Estórias da nossa história

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Violentos homens de Belém

Em 1920, o F. C. Porto venceu o recém-nascido Belenenses. Mas os jornais da cidade falaram de violência desnecessária

Cada vez mais quentes, pois, as rivalidades com Lisboa. Em Junho de 1920, o F. C. Porto recebeu o Belenenses — fundado não havia muito tempo e contando nas suas fileiras com Artur José Pereira, Francisco Pereira e Alberto Rio — na Constituição. Emoção ao rubro, entusiasmo desperto. Nas bilheteiras, a primeira grande vitória: 1818$05 de receitas. E como as despesas ascenderam a 1408$94, um lucro de 409$11 com a organização do jogo. Vitória, também, no campo. Por 4-3. Crónica do «Jornal de Notícias»: «Dos grupos de Lisboa que nos tem visitado, o do Belenenses é, sem dúvida, o que menos sabe perder e menos ainda se sabe conduzir diante de um público cortês e ordeiro como o nosso quando está na presença de visitantes. O grupo de Lisboa possui no seu activo elementos de certo valor que, em caso algum, necessitam de deixar uma impressão desagradável da sua conduta. O público numerosíssimo que assistiu ao desafio insurgiu-se, por vezes, contra a violência que o Belenenses empregava frente aos portuenses. E dizíamos nós que o Belenenses não sabia perder. Na realidade, perdeu o desafio, mas se tivesse ganho, os portuenses teriam todo o direito de, moralmente, se considerarem vencedores, atendendo à sua conduta durante o jogo — que foi disciplinadora e correcta.»
Em Dezembro de 1920, a convite do Casa Pia Atlético Clube, entretanto fundado, contando nas suas fileiras com Cândido de Oliveira, voltou o F. C. Porto a Lisboa, sem poder contar com Camilo Moniz (o capitão que negócios pessoais retiveram no Porto) e Norman Hall (adoentado, ficou de cama). Para dois jogos em Palhavã. No primeiro desforrou-se o Benfica, vencendo por 2-0. No segundo, empate a três. Estavam os portistas a ganhar por 3-1, já no segundo tempo, quando Floriano se magoou e saiu do campo, mas vendo o seu clube em perigo não se conteve e, num gesto estóico, voltou à liça sem avisar o árbitro, Boaventura da Silva, que fora jogador do Benfica e do Sporting. Reza crónica que «inutilizando uma avançada pela esquerda do Casa Pia, ao entrar assim sem conhecimento do referee, o juiz castiga Floriano, impossibilitando-o de voltar a jogar».
E, assim, entre 1919 e 1920, o F. C. Porto conseguia a proeza de bater todas as grandes equipas de futebol de Lisboa: Belenenses, Sporting, Império e Benfica.
A propósito, com os jogos por si organizados, contra equipas lisboetas, o F. C. Porto lograria um lucro de 69 escudos, apurando uma receita geral de 4.679$89 e uma despesa de 4.601$89. O que levou um jornalista portuense a escrever: «Este orçamento merece louvores, pois o F. C. Porto trabalhou bem, conseguindo com o seu trabalho que o Porto assistisse ao encontro dos seus homens com os melhores do Sul.»
Estava incendiado já o rastilho de pólvora dos seus sonhos. A conquista do Campeonato de Portugal que teimava em não sair do papel. Vá lá saber-se porquê...
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A campanha pelo Campeonato

No Porto se abriu a campanha a favor da disputa do Campeonato de Portugal de Futebol. Que só não começaria mais cedo porque os portistas já veraneavam

Em Agosto de 1921, Ernesto de Oliveira, que fora presidente do F. C. Porto e director da AFP e que tentara lançar o Campeonato de Portugal... com organização e tino, escreveu num jornal portuense, em jeito de manifesto e denúncia: «O Campeonato de Futebol de Portugal é uma coisa que está por iniciar, se bem que num livrete a que chamam ‘Estatutos da União Portuguesa de Futebol, ali esteja consignada a sua realização anual. Não sei que espécie de trabalho produzem as Associações regionais para que, de braços cruzados, deixem passar anos sobre anos, numa apatia mórbida, sem cuidarem de dar forma e vulto a essa coisa da União, que só existe no papel. Eu vejo, durante toda a época de futebol, uma contradança de idas e vindas de grupos de Lisboa e Porto, num desejo louvável de se medirem forças, e, no entanto, oficialmente ainda não sabemos qual é a melhor equipa de Portugal. Lembra-me de que na época de 1919/20, tendo o FCP batido todos os clubes da capital, a Associação de Futebol de Lisboa queria, à última hora, decidir entre o Sport Lisboa e Benfica (campeão do Sul) e o F. C. Porto (campeão do Norte) qual dos dois tinha o direito ao título de campeão de Portugal. Com que regulamento? Em que bases? Não importava, era caso que se resolveria depois, quando o Benfica já cá estivesse, porque o encontro era fixado por telegrama, tal a pressa em decidirem. Felizmente que o FCP já tinha a maioria dos seus homens a veranear (tal o adiantado da época) e, assim, se evitou esse início atrabiliário do Campeonato de Portugal. E digo atrabiliário porque não cabe na cabeça de ninguém que dois clubes, entre si, ou seja mesmo duas Associações, possam assim, de um momento para o outro, e sem mais formalidades, tomar a resolução de fazer bater-se os campeões das duas capitais, classificando esse desafio de Campeonato Nacional!!!»
Era o ataque cerrado de Ernesto de Oliveira à União Portuguesa de Futebol. Assim, do Porto partiu, em dura campanha, por vezes violenta, a ofensiva que criaria a Federação Portuguesa de Futebol.
Num artigo publicado em Outubro de 1921 pôde ainda ler-se: «Afinal, o silêncio da célebre União Portuguesa de Futebol justifica-se. Este organismo, existindo de nome, não existe de facto. Doutra maneira não se compreende que haja criaturas que, perante os protestos unânimes e justos na imprensa, fiquem mudos que nem um penedo.
Daí advém a conveniência da criação de um organismo dirigente do futebol que reúna, de facto, todas as forças dispersas do País e que praticam o mais popular de todos os desportos. No fundo, a União deve ser censurada pelo silêncio e não pelo seu trabalho. É um órgão irresponsável, criado num momento de necessidade para a nossa filiação na Federação Internacional...
Ponhamos os olhos na nossa vizinha Espanha, que há tão pouco tempo entrou nos grounds e que ao nosso lado nos dá a impressão da montanha ao lado do rato da fábula. Tudo isso deve-o a um Federação que existe de facto e não de nome e às criaturas competentes que os interessados lá colocaram. Além disso, respondem pelos seus actos e não se entrincheiram por detrás dum silêncio comprometedor.
Diz o nosso colega Ernesto de Oliveira que apenas conhece o Sr. Raul Nunes como dirigente e que este senhor não é, por certo, o culpado da apatia da União. Pelo contrário, nós julgamos que se o Sr. Raul Nunes é o único elemento conhecido como seu dirigente e proprietário é, por sua vez, o único responsável e causador da desorganização do futebol português...»
Os focos de contestação estavam ao rubro. O Campeonato de Portugal era já um rastilho de sonhos e desejos que galgava...
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A primeira grande viagem.

A Galiza era já perto de mais para quem sonhava alto. Por isso, o F. C. Porto partiu à aventura para Madrid e Barcelona. Para jogar, distrair e banquetear.

Dobrados os anos 20, o F. C. Porto entraram em processo de maturação. Como que em caminho sem retorno. Perdidos já os arrebatamentos por vezes ingénuos que foram dominando os seus primeiros tempos, tempos de sonhos mais que de empresas, de ilusões mais que de sucessos, os seus dirigentes e os seus desportistas acreditaram, com fervor evangélico, no golpe de asa — na transformação de um clube ainda de cidade, por vezes vergado ao que o bairrismo e o provincianismo tinham de pior, num clube à conquista de Portugal, à conquista da Europa. E notava-se já que havia quem acreditasse que era possível conquistar o futuro, esse futuro, com um sopro místico de esperanças que jamais se evolaria.
Por isso, 1921 marca, definitivamente, a quebra de fronteiras, os desafios para além das excursões à Galiza, feitas quase em jeito de passeio saloio a pretexto do futebol.

