes festas ao ar livre com que se fechou a época de sports deste ano.»
 
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E que tal mudar o nome?

Em 1909, Nuno Salgueiro propôs mudança de nome ao clube. Talvez melhor fosse chamar-lhe Club Atlético ou Sociedade Atlética. A proposta não passou disso...

A 9 de Outubro de 1909 realizaria o F. C. Porto a sua terceira Assembleia-geral, para aprovação dos primeiros estatutos e regulamento interno do clube, documentos produzidos por uma comissão constituída por José Monteiro da Costa, António Martins e Cândido Mota. Insólito: a terceira acta surge nos arquivos do clube com data... errada, pois, ao contrário do que se lavrara «aos nove dias do mês de Outubro de mil novecentos e dez, pelas 9 e meia da noite...» — dever-se-ia ter escrito «mil novecentos e nove».
Aberta a sessão, Dumont Vilares, o então presidente da Mesa, explicou «que a Assembleia-geral Extraordinária tinha sido pedida pela Direcção do clube para se discutir as modificações que entendia dever introduzir nos estatutos e discutir o Regulamento Interno». Em seguida deu a palavra a Nuno Salgueiro, secretário da Direcção. Pedrada no charco. Surpresa. Segundo a acta, aquele dirigente começou «por propor a substituição do nome do clube por um nome mais genérico, como por exemplo Club Atlético do Porto ou Sociedade Atlética ou outro que a Assembleia julgasse mais adequado, em virtude do desenvolvimento que o clube tinha tomado». Fazendo fé no mesmo documento, no uso da palavra «os Srs. Romualdo Torres, Mário Sequeira, Nuno Salgueiros, António Campos, Francisco Perdigão, Monteiro da Costa e António Lemos discutiram pró e contra esta proposta, sendo por fim resolvido por maioria que se conservasse o nome actual do clube.»
E, após a peleja, avançou-se para o artigo primeiro dos estatutos, que preceituava que o Foot Ball Club do Porto deveria manter anexo, entre parêntesis, a designação de Sociedade Sportiva, tendo «principalmente, por fim a educação física dos seus associados pelo estudo e prática de exercícios e jogos adequados ao desenvolvimento e conservação do seu organismo, como sejam: football, gymnástica, esgrima, lawn-ténis, natação, pedestrianismo, remo e quaisquer outros de natureza e vantagem semelhantes.»

Os sócios, o emblema, o abuso e a moral.

Os sócios estavam obrigados a pagar uma quota mensal de 300 réis, determinando-se que deixariam de sê-lo todos aqueles que, além de não pagarem 13 mensalidades, violassem os estatutos do clube ou... incorressem «contra a moral e a boa ordem». E associado que se demitisse ou fosse demitido teria de devolver à Direcção o distintivo que o acreditava como sócio, «sob pena de ser tornado público que o indivíduo em questão o retinha abusivamente em seu poder»!
O emblema, cuja configuração era diferente da actual, resumindo-se ao símbolo de uma mera e singela bola azul de cautchú, era conferido aos sócios contra o pagamento de 500 réis, verba que lhe seria imediatamente devolvida no caso da restituição do emblema. E, «em caso de extravio ou deterioração do emblema, era obrigado a requisitar um novo exemplar à Direcção, satisfazendo a importância de 500 réis».

A obrigação do tesoureiro e do bom comportamento.

Por seu turno, obrigatório era, também e curiosamente, que o tesoureiro do F. C. Porto tivesse, invariavelmente, «à ordem do clube num banco desta cidade, o saldo disponível que exceda 100$000 réis».
A talho de foice se aprovariam o regulamento do futebol, que, para além de obrigar, sem excepção, quer em jogos, quer em treinos, os jogadores a usarem «o uniforme ou distintivo do clube que consta de camisa de malha azul às faixas verticais, calção preto e calçado próprio» os obrigava, igualmente, a «comportar-se no campo com toda a cortesia, evitando polémicas e discussões sobre qualquer assunto ou decisões do referee».

Os frémitos da República e o F. C. Porto fora-da-lei.

Lidos seriam os estatutos. E pouco ou nada modificados. Adiada ficaria, contudo, «devido ao adiantado da hora, já pela madrugada» a sua aprovação. Dumont Vilares marcaria a Assembleia-geral para aprovação dos estatutos e do regulamento interno para o dia 9 de Outubro de 1910. Contudo, os acontecimentos que conduziram à proclamação da República estavam ainda quentes e a Nação vivia fremente de ebulição o nascimento do Novo Regime. Foi então que José Monteiro da Costa propôs à Assembleia-geral que, «por ser de admitir que o reduzido número de presenças fosse devido aos últimos sucessos políticos», a reunião se efectuasse a 16. Assim se fez. Nesse dia, naturalmente e enfim, se aprovaram os estatutos do F. C. Porto. Mas, por malhas que o destino teceria (e que nunca ninguém justificaria) o clube ficaria fora-da-lei até Maio de 1912, já que só então, já depois da morte de Monteiro da Costa, os estatutos seriam presentes ao Governo Civil do Porto para aprovação! A propósito: só em 1912 se lavraria a primeira acta da Direcção do clube, referente à sessão que ocorreria a 20 de Março de 1912...
Duas notas adicionais. Mais ou menos insólitas. No Regulamento Interno estabelecera-se que o F. C. Porto estaria «aberto todos os dias nos meses de Outubro a Abril, das 7 da manhã às 7 de noite, e das 6 horas da manhã às 8 da noite nos meses de Maio a Setembro». E, porque com os tempos que se mudam, mudam-se vontades e muda-se o ser, consideravam-se «expressamente proibidas dentro do recinto do clube quaisquer manifestações agressivas ou de desagrado».
 
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A autorização dos maridos.

Na Rua da Rainha, Sara Monteiro da Costa ensinava ténis. Mas para as senhoras serem sócias do F. C. Porto tinham de ter autorização dos maridos.

