O Século XX do Desporto

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1908 – Jogos Olímpicos de Londres

Dorothea Lambert Chambers na defesa do corpo tapado

Dura de olhar gélido
Foi a grande dominadora do ténis feminino antes da I Guerra Mundial. E do advento fulgurante de Suzanne Lenglen. Dorothea Lambert Chambers nasceu em 1878 e ganhou Wimbledon por sete vezes entre 1903 e 1914 — mais não foram porque, entretanto, estoirou a guerra. Era mulher de olhar gélido e personalidade dura — que contestava todos aqueles que pretendiam já fazer dos courts espaços de atmosfera festiva. Por isso jogava sempre de branco vestido comprido e botas altas, para que do «corpo só se visse o rosto, as mãos e pouco mais». O seu grande trunfo era a precisão de jogo de fundo de court e uma concentração de cientista. «Para se ganhar no ténis é preciso mergulhar a cabeça no jogo. Olhos, mente e mãos — tudo isso tem de trabalhar em conjunto, numa perfeita sintonia» — era, repetida vezes sem conta, a receita do seu sucesso. Há casos assim: tendo ganho tudo o que tinha para ganhar, o seu jogo (mais) histórico acabou por ser um dos poucos que perdeu. Era a final de Wembley de 1919, Dorothea estava já a caminho dos 41 anos, mãe de dois filhos, e coube-lhe enfrentar a francesa Suzanne Lenglen, tão ousada nas roupas e nas maquilhagens como nos golpes. Ao terceiro set já Suzanne se mostrava extenuada, milagrosamente salvou-se dos match points — e acabou por ganhar. Dizem historiadores vários que dificilmente haverá outro dia assim, os espectadores de pé, as palmas incessantes — quer para uma quer para outra. Mais sete anos jogaria Chambers. Despediu-se do ténis de competição em 1926, falecendo 34 anos depois, com 82.
Os triplos campeões
Triplos campeões olímpicos apenas dois. Melvin Sheppard no atletismo (800, 1500 e estafeta olímpica) e Henry Taylor na natação. Reginald Edgar Walker tornou-se, em representação da África do Sul, o primeiro africano a ganhar medalha de ouro, graças à sua vitória nos 100 metros...

Patinagem unissexo
Londres marcou abertura mais acentuada às mulheres. Para além de se manter o tiro com arco, reintroduziu-se o ténis, cabendo a vitória a Dorothea Lambert Chambers e abriu-se reduto à patinagem artística, cabendo a medalha de ouro a Florence Syers (Grã-Bretanha). Nos homens a vitória pertenceu ao sueco Ulrich Salchow.

Feminista, Eduardo VII e... Salchow
Em Londres houve patinagem artística para homens e mulheres. O campeão foi o sueco Ulrich Salchow, que criou um salto que rasgaria toda a história com o seu nome: em duas ou três voltas a rodopiar pelo ar. Para além da medalha de ouro, dez títulos mundiais e oito europeus. Em Antuérpia, tinha ele 43 anos, com a especialidade outra vez integrada no programa olímpico, Ulrich, que se aposentara havia muito, tentou de novo a sorte e ainda foi quarto classificado. A campeã olímpica individual foi Madge Syers-Cave, autêntica feminista antes da explosão delas. Em 1902 o Campeonato Mundial de patinagem artística disputou-se em Londres; como descobriu que nada nos regulamentos a impedia de competir entre homens, fê-lo — e só Ulrich Salchow lhe ganhou. O rei Eduardo VII ficou tão deslumbrado com a sua actuação que não calou o desabafo, truculento: «Só não venceu por ser mulher.» E disponibilizou-se a ajudar Madge na luta pela introdução imediata de provas femininas nos programas de patinagem. O primeiro Mundial foi em 1906, arrebatou-o, revalidou o título no ano seguinte, ganhou a medalha de ouro em Londres e, formando dupla com o próprio marido, a de bronze em pares.

Conde de Penha Garcia teve de fugir de Portugal

À espada com Afonso Costa
O conde de Penha Garcia foi o primeiro grande dirigente desportivo de Portugal. Ou aquele que depressa assegurou projecção internacional incontornável. Em 1892 frequentou, em Paris, a École Livre des Sciences Politiques, exactamente a mesma que, uma década antes, formara Coubertin. Mal regressou a Lisboa ajudou a fundar a União Velocipédica de Portugal, primeira federação desportiva a erguer-se no plano nacional. Foi presidente do Centro Nacional de Esgrima e mais tarde da Federação Portuguesa de Esgrima. Em 1909 tornou- -se presidente da Sociedade Promotora de Educação Física Nacional, que entretanto fundara, lançando no ano seguinte a ideia da organização dos Jogos Olímpicos Nacionais. Como servidor convicto da casa real chegou a bater-se em duelo (e verdadeiramente à espada!) com o dr. Afonso Costa para defender a honra do rei D. Carlos, ultrajada por um dos mais renomados membros do Partido Republicano. Com a revolução de 5 de Outubro foi obrigado a exilar-se — e, apesar do seu passado de monárquico fanático, ninguém ousou, mesmo quando o COP foi fundado, já durante a república, afastá-lo do cargo que manteve até 25 de Abril de 1940, quando morreu: representante de Portugal no COI. É que, para além do mais, o conde era um dos grandes amigos e conselheiros de Coubertin...

Lázaro, a primeira maratona.
Estas sim, foi a primeira maratona, de facto, disputada em Portugal. Antes houve corridas assim denominadas mas de distâncias bem inferiores a 42 quilómetros. Organizada pelo jornal Tiro e Sport em 1910, teve como vencedor Francisco Lázaro, com o tempo de 2.57.35 horas, deixando o segundo classificado, Matias de Carvalho, a mais de 35 minutos! Para além da maratona também o crosse dera os primeiros passos. A primeira prova foi levada a efeito pela Liga Sportiva de Trabalhos Atléticos a 7 de Maio de 1911, no campo do Lumiar, tendo participado oito equipas.

Os Jogos Olímpicos... Nacionais
A organização em Junho de 1910 dos Jogos Olímpicos Nacionais, sob a égide da Sociedade Promotora de Educação Física Nacional (SPEFN), por sugestão do seu presidente, conde de Penha Garcia, foi uma autêntica pedrada no charco da mediocridade do desporto nacional. Constituíram para algumas modalidades, entre as quais o atletismo de pista, o verdadeiro big bang! — ou o início da contagem do tempo! —, passando até a homologar-se marcas, criar-se listas de records e campeões. Seis meses depois a monarquia caía e a SPEFN, apesar de perder o presidente, que teve de exilar-se, ficando o vice Mauperrin dos Santos a dirigi-la até à sua morte, em 1913, conseguiu manter o ritmo de funcionamento.
 
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1908 – Jogos Olímpicos de Londres

Anthony Wilding, amigo de Churchill e a tragédia
Perder Wimbledon e a vida
Rezam crónicas várias que foi o primeiro sex symbol do desporto internacional. Chamava-se Anthony Wilding, nasceu na Nova Zelândia em 1883. Espalhava glamour nos courts. Surgiu no ténis como um cometa. Para além de vitórias em Roma, Monte Carlo, Hamburgo, ganhou Wimbledon por quatro vezes consecutivas — e quando falhou o penta, em 1914, «hordas de mulheres em histeria nas bancadas choraram copiosamente por ele»! Nem sequer imaginavam que o drama espreitava. Chamado à guerra, amigo pessoal de Winston Churchill, implorou-lhe que o colocasse num batalhão mecanizado, o desejo cumpriu-se e num dia triste de Maio de 1915 o primeiro-ministro neozelandês convocou de emergência o parlamento para uma «dolorosa comunicação». Chegou de rosto fechado e murmurou: «É minha triste tarefa informar-vos de que o capitão Wilding caiu na Flandres.» Calou-se e chorou. E com ele o país inteiro. Era já a força do desporto, a força das estrelas.

Canhoto
Considerado o primeiro grande tenista australiano, Norman Brooks ficou na história ao tornar-se no primeiro não britânico a ganhar em Wimbledon — e por ser o primeiro canhoto a entrar na elite do ténis. Depois de se ter estreado na competição inglesa sem sucesso em 1905, passados dois anos juntou ao título individual o de pares (com Anthony Wilding). Em 1914 repetiu a façanha, mais duas vitórias em Wimbledon.

Omnipresente
Entre 1912 e 1914 o ténis feminino no US Open teve um nome em fulgor total: Mary Kendall Browne. Nessas três edições esta californiana ganhou todas as três variantes em que podia participar: singulares, pares e pares mistos. Empolgante a saga de 1912, já que para arrebatar os três títulos teve de disputar as respectivas finais todas no mesmo dia!
 