«A parcialidade do árbitro»

Em Março o F. C. Porto parte para Madrid. Para defrontar o Real. O primeiro jogo, a 19, foi assim descrito por António Figueiredo e Melo, que um ano depois haveria de compor o hino do clube e fazê--lo tocar pela primeira vez pela Banda do Asilo do Terço: «Às 16 horas, o árbitro, Sr. Montero, do Racing Club de Madrid, dá o primeiro sinal para começar o encontro. Entra em campo o FCP que é ovacionado pela numerosa assistência. Pouco depois apresenta-se o Real, que é grupo de “mais peso”. O pontapé de saída cabe ao Madrid, que faz uma linda descida até junto das redes portuguesas, mas que Valença despachará. Durante o primeiro quarto de hora os madrilenos dominam os portugueses. Artur Augusto dá um bom pontapé que é bem aproveitado por Tavares Bastos e que, com a precisão que lhe é peculiar, passa a Pires; este faz um excelente centro, mal aproveitado pelos companheiros. Agora cabe aos portugueses a vez de fazer boa pressão sobre o campo madrileno. Passavam 25 minutos quando Pires, numa avançada, consegue fazer um centro fraco, mas que Cal aproveitará com oportunidade para marcar o primeiro e único ponto. O Porto anima e faz ainda várias avançadas, mas sem resultado...
Antes do intervalo os madrilenos fazem 1-1. Na segunda parte, com o vento a favor, dominam mais. Valença, que no primeiro tempo tinha defendido com brilho, fraqueja no segundo. Velez Carneiro e José Francisco estão desastrados. Floriano, despendendo um grande esforço, consegue salientar-se, interceptando inúmeras descidas e auxiliando bem os homens da frente. O avançado-centro madrileno chuta de longe, Valença consegue fazer-se à bola, mas deixa-a passar por entre as pernas, marcando então o Madrid o segundo ponto. O jogo começa a ser violento por parte dos dois grupos, pelo que o juiz está constantemente a apitar. O Porto avança e na área da grande penalidade há uma mão que o árbitro não marca, apesar dos protestos constantes do público. O médio-centro Monjardin intercepta bem e faz excelentes passagens, porém, é por vezes violento. Del Campo faz uma boa passagem. De Miguel, claramente off-side, marca o terceiro ponto que o árbitro valida. Valença nem sequer fez menção de defender por reparar que De Miguel se encontrava em off-side. Pouco depois o árbitro dava por findo o desafio com o resultado de 3-1 a favor do Real.»
Bem melhor estariam os portistas — que voltaram a alinhar com Valença; José Ferreira, Artur Augusto, José Francisco, Velez Carneiro, Floriano Pereira, Reis, Alexandre Cal, Tavares Bastos, Carlos Pires e Lopes Carneiro — no segundo jogo, que Figueiredo e Melo registou assim: «O F. C. Porto joga contra o vento, mas, apesar disso, durante os primeiros 20 minutos domina o adversário. Passavam apenas cinco minutos quando os portugueses marcaram a primeira e única bola. O Madrid reage e começa fazendo as suas avançadas pela asa esquerda. Velez Carneiro não marca devidamente o ponta, que é um excelente jogador, pelo que estando completamente à vontade faz centros com precisão. O ponta esquerda Del Campos centra optimamente, indo a bola cair próximo de Valença. De Miguel mete a cabeça e consegue o empate. Pouco depois, numa segunda avançada marcam os madrilenos ainda a segunda bola. Esta bola nunca deveria ter validade porquanto, antes de a conseguirem, tinha sido preparada com a mão.
Começa o segundo tempo, tendo agora o F. C. Porto o vento a seu favor. O Porto joga com alma e rapidez; porém, alguns dos seus elementos inutilizaram todos os esforços empregados para se conseguir o empate.
Lopes Carneiro, sempre vagaroso, dá ocasião a que os seus adversários o desarmem com facilidade.
Ferreira em ambos os jogos jogou bem, continuando, contudo, a despachar torto e fraco... Os portugueses, num combate cerrado, levam a bola até junto de Hernandez; este defende atrapalhadamente indo a bola ter aos pés de Pires que, por alto, a envia para o goal. Manzanedo defende-a com a cabeça quando ela já estava dentro. Protestam os jogadores portugueses mas o árbitro não atende. O F. C. Porto poderia ter ganho este desafio, porém, não o conseguiu devido à parcialidade do árbitro.»

O Real que não o era...

Pelo jornal «ABC», que considerou o F. C. Porto «equipa aceitável, desde logo pelos seus avançados, que são bastante rápidos e combinam muito bem», se ficaria a saber, também, que aquele Real era mais que o Real: «O Real Madrid reforçou o seu grupo com elementos estranhos ao seu clube, como Del Campo, Ellorrio, Mejia, Urbina, sendo o primeiro da Sociedade Ginástica e os restantes do Atlético de Madrid, campeão da região do centro.»
Mas isso aqueceu ainda mais entusiasmo entre os portistas, que mais audazes partiram para Barcelona, para a segunda etapa da operação-Espanha. «No dia 27 de Março teve o F. C. Porto o seu primeiro encontro com o CD Europa, segundo classificado no campeonato da Catalunha. Passavam cinco minutos quando Francisco Pereira, numa excelente avançada, consegue marcar o primeiro e único goal a favor dos portugueses... Olivela, claramente off-side, marca a primeira bola para o Europa, que o árbitro valida. Esta decisão do árbitro enerva os jogadores portugueses, dando ocasião a que se desorientem, já mesmo porque a arbitragem está sendo feita com muita parcialidade contra o F. C. Porto. Alcazar corre e centra. Sotilos chuta. Valença, depois de estar de posse da bola, deixa-a entrar por recear uma carga. Pouco depois termina a primeira parte. O segundo tempo foi jogado mais duramente, porém o árbitro evita castigar as penalidades cometidas pelos espanhóis, vendo com precisão as infracções dos portugueses. O Europa marca mais três goals, dois dos quais foram novamente feitos off-side.»
O segundo encontro (no dia seguinte) foi novamente com o Europa e não com o FC Barcelona, como anunciou, visto este último ter de defrontar no mesmo dia um grupo inglês. «Durante os primeiros 25 minutos de jogo o Porto está constantemente sobre o campo adversário, chutando por inúmeras vezes, sem contudo conseguir qualquer ponto. Artur Augusto envia algumas bolas ao goal do Europa, mas sempre vão altas. Os espanhóis começam a cometer violências, correspondendo os portugueses da mesma forma. A segunda parte foi menos vistosa, devido à maneira violenta como estavam jogando ambos os grupos. Quando já haviam passados 30 minutos do segundo tempo o Europa, numa enérgica avançada, consegue marcar com a cabeça o seu primeiro e único goal. Ouvem-se fartos aplausos da assistência, até a bola vir ao centro. O Porto, que sem dúvida tem feito mais avançadas, começa despendendo duma energia pouco vulgar e, se não fora o excelente guarda-redes que o Europa possui, os portugueses teriam conseguido uma regular vitória. Quase ao findar o desafio Cal marca o goal que deu o empate, cujo ponto desanimou por completo a assistência, que nem sequer por uma questão de delicadeza aplaudiu...»
Apesar do lamento o cronista Figueiredo e Melo não deixaria de acentuar que quer em Madrid quer em Barcelona se «proporcionaram várias distracções aos jogadores portugueses» e outros tantos banquetes.
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Tarde de vergonha na Constituição

O F. C. Porto recebeu o Real. Em espírito de Aljubarrota. Acabou humilhado, em «jogo de vergonha», envolvendo portista que se recusou a ser expulso...

Ávido de desforra, o F. C. Porto convidou o Real Madrid a jogar na Constituição. Ganhar-lhes, mais que reeditar Aljubarrota nos corações dos seus dirigentes e jogadores, poderia ser carta de alforria para o processo de engrandecimento do clube que se sonhava cada vez mais, agora que, entre portugueses, «até já se podia pedir meças aos melhores clubes do Sul». Pois, pois. Só que a Constituição afundar-se-ia em desencanto. E em dor. Como se naquela tarde os jogadores de azul e branco tivessem como que jogado descalços sobre vidros partidos ou sobre brasas. As críticas choveram. Duras. Cruciantes. Por exemplo, Carlos Lello, que era já um ilustre sócio portista, caiu a fundo sobre a equipa, sobre os dirigentes e sobre a arbitragem, no próprio jornal do clube: «Se para muitos não constituiria admiração alguma a vitória do Real Madrid sobre o nosso campeão do Norte, causou espanto o resultado nítido e preciso de cinco bolas sem resposta. O grupo portuense encontrou pela frente um adversário que, além de possuir individualmente bons elementos, tinha um bom conjunto e que, desde o início do desafio, se lançou ao ataque com rapidez, combinação e inteligência. Em face de tal jogo, os nossos compatriotas consideravam-se batidos irremediavelmente passados poucos minutos de jogo e não tiveram, nem um momento, a intuição do que convinha fazer. Desprezaram a rapidez e adoptaram o jogo de cargas, abandonaram a ciência e fizeram o jogo só a despachar, sem olhar a quem nem aonde.»
Alfinetada no árbitro, por não ter revelado pulso forte num incidente que ponteou de insólito o jogo, assim contado por Lello: «Tendo [o árbitro] convidado Velez Carneiro a abandonar o campo pela sua atitude anti-desportiva e de pouca gentileza para com os nossos hóspedes, intercederam junto de Neves Eugénio [o árbitro], pedindo-lhe muito atenciosamente para evitar esse castigo, ao que ele ia aceder, quando o jogador afirmou que não sairia do campo. Em virtude de tal atitude teve, forçosamente, Neves Eugénio de fazer valer toda a sua autoridade como juiz de campo, fazendo-o sair do terreno de jogo.»