Actual estava ainda o diagnóstico que Eça fizera em «Uma Campanha Alegre», à entrada para o último quartel do século XIX: «Depois da anemia do corpo, o que nas nossas raparigas mais impressiona — é a fraqueza moral que revelam os modos e os hábitos. Nada mais significativo, já notámos, que o seu modo de andar. Veja-se o andar de uma inglesa, elástico, firme, direito, sério. Sente-se ali a saúde, a decisão, a coragem, a personalidade bem afirmada. Veja-se o andar de uma menina portuguesa, arrastado, inserto, hesitante, mórbido; sente-se logo a indecisão, a timidez, a incoerência. A sua preguiça é um dos seus males. O dia de uma menina de 18 anos é assim dissipado: almoça, vai-se pentear, corre o «Diário de Notícias», cantarola um pouco pela casa, pega no croché ou nas costura, atira-os para o lado, chega à janela, passa pelo espelho, dá duas pancadinhas no cabelo, adianta mais dois pontos no trabalho, deixa-o cair no regaço, come um bocadinho de doce, conversa vagamente, volta ao espelho, e assim vai puxando o tempo pela orelhas, derreada com a sua ociosidade, e bocejando as horas.»
Não admirava. Era questão de política de costumes. Que Ramalho Ortigão denunciara já em «As Farpas»: «Por ocasião de se discutir no parlamento a reforma da instrução primária, o digno par, Sr. Vaz Preto Geraldes, votou contra a adopção da ginástica nas escolas de raparigas, enunciando a opinião de que a ginástica tinha um carácter imoral. S. Ex.ª parece recear que uma vez introduzida a ginástica nos costumes do sexo feminino, as senhoras portuguesas comecem a estar nos bailes com pesos suspensos da boca e a passearem no Chiado apoiadas sobre as mãos e de pernas para o ar. Isto efectivamente não seria bem-visto. E compreendemos que S. Ex.ª sinta uma certa porção de rubor, pensando que ao dirigir num salão as suas homenagens a uma dama, esta poderá vir um dia a retribuir os cumprimentos de S. Ex.ª aferrando-o pelos rins e obrigando-o a revirar duas vezes as pernas por cima da cabeça, no espaço que medeia entre o tapete e o lustre. Cremos porém que os receios do Sr. Manuel Vaz Preto procedem mais directamente de um nobre desdém votado por S. Ex.ª a algumas habilidades da Feira das Amoreiras do que propriamente do conhecimento cabal que S. Ex.ª tenha da cousa que fora das feiras se não chama a sorte de forças mas sim — mais modestamente — a higiene do movimento no corpo humano.»
E, certeiro, o Ramalhal disparou contra o deputado que pela proibição da ginástica e do desporto no feminino se arrogava defensor da moral e dos bons costumes: «Repugna-nos acreditar que o sexo feminino, que se destina a fazer a prancha em sociedade tomando para ponto de apoio o ventre do Sr. Vaz Preto, esteja à espera de que lhe endireitem a espinha para passar, imediatamente depois, a operar sobre a região abdominal de S. Ex.ª as experiências dinamométricas, cuja perspectiva lança no ânimo pudibundo do digno prócere um tão legítimo horror. Dirigimos a S. Ex.ª os nossos rogos mais fervorosos para que não core diante da ginástica, impedindo assim o País de pôr em prática o melhor meio de regenerar a sua constituição atrofiada, de endireitar a espinha, de desenvolver os ossos, de activar as faculdades intelectuais, de enriquecer o sangue, de reagir contra a hipocondria e contra a preguiça, contra a atonia dos nervos e dos músculos, contra a anemia, contra a clorose, contra a gota, contra as afec-ções pulmonares, contra as escrófulas, contra a obesidade e contra o idiotismo.»

As lições de D. Sara e as sócias só com autorização dos... maridos.
Revolucionário e moderno, José Monteiro da Costa quiseram fazer do seu F. C. Porto um espaço de contágio de desporto no feminino. Para mudar a mulher portuguesa. No repto de Eça, nos antípodas de Vaz Preto. Assim, numa altura em que, por finais de 1907, o movimento do parque de jogos da Rua da Rainha se tornara, já impressionante, com para cima de uma centena de atletas dedicando-se à ginástica, atletismo, ténis, cricket, pesos e halteres, patinagem, havia dezenas de meninas e senhoras do Porto mais selecto que não iam para o campo, já notado espaço cosmopolita da cidade, falar apenas de vestidos e namoros. Sempre comandadas e motivadas por Sara Monteiro da Costa (que a todas ensinava o ténis, desporto chique bem ao jeito de mulheres fartas de inanismo) jogavam-no, mas também corriam, também patinavam.
Paradoxalmente, José Monteiro da Costa, que tanto se batera pela emancipação desportiva da mulher, acabaria por deixar que (ninguém imagina bem porquê) nos primeiros estatutos se encontrasse, a páginas tantas, artigo que não deixa de conter em si bacilo de machismo ou de marialvismo: «As propostas para admissão de menores de 17 anos e senhoras casadas deverão trazer por escrito a autorização dos pais, tutores ou maridos, excepto quando algum destes é um dos proponentes.» De qualquer modo, nada que se comparasse à moral de Vaz Preto.
 
H

hast

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As excursões e as ciganas...

José Monteiro da Costa, que tentara fazer de António Nicolau de Almeida seu vice-presidente, quis dar tom de festa a toda a sua gestão. Daí o exotismo dos festivais atléticos...
José Monteiro da Costa não se furtou nunca a esforços para fazer do Foot Ball Club do Porto um clube que «honrasse a cidade e o País». E, em mais um sinal da ligação efectiva entre o F. C. Porto de 1893 e o de 1906, em Fevereiro de 1907 convidou António Nicolau de Almeida para seu vice-presidente. O aristocrático negociante, muito sensibilizado, declinou, justificando-se com a promessa que fizera a sua mulher, antes de casar, de que nunca mais se ligaria, directamente, ao futebol. E, em sinal de confiança na continuidade e prosperidade da obra que criara e não pudera desenvolver, propôs que Monteiro da Costa colocasse no lugar para que o convidara Romualdo Torres, que fora seu braço direito nos tempos do sonho do FCP do século XIX. José disse sim. E Romualdo tornou-se um dos alicerces do projecto que se engatilhara no sonho quente de ir sempre mais além. Apesar de ventos, apesar de marés.
Essa Direcção, segundo o primeiro Relatório e Contas do clube, «para fomentar o aumento do número de sócios não se poupou a trabalho, organizando atractivos para os seus associados e suas famílias de que destacaremos as excelentes sessões de patinagem que todos presenciaram e que excederam em brilhantismo tudo o que até hoje se fez em Portugal neste género de sport. Sessões que pelos seus atractivos, concorrência excelente e grandioso aparato impressionaram de uma forma tal alguns estrangeiros que as melhores referências foram feitas a este Clube, orgulhando-nos nós por essa forma, visto poder-se finalmente dizer que em Portugal também se faz sport, de forma a causar admiração aos que, acostumados a festas desportivas nos grandes meios, não contavam vir a encontrar, num meio tão pequeno como o nosso é, festas com tão vivo entusiasmo e tão lindamente concorridas. Todas estas festas frutificaram; mostram o elevado número de sócios que actualmente possui o F. C. Porto; a reputação de que goza no meio desportivo entre todos os seus congéneres...».