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1912 – Jogos Olímpicos de Estocolmo

Para financiar a missão fez-se sarau no coliseu

Greve, sol e maus juízes
Foi o baptismo olímpico de Portugal. Para financiar a viagem de barco, no Astúrias, fez-se um sarau no Coliseu dos Recreios mas a greve dos eléctricos impediu enchente — e por isso só puderam seguir viagem seis dos nove convocados. Assim, ficaram o esgrimista D. Sebastião Herédia e os atletas Correia Leal e Matias de Carvalho. António Stromp, que era igualmente jogador de futebol do Sporting, foi o primeiro a entrar em acção. Hora e meia esteve de pé na cerimónia de abertura e de lá correu para as eliminatórias de 100 metros. Foi afastado e logo se disse que «tinha sido por causa do calor que apanhou». O nosso fado... Pouco depois foi a vez de Armando Cortesão, então estudante do Instituto Superior de Agronomia, alinhar nos 800 metros. Fez uma prova magnífica, liderando até à entrada da recta final, ficando em segundo lugar, atrás do americano Jones, que gastou 2.01,8 minutos, apurando-se para as meias-finais, que não completou por lesão. O resultado de Cortesão na eliminatória é certamente melhor que o seu record nacional (2.13,4) mas não pôde ser considerado por falta de registo oficial! Quatro dias depois Stromp foi eliminado nos 200 metros. Igual sorte teve Cortesão nos 400. Na luta greco-romana António Pereira, em quem se depositavam altas esperanças, começou por ser vencido pelo finlandês Haapanen, venceu depois na repescagem o inglês Mackensie e perdeu, devido a controversa decisão do júri, com o sueco Anderson. Joaquim Vital, jornalista de O Século, ganhou ao francês Barrier mas foi eliminado por derrotas sucessivas com o italiano Carareri e o finlandês Asikainen, sendo este último resultado igualmente controverso. Asikainen acabaria por obter a medalha de bronze, depois de derrotado pelo russo Klein no mais longo combate da história olímpica, o qual durou quase 11 horas! Na esgrima os problemas foram semelhantes. Na prova de espada Fernando Correia, que por ser um dos directores do COP ficou como chefe de missão, foi vítima de má decisão do júri, que o afastou injustamente das meias-finais. Faltava apenas Francisco Lázaro, que na edição de Os Sports Ilustrados em que se anunciava a equipa para Estocolmo era assim apresentado: «É um modesto e inteligente operário da fábrica de carrosseries Ferreira & Viegas, mas leva um maravilhoso tempo de 2.57.03 horas na maratona...»
Lázaro melhor que campeão olímpico... Mesmo a andar!
A caminho da tragédia
Francisco Lázaro nasceu em 1888 no bairro de Benfica. Era já carpinteiro de profissão quando, em 1908, entrou fulgurante na história do atletismo. O jornal Tiro e Sport, por solicitação do conde de Olivais e Penha Longa, organizou a primeira maratona portuguesa, na distância de 24 quilómetros — 42 não foram por se temer que ninguém chegasse ao fim! —, e foi simplesmente arrasador, deixando todos os adversários a léguas. No ano seguinte esteve ausente por doença da segunda maratona portuguesa, já alargada a 35 quilómetros, e em 1910, então sim sobre 42 quilómetros, regressou e venceu, com 2.57 horas. Um ano depois, ao serviço do Sport Lisboa e Benfica, voltou a ganhá-la e foi o vencedor individual e colectivo do primeiro crosse nacional, organizado pela Liga Sportiva dos Trabalhos Atléticos. Em 1912 trocou o Benfica pelo Lisboa Sporting Clube, a 1 de Abril, no Estádio do Lumiar, atacou o record mundial da meia hora do francês Jean Bouin (9721 metros), percorrendo 8166 metros; ficou aquém mas nem isso arrefeceu ilusões que já o transformavam em herói nacional — esperança sebastiânica para Estocolmo. Na maratona portuguesa disputada a 3 de Junho, com a meta ao cimo da Calçada de Carriche após dois quilómetros de íngreme subida, apesar de cumprir o ritual de terminar a prova a andar para assim melhor demonstrar a sua superioridade sobre os demais, gastou 2.52,08 horas. Marca que causou deslumbramento que só os diamantes causam, até porque quatro anos antes, nos Jogos de Londres, num percurso com apenas 42.196 metros, o americano John Hayes vencera como 2.55.18! Faltava pouco mais de um mês para os Jogos de 1912. E a vida que tinha era pequena para tão grande sonho...

680 atletas, 500 americanos...
Lázaro correu (e ganhou) a maratona portuguesa. Na sua última entrevista, publicada por Os Sports Ilustrados, para além do pormenor do... autógrafo, conta peripécias da saga e desperta ainda mais esperanças para os Jogos. Incompreensível é que tenha feito uma maratona seis semanas antes do desafio de Estocolmo, para si de vida ou de morte.

Francisco Lázaro untado de sebo antes da partida
Ou ganho ou morro!
Ele sabia que tinha um país inteiro em sonho sobre os seus ombros. Não, não se preocupava com isso. Poucas horas antes da partida para a maratona olímpica sentia um mar de esperança a ondular-lhe o corpo todo. E assim, como no verso de Antero, partiu para a liça com o coração feito valente. E uma arrepiante promessa: «Ou ganho ou morro!» Estavam já os maratonistas todos a alinhar-se na pista e de Francisco Lázaro nem sinal. Armando Cortesão e Fernando Correia, nas bancadas, espantam-se. E impacientam-se. Um deles corre ao balneário e... encontra-o, freneticamente, a untar-se com sebo «para evitar a perda de líquidos por transpiração»! Cortesão, que depois da carreira de agrónomo em São Tomé se afamaria, em 1960, por escrever a obra-prima da cartografia portuguesa, Portugaliae Monumenta Cartographica, pressentindo que o sebo poderia tornar-se fatal devido ao sobre-aquecimento orgânico, ainda tentou dar-lhe um banho rápido mas debalde — Lázaro fugiu para a pista, matraqueando palavras que já lançara vezes sem conta durante o dia, por entre sorrisos e gargalhadas: «Ou ganhou ou morro!» Quando às 13.48 é dado o tiro de partida o Sol estava quase a pino. A temperatura de 32 graus tornava o ar pouco menos que sufocante mas Lázaro, habituado a tais temperaturas, nem sequer aceitou cobrir a

cabeça com uma boina.
«Preciso lá disso, o calor não me incomoda, até quero que arrebente tudo, porque assim sempre se perdem alguns outros concorrentes» — foram as suas palavras finais para Fernando Correia, pelo próprio recontadas no dia do funeral, segundo Os Sports Illustrados.

História adulterada
É mais um pedaço de história... adulterada: crónica da morte de Lázaro quando estava à frente na maratona. Não, não é verdade, aos 25 quilómetros já não passara entre os 18 primeiros e o 19.º estava a mais de oito minutos do finlandês Kohlemainen, que tentava a quinta medalha mas acabaria por desistir, queixando-se do «calor infernal».
 
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1912 – Francisco Lázaro
A lenda e crónica arrepiante do chefe de missão

Estropiados nos automóveis
Em torno de um foto se teceu a lenda de Lázaro. O cliché da saída dos maratonistas do Estádio Olímpico, com ele ao comando. Dez anos depois da sua morte ainda se escrevia em O Século: «O infortunado atleta morreu vítima de uma insolação; caiu a 30 quilómetros do ponto de partida, isto é apenas a dez da chegada, quando marchava à cabeça do pelotão na companhia de MacArthur, o vencedor da prova!» Não, não marchava. Muito antes, lá pelos 25, já corria em si mais que o fulgor ou a esperança — o caudal da desgraça. Cambaleando, sacudindo a cabeça, como se assim quisesse afastar de si o fogo que se declarara dentro do corpo, para o matar. Por não transpirar. De acordo com o relatório oficial do Comité Olímpico da Suécia, não figurava no lote dos 18 primeiros e o 19.º de então estava já a oito minutos do líder! É por essa altura que a asa negra da desgraça se precipita sobre si. Os Sports Ilustrados de 20 de Julho de 1912 dá voz a Fernando Correia, chefe da missão: «Os meus companheiros, que estavam ao quilómetro 35, esperavam impacientes, sem ver Lázaro. Armando Cortesão, que estava a dois quilómetros do estádio para o ajudar no sprint final, veio ter comigo. Eu, no estádio, não compreendia a demora. Meti-me num automóvel com Cortesão e segui pela estrada. Em vários automóveis vinham alguns corredores estropiados mas nenhum deles era Lázaro. Vi levantar os postos de controlo e retirar a força armada que policiou a pista. E Lázaro? Ninguém sabia dele. Regressei e na estrada encontrámo- -nos com o nosso ministro [designação dada na época aos embaixadores], o senhor dr. António Feijó [esse mesmo, o poeta que se tornaria famoso]. Já conhecedor da tragédia, procurava-nos. No seu automóvel seguimos para o hospital... Ali soubemos que o infeliz campeão tinha sido fulminado com uma insolação ao quilómetro 30; que um médico o tinha recolhido e em automóvel levado ao hospital; que três médicos o medicavam com carinho e já na estrada lhe tinham aplicado gelo sobre a cabeça. Interrogámos o chefe da clínica, que gentilmente nos respondeu que tinha uma meningite declarada, possivelmente derrame nas meninges, motivada por um fulminante coup de soleil.»
Quatro horas como nunca se vira em Lisboa, coroas de flores da corte sueca e de Coubertin
Fígado em pedra
A 23 de Setembro, dois meses após a tragédia, atracou ao Tejo o Vendysset. Nas suas entranhas a urna contendo os restos mortais de Francisco Lázaro. Uma esquadrilha de remo dos clubes náuticos escoltou-a até ao Arsenal da Marinha, onde se armou a câmara-ardente. Lisboa, que se despedira dele ao jeito do adeus às naus de Quinhentos, recebia-o sofrida, calada, num tormento. Afogada num mar de silêncio, de um silêncio apenas quebrado pelos gemidos do choro. Quatro horas demorou o préstito do Terreiro do Paço ao Cemitério de Benfica. Só carretas de flores e coroas eram quatro, entre elas as que foram enviadas pelo rei da Suécia, pela rainha e pelos príncipes — e a que Pierre de Coubertin mandara. A banda de Benfica arrastava-se em toque fúnebre. As lojas de comércio fechadas, janelas com fumos negros. Nunca tal se vira. Pelas ruas corações rasgados por punhais, inundando rostos de lágrimas, milhares, milhares, milhares — num rio imenso de pesar. A noite caiu quando se chegou ao cemitério. Por isso só no dia seguinte o enterro se fez. Nos jornais da época liam-se trechos assim: «Francisco Lázaro teve na morte a consagração que merecia. O seu nome ficará perpetuando através dos tempos a coragem de um homem meridional, a pertinácia de um atleta e a energia de um português modesto de nascimento e que tão grande era nas determinações da sua vontade, em actos de coragem e amor à sua terra.» E nem uma linha sobre a estupidez que o traíra: o sebo a ungir-lhe o corpo, impedindo-lhe a transpiração. Durante a autópsia os médicos descobriram que o seu fígado se tinha calcinado, parecia uma pedra. E foi isso que o matou. Tal só se saberia muitos anos depois. Quando era já uma lenda. E tinha o nome numa rua de Lisboa, ali para o lado dos Anjos. Ainda hoje a sua campa continua a ser local de peregrinação. Na crença de que Francisco Lázaro poderia ter sido o primeiro campeão olímpico português. Não foi mas foi certamente o primeiro herói do desporto nacional, tecido de tragédia.