A intransigência do desrespeitado

O verniz estalou quando «Neves Eugénio marcou a grande penalidade contra o Madrid e que Reis chutou propositadamente para fora demonstrando não acatar respeitosamente uma decisão do árbitro, pelo que este se achou justamente ofendido». Como consequência do não cumprimento de uma ordem acertada aos olhos do crítico, o juiz de campo, achando-se desconsiderado, «mandou marcar contra o grupo infractor um pontapé livre, mas como Velez Carneiro não respeitasse esta decisão justa, deitou a mão à bola, parando o jogo e sendo o sr. Neves Eugénio mais uma vez desrespeitado na qualidade de árbitro. Neves Eugénio convida Velez Carneiro a abandonar o campo. O público protestou quando devia estar calado e o jogador em referência, achando-se satisfeito com os aplausos, continuava a desobedecer ao árbitro... O Sr. Neves Eugénio, por seu turno, podia ter sido mais benévolo, o que não lhe ficava mal, nem o desautorizava, e essa benevolência consistia numa repreensão a Velez Carneiro e num novo pontapé livre contra o grupo do Porto, sem um trop de zèle exorbitante ao ponto de pôr fora de campo um jogador em desafio amigável e com visitantes de mais a mais, e quando assim não fosse ficava-lhe muito melhor ter sido amável e condescendente para com os espanhóis que lhe pediram para consentir que Velez Carneiro continuasse a jogar...».
Mas não se ficaram por aí os lamentos de Lello. E as críticas. «Notamos a indiferença da maioria perante as bolas marcadas pelos espanhóis. Que tristeza não haver a compreensão por parte dos que ocupavam a sombra do campo de que era preciso aplaudir os nossos visitantes, não só por se tratar de hóspedes como também para diminuir as más impressões que lhes pudessem ter causado qualquer incidente menos vantajoso para nós pelos nossos jogadores. Demonstraram, além disso, desprezo pelo jogo não aplaudindo as boas fases, inteligentemente desenvolvidas pelos elementos do Real Madrid.»
Entretanto, o F. C. Porto conquista o título de campeão do Porto, recebendo a taça pela terceira vez consecutiva. Mas, a exemplo do que acontecera alguns anos antes, as relações com a AFP eram tensas. Havia quem brincasse de pirotécnico sobre um paiol...
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Já lá chegaremos, a esse triste episódio do assassinato do Velez Carneiro, Mogro.
 
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A associação dos inimigos.

Em 1920, outra vez relações azedas com a AFP. E a ameaça de deixar de jogar nos seus Campeonatos, até porque esperava 3000 sócios e «36 contos de rendimento por ano».

O rastilho de pólvora incendiara-se, antes ainda do jogo ante o Real Madrid, com uma entrevista concedida por João António Gonçalves Cal, «capitão» geral do F. C. Porto, à revista «Sporting», revelando sensacionalmente que, devido às divergências abertas com a Associação, o F. C. Porto não se inscrevia para disputar a Taça de Honra, admitindo, em último caso, abandonar o futebol profissional para se dedicar aos encontros com «as melhores equipas nacionais e estrangeiras». «A disputa da Taça de Honra iria prender o nosso grupo e o nosso campo durante os poucos domingos que nos restam esta época e que nós queremos aproveitar para desafios mais interessantes e proveitosos do que seriam aqueles... Contamos com a visita de um ou dois grupos de Lisboa que ainda esta época não vimos entre nós e com a vinda dos magníficos grupos do Real Madrid e do Club Deportivo Europa de Barcelona. A disputa da Taça de Honra prejudicaria o FCP mas não é essa a única razão que nos leva a não concorrer a ela. Há outra e de peso. Fazemo-lo como protesto contra a maneira acintosa, desleal e desportivamente pouco honesta como outros procedem connosco, em especial a Associação de Futebol. De há muito que contra o meu clube se vem manifestando, da parte de muitos elementos de outros e por cujas opiniões não quero tornar responsáveis os respectivos clubes, se vem manifestando — dizia — não uma rivalidade natural, que seria até desportiva, mas um ódio, um ódio quase feroz que vai até à calúnia, ao insulto, à chicana... Quer um exemplo? Lembra-se do nosso último desafio com o Carcavelinhos que a esta cidade veio a convite do Boavista? Nós jogámos no nosso campo o segundo desafio, a pedido deste clube. Não consideramos isto um favor. Nós fazemos desporto, nada mais. O nosso dever, perante a iniciativa do Boavista em conseguir aquela deslocação (que nós por experiência própria avaliamos quantos sacrifícios custaria), era auxiliar o clube portuense em tudo o que pudéssemos. Isto fizemos lealmente. De resto, sempre aquele clube amavelmente se tem prestado a jogar com os grupos que nos visitam, quando a tal o convidamos. Pois bem. Quer saber como foi apreciado o nosso procedimento? Já não falo na forma como os sócios do Boavista se manifestaram durante o desafio. O seu desejo, a sua aspiração, era que perdêssemos, isso é lá com eles, não lho levamos a mal. Mas quando do incidente que deu lugar ao abandono do campo por três jogadores lisbonenses, sabe quais os espectadores que mais ruidosamente se manifestaram e aconselhavam o grupo todo a abandonar o campo? Precisamente alguns sócios do Boavista. Isto com o fim apenas de vexar o nosso grupo, sem se lembrarem que com tal prejudicavam o público que assistia ao desafio, prejudicavam o próprio clube. Mas o ódio cega-os... Mais ainda: junto de mim ouvi eu um sócio, e que me dizem ser jogador do 1.º grupo do Boavista, ao ser censurado por um espectador, gritar a plenos pulmões que o F. C. Porto tinha ido a Lisboa roubar o Sporting e o Benfica!...»
Para João António Gonçalves Cal, a AFP, apesar de «constituída por elementos de todos os clubes», era anacrónica no seu procedimento. «Formada por elementos que nem sempre sabem manter uma linha de imparcialidade e isenção, a Associação ressente-se, é claro, da má vontade daqueles contra nós, e as suas decisões, por vezes, têm o intuito insofismável de nos prejudicar. Por exemplo, no desafio de 2.as categorias realizado entre o meu clube e o Espinho, o nosso grupo venceu por 2-1. Não sei se o desafio foi bem ou mal arbitrado. É natural que fosse mal, o que não admira numa terra em que os bons árbitros escasseiam. Mas, bem ou mal arbitrado, o resultado foi de 2-1. Assim foi feito o boletim do árbitro. Mais tarde, porém, alguém convenceu este a fazer novo boletim declarando que se tinha enganado. Perante este boletim, a Associação anulou o desafio! Isto não tem pés nem cabeça... Anulando esse desafio a Associação marcou novo desafio entre nós e o Espinho. O aviso de que o desafio tinha sido marcado para o domingo seguinte foi recebido no clube sexta-feira, às 5 horas da tarde! Não por demora no correio. O ofício foi entregue por um dos próprios directores da Associação ao empregado do clube. Na impossibilidade material de avisar os jogadores, claro está que o grupo não pôde comparecer.»
E mais uma queixa desfiada do rol: «Num desafio passado entre o nosso 1.º grupo e outro, deu-se um conflito entre dois jogadores. O jogador do grupo adversário insultou o do meu clube em termos soezes; o insultado desforçou-se em pleno campo. Agora avaliai: o jogador do grupo adversário foi repreendido, o do meu clube castigado com 15 dias de suspensão! Mas que autoridade tem esta desautorizada Associação para castigar seja quem for? Não vê o meu amigo o que aconteceu com o Salgueiros?! Para terminar dir-lhe-ei ainda que se fala em ‘associações secretas’ para atirar abaixo o FCP.»
E, depois de colocar como hipótese corte total com a Associação, sem sequer concorrer ao Campeonato Regional, Cal desvendou projectos para trazer ao Porto os «melhores grupos de Lisboa e os melhores clubes estrangeiros», adiantando: «O meu clube forma hoje um bloco formidável. Temos 1500 sócios e na próxima época esperamos que esse número seja elevado a 3000. São 36 contos de rendimento por ano, além do rendimento dos desafios e festas que dermos...»
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Selecção renegada e outras afrontas.

Apesar de haver um jogador do F. C. Porto na primeira Selecção Nacional, no Norte levantou-se azeda campanha, falando-se até de desprezo pelo... patriotismo!