Segredos e rocambolices

Mas maior motivo de orgulho, quiçá coroa de glória para esses homens sem sono que se dedicaram ao clube frementes de paixão, empolgados, incansáveis, «fora a entusiástica e concorridíssima luta que se travou no velho campo do Clube, entre o nosso primeiro team e o primeiro team do Fortuna Fotball Club de Vigo». Foi o primeiro encontro internacional de futebol disputado em Portugal, sabendo-se que se realizou no dia 15 de Dezembro de 1907, que o F. C. Porto alinhou com uma equipa formada por Dumont Villares, Brugmann, Romualdo Torres, Ernesto Sá, Soares (guarda-redes), António Pinheiro, Raws, Antunes Lemos, John Jones, Cattulo Gadda e Edward de Almeida. Nomes descobertos a partir de uma fotografia puída pelo tempo que é o único registo conhecido do embate, de que, estranhamente (ou talvez não), nem sequer se sabe o resultado. Como se desconhece o desfecho do jogo disputado por essas duas mesmas equipas a 12 de Janeiro de 1908. Mais se sabe que, três semanas depois, os futebolistas do F. C. Porto decidiram retribuir a visita, no que seria a primeira saída internacional de uma equipa portuguesa de futebol. No primeiro Relatório e Contas, desvenda-se: «resolvemos iniciar as excursões desportivas visitando a cidade de Vigo, indo ali aprender para depois continuarmos por Portugal, ensinando. Grande era o interesse que uma boa parte dos nossos sócios nos tinha manifestado, sendo a ideia acolhida com alegria e entusiasmo; porém o estado do tempo afugentou o maior número e com grande pesar nosso, essa visita, que seria uma alegria para os nossos amigos de Vigo, que se preparavam para receber 150 visitantes, apenas se limitou a uma pequena excursão de 23 pessoas a quem os sócios do Real Fortuna Clube e Vigo Football Club dispensaram extremos carinhos e inúmeras finezas».
Entre os excursionistas, algumas senhoras. Viagem rocambolesca. O comboio partiu do Porto às 18 horas do dia 31 de Dezembro, mas uma avaria na locomotiva fez com que a chegada a Vigo ocorresse às 15 horas do dia 1 de Janeiro. Tudo isso se conta em documentos vários do F. C. Porto. Só o resultado do jogo é que não. Outra vez. Pelo que se poderá depreender que se saldou por derrota. Que era o desfecho normal dos jogos com o Boavista. Sabe-se, por exemplo, que antes da partida para a Galiza os ingleses da fábrica Graham bateram os portistas por 5-1. «Eram jogos sempre animados, com grupos de apoiantes muito barulhentos, mas sempre impecavelmente comportados.» Assim rezam as crónicas...
Por essa altura, apesar disso não arrefecer os ânimos dos seus associados, o F. C. Porto fulgurava apenas pelo cosmopolitismo e o entusiasmo dos seus festivais atléticos, na Rua da Rainha, juntando aos jogos de futebol ou às corridas de ciclismo e atletismo gincanas de burros, lutas de tracção à corda, partidas de cricket — e sempre muito, muito ténis. Em termos meramente desportivos, entre a fundação e os primeiros meses de 1910, apenas registos de brilharetes por parte de um nadador portista: para além de outras vitórias de menor prestígio, em 1908, Eduardo Dumont Villares, já então presidente da Assembleia-geral do F. C. Porto, ganhou a Taça Leixões, disputada entre Lisboa e o Porto e instituída pelo Real Velo Club do Porto (outro dos clubes fundados por António Nicolau de Almeida).
 
O

olduser-1

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Caro hast, este tem sido um tópico muito bom com as tuas contribuições, mas não tens colocado as fontes de tal informação, que é sempre algo de elementar. Depois das primeiras estórias retiradas da Revista Dragões os episódios deixaram de ter essa informação da fonte.
Se puderes edita os posts e acrescenta esses dados (que pela sua riqueza de pormenor não me parecem tirados da Revista Dragões).
Agradecido.
 
H

hast

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Caro N.Nunes, obrigado pelo reparo.

Estes episódios estão a ser retirados de uma publicação do jornal «A Bola», que há mais ou menos 10 anos, ofereceu um livro em fascículos, sobre a história dos três grandes. Realmente nem me tinha apercebido da falta da fonte de informação.

Peço desculpa pelo lapso, em especial ao administrador.

Mais fontes de informação:

«História do FC Porto» de Rodrigues Teles

«Fotobiografia» de Rui Guedes

«FC Porto – 100 anos de História», de Manuel Dias e Álvaro Magalhães
 
H

hast

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60$00 em prata por sentimentalismo
Na Taça José Monteiro da Costa havia o perfume da homenagem ao homem sem sono. E pouco avesso a preitos. Mas o destino seria cruel, não lhe permitindo chegar a vê-lo
O clube era a sua paixão. Todos os dias, já noite alta, arrumava o humilde gabinete da sede do F. C. Porto, e, com os sobrolhos carrancudos de sono, tomava a tipóia e regressava a casa. Para descanso curto. Mas sempre com a ânsia quente de fazer do F. C. Porto um clube maior, capaz de escaramuçar pela glória com quem quer que fosse. Era esse jeito de actuar e de sonhar que dava a José Monteiro da Costa, liberal envolvido em conspirações republicanas, capa de ditador. Segundo Ivo Lemos, que foi um dos seus lugares-tenente, Monteiro da Costa tudo chamava a si, em tudo fixava a sua acção, «desde a constituição dos grupos e convites para os jogos e treinos até à elaboração dos convites aos sócios (e pessoas de sua família) e a elementos oficiais para assistirem às festas no parque de jogos da Rua da Rainha».
Paixão e empolgamento assim contagiavam e impressionavam os demais. Por isso, fazendo, outra vez, fé nas memórias de Ivo Lemos ,«em certo dia, no início da época de 1910-11, um grupo de rapazes, sócios do clube, pensou homenagear José Monteiro da Costa pelos seus já relevantíssimos serviços à causa e ponderada a forma de lhe prestarmos tal homenagem. Visto que Monteiro da Costa era absolutamente avesso a exibicionismos e de uma modéstia invulgaríssima, assentou-se na instituição de uma taça de prata, que se deveria obter por meio de subscrição entre os associados, e à qual se daria o nome do homenageado e constituiria o prémio para o Campeonato do Norte (aquém Mondego) conjuntamente com medalhas para os vencedores».

60 Escudos e o destino cruel

Para executar tal resolução constituiu-se uma Comissão composta por Laurestim Froes Cruz, José Silva, Adelino Costa, José Bacelar, Ivo Lemos, Vitorino Pinto e José Marques e Silva, «tendo começado os seus trabalhos por pedir autorização ao homenageado», que a consentiu depois de muito instado. Iniciada, pois, a subscrição, em que as dádivas maiores, duas ou três, foram de cinco escudos, conseguiu-se a verba para a taça, que custou 60 escudos e foi executada nas já importantes oficinas de ourivesaria de prata, de Monteiro & Filhos, então na Rua do Bonjardim, perto da Cancela Velha.
Mas o destino foi cruel. Em meados de Janeiro de 1911 adoeceu. A morte, implacavelmente estúpida, arrebatá-lo-ia a 30 de Janeiro. Morreu novo, inesperadamente, sem ao menos sentir a alegria de assistir aos primeiros jogos da Taça José Monteiro da Costa. Nas fileiras do Futebol Clube do Porto, o desânimo espalhou-se. Muitos dos seus mais apaixonados sócios e dirigentes deixaram-se tomar por sombras alquebradas de descrença. Não porque, segundo Ivo Lemos, «deixasse de germinar a semente lançada à terra por José Monteiro da Costa, mas porque naquele momento começava a desenvolver-se outra semente de sabor mais amargo... — a da Saudade».

