Estórias da nossa história

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Os «cachets» e os maltrapilhos.

Caiu o Carmo e a Trindade quando o F. C. Porto pediu sete contos para jogar em Lisboa! Revelaram-se segredos e deliciosas foram algumas justificações para a «perversão»

Mas as condenações ao «vírus» do profissionalismo estendiam-se, também, a clubes que exigiam «cachets» para jogar fora de portas. «Os Sports», de uma vez, zurziu o F. C. Porto «por descobrir que o clube exigira... sete mil escudos para ir jogar a Lisboa»! Contudo, António Cardoso Pinto Faria garantiria que o telegrama comprometedor nem sequer fora enviado pela Direcção portista — lançando, a talho de foice, acerado contra-ataque: «Apresso-me, antes de tudo, a dar o mais pleno aplauso à campanha de moralização por V. aberta, e com a qual muito tem a lucrar a Causa Desportiva. Se as vozes tivessem chegado ao céu, com provas de tal modo convincentes, não teríamos a desagradável situação que se está vendo e de que o F. C. Porto — se participa nela — sofre por fenómeno enorme de reflexão... Não posso deixar de protestar contra a classificação que deram ao telegrama que o Futebol Clube do Porto para aí mandou. Discordo e protesto. Primeiro, porque o telegrama nem é do F. C. Porto nem é oficial. É a resposta do sr. José Jerónimo Faria e resposta particular — publicada sem autorização do remetente — a um simples postal do sr. Ilídio Nogueira (pessoa que tratou da ida do F. C. Porto a Lisboa). Segundo, porque não é famoso nem ridículo um telegrama que responde, em boa letra e boa paga, à atitude desinteressada de certos clubes de Lisboa. Expliquemos isto melhor e com as provas que o caso requer. Tudo quanto aqui fica escrito prova-se com documentos oficiais, cujos originais estão à disposição de V. se assim o julgar preciso. Enumeremos alguns, que o sudário é longo... O Belenenses exigiu todas as despesas pagas, com dez contos de subvenção, que depois passou a cinco, atendendo ao fim beneficente, e estes pagos adiantadamente em Lisboa. Foram em cheque à sua ordem 4500 escudos (por intermédio da Casa Bancária Ferreira Alves) e o restante pago aqui. ‘Para que exigiram dinheiro, tendo todas as despesas paga?’ — pergunta formulada por V. no seu artigo. ‘Certamente, ou para arrecadar nos cofres e, então, é uma colectividade profissional, ou para distribuir pelos seus homens, e estes, portanto, são profissionais’ (resposta dada por V. no mesmo artigo de ‘Os Sports’). O Sporting Clube Olhanense — campeão de Portugal — exigiu despesas pagas de Olhão ao Porto e vice-versa, hospedagem nesta cidade e mais dois dias de estada em Lisboa e... sete contos de indemnização. Não é ridículo e famoso? O Casa Pia Atlético Clube exigiu despesas pagas e 10 por cento da receita bruta. Recebeu mais de 300 escudos. Ora, depois desta maravilha toda, e maravilha famosa e ridícula, é que o F. C. Porto, pela primeira vez e por fenómeno de reflexo, procedeu como se viu. Mas procedeu assim por intermédio de terceiros e sem conhecimento beneficente da festa, sem saber de pormenores, o que aliás se compreende pelo texto do telegrama particular que foi publicado, visto que o jogo, sendo com o Belenenses, se ele o soubesse, a resposta lógica e em conformidade com o telegrama, seria: ‘Não jogamos com o Belenenses’. Isto é claro ou tal lógica seria um batatão...» A seguir à transcrição dessa carta-em-jeito-réplica de António Cardoso Pinto de Faria, «Os Sports» comentava: «A carta do sr. Pinto Faria elucida profundamente o nosso meio desportivo, provando que o campeão do Norte não era a descoberta de semelhante elixir e que, neste capítulo, os clubes do Sul eram autênticos professores!»


O «cachet» do Belenenses para «bem vestir»!