As campanhas de hostilização sem complexos ao poder de Lisboa mantinham-se acesas. E acérrimas. Como se do fogo sagrado do despique pudesse nascer a alma para lutar e vencer. Vencer debilidades, vencer injustiças. Apesar de o F. C. Porto se bater já com as melhores equipas de Lisboa de igual para igual, nos seus homens mantinha-se latente um complexo de inferioridade que se confundia com «mania de perseguição». Ou talvez não. Afronta foi o mínimo que se replicou quando para o primeiro Espanha-Portugal se convocou apenas um jogador do F. C. Porto, por sinal... lisboeta e transferido para o Porto ao que se julga a troco de um ordenado de mil escudos por mês, num dos primeiros casos encapotados de profissionalismo no futebol português:
: Artur Augusto, que, assim, numa Selecção renegada se haveria de tornar o primeiro internacional do clube, alinhando entre o seu irmão Alberto Augusto e Ribeiro dos Reis, ambos benfiquistas como ele fora.
Para Rodrigues Teles, na sua «História do F. C. Porto», essa «grave questão» desenvolveu-se por causa dos outros jogadores do F. C. Porto que não foram chamados à equipa. António Lino Moreira, guarda-redes, José Tavares Bastos, um avançado de grande categoria, eram apontados pela imprensa como indiscutíveis. Mas não se centraria a Norte a contestação. E a turbulência. Artur José Pereira, então já no Belenenses, tido à época como o melhor jogador português, considerou-se indisponível para a Selecção, por os seus companheiros Alberto Rio e Francisco Pereira (seu irmão) não terem sido convocados para os trabalhos preliminares!
No Porto, a campanha de afrontamento à «selecção de Lisboa» atingiu índices de emotividade tais que, por vezes, se perderam as estribeiras. Por exemplo, a revista «Sporting» de 17 de Dezembro de 1921, véspera do jogo de Madrid, sob o título «Uma selecção que nada representa» zurzia: «É para lamentar e até encher-se de pesar a alma de todos aqueles que amam o desporto e a sua terra, torrão abençoado digno de melhor sorte, levado pela ambição, pela vaidade de meia dúzia de criaturas onde morreu o sentimento da mais elementar dignidade, a fazer-se representar em terras estranhas, fora do solo que amamos, por uns elementos cujos nomes foram escolhidos por simpatia, demonstrando à evidência um desconhecimento profundo de patriotismo, ligado ao maior desprezo pela causa pela qual tanto trabalhamos. É triste pensá-lo, sequer, mas é verdade. Vivemos todos nós, desportistas, debaixo da vontade férrea de quem há muito devia reconhecer a sua incapacidade, tantos os erros cometidos, tantas as injustiças praticadas, injustiças que não só ferem o desporto como até a própria nacionalidade. São a dignidade, a honra e a sinceridade dos desportistas portugueses, que exigem uma satisfação clara dos factos que se passaram com a nossa representação. É em nome daqueles que trabalham em prol de uma causa, que pretendemos saber o que levou a Associação de Futebol de Lisboa a deixar entre nós, se não todos, dos melhores jogadores que possuímos e levar em sua substituição elementos escolhidos ao acaso sem que a sua competência, a sua forma científica, fossem postas à prova no decorrer da época...
E, no dia seguinte, a notícia do desfecho, ponteada de ironia e voltando a falar na vitória sobre... Lisboa: «A ansiedade dos desportistas portuenses em conhecer o resultado do desafio de Madrid foi satisfeita pelas 6 horas da tarde quando os nossos placards noticiaram que a Espanha tinha vencido o onze de Lisboa por 3-1. O resultado bastante honroso que o telégrafo nos anunciava era de molde a entusiasmar pessimistas e optimistas...»
Anunciava-se que o «onze de Lisboa» jogara com Carlos Guimarães (CIF); António Pinho (Casa Pia) e Jorge Vieira (Sporting), João Francisco (Sporting), Vítor Gonçalves (Benfica) e Cândido de Oliveira (Casa Pia), António Augusto Lopes (Casa Pia), José Maria Gralha (Casa Pia), Ribeiro dos Reis (Benfica), Artur Augusto (F. C. Porto) e Alberto Augusto (Benfica) — e pouco ou nenhum destaque se dava ao facto de o golo de Portugal (ou de Lisboa!...) — e que, naturalmente, seria o primeiro das Selecções Nacionais — ter sido apontado por Artur Augusto, que, exultando, considerou que o momento mais sublime da sua vida fora aquele, ao ver a bola no fundo das redes, «batendo o mítico Zamora».
Para Ribeiro dos Reis e Ricardo Ornelas, em «História dos Desportos em Portugal», «o diferendo entre Porto e Lisboa, surgido quando dos preparativos do desafio Espanha-Portugal, em 1921, por susceptibilidades apresentadas pelos jornalistas nortenhos, teve até, com a resolução de se organizar o primeiro Campeonato de Portugal, por convites especiais aos campeões das duas cidades, um ponto final adequado, pois que se dava aos jogadores do Norte como que a satisfação que o seu burgo procurava. Este convite limitado aos campeões das duas cidades justificava-se, de resto, já por ser feito tardiamente na época, já porque Portalegre e Algarve não teriam capacidade futebolística para competir. Deu-se, no entanto, um caso curioso: a cidade do Porto exultou com a notícia da organização do Campeonato, pois toda ela se considerava atrás da sua equipa representativa, ao passo que em Lisboa a satisfação não saiu, a bem dizer, do âmbito da massa associativa do Sporting; os demais clubes, interessados nos desafios que por essa altura se estavam a disputar com um grupo estrangeiro, como que se alhearam da contenda. Mas esta diferença de sentimentos voltaria pelo tempo adiante, em relação a esta prova, a manifestar-se — vibração no público portuense e comodismo no lisboeta — e a definir só por si como o bairrismo do Porto é diferente do de Lisboa, apenas por acidente posto em ebulição». Assim, F. C. Porto teria em Junho de 1922 a possibilidade de provar como fora injusta a «marginalização» dos seus melhores jogadores na Selecção que defrontou a Espanha pela primeira vez. E o grande sonho ali tão perto...
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Com o senhor de Matosinhos...

F. C. Porto venceu o primeiro Campeonato de Portugal, em 1922. Após três jogos com o Sporting. Todos marcados por emoção, foguetório e pitoresco.

Eram 16.15 horas de uma tarde escura, de chuva intermitente, de Junho de 1922. No céu pardacento estralejava foguetório. Como se na cidade fosse dia de arraial de S. João. Nas bancadas acanhadas do Campo da Constituição, cheias como um odre, os adeptos portistas, como que atiçados pelo fogo sagrado da esperança, agitavam-se como abelhas em cortiço. Fazendo fé no cronista de «Os Sports», avultava entre a assistência «a graciosidade e a beleza das senhoras». F. C. Porto (na sua condição de campeão do Norte) e Sporting (campeão de Lisboa) pelejavam, assim, pelo primeiro Campeonato de Portugal, organizado de escantilhão, envolvendo apenas essas duas equipas, em opção que não deixou de ser contestadíssima. Mas, de súbito, quase todos os espectadores se concentraram num pequeno nada de pitoresco e emoção, assim contado pelo jornalista lisboeta de «Os Sports»: «Às 16.30 horas precisas entrou no campo o valoroso grupo do Sporting, garboso, com a sua camisola verde-branca. A assistência saudou-o freneticamente, exteriorizando, assim, a sua muita consideração. O F. C. Porto fez-se esperar. A demora era motivada pela falta de João Nunes que — segundo alguns — teria ido à romaria do Senhor de Matosinhos. Daí a sua ausência. Decorridos 15 minutos além da hora oficialmente marcada, descortinámos, enfim, ao longe, o grupo do Porto, que serenamente entrou em campo sob uma estrondosa salva de palmas. Eram 16.45 horas. O árbitro, mr. Barley, apitou. Reuniram-se os grupos e escolheram o campo.»

O remate de Ramos e o balde de água fria.

Os portistas, denotando uma «vontade indómita» de vencer o «colosso» de Lisboa, multiplicaram esforços e conjugaram-se «no persistente intuito de mais enobrecer a bandeira do seu clube», atirando-se, desenfreadamente, para o ataque, mas, fazendo, outra vez, fé em «Os Sports», «o Sporting, atento e vigilante, inutilizava com brilho as perigosas descidas do adversário». Com Jorge Vieira «soberbo de precisão e oportunidade». Subitamente, balde de água fria: longo pontapé de Vieira enviou a bola ao campo contrário, Emílio Ramos apoderou-se dela e marcou para o Sporting. «Bola ao centro. Os jogadores portuenses não desanimam e reagem com ímpeto. O jogo mantém-se enérgico — um tanto violento e um tanto movimentado, pertencendo ao Porto um leve domínio, que aproveita para marcar o seu primeiro ponto. Esta bola foi consequência de um \'viranço\' de Balbino que, bem aproveitado por Tavares Bastos, produz o golo...»
A assistência manifestou-se delirantemente, com as faces a estoirarem de sangue e optimismo redescoberto, por um longo espaço de tempo. «Cada fase do jogo é atentamente seguida pela numerosa assistência, que exprime o seu máximo interesse nas variadas contracções fisionómicas.»
Intervalo. Decorrido o tempo regulamentar de descanso e de novo os grupos em campo, as opiniões extremaram-se em ferventes apostas. Denotava-se um ambiente febril.