As lágrimas e o futuro incerto
Menos poético, Rodrigues Teles afiançou, em «A História do Futebol Clube do Porto», que ao tomarem conhecimento da morte de José Monteiro da Costa, os sócios da colectividade temeram pelo futuro do clube — mas procuraram reagir, honrando a memória do (re) fundador. «Na Assembleia-geral de 16 de Março de 1911, sob a presidência do Sr. Dr. José Pacheco de Miranda, foi comunicada a triste notícia aos sócios do clube, que ouviram emocionados as palavras da gerência a que pertencera José Monteiro da Costa. O clube guardou um minuto de silêncio. E em muitos olhos apareceram lágrimas de gratidão pela sua memória. Procedeu-se, então, nessa Assembleia-geral à eleição do novo presidente, recaindo a escolha no tenente Júlio Garcez de Lencastre, que, mais tarde, havia de atingir os mais altos postos do Exército.»
Habituado, ao longo de pouco mais de quatro anos de existência, a viver na excessiva dependência e dedicação de um homem só: José Monteiro da Costa — que de Londres trouxera as sementes da aventura, as bolas de futebol e as botas com que se jogava, bem como camisolas e demais utensílios para o foot-ball e que, mais do que isso, injectou todo o dinheiro de que o clube foi precisando para começar a trilhar o seu caminho, sobretudo ao nível da construção de infra-estruturas no campo da Rua da Rainha (que, por essa altura, implantada a República, era já de Antero de Quental) — o F. C. Porto abalou. Sentindo-se na encruzilhada, uma vez que, como acentuaria António Martins, num artigo-evocação publicado em «O Tripeiro», «os sócios que acompanharam Monteiro da Costa, na maioria estudantes, ‘eram pobretas’».

A paixão cega e as dívidas ocultas
São sempre assim as paixões — cegas, irracionais... José Monteiro da Costa importava-se pouco com o dinheiro que ia lançando no F. C. Porto, pelo que ninguém imaginava qual o real valor do débito do clube ao presidente que abruptamente falecera. Mas a família sabia que fora muito os réis transferidos do seu bolso para as contas da agremiação. E, naturalmente, impediu que se passasse esponja sobre tudo isso. Seu pai, Jerónimo Monteiro da Costa, que fora o presidente da Comissão Instaladora do clube, em 1906, num gesto estrategicamente perfeito de o colocar na vanguarda para que fosse mais fácil convencê-lo a investir no sonho de um clube para conquistar Portugal, encarregou António Elisabeth de Mesquita de lembrar à pequena massa associativa de que era preciso começar a providenciar no sentido do pagamento das dívidas ao falecido presidente.
Não eram ingratos os sócios de então. E, durante uma Assembleia-geral efectuada em Junho de 1912, em que o caso da dívida foi discutidíssimo, não pela sua contestação, mas pelo desconhecimento do seu montante, João António Gonçalves da Cal, que era jogador de futebol e dirigente e que viria a ser reputado capitão de engenharia, asseverou a António Elisabeth de Mesquita que o F. C. Porto honraria, naturalmente, os seus compromissos, mas que a situação precária em que o clube estava vivendo «não consentia que isso fosse feito com a brevidade requerida», solicitando, ainda, que primeiro se determinasse com exactidão a quantia devida e que depois se definisse a forma de pagamento.
Nomeou-se comissão para resolver o assunto, composta por António Elisabeth de Mesquita, Cabral Borges e Carlos de Oliveira, mas a solução arrastar-se-ia durante vários meses, pelo que, em Junho de 1913, voltou António Elisabeth de Mesquita a insistir na necessidade de acerto de contas. Debalde. João Gonçalves da Cal garantiu que não fora ainda possível apurar o montante da dívida, pelo que...
Nessa altura, Ivo Lemos, a figura que mais de perto lidara com José Monteiro da Costa, servindo-o como secretário, afiançou que o presidente não «escriturava o livro Caixa e Outros» porque «estava sempre só na direcção e na administração do clube», mas que não tinha dúvidas de que «era credor, e bem, do F. C. Porto».

As prestações suaves e o retrato com dinheiro do cinema
Em Novembro desse mesmo ano de 1913 ainda nada se resolvera em definitivo. A família de José Monteiro da Costa garantia que o débito era maior do que a verba que se estimara a partir do estudo dos livros do clube e que apontava para 235$83,5. Ainda assim, uma «exorbitância».
Joaquim Pereira da Silva, à época presidente da Direcção, reafirmou que o F. C. Porto não estava em condições de pagar de uma só vez tão «elevada» importância, mas que contava com a boa compreensão dos herdeiros de José Monteiro da Costa. Em Assembleia-geral ficou a saber-se que a família do presidente-financiador não exigia o dinheiro na totalidade, predispondo-se mesmo a recebê-lo em «prestações suaves».
Mas mesmo em «prestações suaves» mal podia o clube pagar o que devia a José Monteiro da Costa. Era a crise financeira. De tal modo que a compra da fotografia do (re)fundador, que passaria a figurar com a necessária pompa presidencial na sede, se haveria de fazer com dinheiro arrecadado num festival de cinema, no Salão High-Life, durante o ano de 1919. Um lucro de 47$71, assim distribuído: 12$76 para compra de material desportivo, 18$95 para reforço da tesouraria e... 16$00 para compra e emolduramento da primeira fotografia presidencial. E seria precisamente por essa altura que as contas ficariam quites.
In «abola»
 
H

hast

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As escaramuças da primeira vitória