O tom épico das crónicas
Portugal a extinguir-se-lhe nos lábios
Na edição de 28 de Setembro de 1912 de Os Sports Ilustrados a reportagem do funeral de Francisco Lázaro mantinha as palavras abertas em dor, amassadas em drama: «As mulheres e as crianças viam dentro dessa urna funerária coberta da bandeira de Portugal um herói que ia passar a lenda, como os cavaleiros antigos que morriam pela sua dama e pela sua pátria — o herdeiro dessas tradições guerreiras que nobilitaram a nossa terra, que foi de homens de carácter e de coração, de valentes e de heróis. Era o cadáver de um grande português que ia para a derradeira morada, para a solidão do eterno afastamento. E não há coração de mulher nem alma de criança que não se comova vendo desaparecer do mundo quem preferiu a morte à vergonha de uma derrota em que o nome da pátria sofresse...» Alguns dias antes, na notícia da tragédia, o mesmo tom: «Morreu como um herói? Morreu como um mártir? Não, Francisco Lázaro morreu como só podem fazê-lo os grandes homens da terra. Morreu com o nome de Portugal a extinguir-se--lhe nos lábios... Ia para vencer e foi vencido. Ia para lutar e caiu. Contudo ele venceu porque deu à Pátria todo o seu esforço, a sua vida. E se caiu a meio da luta ou, por outra, a pouca distância da almejada vitória caiu honrosamente no seu posto legando aos seus compatriotas o seu nome, vinculando dignamente aquele aforismo popular: Morra o homem, mas deixe a fama...» E, continuamente escritas em jeito de epopeia, enxameavam as comparações com Filípides, o soldado da maratona...

Contra a maratona entre «povos civilizados»!
O sul-africano MacArtur cortou a meta e... precipitou-se na pista do Estádio Olímpico clamando por água, num murmúrio desesperado. A Lázaro acontecera pior. Por isso jornalistas portugueses clamavam pela proibição das maratonas entre «os povos civilizados»!!! Longe estavam de imaginar que o primeiro campeão olímpico português o seria na maratona, Carlos Lopes, 72 anos depois...

O luto no fogo-de-artifício e as libras para a órfã
A morte de Francisco Lázaro espalhou consternação não apenas por Portugal. Em Estocolmo, na cerimónia de encerramento dos Jogos, foram queimadas «em sinal de luto» várias baterias de fogo-de-artifício e «por alguns minutos o céu encheu-se de verde e vermelho, as cores da bandeira de Portugal, enquadrando um gigantesco L». Logo depois organizou-se no Estádio Olímpico um festival que contou com a presença de todos os mais célebres atletas mundiais, durante o qual se arrecadaram 14 mil coroas suecas, o equivalente a 770 libras, que seriam entregues à órfã quando atingiu a maioridade.
 

fcporto56

Tribuna Presidencial
26 Julho 2006
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> hast Comentou:

> Infelizmente, caro fcporto56, não te posso dar essa informação. Já dei voltas e voltas pela net e não vi nenhuma referência a este Manuel Silveira.

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Ja soube umas coisas sobre ele, entre as quais que nasceu em Santo Amaro,ilha do Pico.Parece que o record publicou uns artigos sobre ele a uns anos atras, mas ainda nao consegui encontrar.
 
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hast

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1912 – Jogos Olímpicos de Estocolmo
Rei da Suécia e Jim Thorpe, o maior atleta do mundo

A tragédia de Wa Tho Huck
É um filme empolgante. Dramático, por vezes. Jim Thorpe, All American. Com Burt Lancaster no papel principal da história de Jim Thorpe, talvez um dos cinco mais extraordinários atletas de todos os tempos, campeão olímpico do decatlo e do pentatlo, em 1912. No nome que lhe deram um lado do signo: Wa Tho Huck (Destino Brilhante). Não, não foi de todo assim. Nasceu em 1888 numa barraca de tabuinhas na reserva de Shawanee, no estado de Oklahoma. O pai era índio já com sangue irlandês. E a mãe era filha de uma índia e de um francês. Até aos 19 anos foi um rebelde, «sempre amargo com a vida». Os professores garantiam que não lhe encontravam aptidão alguma a não ser «caçar moscas através de um elástico»! Mas, em 1907, Pop Warner descobriu-lhe «talentos físicos excepcionais». Hesitou entre o hóquei, o ténis, o crosse, a natação, as corridas de patins, o bilhar e até o... rodeo. «Desde garoto senti forte inclinação para o futebol americano e para o basebol. Aliás, fazia parte de uma equipa de basebol quando me enviaram para os Jogos Olímpicos de Estocolmo. Nas provas de selecção ganhei tudo — e até lancei o dardo sem nunca ter visto engenho assim na vida. Aliás, venci todas as competições de atletismo em que entrei. Nunca me passou pela cabeça ser campeão de atletismo, sabia que tinha uma velocidade natural impressionante, o meu pai e os meus avós já se tinham distinguido por isso nos jogos tradicionais de índios... Não precisei de treinar-me muito, em Estocolmo ganhei como quis, recordo com saudade que o rei Gustavo V, um cavalheiro, aquele senhor, maravilhado com o que me viu fazer, desceu ao terreno, segurou-me as duas mãos e, em voz emocionada, disse-me que eu era o maior atleta do Mundo.» Estas são memórias desfiadas quando Thorpe já estava na penúria. De coração despedaçado. As agruras e as injustiças lavradas nos goivos do rosto, os olhos fundos, frios, de mágoa. «Pensava que finalmente poderia ter vida de felicidade mas não... Nem tempo me deram para sabo-rear aqueles dias maravilhosos de Estocolmo, um jornal insinuou que eu tinha recebido dinheiro, o COI desclassificou-me, obrigou-me até a entregar as medalhas. Aquilo que me fizeram só por ser índio foi terrível, deu cabo de mim...» Para esquecer bebia. E pairava na vida. Que é a forma mais cruel de viver.

Eisenhower embasbacado
Pouco antes da partida para Estocolmo Jim Thorpe foi convidado a disputar uma partida de futebol americano pela sua escola de Carlisle. Do outro lado West Point, a academia militar — e um dos seus jogadores chamava-se Dwight Eisenhower, que haveria de tornar- -se presidente dos Estados Unidos. Várias vezes tentou placá-lo, mas em vão. Acabou por lesionar-se para nunca mais jogar a sério. E no final limitou-se a um desabafo que diz tudo: «Thorpe é o melhor jogador que vi em toda a minha vida, nunca vi um homem assim, um portento...»
 

fcporto56

Tribuna Presidencial
26 Julho 2006
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Sacramento
Infelizmente o Jim Thorpe nunca teve o reconhecimento que merecia.Os feitos dele sao mencionados de vez em quando,mas so de passagem.
 
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hast

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Jim Thorpe (Prague, 28 de Maio de 1887 — Lomita, Califórnia, 28 de Março de 1953) foi um atleta norte-americano da primeira metade do século 20.
Nascido Jacobus Franciscus Thorpe no território do actual estado do Oklahoma em território indígena, sendo que o seu nome entre o povo indígena, mais precisamente na \"língua kichapooé\", é Wha-Tho-Huk - Destino Brilhante - devido ao facto de que no momento do seu nascimento, um raio de sol iluminava o lugar em que ele se encontrava. O seu pai, Hiram Thorpe, era filho de uma índia e um irlandês. Sua mãe, Charlotte Vieux, era igualmente descendente de mãe índia e pai francês.
Foi um dos atletas mais versáteis do século XX; praticava basquete, andebol, hóquei, arco e flecha, tiro, natação, canoagem, tênis, squash, hipismo, futebol americano e beisebol. Sendo considerado um dos maiores desportistas do século.
Jim Thorpe: All-American, ou O Homem de Bronze em Portugal e no Brasil, é um filme norte-americano realizado em 1951 que relata a vida e carreira do atleta Jim Thorpe.