Júlio que sai e Júlio que volta.

Surprendentemente, Júlio Cardoso não apareceu no seu lugar, sendo substituído por Alexandre Cal. O Sporting aproveitou a mudança e a falta do coriáceo defesa portista para assediar com insistência e perigosamente as redes de Lino, obrigando-o a um trabalho penoso. «Porém o guarda-redes portuense estava feliz e assim inutilizava os mais perigosos remates adversários.»
Mas, de súbito, voltou Cardoso à liça, sendo «alvo de uma calorosa ovação». O jogo modificou-se como por encanto, vendo-se de novo o F. C. Porto no campo do seu «forte adversário».
Ouviram-se vários silvos estridentes indicadores do célebre quarto de hora final. João Nunes, claramente sem a protecção do... Senhor de Matosinhos, tivera soberba ocasião de marcar, mas chutou a bola para fora. Ululava-se nas bancadas da Constituição. Entretanto, «magoou-se um jogador sportinguista, motivo porque a bola foi lançada ao ar a uns 10 metros das suas balizas»!
Faltavam seis minutos para terminar o encontro. Balbino conseguiu descer, endossando a bola a Tavares Bastos. Amadeu, entrevendo o perigo, deslocou-se para interceptar, mas o avançado portista, «enganando-o com oportunidade», chutou e o esférico foi-se anichar a um canto das redes do Sporting. Golo! ouve-se em uníssono. Indescritível o entusiasmo e o calor dos aplausos. Forte comoção entre os portistas. Foguetório a estralejar no céu cobreto de nuvens negras com mais vigor. Quando o árbitro deu por terminado o encontro, uma mole de gente invadiu o campo, envolvendo os jogadores em abraços, levando alguns deles em triunfo. Como heróis, resfolegando, perolados de suor. Mas ainda faltava outro jogo. Em Lisboa...
Para o cronista (anónimo) de «Os Sports», no F. C. Porto, «Lino esteve soberbo. Artur Augusto e Júlio Cardoso foram uma barreira instransponível. Floriano, bom. Velez Carneiro pôs, mais uma vez, em realce as suas qualidades de médio-centro. Dos avançados, sobressaiu Tavares Bastos com o concurso de Balbino da Silva e Alexandre Cal».

Árbitro espanhol, prognóstico e a guerra-fria.

Para o segundo jogo entre o F. C. Porto e o Sporting a União Portuguesa de Futebol escolheu um árbitro... espanhol, de nome Montero. Esperava-se luta pegada, no Campo Grande. Assim foi, perante uma «assistência numerosíssima, tanto na geral como nas bancadas e camarotes». Os sportinguistas antegozariam, assim, o prazer do ajuste de contas, vencendo por 2-0 e obrigando a terceiro jogo, que, por sorteio, calhou disputar-se no Porto, mas no... Bessa. Em «Os Sports» prognóstico, sem pestanejos: «Sem desprimor para o F. C. Porto, vaticinamos nova vitória para o Sporting, pois a avaliar pelo que vimos neste desafio o F. C. Porto é, inegavelmente, inferior ao Sporting, apesar de este não ter feito um jogo perfeito e estando, até, numa tarde infeliz».
Depois, outra vez em «Os Sports», então o primeiro jornal desportivo nacional, críticas desenroladas à metodologia escolhida pela União Portuguesa de Futebol para a disputa do primeiro Campeonato de Portugal de futebol — e, mais que isso, ao ambiente maniqueísta que se suspeitava estivesse a criar-se: «Não foi feliz a União no critério adoptado. O Campo do Bessa, pertencente ao Boavista, é talvez o melhor do Norte, mas está longe de satisfazer, e, no caso presente, muito especialmente na sua neutralidade para um dos clubes finalistas. Fundamentada ou não, a última semana serviu para uma campanha profunda para o Sporting, dispondo mal os espíritos para uma condigna recepção aos campeões de Lisboa. Um jornal do Porto refere-se mesmo abruptamente aos desportistas lisbonenses, acusando-os de ter recebido friamente os representantes da Invicta Cidade. Semelhantes processos de jornalismo são sempre condenáveis e a imprensa, cuja missão é de ordem e união, converte-se assim num instrumento de rebelião e de má camaradagem. Se porventura culpas houve na capital da República, eu não procurarei atenuá-las. Apenas suponho que as palavras sibilinas do jornal do Porto nada modificaram os factos passados e não contribuíram de forma alguma para a união e boa harmonia entre os amadores do desporto nacional.»
Eram os sinais de uma cidade transformada em barril de pólvora...

Gago Coutinho, a festa e o repouso ferido do leão

A chegada de Gago Coutinho e Sacadura Cabral ao Rio de Janeiro fizera sair o Porto da sua pacatez habitual. Os morteiros sucediam-se amiúde e bandas de música percorriam as ruas embandeiradas da cidade, arrastando grande massa de povo. Temia-se que «perante o acontecimento mundial, em que a palavra Portugal ficou mais uma vez escrita com letras de ouro no progresso da civilização», a finalíssima do Campeonato de Portugal fosse relegada para segundo plano. Mas não. Seria aproveitada pelos portuenses como complemento da festa que aquecera em todos eles o orgulho de o serem. E poderia ser, também, um bom auspício... Por isso, segundo registo de «Os Sports», «a noite de sábado [véspera do desafio entre o F. C. Porto e Sporting, esgotados já os bilhetes que custaram... dois escudos] passou-se em constantes manifestações, acompanhadas dos ‘simpáticos’ morteiros cuja intensidade de detonação era função do cunho que se desejava dar à festa», pelo que «os jogadores de Lisboa, hospedados no Hotel Portuense, deveriam ter tido má noite de repouso e de preparação para um desafio de tamanha responsabilidade como é a final do Campeonato Nacional».
Não admirou, pois, que o parque de jogos do Boavista fosse pequeno para conter a enorme e irrequieta assistência, que, duas horas antes do início da partida, se comprimia já, de instante a instante, na ânsia natural de melhor se aboletar. Os registos do que se foi passando são, outra vez, respigados de «Os Sports». «Às 16.55 horas entrou em campo o Sporting, que a assistência, correcta e educada, recebeu com uma quente manifestação de entusiasmo sincero, inutilizando as atenções condenáveis de uns tantos facciosos a quem o sport nada deve ou teme. Logo a seguir entrou o F. C. Porto que foi recebido com larga manifestação de carinho. Passados 15 minutos, Neves Eugénio [o árbitro, pertencente ao Académico do Porto] mandou alinhar os grupos, que se achavam constituídos na sua máxima força. Saiu o Sporting, com o Sol contra. O jogo pareceu tomar uma feição violenta — violência própria do jogo e da responsabilidade do desafio...»
Luta renhida de entusiasmo.
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H

hast

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Mil contos por um sonho.

F. C. Porto projectou, em 1922, o «maior complexo desportivo de Portugal». Falharia, não por falta de vontade ou de fundos mas por causa do capricho de um homem.