O F. C. Porto venceu a primeira edição da Taça José Monteiro da Costa batendo o Boavista em jogo marcado por polémicas quentes, agressões e final abruptoEm ambiente dramático se disputou a primeira edição da Taça José Monteiro da Costa. Na dor do presidente perdido. Na saudade de só já o ter na memória que o troféu era, mas que já simbolizava muito mais do que isso. O F. C. Porto venceu essa primeira edição, batendo, em jogo decisivo, o Boavista, por 3-1. Num jogo, em que os portistas alinharam com Valença, Elísio Bessa e Vitorino; Mário Maçãs, Adelino Costa e Magalhães Basto; José Bacelar, Camilo Moniz, Carlos Megre, João Cal e Ivo Lemos, é marcado por peripécias várias. E em que a crónica publicada num dos jornais do Porto não deixa de ser deliciosamente insólita: «Do princípio ao fim, o jogo carregou sobre o campo do Boavista. Os jogadores deste Clube tinham uma predilecção sobre os ‘marretas’ e, pelos ínumeros trambolhões que davam, mais parecia assistir-se a um ensaio de acrobacia, que a um match oficial de futebol. Backs, half-backs e forwards entendem (lá devem ter as suas razões) que jogar football é atirar continuamente com a bola ao ar. A fazerem excepção à regra, contam-se Elísio Bessa, que esteve soberbo, revelando-se um admirável back e teve passagens magistrais; Maçãs, o incansável e valente half-back, Bacelar e Cal; Megre tem um shoot muito calculado e bom, marcando os goals com muita precisão. Causou-nos decepção o jogo de Ivo Lemos; habituados a vê-lo jogar bem e a quase ser um Messias na hora do perigo, no domingo nem parecia o Ivo. E é pena que este se perdesse, pois era um bom elemento. Perdeu-se com a vaidade e a crença de que se apoderou, de ser um bom jogador.»
Muito mais agreste, o comentário publicado em «Os Sports Illustrados», verberando o árbitro, Eduardo Almeida Coquet (que, com António Nicolau de Almeida fundara o Football Club do Porto, em 1893). E como quem não se sente não é filho de boa gente, Coquet replicou em carta enviada para o jornal que é um bom retrato do que fora o jogo — e, sobretudo, do que era o futebol desses tempos: «O Sr. Pereira (autor da crónica) não dispensou a chocarrice, recurso dos que não têm razão. Começa por não atinar com o nome, e se o fez propositadamente demonstra bem a sua seriedade.... O que não pouco ocorreu para a baralhada que o tal match resultou, foi a pouca disciplina do team do Boavista, que não respeitando as decisões do árbitro parece julgá-lo dispensável e uma parte da assistência, a que o Sr. Pereira se refere, esquecendo-se propositadamente de dizer que eram sócios do Boavista, a qual em companhia do próprio Sr. Pereira invadiu o campo, o que não foi nada bonito. Foi para esses assistentes que um dos jogadores do FCP se voltou com um gesto obsceno, para o qual o Sr. Pereira teve olhos, não tendo tido ouvidos para o baixo insulto que primeiro desses assistentes partira, e sem o que não se justificaria o gesto... Esqueceu-se também o Sr. Pereira de dizer que o match terminou três minutos antes da hora, por ter o Boavista abandonado o campo, talvez para não informar que foi devido à atitude dessa mesma parte da assistência, como o respectivo captain me declarou com palavras amigáveis, que lhe agradeço».
In «abola»
 

fcporto56

Tribuna Presidencial
26 Julho 2006
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Sacramento
> hast Comentou:

> As escaramuças da primeira vitória

O F. C. Porto venceu a primeira edição da Taça José Monteiro da Costa batendo o Boavista em jogo marcado por polémicas quentes, agressões e final abruptoEm ambiente dramático se disputou a primeira edição da Taça José Monteiro da Costa. Na dor do presidente perdido. Na saudade de só já o ter na memória que o troféu era, mas que já simbolizava muito mais do que isso. O F. C. Porto venceu essa primeira edição, batendo, em jogo decisivo, o Boavista, por 3-1. Num jogo, em que os portistas alinharam com Valença, Elísio Bessa e Vitorino; Mário Maçãs, Adelino Costa e Magalhães Basto; José Bacelar, Camilo Moniz, Carlos Megre, João Cal e Ivo Lemos, é marcado por peripécias várias. E em que a crónica publicada num dos jornais do Porto não deixa de ser deliciosamente insólita: «Do princípio ao fim, o jogo carregou sobre o campo do Boavista. Os jogadores deste Clube tinham uma predilecção sobre os ‘marretas’ e, pelos ínumeros trambolhões que davam, mais parecia assistir-se a um ensaio de acrobacia, que a um match oficial de futebol. Backs, half-backs e forwards entendem (lá devem ter as suas razões) que jogar football é atirar continuamente com a bola ao ar. A fazerem excepção à regra, contam-se Elísio Bessa, que esteve soberbo, revelando-se um admirável back e teve passagens magistrais; Maçãs, o incansável e valente half-back, Bacelar e Cal; Megre tem um shoot muito calculado e bom, marcando os goals com muita precisão. Causou-nos decepção o jogo de Ivo Lemos; habituados a vê-lo jogar bem e a quase ser um Messias na hora do perigo, no domingo nem parecia o Ivo. E é pena que este se perdesse, pois era um bom elemento. Perdeu-se com a vaidade e a crença de que se apoderou, de ser um bom jogador.»
Muito mais agreste, o comentário publicado em «Os Sports Illustrados», verberando o árbitro, Eduardo Almeida Coquet (que, com António Nicolau de Almeida fundara o Football Club do Porto, em 1893). E como quem não se sente não é filho de boa gente, Coquet replicou em carta enviada para o jornal que é um bom retrato do que fora o jogo — e, sobretudo, do que era o futebol desses tempos: «O Sr. Pereira (autor da crónica) não dispensou a chocarrice, recurso dos que não têm razão. Começa por não atinar com o nome, e se o fez propositadamente demonstra bem a sua seriedade.... O que não pouco ocorreu para a baralhada que o tal match resultou, foi a pouca disciplina do team do Boavista, que não respeitando as decisões do árbitro parece julgá-lo dispensável e uma parte da assistência, a que o Sr. Pereira se refere, esquecendo-se propositadamente de dizer que eram sócios do Boavista, a qual em companhia do próprio Sr. Pereira invadiu o campo, o que não foi nada bonito. Foi para esses assistentes que um dos jogadores do FCP se voltou com um gesto obsceno, para o qual o Sr. Pereira teve olhos, não tendo tido ouvidos para o baixo insulto que primeiro desses assistentes partira, e sem o que não se justificaria o gesto... Esqueceu-se também o Sr. Pereira de dizer que o match terminou três minutos antes da hora, por ter o Boavista abandonado o campo, talvez para não informar que foi devido à atitude dessa mesma parte da assistência, como o respectivo captain me declarou com palavras amigáveis, que lhe agradeço».
In «abola»

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Parece que as coisas nao mudaram muito desde esses tempos,entre jogos Boavista vs FCPorto.
 
O

olduser-1

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«Fotobiografia» de Rui Guedes

«FC Porto – 100 anos de História», de Manuel Dias e Álvaro Magalhães

É curioso que entre estas duas obras existem grandes contradições quanto à origem do clube. Eu prefiro a primeira.
 