http://pt.wikipedia.org/wiki/Jim_Thorpe
 
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Jim Thorpe, O Índio Herói
Robusto como os pais, James, ou “Jim” Thorpe nasceu no único quarto de uma cabana rústica na reserva indígena de Bellemont, Oklahoma, a 18 de Maio de 1888. O seu pai, Hiram, do povo Pottowatomie, olhou pela janela logo depois que Charlotte, da tribo Sac e Fox, deu à luz os gémeos e viu o sol de Outono iluminando o caminho de terra, e chamou o pequeno Jim de “Wa-Tho-Huck”, ou Brigt Path, “Caminho Iluminado”.
Jim cresceria solto na natureza, como todos os garotos índios. Ajudava o pai em trabalhos braçais, pescava, corria pela mata, e tudo isso dava músculos e agilidade a seu corpo naturalmente forte. Aos 16 anos, descobriu a melhor maneira de usar seus dotes físicos na escola para índios de Carlisle, Pensilvânia, e logo se destacou no futebol americano como um sólido jogador da defesa. Um dia o treinador Glen “Pop” Warner viu Jim correndo, saltando, e ficou impressionado com asua forma. Convidou-o para o atletismo e o garoto logo se destacou em várias provas. O seu sucesso o levou a ser escolhido, aos 24 anos, para representar os Estados Unidos nas provas de pentatlo e decatlo dos Jogos Olímpicos de Estocolmo, em 1912. A 7 de Julho começou pelo pentatlo, vencendo quatro das cinco provas. As suas marcas: 7,07m no salto em distância; 46,41 no lançamento do dardo; 22s9 nos 200 metros planos; 35,57m no lançamento do disco e 4m44s8 nos 1.500 metros. Seis dias depois iniciou as provas do decatlo, que também venceu, com as seguintes marcas: 11s2 nos 100 metros rasos; 6,79 no salto em distância; 12,89m no arremesso do peso; 1,87 no salto em altura; 52s2 nos 400 metros; 36,98m no lançamento do disco; 15s6 nos 100 metros com barreiras; 3,25m no salto com vara; 45,70 no lançamento do dardo e 4m40s1 nos 1.500 metros. Ao entregar-lhe as medalhas de ouro, o Rei Gustavo V, da Suécia, não se conteve e, ao apertar as suas mãos, exclamou: “O senhor é o atleta mais maravilhoso do mundo”. Seis meses depois, porém, em Janeiro de 1913, um repórter norte-americano descobriu que o bicampeão olímpico tinha jogado basebol no verão de 1909 para receber de 60 a 100 dólares por mês. Como os profissionais não podiam competir nos Jogos Olímpicos, o Comité Olímpico Internacional decidiu recolheu as suas medalhas e o nome de Jim Thorpe foi excluído dos anais do desporto. Na verdade, muitos atletas olímpicos competiam por dinheiro, mas tinham o cuidado – que Thorpe não teve – de assinar as listas com nomes diferentes. Amargurado, mas tão apaixonado pelo desporto como sempre, Jim continuou levando uma vida de múltiplas actividades: destacou-se tanto no basebol, como no futebol americano, ao ponto de ser incluído no Hall da Fama dessas duas modalidades. Só abandonou o futebol em 1929, aos 41 anos. Pode-se dizer que também foi um decatleta na luta pela sobrevivência, pois trabalhou como peão de obra, guarda-nocturno, leão de chácara, extra em filmes, promotor de eventos e conferencista. Em 1950 a sua vida foi encenada por Hollywood e Burt Lancaster interpretou o papel de \"Jim Thorpe, All-American\". A 28 de Março de 1953, dois meses antes de completar 65 anos, Thorpe não resistiu a um terceiro ataque cardíaco. “O homem de bronze”, como era chamado pela sua tez morena e o corpo sólido de um dos maiores atletas de todos os tempos, foi enterrado em Mauch Chunk, Pensilvânia, cidade que hoje se chama Jim Thorpe. Ex-casado com Iva Margaret Miller, que pediu a separação e a guarda dos filhos, acusando o marido de alcoolismo, Thorpe deixou apenas três garotas, já que o seu único filho, Jim Thorpe Junior, morreu de pneumonia. Uma das filhas, Grace, passou 30 anos lutando pelo reconhecimento das glórias olímpicas do pai. Finalmente, em 1982, o Comité Olímpico Norte-americano enviou requerimento ao Comité Olímpico Internacional pedindo que Jim Thorpe fosse considerado amador em 1912 e assim recuperasse suas medalhas de volta. A 12 de Outubro de 1982 o pedido foi aceite. Durante a Olimpíada de Los Angeles, em 1984, as duas medalhas de ouro de Jim Thorpe finalmente foram trazidas da Suécia, onde estavam desde 1912, e entregues à sua família.
Fonte: pt.shvoong.com
 
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De nada serviu carta de perdão

Um índio apenas
Em 1913 rebentou o escândalo que haveria de lhe estoirar a vida. Um jornal de Worchester (Massachusetts) publicou a fotografia fatal: Jim Thorpe em destaque numa equipa de basebol profissional da Carolina do Norte, que pagava aos seus jogadores. Que sim, que recebera 19 dólares, logo condescendeu. Fora imprevidente, não fizera o que outras estrelas do atletismo costumavam fazer: aproveitar o Verão para jogar basebol ou futebol americano com nomes falsos, livrando-se assim de olímpicas complicações. A Amateur Athletic Union (AAU) exigiu-lhe esclarecimento em torno da foto publicada, defendeu-se numa carta sentimental, onde se podia ler: «Apenas agora me dei conta do grande erro que foi ter mantido em segredo os 19 dólares que ganhei no basebol, peço desculpa, espero que compreendam que era um simples estudante índio que nada sabia desses assuntos.» Em vão. O COI não perdoou. O homem de bronze estilhaçado ficou...

50 mil dólares de prendas e o vaso do czar
Para além de duas medalhas de ouro em Estocolmo, Jim Thorpe foi cumulado com outros valiosos troféus, jóias de coroa e prendas calculadas em mais de 50 mil dólares. O rei Gustavo V ofereceu-lhe um vaso que fora do czar da Rússia e era já considerado uma relíquia «de valor incalculável» — e até isso foi utilizado contra si no processo que o COI lhe moveria! O presidente William Howard Taft fez questão de o receber pessoalmente, celebrações oficiais em sua honra organizaram--se em Carlisle, Filadélfia e Boston. E em Nova Iorque, no regresso da Suécia, tinha uma parada militar à sua espera. Como um herói. O novo herói da América. O encanto duraria pouco.

O maior da primeira metade
Em 1950 a Associated Press realizou sondagem universal com resultado inquestionável: Jim Thorpe foi considerado o maior desportista mundial da primeira metade do século XX. Bastou para isso o fulgor de Estocolmo? Naturalmente. Depois disso assinou contrato profissional com os Bulldogs Caton mas o vício do álcool foi-lhe destruindo, em combustão lenta, o ímpeto heróico, toda a gesta.

Fugas da escola e aquele dia do salto em altura
Aprendiz de alfaiate, cowboy e prisioneiro
O pai chamava-se Hiram e quando o filho completou oito anos colocou-o numa escola perto de casa. Raramente lá aparecia. Um dia apanhou-o em mandriice, levou-o humilhantemente numa carroça e despejou-o à porta da sala de aulas. Entrou pelo átrio e, escapulindo-se pelas traseiras, regressou a casa primeiro que o pai, correndo como um foguete. Era assim. Tentou enclausurá-lo num colégio a 500 quilómetros mas Jim, depois de problemas disciplinares, fugiu de novo, escondido numa carruagem — e foi trabalhar para o Texas como cowboy. No dia em que fez 14 anos apareceu em casa a conduzir a sua parelha de cavalos e o pai, julgando-o no colégio, ficou como se caísse das nuvens... Dois anos depois Hiram, descendente do mais famoso guerreiro sox, que em 1893 morrera numa batalha com as tropas federais a oeste do Mississípi, mas já com sangue irlandês nas veias por via da mãe, convenceu o filho rebelde a ingressar numa escola industrial para ín-dios, tornando-se aprendiz de alfaiate — e foi mais um desastre. Tentativa de nova evasão, para castigo a prisão da escola de Carlisle. Nesse cenário descobriu o atletismo. Ao vaguear pelos terrenos circundantes deparou-se-lhe a equipa de atletismo em treino de salto em altura. Apesar de envergar fato e botas de trabalho pediu, envergonhado, para tentar. A fasquia estava colocada a 1,76 metros e sobrevoou-a. Espanto! No dia seguinte Pop Warner, treinador de atletismo e futebol americano de Carlisle, chamá-lo-ia ao seu gabinete, dizendo--lhe que o futuro tinha nome: Jim Thorpe. Só isso. Premonitoriamente.

Explosão de outro tempo
Inacreditável a sua explosão em Estocolmo. Mais que arrasar todos os records mundiais — a marca do decatlo (6756 pontos) ainda lhe permitiria ganhar a medalha de prata em 1948, ano em que o campeão foi simplesmente Bob Mathias, outro deus maior das pistas.

Herói... dorminhoco
Na viagem para Estocolmo Jim Thorpe, em vez de se treinar com o resto da equipa na pista improvisada do veleiro de luxo que levava os americanos ou nos ginásios montados no seu convés, passou quase todo o tempo a dormir, dizendo apenas que não precisava de grandes treinos para arrasar tudo.

Cerveja entre as provas
Jim Thorpe bebia diariamente litros e litros de cerveja. «Primeiro era para esquecer as mágoas que sentia por me atirarem para uma reserva de índios, não ser tratado como uma pessoa, obrigarem--me a mudar tudo na vida, a cultura, os sentimentos, tudo, tudo. Depois era o hábito, eram outras mágoas para afogar...» Mesmo em competição era assim. Entre as provas do pentatlo ou do decatlo, em pleno estádio, dirigia-se ao saco que supostamente era de equipamento e retirava de lá garrafa que emborcava num ápice. Como se fosse o néctar.
 
H

hast

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1912 – Jogos Olímpicos de Estocolmo
Cinema, árbitro de maratonas de dança, segurança e choro no estádio

Miserável cavador de valas em Los Angeles
Em finais dos anos 20 Jim Thorpe mudou-se para a Califórnia. Voltou a casar e vendeu os direitos para o filme da sua vida à Metro-Goldwyn-Mayer por 1500 dólares. Para sobreviver arrecadou algum dinheiro em pequenos papéis no cinema, fazendo, naturalmente, de índio, tornou-se árbitro das maratonas de dança e serviu de mestre-de-cerimónias em espectáculos desportivos e corridas de cross. Em 1932, quando Los Angeles recebeu a 10ª edição dos Jogos Olímpicos, descobriram-no a cavar valas, pago a um dólar por dia. Não tinha sequer dinheiro para os bilhetes, foi especial e sentimentalmente convidado a assistir a uma jornada de atletismo no camarote presidencial. Durante todo o tempo chorou... Voltou a divorciar-se, o chefe de segurança de Henry Ford contratou-o para guarda da maior fábrica do Mundo de automóveis, a Ford River Rouge, em Dearborn (Michigan) — foi lá que sofreu o primeiro ataque cardíaco. Não parava mais de dois meses no mesmo emprego, os desacatos sucediam-se, partiu para Oklahoma — preso por guiar embriagado, quando o juiz lhe lançou imprecaução por estar a ser mau exemplo para a juventude americana limitou-se a responder com um sorriso entreaberto, patético, nublado — num silêncio perturbante, penoso, arrepiante. Em Los Angeles casou de novo, arranjou trabalho como segurança de um sports-bar, outro bar abriria em Pittman (Nevada) mas o ataque cardíaco fatal já ameaçava.

Soco no dirigente que lhe chamou «índio burro»
Em 1915, já despojado das medalhas de Estocolmo como se o despojassem do que mais sagrado tinha, Jim Thorpe começou a descida ao inferno — a descer em si. Ao serviço dos Canton Bulldogs — que passariam a chamar-se Cleveland Indians na ânsia de capitalizar a sua popularidade — ainda mostrou o seu fulgor no futebol americano, como jogador-treinador. Mas não por muito tempo. As bebedeiras, as angústias, o mau génio cada vez mais picado fizeram de si problema mais do que estrela. Entretanto mudou de campo, assinou pelos New York Giants, mas a carreira no basebol terminou abruptamente em 1919, quando agrediu a soco um director que lhe chamara... «índio burro»! Mas, como só na década seguinte o basebol e o futebol americano se tornariam sinecuras para os praticantes, não enriqueceu. Antes pelo contrário. E morreria aos bocadinhos, afagando-se e afogando-se em álcool.