O Campo da Constituição era já pequeno de mais para abarcar um clube em ânsia de grandeza. E progresso. Um campo novo era miragem dos seus dirigentes. Em Fevereiro do 1922, «Os Sports» apresentavam, com curiosidade e algum... arrojo, o plano das «futuras instalações atléticas do F. C. Porto»: «O Parque das Oliveiras, que este clube acaba de adquirir, está situado em pleno coração da cidade, na Rua Barão de Nova Cintra. Numa inigualável situação topográfica, dominando o grandioso panorama do Douro do alto de um morro, cujos horizontes se estendem para três lados até longínquos montes de além-Douro, ocupa uma extensão de cerca de 60 mil metros quadrados, nos seus dois terços coberto por frondosas árvores, cujas sombras se estendem até ao limite do parque formando esplêndido fundo aos jardins que cercam o palacete, onde se instalarão as salas e gabinetes do clube. No palacete em questão, e que tomamos como centro do parque, poucas modificações serão feitas, devendo as salas do rés-do-chão servir de salão de honra e de restaurante permanente e o primeiro andar para salas de jogo, bilhar, leitura, gabinete da Direcção e várias secções. Em frente da casa, no jardim que a precede, ficará um rinque de patinagem e à sua direita, aproveitando e transformando um armazém existente, erigir-se-á um ginásio, suficientemente amplo e em boas condições de arejamento e luz. Entre este e a sede situar-se-ão dois courts de ténis, cercados a toda a volta por tribunas, menos na cabeceira norte onde se conservará em esplêndido fundo natural verde-escuro, formado por um renque de árvores (camélias). Por detrás dos courts haverá uma piscina toda coberta e cercada de vestiários, de dimensões suficientes para que nela se possam disputar provas oficiais e encontros de water-polo. Ao fundo do parque projectam a edificação de um stand de tiro aos pombos. Passados os courts de ténis, além do ginásio, ficará o campo atlético para futebol e desportos ao ar livre. As dimensões serão as maiores regulamentares e cercando o campo uma pista para desportos atléticos, tendo a um lado pistas para saltos e lançamentos. Todo o terreno será cercado por tribunas cobertas em toda a volta, excepto às cabeceiras, os vestiários ficarão adjuntos numa edificação costas com costas com a tribuna da frente, e que contribuirá para aformoseamento da respectiva fachada. Segundo o projecto em estudo as tribunas comportarão 20 a 25 mil espectadores, o que é demasiada lotação para agora, mas prevê já um futuro em que o desporto adquira maior popularidade. Finalmente, por detrás da sede, do ginásio e dos courts de ténis, topo a topo com o terrenos de jogos, estudam os rapazes do Porto a possibilidade de instauração de um terreno para concursos hípicos, o que por enquanto me parece impossível por falta de largura da zona disponível. Também dependente da compra de uns terrenos está a construção de um posto náutico à beira-rio que seria ligado por uma ponte aos terrenos superiores do clube.»
Sonhos em revolteio, pois. Com alguma megalomania. Obras que, no seu conjunto, custariam cerca de... mil contos, segundo as previsões. Contudo, tudo falharia porque o proprietário dos terrenos acabou por dar o dito por não dito, não vendendo a Quinta das Oliveiras ao F. C. Porto. Pagaria pelo logro uma indemnização de 80 contos, verba que se aplicaria na construção de bancadas no Campo da Constituição. Por essa altura, os sócios do F. C. Porto pagavam de jóia vinte escudos e de mensalidade dois escudos e cinquenta centavos. Um ano antes, em Assembleia Geral realizada a 26 de Outubro de 1922, em que se fizeram Gago Coutinho e Sacadura Cabral, «por tão alto erguerem o nome de Portugal», sócios honorários do F. C. Porto, foi decidido alterar o distintivo e a bandeira do clube. A colocação das armas da cidade sobre a bola azul — que em primeiro projecto fora de prata — surgiu do projecto artístico traçado por Augusto Baptista Ferreira, artista gráfico já renomado, que jogava futebol na primeira categoria sob o apodo de «Simplício».
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A

Azul 77

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Obrigado, Hast. Por falar em campo da Constituição, relembro que vai ser remodelado. Vamos ter um sintético novo, outro campo de apoio e balneários novos. Podes continuar, desculpa o off-tópic.)
 
H

hast

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Desculpa porquê? Eu é que agradeço pela informação a respeito do campo da Constituição.

E por falar em Constituição, queria deixar aqui algumas recordações a respeito deste campo. Nos meus tempos de estudante de liceu, no Alexandre Herculano, estudava comigo um primo meu que jogava nos juvenis do FC PORTO e como os treinos eram ao fim da tarde, na Constituição, ele pedia-me para que fosse com ele assistir à preparação da equipa. O treinador era o falecido Barrigana e no plantel figuravam alguns nomes, dois, que iriam chegar ao futebol profissional. O também falecido Zé Beto e o Quinito, jogador este que nunca se afirmou na 1ª categoria, tendo sido dispensado no fim do 1º ano como sénior, mas que chegou a jogar, se a memória não me atraiçoa, no Boavista e no V.Setúbal.
Estou a falar dos anos de 1976 e 1977, mais coisa menos coisa.

Saudações, Azul 77. ;-)
 
H

hast

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Os «mercenários» de... Lisboa!

Ganho o título de campeão de Portugal, levantou-se entre portistas fundamentalistas campanha contra jogadores do F. C. Porto que eram de Lisboa.

O futebol nascera em berço de ouro. Mas depressa se tornou campo de sonhos para gente pobre. Quase sempre secretamente os mais necessitados começam a ser socorridos com subscrições, duas notas deixadas no aperto de mão à saída do balneário, refeições pagas na pensão ou na casa de pasto. É o profissionalismo encapotado. Prometem-se empregos, um pouco mais de dinheiro, mas só muito mais tarde se ouviria falar das primeiras luvas.
...A talho de foice, Severiano Correia contaria, em 1973, no «Jornal do Comércio»: «Em 1927, o Carcavelinhos, dadas as magníficas actuações que Vítor Silva registava pelo Hóquei Clube de Portugal, tentou adquirir a sua colaboração, o que de certo modo conseguiu, fazendo-o alinhar na Taça Preparação, prova que a AFL fazia disputar todos os anos no início da época. Porém, porque Vítor Silva foi o jogador-sensação da competição, marcando golos impressionantes aos três adversários do Carcavelinhos (Benfica, Sporting e Belenenses), logo o Benfica cobiçou aquele que viria a ser um extraordinário avançado-centro. Como Vítor Silva ainda não estava desvinculado do Hóquei, o Benfica não teve dificuldade em adquiri-lo, pela quantia (hoje ridícula) de 15 contos! Nesses tempos, essa importância paga por um jogador foi assunto de larga controvérsia, pois pode dizer-se que Vítor Silva foi o que primeiro recebeu uma quantia fabulosa para mudar de clube.»
Talvez não. Cinco anos antes, suspeitava-se já que três lisboetas que alinhavam no F. C. Porto, Artur Augusto, Artur José Pereira e Francisco Pereira, recebiam mensalmente entre quinhentos e mil escudos, para além de viverem na cidade com cama e mesa pagas.

A alma dos saltimbancos e os «elementos roubados».

Assim, a 4 de Novembro de 1922, quando ainda se vivia a euforia da conquista do título de campeões de Portugal pelos portistas, Ernesto de Oliveira, que fora presidente do... F. C. Porto, escrevia no jornal «Sporting»: «O Porto está invadido por footballers vindos da capital. A moda vai pegando e eu não me admirarei se amanhã, na minha terra, assistir a um match de football, julgando estar no campo das Laranjeiras ou no da Palhavã, vendo jogar grupos lisboetas. Que interesse, que emoção, que entusiasmo, propriamente ditos, pode despertar jogadores em campo que falseiam a sua origem, a quem não move o amor à terra, a quem não orgulha a bandeira do clube que lhes foi berço? Podem, porventura, despertar-nos a alma os saltimbancos do profissionalismo que nada significam porque não representam uma dedicação, não demonstram uma índole, não indicam uma qualidade regional? Que honras, que legítimo orgulho poderemos nós sentir nas vitórias que obtivermos à custa de elementos roubados, subornados ou contratados, vindos de um meio diametralmente oposto ao nosso, com outros costumes e outro temperamento, que não podem, em boa razão, representar-nos perante outras localidades e muito menos perante aquela donde procedem?! Que onda de loucura ou de desvario acometeu os clubes portuenses para tão insensatamente estarem degenerando as suas equipas?!» E, num tom de escrita repassado de virulência, Ernesto de Oliveira clamou: «Eu admito que se inclua um jogador doutra terra, limpo de carácter e correcto de maneiras, que por circunstâncias da sua vida foi forçado a fixar aqui (no Porto) residência, sem influências de terceiros — porque não é justo deixar-se um jogador inactivo — mas ir buscá-los, trazê-los para a parasitagem ou acenar-lhes com empregos vantajosos, unicamente na mira de um bom elemento, é vergonhoso e de péssimo raciocínio. Eu não hesito, mesmo, em dizer que se presta um mau serviço ao homem que se estraga, à causa que se deturpa e à região que se adultera. Lembrem-se os clubes que esses indivíduos trazem-nos as pernas mas deixam a alma e o coração onde fizeram a sua aprendizagem e onde têm passado a sua existência. É preferível um medíocre jogador regional do que um grande jogador estranho, porque este, chamado, bajulado e subsidiado, julga-se um Messias, despreza-nos intimamente, não vibra por nós e só serve como elemento de indisciplina, de vaidade e de traição».

«Foram os homens de Lisboa»

Outro periódico portuense, «Invicta Sport», em editorial não assinado, afinava pelo mesmo diapasão, mas ponteando a peça com um toque ainda mais iconoclasta: «O Campeonato de Portugal ficou, de facto, no Porto, mas quem o conquistou, em verdade e lealdade, com nobreza e justiça o declaramos desassombradamente, foram os homens de Lisboa, porque o grupo campeão inclui na sua linha nada menos de cinco elementos da capital... Deixemos partir para o lar aqueles que raptámos e admitamos um bom entraîneur que em um ou dois anos nos dê homens hábeis, capazes de surpreender Lisboa ou qualquer terra que tenha progredido. Então sim, então seríamos nós os primeiros a bradar com entusiasmo, com satisfação que o Porto era o melhor núcleo de futebol.»
Romantismos dos loucos anos 20, mas enfim. E apenas os primeiros sinais de uma guerra que recrudesceria, algum tempo depois...
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H

hast

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Os sete golos de Cândido!