H

hast

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O Porto em estado de choque
A Académica de Coimbra foi convidada para o Campeonato do Norte. Acabaria por deixar o Porto em estado de choque. E amuado, o seu defesa Vitorino Pinto que abandonaria o campo...
A segunda edição da Taça José Monteiro da Costa juntou ao F. C. Porto (que contou com Manuel Valença; José Magalhães Bastos e Vitorino Pinto; Mário Maçãs, Adelino Costa e Camilo Figueredo; Camilo Moniz, Henrique Pernaforte, Carlos Megre, Joaquim Vidal Pinheiro e Ivo Lemos), Boavista e Leixões, a Académica de Coimbra, que jogava de camisola branca e calção preto. E que deixaria o Porto em estado de choque. Os conimbricenses, contando com Durval de Morais; César Moniz Pereira e Sérgio Pereira; Agostinho Costa, António Borja Santos e António Perdigão; Carlos Sampaio, Filipe Mendes, José Júlio da Costa, José Cardoso e José Coelho, venceram o torneio. Foi tarde épica em Coimbra. Que «Os Sports Illustrados» de 15 de Março de 1913 descreveram culpando o árbitro pela mágoa portista e pelo amuo de um dos seus jogadores:
«Se a concorrência aos desafios do Norte realizados até ao último domingo havia sido grande, a deste dia foi verdadeiramente extraordinária. Jogava-se o match final do Campeonato e o interesse pelo resultado era enorme. A amenidade do dia, verdadeiramente primaveril, contribuiu além disso para a grande afluência que vimos no magnífico campo da Rua da Constituição. O jogo teve por vezes fases interessantes, e foi sempre seguido com extraordinário interesse por todos os que a ele assistiram. Não correu, é certo, com a regularidade que era de esperar e ao árbitro coube grande parte, senão toda a culpa deste facto. As faltas que sucessivamente deixou sem castigo e em especial os off-side de um dos quais resultou o terceiro golo contra o F. C. Porto, enervaram de tal forma os jogadores deste clube que o jogo tido pelo seu grupo foi, de certo ponto por diante, verdadeiramente desorientado. Se a falta de competência do árbitro justifica de certo modo o jogo feito pelo grupo do Porto, de forma nenhuma desculpa a falta de táctica, o enervamento e o desânimo que invadiram a maior partes dos seus jogadores. Chegámos a ver alguns cruzar os braços e negar-se absolutamente a jogar. No primeiro tempo, em que o F. C. Porto jogou com o vento contra, o jogo carregou quase sempre sobre o campo de Coimbra, especialmente no primeiro quarto de hora. Só os péssimos chutos dos forwards do Porto fizeram com que não se marcassem goals. Chegámos a ver dois jogadores desse grupo, exclusivamente sós com a bola nos pés a seis metros das balizas, e a atirarem a bola para fora, por ambos quererem marcar. O Grupo de Coimbra defendia-se entretanto com grande energia e da primeira avançada que conseguiu fazer, devido a dois falhanços consecutivos de um back do Porto marcou o primeiro goal. Pouco depois marcava o segundo, de igual modo como o primeiro. Com este resultado terminou a primeira parte.

O amuo de Vitorino Pinto

Neste meio tempo não podemos deixar de censurar a falta de táctica do back esquerdo do Porto, Vitorino, que teima em avançar, deixando o seu companheiro absolutamente só, não obstante ter reconhecido o valor do grupo adversário e a falta de vista do árbitro.
No segundo tempo o jogo esteve mais igual. O árbitro continuou a não ver as faltas cometidas, especialmente alguns off-side dos forwards de Coimbra. Entretanto, para compensar a falta de vista do referee, o back Vitorino continuava a ir passear até à linha de forwards, o half esquerdo Camilo Figueiredo, cruzou os braços e deixou-se ficar mudo e quedo, e o keeper Valença deixou propositadamente entrar o terceiro goal, por imaginar que um jogador adversário estava, como realmente estava, em off-side.
O árbitro, porém, não se conformou e marcou o goal, apesar dos protestos dos jogadores do Porto. Não podemos também deixar de censurar a atitude do half esquerdo. A incompetência do árbitro não justifica de forma nenhuma o seu procedimento. Abandonar por completo os seus companheiros e deixando de jogar, sem se lembrar que um jogador de campo não pertence a si mas ao seu team e é uma falta de lealdade para com os seus colegas e uma desconsideração para com os adversários. Enquanto o grupo do Porto tiver jogadores assim, ainda que sejam, como alguns são, bons elementos, nunca poderá ser um bom grupo. Fraco é o team que só joga bem quando a sorte ou o acaso o ajuda e tudo lhe corre à medida dos seus desejos, e que não sabe pelo seu ânimo compensar os acasos da sorte adversa, pela sua táctica as faltas de um mau árbitro e pela sua vontade a resistência dos seus adversários.
Os forwards do Porto fizeram entretanto bastantes avançadas, mas o ponta-direita, Camilo Monis, que foi quem quase sempre chutou, enviava a bola para todos os lados menos para as balizas. O seu extremo nervosismo fez com que das numerosas bolas que chutou nem uma única fosse direita ao goal.
O Grupo de Coimbra está esta época muito mais forte do que na época passada e mostrou ter muito treino. Tem elementos muito bons. Tem, é claro, alguns pontos fracos, mas no conjunto mostrou muito valor. É caso para felicitarmos a Académica de Coimbra, que conta no seu meio com o team campeão dos grupos portugueses do Norte do País, e em especial o seu capitão dr. Borja Santos, a quem se deve o resultado obtido».
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hast

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O coração azul do Dr. Bastos.

Dramática a reconquista da Taça José Monteiro da Costa, na época de 1913/14, em Coimbra. Emocionante entrada em campo do futuro juiz, envergando capa e batina...