Depois da falcatrua... Um farrapo, morte num atrelado
Mausoléu e estátua a troco de nome na cidade
A 28 de Maio de 1953 o coração de Jim Thorpe parou. Fora sendo lentamente despedaçado pelas agruras da vida agreste que resumira assim pouco antes de morrer: «Depois da falcatrua que me roubou as medalhas até vergonha tinha de sair à rua. Meti-me no álcool e transformei-me num farrapo... Mal cheguei à América, pela única razão de ser índio, por racismo, os jornais começaram a atacar-me dizendo que devia ser desclassificado por ter recebido dinheiro. Claro que recebi! Se não fosse isso teria morrido de fome...» Vivia então num atrelado na pequena cidade de Lomita, na Califórnia. A terceira mulher tentou que as autoridades do estado de Oklahoma lhe construíssem um jazigo que ao menos desse na morte a dignidade que lhe usurparam em vida. Nem dinheiro tinha para o funeral. O mayor de Mauch Chunk, cidade mineira da Pensilvânia, garantiu-lhe que se fosse lá enterrado até pensaria em mudar o nome para... Jim Thorpe City. Ela aceitou. Construiu-se mausoléu à medida da sua honra — e 20 toneladas de granito rosa-laranja foram colocadas como um escrínio rodeado de relva às suas portas. Em remate da estátua as palavras do rei da Suécia: «Sir, you are the greatest athlete in the world.» Em 1972 mais um acto de justiça: por especial empenhamento de Avery Brundage, presidente do Comité OIímpico Internacional, que fora por ele derrotado no decatlo de Estocolmo, Jim Thorpe foi reentronizado «a título póstumo pelas suas proezas como atleta amador, deus olímpico sem mácula». E, 11 anos volvidos, num salão do hotel Baltimore, em Los Angeles, o COI entregou aos filhos réplicas das medalhas que lhe tirara com base numa esfarrapada, cínica e estúpida «prova de violação do amadorismo». 24 MEDALHAS DE OURO PARA A SUÉCIA A Suécia bateu os Estados Unidos por uma medalha na corrida ao ouro: 24 contra 23. Só que é uma classificação falsa porque nos anais olímpicos ainda aparecem como campeões do pentatlo e do decatlo o norueguês Ferdinand Bie e o sueco Hugo Wieslander — assim considerados face à desqualificação de Jim Thorpe. Os suecos somaram ainda 24 de prata e 17 de bronze, contra 19 de cada um desses metais para os americanos. A Grã-Bretanha foi terceira no medalheiro, com 10 de ouro, 15 de prata e 16 de bronze. Estes foram os Jogos em que já houve medalhas para os três primeiros. E pódio para a consagração dos heróis. 4 para Kolehmainen e para Carlberg O finlandês Hannes Kolehmainen levou quatro medalhas para casa, três de ouro e uma de prata. Igual pecúlio coube a dois atiradores, ao sueco Wilhem Carlberg e ao americano Alfred Lane. Também eram do tiro e suecos outros dois campeões das medalhas: Johan von Holst (duas de ouro, uma de prata e uma de bronze) e Eric Carlberg (duas de ouro e uma de prata).
 
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1912 – Jogos Olímpicos de Estocolmo
Hannes Kolehmainen ganhou quatro medalhas com muita política

Sorriso contra o czar e rival morto na guerra
Seguindo o exemplo de Tatu, seu irmão, que trouxera técnicas de corrida da América, Hannes Kolehmainen alinhou na primeira maratona aos 17 anos, em 1905. Foi um espanto! Antes revelara já grande talento para o salto em comprimento (!) e para o esqui de fundo — mas perante tal fogacho apostou a vida no atletismo e logo se tornou a primeira estrela finlandesa. Nas pistas todos o conheciam como... Hannes Sorriso — e nos Jogos Olímpicos de Estocolmo ganhou quatro medalhas, três de ouro, uma de prata. As suas vitórias nos 5000 e nos 10 mil metros puseram um mar de pequeninas bandeiras finlandesas a tremular nas bancadas, foi a primeira arrepiante manifestação de nacionalismo na história olímpica, a Finlândia estava subjugada pelo czar, um grito ensurdecedor no silêncio que se gerou. A final da légua é um dos momentos mais fantásticos da história olímpica. Kolehmainen contra Bouin. Hannes, o corredor de ataque, de passada larga. Jean, o estilo máquina de costura, de sprint irresistível. Na última volta, depois de uma série de ataques e contra-ataques, o finlandês desenvencilhou-se do francês, batendo-o por uma nesga. Os cronómetros electrónicos marcavam 14.36,7 minutos para o vencedor. Bruá de espanto, até então nenhum homem conseguira baixar dos 15 minutos... Em 1914 estoirou a guerra. Kolehmainen conseguiu escapar-se para os Estados Unidos e livrar-se dela. Em Antuérpia, oito anos depois, ainda ganharia a maratona. Jean Bouin foi incorporado no exército francês com o posto de capitão, o seu furor como atleta faria de si mensageiro e num dia trágico, quando levava comunicação para a frente, uma granada atirada precipitadamente por um soldado do seu batalhão estoirou-lhe aos pés e matou-o! Para trás ficava a memória de sete records do Mundo, das três milhas à hora, passando pelo dos 10 mil metros.

A lenda do pentatlo
Em relação a Londres quebra de oito modalidades. Treze apenas. O futebol manteve-se, a Inglaterra ganhou, batendo a Dinamarca. Estocolmo marcou o princípio do pentatlo moderno, actualização de lenda que vem da mais velha noite dos tempos — um herói foi capturado por inimigos e encarcerado numa inexpugnável fortaleza. Dali conseguiu fugir e, roubando um cavalo, pô-lo a saltar os obstáculos que o caminho semeava. De súbito um tiro matou o animal. Com a escada que trouxera da cela desenvencilhou-se de vários inimigos, a um deles arrebatou a arma, quando lhe apareceu um rio pela frente atravessou-o a nado e correndo veloz, já na outra margem, pôde enfim juntar-se ao seu batalhão. O primeiro campeão foi o sueco Gustaf Lilliehook.
 
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1912 – Jogos Olímpicos de Estocolmo

Para além da dar terreno, rei da Suécia pagou todas as despesas de construção
Cronometragem electrónica e mãos largas de Gustavo V
A grandeza, o empolgamento e o mediatismo de Londres assustaram, Coubertin, que em 1909, em reunião do COI, não calou a preocupação: «Urge impedir qualquer tentativa de repetição do carácter que tiveram os Jogos de 1908 e por isso a próxima Olimpíada deve afastar-se das coordenadas que dominaram a anterior. Não deve ser tão ampla. A de Londres assumiu proporções excessivas, que ultrapassaram uma indispensável pureza atlética. Devem os próximos Jogos ser mais discretos, mais íntimos e acima de tudo menos dispendiosos...» A febre olímpica contagiara já o rei Gustavo V, que ofereceu uma das suas propriedades para a construção de um estádio olímpico de 30 mil lugares sentados e cobertos. E disponibilizou-se igualmente a pagar do próprio bolso todas as despesas de construção. É hoje uma relíquia. História viva. Mantendo toda a estrutura arquitectónica dos anos 10, é lá que ainda se disputa o famoso meeting de Estocolmo de atletismo. Na ânsia de se aperfeiçoarem as curvas da pista Pierre Charles tornou-as semicirculares, o que fez com que o perímetro, em vez dos já tradicionais 400 metros, fosse de 380,33 — donde decorreu a necessidade de se traçarem mais de 11 linhas de partida. Uma confusão — mas que não deu para o torto. Por temor de que Estocolmo não tivesse hotéis com capacidade para receber condignamente as missões olímpicas de 27 países decidiu-se pela primeira vez criar uma «encantadora aldeia para albergar os sportsmen de todo o mundo». Não, não se ficaram por aí as novidades revolucionárias. Foi em Estocolmo que se introduziu a cronometragem electrónica e o photofinish nas provas de atletismo.

Campeão de natação, Leonardo da Vinci do surf, actor de Hollywood e herói salva-vidas
Duke havaiano que só Tarzan derrotou
Há quem considere Duke Kahanamoku o Leonardo da Vinci do surf, que durante quase dois milénios era como que uma expressão de arte polinésia. No século XIX o puritanismo americano tentou exterminá-lo, ninguém sabe bem porquê. Até que Duke reabilitou as imensas ondas do Pacífico com uma prancha de madeira de 16 pés... Mas antes disso já entrara, como um relâmpago, na história. Em Estocolmo sagrou-se campeão olímpico de 100 metros livres, todos o consideraram o maior nadador do Mundo. Um ano antes colocara o máximo mundial das 100 jardas em 55,4 segundos, foi o primeiro homem a quebrar a barreira do minuto, pulverizando Charles Daniels. A I Guerra Mundial interrompeu-lhe a carreira na natação. Regressou a Honolulu, à sua mítica praia de Waikiki — e a 15 de Janeiro de 1915 numa digressão pela Austrália converteu uma nação inteira ao surf... Nascera a 24 de Agosto de 1890, Duke lhe chamaram porque nesse preciso momento o duque de Edimburgo estava de visita ao Havai, acrescentando-lhe mais uma mão-cheia de apelidos: Paoa Kahinu Mokoe Hulikohola Kahanamoku. Com 30 anos, em Antuérpia, regressou aos Jogos Olímpicos e ganhou de novo os 100 metros, colocando o record mundial em 1.00,4. Quatro anos depois já não resistiu ao furacão Weissmuller mas mesmo assim, aos 42 anos, em Los Angeles-32, ainda ajudou os Estados Unidos a arrecadar a medalha de bronze no pólo aquático. Sete anos antes, a 14 de Junho de 1925, mais que um fantástico campeão, tornou-se herói nacional na América quando, ao aperceber-se de que um barco de recreio com 29 passageiros se estava a afundar na Corona del Mar, na Califórnia, se atirou às águas em turbilhão e conseguiu salvar oito vidas. Já era actor de Hollywood, contracenando com John Wayne, Wallace Berry e Ronald Coleman. Em 1962 Duke Kahanamoku regressou à sua ilha natal, abriu o mais famoso restaurante de Waikiki, John Kennedy e a rainha de Inglaterra fizeram questão de lá almoçar durante visitas de estado, foi eleito xerife de Honolulu e quando morreu, em Janeiro de 1968, as suas cinzas foram espalhadas sobre a boca do vulcão Kalahueweke, mesmo à beirinha da praia onde Duke realizara em 1932 o mais longo percurso da história do surf: uma milha e três quartos, na sua própria avaliação.