Cândido de Oliveira jogou pelo F. C. Porto em Sevilha e Gibraltar, marcando todos os golos da equipa, que partira enfraquecida porque faltava dinheiro a alguns futebolistas

Com a aura de primeiro campeão de Portugal partiu, nos últimos dias de 1922, o F. C. Porto para digressão a Sevilha e Gibraltar. Mas na viagem não seguiram todos os seus melhores elementos, simplesmente porque alguns deles pediram dispensa por não se sentirem com capacidade financeira para suportar os gastos que tal acarretaria. Apesar de se suspeitar já que pela Constituição havia focos sempre dissimulados de profissionalismo, mantinha-se a regra tradicional de cada futebolista pagar as suas despesas de alimentação! Assim, para que os créditos entretanto alcançados não fossem sobremaneira hipotecados, os dirigentes do F. C. Porto, aproveitando-se do facto de o Casa Pia Atlético Clube ter jogado na cidade havia pouco, solicitaram aos seus dirigentes autorização para que as suas estrelas Cândido de Oliveira, José Maria Gralha e Augusto Gomes fossem integradas na equipa do F. C. Porto. Aquiesceram. Cândido deslumbraria, disfarçando as debilidades, por vezes cruciantes, do campeão de Portugal, que no último dia do ano perderia com o Sevilha (então campeão de Espanha) por... 2-7! No dia seguinte, derrota outra vez, mas mais atenuada: 2-5. Os quatro golos portistas foram todos apontados por Cândido de Oliveira.
Da Andaluzia para Gibraltar. A 7 de Janeiro de 1923 a selecção local bateu o F. C. Porto por 2-0. E, dois dias depois, a equipa do Prince of Wales, campeã territorial, formada exclusivamente por ingleses, goleou o campeão de Portugal: 6-3. Os três golos portugueses — para variar... — foram apontados por Cândido de Oliveira. Obviamente, os dirigentes do F. C. Porto lançaram-lhe o canto de sereia. Debalde. Que, para ele, o coração valia tudo no futebol. E o Casa Pia Atlético Clube era um pouco (ou muito) de si.
Os portistas, que nos quatro jogos da digressão alinharam, basicamente, com Lino; José Bastos e Júlio Cardoso; Lopes Carneiro, Cândido de Oliveira e Floriano Pereira; José Maria Gralha, Freire, Balbino, Alexandre Cal e Augusto Gomes, aproveitaram a estada para meia dúzia de dias de férias, tendo igualmente visitado Marrocos e Ceuta, em passeio turístico, que foi como que a prenda para a conquista do título de campeões de Portugal.


Treinador sentimental

O treinador era ainda Adolphe Cassaigne, que, convidado, pouco depois da refundação do clube, por José Monteiro da Costa, deixou de treinar os amadores da Escola de Alunos-Marinheiros da Corveta Estefânia, para passar a técnico (sempre orgulhosamente gratuito) do F. C. Porto. Os anos já lhe pesavam. Mas havia sentimento que o mantinha. Sofreria a primeira «chicotada psicológica» em 1923, quando os seus pupilos foram esmagados, no Campo do Carvalhido, pertença do Nun’Álvares, pelo Benfica (1-7). Não havia mais tempo para sentimentalismos: Cassaigne seria afastado, contratando-se o húngaro Akos Teszler — primeiro treinador remunerado do clube, que de imediato revolucionaria todo o mecanismo da trupe, fazendo o F. C. Porto um mágico paradigma do... «futebol-espectáculo». Ganharia o Campeonato de Portugal de 1924/25 e, em 1926, quando se suspeitava que recebia 1000$00 por mês, sendo-lhe negado em Assembleia-geral aumento de salário, partiria para os Estados Unidos, seduzido por outra magia — a dos dólares.
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H

hast

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Bandeiras do medo e árbitro exótico.

As bandeiras do F. C. Porto enfeitaram cavalos e cocheiros, em Coimbra. Os sportinguistas assustaram-se. Lisboa uniu-se. Mas os portistas sucumbiram.

Aziaga fora a temporada de 1922/ /23. Ainda campeões em título, os portistas defrontaram, nas meias-finais do Campeonato de Portugal, em Coimbra, o Sporting. Revanchismo antecipado. Os sportinguistas venceram por 3-0, dominando a seu bel-talante, não permitindo sequer que os portistas pudessem queixar-se do facto de ter jogado largo tempo com apenas 10 elementos, por o seu guarda-redes, Lino, se ter magoado, abandonando o campo em maca, sendo substituído, na baliza, por Floriano Pereira.
O desafio disputou-se na Ínsua dos Bentos, campo que pouco mais durou, desaparecendo para dar lugar ao belo parque que Coimbra possui à beira do Mondego. Do Porto organizaram-se vários comboios especiais e quem não pôde utilizar o trem fez a viagem de qualquer maneira, até de carroça, já nem constituindo surpresa que alguns moços mais atrevidos e de sangue na guelra tivessem ligado o Porto a Coimbra em... bicicleta.
António Ribeiro dos Reis, cronicando em «O Sport de Lisboa», contaria que por toda a parte se viam bandeiras com as cores do F. C. Porto de que só o combóio especial trouxera mais de 10 mil! «Entusiastas do Norte distribuíram-se por todos os lados. Havia quem fosse portador de três e quatro bandeiras. Passavam automóveis também embandeirados e até os cavalos e os cocheiros das tipóias iam enfeitados.»
Noite alta já, um lisboeta, que por sinal nem sequer era... sportinguista, telefonou, com que custo (!) para Lisboa, participando o facto e apresentando como de vida ou de morte a «necessidade absoluta» de os passageiros do comboio de domingo de manhã levarem bandeirinhas do Sporting. Trabalhou-se com afã, noite dentro, numa certa tipografia e, realmente, na manhã de domingo, quem chegava de Lisboa desembarcava já sinalizado não com bandeiras azuis e brancas, mas com um pequeno rectângulo de papel branco, com uma cercadura em verde e no meio o distintivo do Sporting. Apenas uma meia dúzia conseguira arranjar pano para arremedar a bandeira sportinguista.

As senhoras das bandeirinhas e o estrondo de 100 morteiros.

Coimbra tomava-se, assim, de um encanto especial, no reflexo apaixonante da popularidade que o futebol arrastava já. Um outro respigo da crónica de «Os Sports de Lisboa», num tom declaradamente de união sentimental lisboeta contra o... Porto: «No Hotel Avenida está-se fazendo agora (a poucas horas do início da partida) a distribuição das 1500 bandeiras do Sporting chegadas há pouco de Lisboa. Não chegam para as encomendas. As gentis senhoras que se encarregaram desse trabalho não têm mãos a medir. Os sócios dos diversos clubes de Lisboa, Sporting, Casa Pia, Belenenses e Benfica, estes últimos num contingente quase tão numeroso como o do Sporting, vêm todos buscar o pequeno rectângulo verde com as iniciais SCP e com ele enfeitam as lapelas.»
A guerra dos nervos entre as falanges de apoio — duas expressões que só muito mais tarde viriam a ser correntes — assumiu, pois, proporções de entusiasmo e de bairrismo em verdade curiosas, mas por vezes desnecessárias e contundentes!...
Não admirava, por isso, que uma hora antes do pontapé de saída, na Ínsua dos Bentos, a atmosfera fosse cerradíssima de paixões despertas. As questíunculas começaram logo de entrada, porque o serviço de porteiros foi muito deficiente — e lisboeta queria entrar primeiro que portuense e vice-versa, acabando, por vezes, tudo em empurrões ou pior do que isso...
Escolheram-se os campos, o início do jogo foi anunciado com salvas de morteiros. Talvez mais de 100.
Fez-se a partida, ganhou o Sporting, por 3-0. O árbitro, mr. Todd, um inglês radicado na Madeira, que acompanhava o Marítimo, desconcertante, diria, no final do jogo: «Venceu o melhor. Ainda que nenhum dos grupos tivesse feito uma boa exibição, o Sporting possuiu mais técnica, muito mais técnica mesmo. E, além disso, é um grupo mais pesado. Ambos jogaram com lealdade. Procurei evitar que o desafio decorresse com violências. Já tinha dirigido jogos de profissionais e, por isso, acostumei-me a não deixar sem castigo todos os trucs e, sobretudo, o chamado jogo perigoso. O Sporting tinha direito a marcar duas grandes penalidades, claras. Evitei esses castigos! Foi mais bonito (!) ganhar assim por 3-0.»
João de Brito, o «capitão-geral» do F. C. Porto, resignado, atirou: «Estou satisfeito com o resultado do encontro. Assim como no ano passado fiquei convencido de que merecíamos a vitória, porque jogámos mais, sou obrigado a confessar, desta vez, que o Sporting mereceu, e bem, o brilhante triunfo alcançado, porque demonstrou ser nitidamente superior.»
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H

hast

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O presidente e o «tamanqueiro».