Assim, o F. C. Porto teve de disputar a edição de 1913-14 da Taça José Monteiro da Costa em... Coimbra. Ganharia, como ganharia as edições seguintes, arrebatando, definitivamente, a Taça que só seria entregue à equipa que ganhasse três edições seguidas, actuando apenas com... jogadores portugueses! Foi uma vitória marcada por um dos mais arrebatantes sinais de sentimentalismo portista, que, em linguagem empolgada, Rodrigues Teles recordou assim: «A inscrição de jogadores não obedecia como agora, evidentemente, a cuidados especiais. Mesmo antes dos encontros podiam os clubes indicar os seus representantes e só quando alinhassem se verificava a prisão. Quando o F. C. Porto teve de ir disputar a Taça a Coimbra faltava-lhe um dos mais valorosos jogadores, o actual Juiz Dr. José de Magalhães Bastos, porque sendo estudante de Direito frequentava a velha Universidade. No Porto e em Coimbra constava que o estudante Magalhães Bastos jogaria pela Académica, mas os rapazes da Beira Douro estavam convencidos que tal não aconteceria, pois receberam sempre do seu colega de lutas as maiores provas de consideração e amizade. Partiram para Coimbra. As equipas também naquele tempo não costumavam entrar em campo como agora sucede. Os jogadores entravam como lhes apetecia — uns agora, outros logo. Magalhães Bastos, como académico, trazia a sua capa por cima da equipa, e os estudantes contavam com ele para jogar contra o F. C. Porto — o seu grupo de sempre. Os próprios portistas tiveram o seu receio...
O árbitro do encontro apitou para alinhar os jogadores e todos os olhares se fixaram no grande defesa portuense. Este, muito calmo, possivelmente risonho, o que nele era muito habitual, dirige-se para um dos lados do campo, tira de cima do corpo de magnífico atleta a capa que o cobria, entregou-a a um amigo — e partiu com a equipa gloriosa do FCP a tomar o seu posto na defesa sagrada da sua bandeira!
Foi um momento de extraordinária emoção! Amadores puríssimos, alguns rapazes não reprimiram as lágrimas, pois custava-lhes muito perder a companhia de um elemento que estimavam profundamente. E os estudantes simpáticos de Coimbra compreenderam que esta atitude revelava o Homem que mais tarde teria de ser Juiz distintíssimo.
... E a Taça José Monteiro da Costa foi ganha e regressou ao Porto — de onde nunca mais saiu! Poderia perder-se qualquer outra. Mas esta estava amassada pela maior das dedicações e dos sacrifícios que o actual Juiz Dr. José Magalhães Bastos tão bem soubera interpretar na sua decisão de cumprir, honrosamente ali mesmo, aos pés da Universidade onde teria de formar-se...»
In «abola»
 
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hast

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As «fantásticas» receitas

O tesoureiro do F. C. Porto rejubilou, em 1912, com as receitas dos jogos com o Real Vigo e com o Medoc: 145$440 e 170$270 réis. O entusiasmo amainou dado o elevado cachet dos franceses

José Monteiro da Costa, visionário, percebeu cedo que a grandeza do seu clube só poderia fazer-se através do contacto sistemático com desportistas de outras latitudes e mais largos saberes. Por isso, organizou as famosas excursões a Vigo que marcaram de jeito diferente os primeiros anos da vida do F. C. Porto. Foi ele, também, quem mexeu os cordelinhos no sentido de trazer pela primeira vez ao Porto o campeão de França de futebol — o Vie au Grand Air du Medoc, de Bordéus, que a 25 de Abril de 1911 inauguraria os encontros transpeninsulares dos portistas. Um jogo que valeu encómios rasgados aos portuenses. Apesar da derrota.
«Eram 2,5 horas da tarde quando, no campo da Rua Antero de Quental, se defrontavam os dois grupos. O team campeão do Porto estava completo, não tendo as lacunas que tanto o enfraqueceram e tão fácil tornaram a vitória do grupo da turma Académica de Lisboa. Ao entrarem em campo os jogadores franceses, foi içada a bandeira do seu país, tocando a banda do Asilo Profissional do Terço a Marselhesa e manifestando-se o público com uma calorosa salva de palmas. O mesmo sucedeu quando entrou o team do Porto, tocando a Portuguesa. O refree era o sr. Allwood, do F. C. Porto, que se inclinava um pouco para os portugueses, o que não admira, visto terem praticado a asneira de escolher para árbitro um sócio dos clubes combatentes. O team do Porto era assim constituído: Peter Janson; Alex Caw e W. Watson; Harry Dutton, W. Kendall e J. Jones; S. Charles, W. Weber, Berrymane, W. Harrisson e A. N. Almeida. Grande parte destes jogadores pertencia ao Oporto Cricket and Law-Tennis Club, reforçando muito o team campeão. O jogo decorreu muito animado, sucedendo-se os ataques ao goal português, muito bem defendido pelo keeper Peter Janson, considerado o melhor que joga actualmente em Portugal. Os franceses deixaram óptima impressão. São, sobretudo, jogadores científicos e, facto que foi muito notado, sendo enérgicos e rápidos no ataque, fazendo um belo jogo, não usam a menor violência, dando assim razão ao crítico de Lisboa que tanto tem combatido a forma violenta de jogar, por desnecessária e contrária ao espírito do jogo. Ganharam pela ciência e não pela brutalidade...»
Histórica seria, contudo, a jornada de 17 de Março de 1912. O F. C. Porto logrou a sua primeira vitória internacional, ao bater o Real Vigo por 4-1. E ganharia também na secretaria, já que, ao lançar os bilhetes pagos, arrecadaria receita então considerada «fantástica»: 145$440 réis!
A banda do Asilo do Terço voltou a «abrilhantar o desafio», tocando no intervalo e... quando os jogadores marcavam golos. O árbitro foi o inglês Percy, convocado à última hora, já que o escolhido, o compatriota Hexter, adoecera na véspera e o F. C. Porto alinhou com Peter Janson; Vitorino Pinto e Magalhães Basto; Mário Maçãs, Charles Allwood e Camilo de Figueredo; Camilo Moniz, Herman Weber, Grant, Harrisson e Ivo Lemos. Os jornais da época falam da vitória em tons épicos, realçando o trabalho do guarda-redes Janson — «como sempre extraordinário» —, dos médios Harrisson — «admirável» —, Grant, Webber e Camilo Moniz. E sobre outra grande figura da equipa, Ivo Lemos, um anacronismo: «Aparentemente bem, mas do seu jogo nada se aproveitou, porque não fez passagens».

O cachet e as senhoras

Em Abril, ainda mais espantosa receita: 170$270 réis. Contra os bordelenses do Vie au Grand Air du Medoc, em reedição da visita do ano anterior. As negociações principiaram em 1911, com Henri Gasqueton, conduzidas pelo presidente da Direcção, dr. José Guilherme do Carmo Pacheco. Nessa mesma altura, entre o F. C. Porto e Eduardo Luís Pinto Basto, presidente do CIF, estabeleceram-se negociações, a fim de o Medoc jogar em Lisboa. Entretanto, o desafio do Porto ficou marcado para o dia 14 de Abril, tendo-se verificado um empate (3-3). A equipa francesa era de boa categoria e por isso exigiu uma subvenção de 500 francos, importância pesada naquele tempo para um clube de poucos anos. A própria receita do desafio indica que o prejuízo seria fatal.
Cada bilhete custava 220 réis, «incluindo o imposto de selo». E poderiam comprar-se na Tabacaria Rodrigues, na Havaneza, na Casa Europa e nos Armazéns Bacelar & Filho.
Pela imprensa poderia ler-se: «Entre a assistência via-se grande número de senhoras que davam ao agradável recinto [ainda no «vasto campo» da Rua Antero de Quental] um aspecto alegre e festivo.»
In «abola»
 
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hast

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\"O Ameal, o Lima e a história dos «andrades»

Nos anos 30, o F.C. Porto tinha já alguma projecção em termos nacionais e recebia frequentemente a visita de equipas estrangeiras. Os jogos com o Benfica, por exemplo, eram sinónimo de grandes receitas, mas o campo da Constituição revelava-se exíguo para a grandiosidade destes eventos.
Em 1937, em Assembleia-geral, foi feita a proposta para que o clube contraísse um empréstimo para a construção de um estádio próprio. Para o efeito, os sócios teriam de subscrever obrigações. No entanto, a procura não correu como o previsto e o sonho foi adiado.