Entretanto, aos borbotões, vieram a público os outros documentos que provavam que o «vírus» estava já entranhado, um pouco por todo o lado. Desvendou-se um telegrama do Carcavelinhos, datado de 9 de Outubro de 1923, endereçado ao F. C. Porto, cujo conteúdo não deixava margem para dúvidas: «Podemos jogar nas datas marcadas; 15 pessoas; condições do costume e 500 escudos de subvenção.»
Mais concludente ainda uma carta do Belenenses, de 26 de Setembro de 1924: «Em nosso poder um telegrama assinado pelo sr. Emílio Viterbo, convidando o nosso clube a ir a essa cidade nos próximos dias 5 e 6 de Outubro para jogar com o vosso e com o Boavista. As condições da nossa saída de Lisboa são as seguintes: viagem em segunda classe, com comida, para 14 jogadores e dois directores; hospedagem em bom hotel; indemnização: 5000 escudos. Estas condições são devidas aos desafios que se destinem a fins beneficentes, porque em caso contrário a nossa primeira categoria não sairia de Lisboa senão com a indemnização de 10 mil escudos»... O F. C. Porto, achando estranha a atitude e «exageradíssima» a verba solicitada por dois jogos apenas, para mais organizados com fins caritativos, pediu explicações, através de telegrama, enviado a Belém. E, dois dias depois, pela mesma via todas as dúvidas apagadas: «A indemnização de 5000 escudos não é para dar entrada nos cofres do clube, mas sim para pagar aos jogadores os dias que perdem, pois como V. sabem são todos operários e não podem prejudicar os seus interesses e também temos de lhes dar algum dinheiro para as suas despesas extraordinárias. O nosso clube não tem fundos para cobrir prujuízos que possam advir com as saídas do nosso team e muito menos nesta ocasião em que estamos tratando das obras do nosso campo de jogos e da sede. E como V. também sabem, quando saímos de Lisboa desejamos levar os nossos jogadores decentemete arranjados, a fim de não parecerem maltrapilhos, e eles não podem com essas despesas, pois os seus salários apenas dão para o seu sustento e dos seus.»
Estultícia seria, assim, continuar a tapar o sol com a peneira. Por isso, em «Os Sports», num tom choroso, como se as mentalidades se tivessem pervertido e o futebol se tivesse afundado numa fossa de ignomínias, profissionalizando-se, comentava-se com algum lirismo: «Os documentos que reproduzimos seriam noutro país, por exemplo na Inglaterra, mais do que suficientes para servir de base a um inquérito ao ‘amadorismo’ dos nossos clubes de futebol. Entre nós, o assunto não merece a mínima atenção às Associações dirigentes, e havemos de cair no profissionalismo descarado e vergonhoso que se dá no país vizinho.»

A percentagem do Benfica e os cinco contos do Sporting.

Mas havia mais segredos para desfazer. Sobretudo a norte. Na passada, na ânsia de defesa da honra amesquinhada, no jornal «Invicta Sport» escrevia-se: «O Benfica, na última vez que veio ao Porto, exigiu uma subvenção igual a 10 por cento da receita bruta nos desafios em que participou. O Sporting, também na última vez que veio ao Porto, recebeu uma subvenção de cinco contos. Estes factos dispensam comentários. Lisboa levantou-se irritada contra a exigência do F. C. Porto, que nunca recebeu nada a tal título. Quer dizer: o F. C. Porto tinha de pagar aos grupos da capital o que eles quisessem e devia ir a Lisboa de graça! Era o que eles, afinal, pretendiam.»
In «abola»
 
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Acabei de matar um atleta...

Velez Carneiro envolveu-se em alteração com um homem e esbofetou-o. Gesto fatal. Alguns minutos depois agonizava com quatro tiros na cabeça