Com Teixeira Gomes na tribuna, o F. C. Porto perdeu para o Olhanense o Campeonato de Portugal de 1924. Ainda assim os portistas tiveram direito a presidencial aperto de mão.

Com Teszler no comando técnico, voltou o F. C. Porto à final do Campeonato de Portugal, na época de 1923/24. Com o Olhanense. No Campo Grande, então pertença do Sporting. Raul Figueiredo, o famoso «Tamanqueiro», era a estrela da companhia algarvia. O Olhanense abriu o activo logo aos três minutos, por intermédio de Delfim. Empatou o F. C. Porto, num remate de longe, de surpresa, mandado por Hall, nove minutos volvidos. Aos 20 minutos os portistas em vantagem, mercê da transformação de uma grande penalidade, por Tavares Bastos. Antes do intervalo, de novo o empate, também de «penalty», por Raul Figueiredo. Segundo Ribeiro dos Reis, «nesse primeiro tempo, todavia, futebol de qualidade fizeram-no os algarvios». Mas, na segunda parte, o Olhanense «dominou praticamente por completo e se só conseguiu dois goals mais — aos 22 e aos 40 minutos, por Gralho e Belo — à inspirada actuação do guarda-redes do F. C. Porto, Borges de Avelar, seleccionado à última hora, isso se deveu».
Esta primeira final em Lisboa ficou marcada pela presença no campo, no camarote presidencial, de Teixeira Gomes, então ainda Presidente da República. Antigo desportista praticante, o Chefe do Estado seguiu a partida com vivo gosto e no final do desafio mandou chamar todos os jogadores e o árbitro ao seu camarote, a todos apertando a mão, ao mesmo tempo que os felicitava pelo seu desportivismo. Para «Tamanqueiro» teve palavras de particular parabém. A sua exibição impressionou-o de tal forma que, mais tarde, quando exilado, na sequência da imposição do Estado Novo, escreveu a José Pontes, presidente do Comité Olímpico Português, relembrando Raul de Figueiredo em tom poético e nostálgico: «Se alguma visão risonha e animadora me ficou do turvo período da minha presidência, foi dos combates de futebol e dos espectáculos dados pelas nossas Associações desportivas, a que assisti. Diante dos olhos ainda me perpassam os corpos elegantes dos voadores do Ginásio Clube, atirando-se em curvas harmoniosas, pelas alturas estonteadoras do Coliseu; das tardes heróicas do Campo Grande, aclamadas pela multidão imensa, destaca-se, na luz vermelha do poente, a forma tão juvenilmente obstinada, na sua ubiquidade invero-símil, do ‘Tamanqueiro’, caindo, erguendo-se, pulando, com a elasticidade de uma péla ou como se a terra lhe servisse de trampolim, sem nunca deixar de sorrir...»
Foi esse homem, o «Tamanqueiro», quem deixou adiado o sonho de Tezsler e seus pares — que nesse jogo foram: Borges de Avelar; Álvaro Coelho e Tavares Bastos; Coelho da Costa, Velez Carneiro e Floriano; Alexandre Cal, Freire, Hall, «Simplício» e João Nunes.
Essa seria, tragicamente, a última final de Velez Carneiro, half-center do F. C. Porto, assassinado numa tarde negra de Maio de 1925, poucas horas depois de ter defrontado, na Constituição, os galegos do Desportivo da Corunha. Os portistas perderiam por 3-7, mas definitiva, cruel, seria a derrota de Velez numa ruela escura da Baixa do Porto.
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H

hast

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Contra estrangeiros marchar, marchar!

O F. C. Porto precisava de um guarda-redes. Auspiciosamente, surgiu a hipótese de um checo. A troco de um emprego. Mais achas para a fogueira...
Havia a necessidade de um guarda-redes que sucedesse a António Lino. Num golpe de sorte, surgiria a hipótese de contratação de um checo, a troco de um... emprego no Porto. Miguel Siska se chamava e, não muito tempo depois, haveria de se naturalizar português. Mas, antes sequer de chegar à cidade, os sacrossantos defensores do amadorismo sem mácula tentaram boicotar o seu ingresso do clube, numa muito polémica Assembleia-geral realizada a 28 de Agosto de 1924.
Ernesto de Oliveira, fiel aos seus princípios de ataque ao profissionalismo explícito ou disfarçado, no seu jeito sardónico de defender causas que julgava justas, questionou Domingos Soares, sobre se era verdadeira a notícia da contratação de um guarda-redes checo. Que sim, aquiesceu o presidente portista, mas não deixando de sublinhar que o jogador «não trazia quaisquer encargos, já que vinha para o Porto trabalhar».


Assembleia para vetar Siska e casos de pouca-vergonha

Sem pestanejar, Ernesto de Oliveira enviou moção à Mesa com a seguinte redacção: «Considerando que não constitui título de glória para o clube quaisquer vitórias obtidas com o concurso de indivíduos, nacionais ou estrangeiros, que fizeram a sua escola em clubes estranhos e de outras regiões; considerando que só por mero acaso e sem que se exerçam quaisquer influências ou ‘démarches’ se poderá aceitar, a seu pedido, qualquer jogador estranho, bom ou mau, que residindo nesta cidade solicite o seu ingresso em qualquer dos teams; considerando que os clubes de futebol devem ser, antes de tudo, uma escola de bons jogadores e de atletas, cumprindo-lhe, por isso, cuidar mais da preparação dos seus próprios elementos que da aquisição de valores estranhos, o que, não dando glória ao clube, não deixa avaliar das faculdades técnicas e fisiológicas dos atletas regionais e do seu grau de aperfeiçoamento; considerando ainda que este clube, conquanto possa ir buscar os exemplos de importação de jogadores a outros clubes conéneres, nacionais ou estrangeiros, não deve adoptar o mesmo critério, uma vez que não se trata de uma empresa comercial, mas de um clube de cultura física; esta Assembleia manifesta os seguintes votos: 1.º — que as Direcções não influam, quer directa quer indirectamente, na aquisição de qualquer jogador de outros clubes ou regiões, nacionais ou estrangeiros; 2.º — que quaisquer elementos vindos de outros clubes e que ingressem no primeiro ‘team’ permaneçam ali transitoriamente, e só o tempo preciso à preparação dos correspondentes elementos de categoria inferior educados no clube.»
Posta à votação, a proposta foi rejeitada por maioria, porque, mais que a defesa de sentimentalismos ou idealismos, os portistas queriam vitórias no futebol, o qual era, então, quase em exclusivo, a única modalidade de sucesso no clube...
Mas a fogueira da contestação ao profissionalismo que recrudescia um pouco por todo o lado não deixava de crepitar. Aliás, foi por essa altura que começaram a afastar-se cortinas de fumo, a levantar-se véus, a despertar consciências.
Por exemplo, o Sporting de Braga, na ânsia de se tornar potência primeira, fez «propostas tentadoras» a Artur Augusto e Joaquim Reis, Armando Moura e Laureta. Em «Os Sports», jornal de Lisboa, clamava-se pela intervenção imediata da União Portuguesa de Futebol para que se pusesse termo ao que o bissemanário lisboeta apelidava, em grossas parangonas, de «pou-ca-vergonha»!
Os dirigentes do Sp. Braga retorquiram, asseverando que a deslocação dos quatro futebolistas para a cidade não tinha «qualquer intenção de atraiçoar o amadorismo», dando-lhes «apenas a compensação pela estada na cidade». Pouco tempo lá estiveram os jogadores, que não fora esse o canto de sereia que tinham escutado e, conquanto se sentissem atraiçoados, refizeram as malas e voltaram ao Porto. Os dirigentes que lhes tinham trompeteado as promessas de idílio, julgando-se «enganados», chamaram-lhes «aves de arribação». A Associação de Futebol do Porto abriu inquérito e ameaçou com «castigos exemplares». Esfriou-se o prometido ferrete quando Oliveira Júnior, delegado do F. C. Gaia, afirmou que o seu clube cativara um jogador do F. C. Porto, dando-lhe 900 escudos para assinar a ficha, e que essa era já prática corrente na cidade, sedo hábito aliciarem-se jogadores oferecendo-lhes empregos, pagando-lhes pensões completas, deixando-lhes, nas tardes de glória, discretamente, notas nas mãos que se apertavam.
In «abola»