O F.C. Porto alugou então, para os jogos grandes, o campo do Ameal, um dos melhores estádios de Portugal, que recebeu mesmo alguns encontros da selecção nacional. Mas o Sport Progresso, arrendatário do terreno, reclamou em tribunal por alegadas falhas no pagamento. Os portistas passaram então a jogar no campo do Lima, que era utilizado pelo Académico e cujo aluguer era considerado exorbitante pelos sócios dos «azuis e bancos». Os três clubes envolveram-se então numa guerra de comunicados, que culminou numa série de acontecimentos estranhos: um incêndio destruiu parcialmente as bancadas da Constituição; e as do Ameal foram destruídas a camartelo. Houve quem atribuísse essa demolição ao senhorio, alegadamente portista e que teria pensado que assim poderia mais facilmente vender o campo do Ameal ao seu clube do coração. Houve quem nunca perdoasse ao senhor Andrade tal gesto e por isso os simpatizantes dos «azuis e brancos» começaram a ser conhecidos por «andrades»...\"

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Será esta a verdadeira história, Tripeiro Bxl ?
Excelente o teu apontamento sobre o campo da Raínha. Só realmente quem conhece o Porto cidade pode estar por dentro de todos esses pormenores. Não há mais?
 
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hast

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Pedir desconto e ser massacrado

Para jogar com o Benfica, pela primeira vez, o F. C. Porto contou com um desconto de 50 por cento no preço dos bilhetes de comboio. O pior aconteceu no campo: derrota por 8-2

O primeiro clube português de grande categoria a jogar no campo da Rua da Rainha (ou Antero de Quental) foi o Benfica. Em 28 de Abril de 1912. E como as experiências anteriores tinham dado bons frutos, os bilhetes continuaram a custar 220 réis. Os benfiquistas, contando com uma equipa de luxo, onde pontificavam Artur José Pereira, Cosme Damião, Paiva Simões, Henrique Costa e Germano de Vasconcellos, venceram (em primeiras categorias) por 8-2. E numa das crónicas do jogo há referência a facto insólito: «Um jogador do Benfica meteu uma bola na própria baliza, sofrendo a seguir um pontapé de canto»!!!

O desconto da CP.

Na véspera, o «Jornal de Notícias» anunciava: «Os jogadores do Benfica chegaram ao Porto no rápido, às 11.57 da noite, acompanhados de grande número de sócios daquele clube e de outros de Lisboa.»
O prejuízo gerado pela aventura-Medoc, causado, fundamentalmente, pelo cachet pago aos franceses, que em Lisboa perderiam com o Benfica por 1-6 (!), não demoveu os directores portistas do convite aos campeões de Lisboa. Os directores portistas conseguiram que a CP fizesse desconto de 50 por cento nas passagens em comboio da comitiva encarnada e, assim, a receita do jogo deu para suportar as despesas do convite, sobrando ainda dinheiro para outras coisas.
Em Outubro de 1912, o F. C. Porto retribuiu a visita, jogando no Campo das Laranjeiras, ao Jardim Zoológico — e perdendo por 1-5. «Apesar de se realizar, a essa hora, o cortejo das festas da República, a concorrência de espectadores ao lindo campo das Laranjeiras era regular. o Clube Internacional tinha tratado do campo com esmero, o qual estava em muito bom estado. No espaço destinado aos lugares reservados foram erguidos, este ano, sólidos palanques, com capacidade para algumas centenas de espectadores, e tendo até um local destinado à imprensa. Às 15.40 horas, depois de ter entrado no campo a equipa do Benfica e, pouco depois, a do F. C. Porto, o árbitro, que foi o sr. Daniel Queiros dos Santos (Sporting), deu sinal para começar o jogo»...
O F. C. Porto, nesta sua primeira viagem a Lisboa, alinhou com Peter Janson; Magalhães Bastos e Vitorino Pinto; Américo Pacheco, C. Allwood e Camilo Figueiredo; Camilo Moniz, Hermannn Weber, M. Best, W. Harrinsson e J. Jones. Os portistas resistiram pouco mais de meia hora, mas depois... «Estavam, pois, os dois campos em condições de igualdade (pouco antes do intervalo). Os avançados do Benfica ficam ansiosos por meter goal e colocam-se constantemente em off-side. Perdem assim algumas ocasiões boas, até que um chuto certeiro lhes dá o segundo goal. Pouco depois fazem um terceiro goal que o árbitro não validou, porque fora feito em off-side. Levanta-se grande celeuma por parte do público ignorante e parcial, especializando-se na bronca o povo de fora de portas. Apazigua-se rapidamente o berreiro, porque alguns jogadores do Benfica têm o bom-senso de levantar os braços, fazendo sinal de que, efectivamente, não era goal.»
Era assim. Com muito fair play.

Como o F. C. Porto prejudicou finanças do Benfica e do CIF.

Apesar de ser 5 de Outubro e de haver por todos os lados festas pela República, venderam-se, para o Benfica-F. C. Porto, 773 bilhetes, apurando-se, assim, um benefício de 112$760. De imposto de selo e de arranjo de campo pagaram-se 6$000 e de policiamento 3$100. O bilheteiro recebeu 1$500 e os três porteiros $600 cada.
No dia seguinte, em jogo cuja receita de bilheteira baixou para 83$120, os portistas conseguiriam a sua primeira vitória em Lisboa. Frente ao CIF. Por 3-2. E um cronista abespinhou-se por os lisboetas terem entrado em campo e sido pateados! «Quando o team de Lisboa entrou em campo, foi muito assobiado. Não compreendemos o motivo, porque certos espectadores menosprezaram os jogadores, que nenhum mal lhes fizera. Dava-se o caso de jogar um team do Porto e outro de Lisboa. E isso bastava para que o grupo que representava a nossa cidade fosse recebido com carinho, pois ia defender-nos sportivamente contra os sportmen do norte. A falta de educação de certa gente é, porém, comparável à sua curta inteligência e, por isso, assistimos a tão estranha recepção feita ao grupo lisbonense»...
Pois, pois...
Curiosidade: o transporte dos jogadores do F. C. Porto para Lisboa custou 162$800 réis. As receitas dos dois jogos quedaram-se pelos 141$330 réis, pelo que se apurou um défice de 21$470. O Benfica suportou 12$880 e o CIF 8$590.

In «abola»