Kenneth McArthur campeão de maratona trágica
O ténis manteve-se no programa olímpico com provas em recinto coberto e em relva. O campeão ao ar livre foi o sul-africano Charles Winslow, que ganhou em pares a segunda medalha de ouro fazendo equipa com o compatriota Harold Kitson. Em femininos a francesa Marguerite Broquedis ganhou na relva e a inglesa Edith Hanann no indoor. Na maratona, trágica para Francisco Lázaro, vitória incontestável para o sul-africano Kenneth McArthur, que cumpriu os 42 quilómetros em 2.36.54 horas, batendo por quase um minuto o seu compatriota Christian Gitsham. Cortou a meta, estatelou-se na pista ocre de cinza, o coração a latejar, clamando em cicio por água. Foi o pânico no estádio e ainda não se sabia que a morte estava à beira de ceifar o português.

Sete falsas partidas nos 100 metros, falta de ouvidos e lenda do racismo
O negro não foi preso
A Federação Internacional de Atletismo (IAAF) fundou-se pouco depois da realização dos Jogos, definindo-se os resultados de Estocolmo como base para a listagem oficial dos recordes mundiais. Por capricho do destino o primeiro recordista de 100 metros não passou de... medalha de bronze. O americano Donald Lippincott vencera uma das eliminatórias com 10 segundos e três quintos — na final Ralph Graigh, o campeão, não conseguiu melhor, decerto pela complicação de sete falsas partidas. Numa delas Graigh e Lippincott percorreram toda a distância até à meta por não terem ouvido o apito de anulação, tiveram de voltar aos blocos e correr de novo no intervalo de dois minutos. Graigh venceu uma vez mais, as marcas é que se ressentiram. Mas não foi esse o único facto anacrónico da final. Outro haveria de transformar-se em lenda. Em várias publicações sobre a história dos Jogos se garante que o americano Howard Drew, por ser o único negro com possibilidades de ganhar medalha de ouro, foi fechado por um dos seus técnicos no balneário, para que assim os Estados Unidos «não passassem pela vergonha de exibir um campeão que não era branco»!!! Não é verdade. Drew, que até fora dos mais rápidos nas eliminatórias, ressentiu-se de lesão num tendão, ainda foi para a pista na final mas a sucessão alucinante de falsas partidas acabou por deixá-lo mais vergado de dores e saiu em lágrimas pelo buraco do ponto. Quando deram por ele estava fechado no vestiário em choro convulso, imprecando contra os deuses, que lhe terão roubado o sonho da sua vida — alguém confundiu lesão com manivérsia e pôs a correr, como fogo em estopa, a versão de que o tinham prendido. E foi passando, passando, passando.
 
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1912 – Jogos Olímpicos de Estocolmo

Rússia dos czares e império austro-húngaro à beira de ataque de nervos
Política de escudo minúsculo
Foram os primeiros sinais de irritação política nos Jogos. A Rússia dos czares mantinha sob jugo a Finlândia, que, após pressões várias e luta incessante de nacionalistas escandinavos, transformou, por distensão diplomática, num... grão-ducado. A Boémia, que depois da guerra haveria de tornar-se território checo, estava, a contragosto, debaixo da administração de Viena, enclausurada no Império Austro-Húngaro. Por isso, quando os torcionários se aperceberam de que a Boémia e a Finlândia se preparavam para desfilar com escudos e bandeiras tal e qual quaisquer outros países independentes, foi o burburinho, as ameaças de boicote, a guerra fria... O COI cedeu mas não muito, os boémios e os finlandeses desfilaram atrás de austríacos e russos transportando escudos minúsculos, acordando-se, contudo, que as suas bandeiras subiriam aos mastros no caso de ganharem medalhas. O czar e seus representantes nunca imaginaram que a Finlândia arrecadasse nove medalhas de ouro (e mais oito de prata e nove de bronze) — e por via dos Jogos de 1912 o mediatismo da sua luta de libertação foi verdadeiramente avassalador. Os boémios não tiveram a mesma sorte, nem uma medalhinha ganharam, ao contrário do que acontecera quatro anos antes, em Londres.

Ousadias?
Coubertin irritou-se com os fatos das nadadoras australianas. Considerou-os «ousados» por revelarem os contornos dos corpos. Uma delas, Fanny Durack, ganhando os 100 metros crawl à sua compatriota Wilhelmina Wylie, tornou-se a primeira campeã olímpica de natação. Nos saltos para a água a vitória coube à sueca Greta Joahansson. Para além disso apenas uma estafeta, de 4x100, vencida pelas britânicas — por se julgar que era «perigoso» (!) colocar senhoras a nadar mais de 100 metros.

Dez horas na luta greco-romana
Na luta greco-romana, categoria de levíssimos, o russo Martin Klein e o finlandês Alfred Asikainen (que seguira em frente graça a uma atitude escandalosamente prejudicial para António Pereira) estiveram mais de 10 horas em duelo sem que se conseguisse decidir o vencedor. Foi o mais longo combate de toda a história olímpica. Coisa parecida aconteceu nos meios-pesados — ao cabo de nove horas de luta entre o sueco Andres Ahlgren e o finlandês Ivar Bohling tudo empatado, os juízes, já impacientes, decidiram então entregar a ambos medalhas de prata, deixando o ouro sem dono — e os Jogos sem campeão.

Americanos transformaram veleiro em mimo de alta competição
O barco do labor
Os americanos fizeram a viagem de navio para Estocolmo. Mas não em veleiro qualquer. Adaptaram-no completamente às exigências da... alta competição, conceito então desconhecido. Para além de a alimentação dos atletas ser confeccionada em moldes especiais por cozinheiro integrado na missão, criou-se no convés um simulacro de pista, com piso em... várias camadas de lona, para que os treinos de todos os dias pudessem fazer-se com sapatos de bicos, como se fosse na pista de cinza. Havia também um ginásio montado, com pesos, halteres e outros apetrechos — e uma piscina... Por exemplo, no Os Sports Ilustrados, para além de se falar de todos esses luxos de sibaritas o cronista, embasbacado, notava que «os olímpicos dos Estados Unidos começavam a preparar as Olimpíadas um ano antes ou até mesmo 18 meses».

O outro índio americano
Não, Jim Thorpe não foi o único índio a brilhar nos Jogos de Estocolmo. Lewis Tewanima, que nascera na reserva hopi mas estudara também em Carlisle, ficou em segundo lugar nos 10 mil metros, batido apenas por Hannes Kolehmainen. Até 1964 mais nenhum americano conseguiu lugar no pódio em qualquer prova olímpica de fundo. Em Tóquio William Mills bateu o tunisino Gammoudi também na dupla légua e arrecadou a medalha de ouro que toda a gente julgava estar já certinha no bolso de Ronald Clarke, apenas terceiro.

Medalhas de Thorpe recusadas
Apesar de continuarem a figurar como campeões olímpicos de decatlo e de pentatlo, face à escandalosa desqualificação de Jim Thorpe, o sueco Hugo Wieslander e o norueguês Ferdinand Bie recusaram-se a receber, no ano seguinte, as medalhas que o COI exigira que o índio devolvesse. Porque, disseram ambos, para eles o campeão era Thorpe. Pura e simplesmente. Foi mais que bofetada com luva de cetim em Coubertin e seus próceres.

Hebner revolucionário de costas
Harry Hebner foi, sobretudo, um revolucionário na natação. Presente nos Jogos de Londres, Estocolmo e Antuérpia, entrou para a história essencialmente pelo modo como se sagrou campeão olímpico de 100 metros costas em 1912. Até então esse estilo era de peito invertido — mas Hebner aplicou o crawl de costas e arrasou toda a concorrência, batendo o record mundial por mais de três segundos, colocando-o em 1.21,2 minutos. Os juízes quiseram desclassificá-lo, não conseguiram porque apresentou-lhes o regulamento que determinava apenas a obrigatoriedade de o nadador permanecer de costas durante toda a prova. Foi o que ele fez — e desde esse dia nunca mais ninguém fez diferente.

Ralph rose, advogado das seis medalhas e dos «records» impossíveis
Febre tifóide matou Hércules
Era um verdadeiro hércules: 1,98 metros de altura e 130 quilos de peso. Ralph Rose se chamava. Nos Jogos Olímpicos de Saint Louis, em 1904, conquistou três medalhas: ouro no peso, prata no disco e bronze no martelo. Quatro anos depois, em Londres, revalidou o título no peso. Fulgurante, lançando sempre de chapéu na cabeça, alargava o record mundial para níveis julgados inumanos — em 1904 conseguiu 14,81 metros, cinco anos volvidos o máximo do peso já estava em 15,54 metros. No mesmo ano, num meeting em Healdsburg, na Califórnia, lançou o engenho a... 16,56 metros mas a marca não foi homologada, ninguém acreditou que fosse possível um homem alçar-se a proeza assim. E, na dúvida, perdeu Rose, pelo que 15,54 metros continuou a ser o seu record. Duraria 18 anos e 241 dias — muito mais que o próprio Ralph. Os 16,56 metros só seriam ultrapassados em 1934 por Jack Torrance! Ainda em Healdsburg lançou o martelo a 54,38 metros, ultrapassando a melhor marca mundial, e pelas mesmas razões o resultado não foi oficializado. Depois de, em Estocolmo, ter conseguido mais duas medalhas olímpicas, ouro no lançamento do peso a duas mãos e prata no lançamento tradicional, foi atacado por surto de febre tifóide e morreu em São Francisco, onde exercia funções de advogado, a 16 de Outubro de 1913, com 28 anos.

Quase 11 horas de doce solidão
No ciclismo, em que as grandes estrelas já estavam todas profissionalizadas, apenas uma corrida de estrada de 320 quilómetros constou do programa olímpico. A medalha de ouro foi parar à África do Sul. Rudolph Lewis, mal ouviu o tiro de partida lançou-se para a cabeça da corrida, solitário pedalou durante 10.42.39 horas — ninguém o levou a sério e por isso quando os favoritos atacaram já ele era inacessível, o inglês Frederick Grubb, segundo, só chegou à meta nove minutos depois do campeão.
 
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As Olimpíadas de 1912 também abriram espaço para os ídolos. Por exemplo, Arery Brundage, um atleta norte-americano que participou nas competições do pentatlo e do decatlo, viria a tornar-se, 40 anos depois, ou seja, em 1952, o presidente do COI, cargo que ocupou até 1972. Outro famoso foi Philip J. Noel-Baker, atleta britânico que participou nos 1.500m. Ele conseguiu em 1959, o prémio Nobel de Paz devido às suas contribuições para o desarmamento.
 
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1912 – Ciclismo e futebol
Primeiro Porto-Lisboa foi com bicicleta a quatro pernas

Laranjeira das ceroulas e da pausa para almoço
Em 1896 José Bento Pessoa gastara das Caldas a Lisboa, 5.12 horas — o feito foi reportado de «estupendo», rezam as crónicas que ganhou uma medalha de ouro «que valia mais de 20 mil réis» (!) e outro tanto «recebeu em dinheiro». Emílio Segurado e Gastão de Almeida Santos ligaram o Porto a Lisboa em bicicleta de dois lugares em pouco mais de 26 horas, a proeza teve igualmente tal retumbância que o Velo Clube de Lisboa projectou o I Porto-Lisboa para Maio de 1897, oferecendo prémios especiais em dinheiro para todos os que conseguissem fazê-lo em menos de 30 horas. Não se chegou a fazer. Foi preciso esperar até 1911. E mau foi o arranque. Por indefinições ou omissões no itinerário houve quem escolhesse caminhos vários entre o Porto e Coimbra, uns pelos Carvalhos e São João da Madeira, outros por Espinho e Cortegaça — e por isso a prova foi anulada. Charles George, ao serviço do Lusitano, fora o primeiro a chegar, não teve direito nem às medalhas nem ao dinheiro. E os outros 11 heróis também não. No ano seguinte, já sob jurisdição da UVP, enfim a normalidade. Vitória de Laranjeira Guerra, do Sporting, com 17.04 horas — dando-se até ao luxo de fazer uma pausa em Leiria «para se alimentar numa taberna de reconhecidos pitéus» (!) e também para que um «massajador lhe sacudisse os músculos das pernas, isto mesmo em cima das ceroulas, peça de vestuário de que nunca prescindia», como se pode ler na história do ciclismo de Gil Moreira. Joaquim Pereira da Conceição, vencedor do Porto-Lisboa em 1923 e 1924, a última vez já com 15.17.21 horas, obrigava a família no Bombarral a «fornecer-lhe canja, pouco quente, com pedaços de galinha misturados». Em 1912 nasceu a primeira prova por etapas, o Giro do Minho, ganho por Joaquim Dias Maia em 15.18 horas. De 1914 a 1918, o ciclismo esteve parado por causa da guerra. Só em 1919 a UVP lançou a Taça Portugal, cujo primeiro vencedor foi José Pereira da Conceição. Por essa altura as bicicletas pesavam entre 14 e 18 quilos, os aros eram de madeira — pasteleiras lhes chamavam. Se furo houvesse era a toalha atirada ao tapete, porque se demorava às vezes «quase uma hora a mudar os boyaux que substituíam os pneus e as câmaras».

Primeiro fantástico «record» de assistência num estádio de futebol
Mais de 120 mil
No dia 19 de Abril de 1913, na final da Taça de Inglaterra em que o Aston Villa bateu o Sunderland por 1-0, o Crystal Palace registou enchente de 120.081 espectadores, o que passou a constituir record mundial de espectadores numa partida de futebol. No campeonato o Sunderland desforrou-se e ganhou o título, à frente do Aston Villa. Na edição seguinte da Taça, precisamente no mesmo estádio mas já com assistência pouco inferior a 73 mil espectadores, Jorge V foi ao futebol. Pela primeira vez o rei de Inglaterra deslocava-se a um espectáculo desportivo envolvendo profissionais. A sua presença despertou maior interesse que o jogo em si, ganho pelo Burley, que bateu o Liverpool por 1-0. Desde a saída do Palácio de Buckingham até Crystal Palace o povo inundou as ruas, aclamando-o. No dia seguinte podia ler-se num jornal de Londres: «Esperemos que a presença do rei ponha ponto final no snobismo dos sportsmen que teima em ignorar a importância de desportos praticados por homens que ganham dinheiro com eles.»

Encurtar a mão ao «keeper»
O início da temporada de 1911/12 da Football Association ficou marcado por mais uma alteração às regras do jogo, que num ápice alastraria ao resto do Mundo. Os guarda-redes estavam limitados a jogar a bola com as mãos apenas na zona da grande- -área. A mudança deveu-se a um escândalo que ocorrera no campeonato escocês do ano anterior — quer o keeper do Motherwell quer o do Third Lanark utilizaram o vazio legal para agarrar a bola com a mão em qualquer zona do terreno e com essa artimanha conseguiram ambos marcar golos! O árbitro não pôde anulá-los mas os directores da FA correram a alterar a legislação, porque senão...
 
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1913-1914 – «Selecção nacional»
Quando a AFL fazia as vezes da federação de futebol

Primeiro jogo além-mar
Em 1909 a Liga Portuguesa de Futebol entrara em colapso. Já titubeava mas a morte de Januário Barreto, seu impulsionador e um dos pioneiros do jogo na Casa Pia, deu-lhe o golpe de misericórdia. Houve quem propusesse que os seus haveres fossem convertidos em dinheiro e o produto entregue a uma instituição de beneficência. Pedro del Negro recusou e resolveu constituir-se fiel depositário do património, que arrolou e encerrou num cofre-forte da empresa onde trabalhava. Foi com base nesses 80 mil réis em dinheiro, quatro taças de prata e um estojo («três das quais em poder do Sport Lisboa e Benfica»), um relógio de parede, 10 camisolas de flanela azul e branca e 35 toalhas, que se fundou a Associação de Futebol de Lisboa a 23 de Setembro de 1910. Para tomada de posse escolheu-se o dia 3 de Outubro, estavam os trabalhos a ser abertos quando Ernesto Martins Cardoso, um dos delegados, entrou na sala e esbaforido lançou a notícia: «Estalou a revolução republicana!» Precipitação, um frasco de tinta vermelha derramado sobre a papelada, um comentário premonitório de um dos elementos não descriminado sabe-se lá porquê: «Esta mancha vermelha é sinal de que a marcha será imparável» — trabalhos suspensos. E, assim, posse só depois, conforme acta que começa assim: «Aos dezoito dias do mês de Outubro de mil novecentos e dez, no Palácio Palmela, Largo do Calhariz...» Mas nem todos assumiram os cargos. O visconde de Alvalade foi escolhido para presidente da Assembleia Geral mas não aceitou. Guilherme Pinto Basto, indigitado para presidente da Direcção, também declinou. José de Alvalade, indicado tesoureiro, também disse não. Sim disseram, entre outros, Félix Bermudes, Cosme Damião, Pedro del Negro, António do Carmo, António Joaquim Sá e Oliveira, Carlos Vilar — todos eles os homens dos primeiros tempos, do nascimento e crescimento do jogo. Foi a AFL que, assim, manteve a chama acesa. Substituindo-se à Liga que morrera e à Federação que não passava de um projecto. Por via dela começaram a deslocar-se vários clubes estrangeiros a Portugal. Seria por instâncias da AFL que se fez a primeira visita de um «grupo português» ao Brasil, em Julho de 1913. Era a primeira vez que se jogava além-mar. Na tournée pelo Rio e São Paulo o misto de jogadores do CIF, Benfica e Sporting, perdeu três jogos, empatou dois e ganhou outros dois — e a vitória sobre o Atlético Paulistano ganhou foros históricos; por exemplo Mário Duarte, de quem o poeta Manuel Alegre descende, escreveu: «Num percurso de mais de um quilómetro, duas filas de portugueses, alinhados ao longo das ruas, aclamaram com louco entusiasmo os jogadores nacionais e a Pátria portuguesa, repetindo-se, à noite, na elegante a monumental estação do caminho-de-ferro de São Paulo, outra entusiástica e inolvidável saudação de despedida.»

Na verdade não se tratava da selecção nacional
Misto do «capitão» teimoso e hino que já não era
Durante algum tempo considerou-se que o primeiro jogo da Selecção Nacional de futebol se disputou a 27 de Agosto de 1910, em Huelva. Não é verdade. Quem lá jogou e ganhou por 4-0 foi um misto de clubes de Lisboa. O convite caiu primacialmente no CIF, que já jogara em Espanha, mas Eduardo Pinto Basto, reconhecendo que o «team do seu clube já não estava em condições de jogar condignamente no estrangeiro», sugeriu o Sporting, cuja Direcção se escusou à compita. João Bentes, o capitão, não se conformou, decidiu por livre iniciativa juntar aos futebolistas do seu clube quatro do Benfica e um do Sport União Belenense. Após 18 horas de viagem, «em dois coches, por estradas más e poeirentas», apresentaram-se para o confronto. O grupo entrou em campo ao som do hino nacional (mas porque os efeitos da revolução não poderiam ser instantâneos, o real e não A Portuguesa...), havia bilhetes pagos a 50 cêntimos (o equivalente a um tostão de cá) e «as mulheres quase rivalizavam com os homens em número na assistência». Os golos couberam ao benfiquista Luís Vieira e aos sportinguistas António Stromp e Francisco Stromp (2). Já agora refira-se que a primeira taça ganha (entregue pelo alcaide a Augusto Sabbo) pelo futebol no estrangeiro foi em Maio de 1909. O S. C. Bacense de Badajoz convidou o CIF para um «duelo ibérico» e perdeu por 0-3, por via dos golos de Vieira da Silva, Augusto Sabbo e Kruss Gomes. Em crónica publicada na Gazeta do Sport pode ler-se: «Augusto Sabbo maravilhou a assistência com a serenidade imperturbável do seu jogo.» Por essa altura começava, contudo, o Benfica a tecer a mágica teia que haveria de torná-lo no que é...

Génese da federação portuguesa de futebol
A Federação Portuguesa de Futebol refere o dia 31 de Março de 1914 como data da fundação. Começou por chamar-se União Portuguesa de Futebol, a 28 de Março de 1926 passou a designar-se Federação Portuguesa de Football Association e a 3 de Dezembro de 1938 assumiu a actual denominação: Federação Portuguesa de Futebol. A filiação na FIFA só foi oficialmente assumida como definitiva em 28 de Março de 1926, depois da a Selecção já ter efectuado quatro jogos contra a Espanha (perdendo sempre), ter batido a Itália por 1-0, em 18 de Junho de 1925, e ter empatado com a Checoslováquia no Porto, em Janeiro desse ano. O cenário era, então, de (quase) inércia. Entre 1914 e 1922 a presidência da UPF manteve-se nas mãos de António Joaquim de Sá Oliveira e a sede a funcionar no seu escritório particular.
 
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1913-1914
Primeiro título do Sporting com contratação polémica

36 Escudos e banho especial para Artur José Pereira
Foi a primeira grande transferência do futebol português. «Muito dinheiro» em jogo. Apesar de hipocritamente se continuar a insistir que os futebolistas eram todos amadores sem mácula. E os primeiros sinais também de que o futebol começava a asselvajar-se, a ilaquear-se em manobras de bastidores, às vezes ínvias... Artur José Pereira, que em 1946 Cândido de Oliveira consideraria o maior jogador português de todos os tempos, fora suspenso pela Direcção do Benfica por seis meses por se recusar a «treinar-se como qualquer outro jogador». Num ápice foi contratado pelo Sporting, que lhe pagou como a um génio. Afinal era isso mesmo que era. trinta e seis escudos por mês — o primeiro futebolista assumidamente remunerado da história de Portugal — e outros privilégios: «prioridade no uso da única banheira de água quente do Campo Grande» e, para que a pirraça aos benfiquistas fosse maior ainda, «decidiu-se nomeá-lo para o honroso cargo de capitão de equipa». Razão para o corte com o Benfica? Ele próprio o afiançou, em caramunha: «Quiseram castigar-me, beliscaram a minha dignidade.» Por isso bateu com a porta. Foi só por isso? Não, não foi, foi o canto de sereia que leoninamente José Alvalade lhe lançou, abrindo os cordões à bolsa. E valeu a pena o investimento. O Campeonato de 1914 foi ganho pelo Sporting, o primeiro da sua história. E logo depois disso mais cinco anos de jejum.

Francis Ouimet – Campeão do povo
Apesar de as competições de golfe datarem do século anterior esse era desporto que não despertava emoções fortes nos americanos. Mas, de súbito, tudo se transformou, durante a edição de 1913 do U. S. Open, disputada no Country Club de Brookline (Massachusetts). Francis de Sales Ouimet tinha 20 anos, era filho de um jardineiro que morava em frente ao selectivo clube, como caddy recebia 28 cêntimos para carregar os sacos das vedetas. Antes disso, quando o Sol ainda não raiara, saltava os muros do Country Club e treinava-se, solitário, aquecendo o sonho. À última hora resolveu increver-se no U. S. Open, escolhendo Eddie Lowery, de 10 anos apenas, para caddy — a sua ambição naquele momento era sobretudo estudar in loco o jogo de Harry Vardon, então o melhor jogador do Mundo, que com Ted Ray, também inglês, mantinha acesa rivalidade. Francis ganhou a ambos, a América ficou, assim, em estado de incontornável euforia — o golfe profissional ganhou um espaço mediático impressionante, de tal forma que actualmente os seus jogadores são dos mais bem pagos desportistas dos Estados Unidos. Tudo por causa de Francis Ouimet.

Porto... mas muito
O primeiro Campeonato Regional organizado pela Associação de Futebol do Porto foi em 1914. A vitória coube ao Boavista. Mas de 1915 a 1947 os portistas, acertando o passo, só não ganhariam as edições de 1918 (Salgueiros), 1940 (Leixões) e 1942 (Académico do Porto).
 
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1914 – Primeira estrela do boxe
Portugal teve um «boxeur» que arrasou Inglaterra e Alemanha

Guerra cortou punhos a Basílio de Oliveira
Basílio de Oliveira — já ouviu falar? A fama de Santa Camarão e Belarmino não se lhe compara. Malhas que o mediatismo ou outros caprichos tecem. Belarmino Fragoso, então, libertou-se da lei da morte muito mais que pelo furor dos seus murros — pelo papel gingão num filme ou pelo poema de O’Neil que diz assim: «Tiveste jeito, como qualquer de nós,/e foste campeão, como qualquer de nós./Que é a poesia mais que o boxe, não me dizes?/Também na poesia não se janta nada,/mas nem por isso somos infelizes./Campeões com jeito/é a nossa vocação, nosso trejeito.../Esperam de 1 a 10 que a gente, oxalá, não se levante/ — e a gente levanta-se, pois pudera, sempre./ Mas do miudame levámos cada soco!/Achas que foi pouco?/Belarmino:/quando ao tapete nos levar/a mofina,/tu ficarás sem murro,/eu ficarei sem rima/pugilista e poeta, campeões com jeito/e amadores da má vida.» Basílio de Oliveira radicou-se em Manchester, pela Inglaterra e pela Alemanha combateu, sempre como amador, passou vários anos a ganhar todas as lutas em que se meteu. Em 1914 fez digressão por Portugal, «para tentar dar impulso ao boxe», o jornal Sport de Lisboa pôs até jornalista a acompanhá-lo na viagem no Aragon, nessa reportagem dizia que o seu segredo era simples: «Treino, muito treino, vida regrada, nada de fumo ou de álcool, aproveitando todo o tempo livre para fazer sport.» Por isso até no barco montou arremedo de ginásio e Plácido Duro, autor da peça, que fora um dos melhores jogadores portugueses de futebol, sublinha: «Basílio levantava-se às seis da manhã, assaltava um pouco com dois americanos que também seguiam no barco, passava o tempo em boa ginástica sueca, saltos à corda e punching ball que o imediato do Aragon amavelmente mandou armar no deck superior.» O sonho do boxeur estava centrado nos Jogos de Berlim. A guerra ameaçava, esse sonho haveria de perder-se na vertigem dela. Quando chegou Antuérpia já era tarde, a sua chama esvanecera-se apesar de continuar a lutar durante mais alguns anos, em várias publicações se insinua que foi em 1936 que uma medalha olímpica passou ao lado de Basílio de Oliveira.

Norris Williams ganhou US Open dois anos depois de estar à beira da morte

Salvar-se do «Titanic» e dos pés cortados
Em 1912 Richard Norris Williams e Karl Behr figuravam entre os mais de 2220 passageiros que, nas docas de Southampton, embarcavam no Titanic com destino a Nova Iorque — na tão ansiada viagem no navio dos sonhos. Apesar de ter nascido em Genebra, em 1891, Dick Williams era filho de um conceituado advogado de Filadélfia que, por razões de saúde, se havia radicado na Suíça. Já tenista renomado, Norris decidiu ir estudar para a Universidade de Harvard, combinando com o pai fazer a travessia do Atlântico no navio inafundável. Foi um dos 705 sobreviventes mas viu o pai ser engolido pela fúria do mar. Williams, então com 21 anos, esteve durante seis horas com as pernas presas na água gelada, resgataram-no ferido para o hospital, os médicos logo decidiram amputá-lo, não deixou. No ano seguinte estava de novo a jogar ténis, estreando-se na selecção dos Estados Unidos que recuperou a Taça Davis. Em 1914 ganhou o U. S. Open, disputado em Newport (Rhode Island), batendo na final adversário chamado... Karl Behr, que como Norris sobrevivera do drama do Titanic. Possuidor de um estilo totalmente ofensivo — há quem diga que se fosse mais prudente teria arrecadado ainda mais competições —, Williams voltou a ganhar a prova norte-americana em 1916, juntando ao seu palmarès os títulos de pares em 1926 e pares mistos em 1913. E esteve ainda nas vitórias americanas na Taça Davis em 1921, 1923, 1925 e 1926. Em 1920 ganhou Wimbledon em pares e foi campeão olímpico de pares mistos, formando equipa com Hazel Wightman — ilustre senhora que haveria de se afamar ainda mais com a taça com o seu nome.

Quebrar o gelo
Filhos de um multimilionário, Lester e Frank Patrick pediram, em 1911, um empréstimo ao pai para construir os dois primeiros rinques artificiais de hóquei no gelo do Canadá, nas cidades de Vancôver e Victoria. E, a talho de foice, fundaram a Pacific Coast Hockey Association (PCHA). Acumulando funções de jogadores-treinadores, directores e proprietários, durante 13 anos introduziram, para além de tácticas revolucionárias, uma série de inovações na modalidade — os dois árbitros, o penalty, números nas camisolas, assistências na estatística, sistema de play-off (ainda em vigor) — que mais tarde, quando em 1917 a PCHA foi absorvida pela americana National Hockey League (NHL), acabaram aproveitadas na sua totalidade. Para cativar o maior número de espectadores, a partir de 1918, os campeões da PCHA e da NHL passaram a encontrar-se numa finalíssima disputada em sistema de play-off à qual se deu o nome de Stanley Cup e que teve nos Toronto Arenas os primeiros vencedores. Por via dos irmãos Patrick o hóquei no gelo empolgou o Canadá, primeiros campeões olímpicos da história em 1920, em Antuérpia — e pelo tempo fora foi correndo frase que se tornou famosa: «Os canadianos aprendem a patinar antes de saber andar.»