A rua tinha o aspecto trágico de uma pobre nesga de cidade que não passa de um farrapo sujo e negro. Velez Carneiro conversava com amigos junto de uma das portas do Café Chave d’Ouro. Dele se abeirou um homem de faces rosadas, que em sussuro lhe disse qualquer coisa ao ouvido, pedindo-lhe, depois, que o acompanhasse. Velez disse aos amigos que o esperassem, descendo para a Travessa dos Congregados. A noite descia sobre o Porto. Notavam-se as cores sombrias e os traços violentos das grandes obras dramáticas nas sombras que se desenhavam à beira de um velho lampião, enquanto os dois homens, no calor da altercação, se engalfinhavam um no outro...
No «Jornal de Notícias», de 19 de Maio de 1925, a descrição do drama: «Notou-se desde logo que a discussão era agressiva, tempestuosa. Um e outro increpavam-se com violência, em gestos desabridos. Sempre discutindo, vieram até junto da porta do Hotel Aliança, para retroceder novamente. Foi então que, a uma palavra mais insultante, o Velez cresceu sobre o Carmindo, agredindo-o à bofetada. Um vendedor de jornais — Alfredo Costa, o ‘Carequinha’ — que estacionava próximo do Pomar, que ali existe, viu a cena, registou a atitude de Velez Carneiro, um dos seus ases no futebol, e de si para si augurou que aquilo ia acabar mal. Esbofeteado, faces ardendo como braseiros — é o ‘Carequinha’ quem conta — o Carmindo tem esta frase: ‘Espera-me. Não tardo um minuto E desaparece. Velez Carneiro, que não freme, fica-se, muito tranquilo, aguardando. O assassino corre ao Café Paris, dois passos adiante, e sem delongas, reaparece, numa aparição súbita, já armado, disparando sobre o desgraçado sportman, que atingido na cabeça cai sobre as pedras da estreita ruela — de costas, jorrando sangue. Aquele tiro não basta. Doido perdido de raiva, feroz — o Sr. Carlos Augusto, da Rua de São Sebastião, que assistiu à cena, disse-nos: ‘Eu nem me cheguei. Metia medo —, toldado de todo o juízo, ajoelha sobre o peito da vítima, curva-se num sinistro trejeito de ódio e à queima-roupa, cruel, selvaticamente, dispara de novo. O infeliz, esmagado sob o corpo do seu agressor, atravessado de balas, está imóvel — a respiração é um ciciar longínquo de folhas batidas de leve brisa. O rosto desaparece sob uma mancha de sangue — empastado e negro. Os membros, na semi-inércia que precede a morte, descambam lassamente»...


A pistola, o sangue, o bouquet e os pobres

Carmindo Ferreira Duarte, escriturário principal do Minho e Douro, o assassino, com uma frieza impressionante, ergueu-se do corpo de Velez que definhara já, morto na rixa aquecida por ódios antigos, na calçada irregular e aventou: Acabei de matar um atleta...» Um polícia, à paisana, assomou à ruela e, dando ordem de prisão a Carmindo, perguntou-lhe pela pistola: Não sei... Atirei-a p’raí!...»
Juntou-se povo que o imprecava, havia quem, socando-o, quisesse logo fazer justiça popular. O chefe Tavares teve de abrir caminho disparando tiros para o ar...
Apesar da sua confissão, ao chegar à esquadra Carmindo entrou a negar que fosse ele o assassino, afirmando que apenas interviera para separar dois contendores em luta e que «nem sequer conhecia o morto»! Tem um joelho coberto de sangue, sangue nas botas, sangue no sobretudo. Pálido, de olhos aflitos, mãos trémulas, numa voz de melopeia, descolorida, monótona, numa sala cheia de polícias, murmurou: «Sangue?! Não sei como isto foi, só sei que não matei, que não conhecia o morto...»
Nunca explicaria se foi apenas por causa da bofetada que o prostrou que matou Velez Carneiro, que tinha 27 anos, deixando viúva. Começara a jogar futebol no Sporting, aos 15 anos, ingressando no F. C. Porto em 1920, suspeitando-se de que fosse um dos primeiros jogadores semi-profissionais do clube que, secretamente, lhe pagava casa e alimentação. Dotado de temperamento impulsivo (no campo e na vida), possuía, contudo, um carácter bondoso e leal que lhe granjearia simpatias na cidade, de tal modo que, por esse tempo, era um dos mais arrebatantes ídolos do F. C. Porto... Por isso, o seu funeral foi imponentíssimo, incorporando-se no préstito, depois dos responsos, acompanhados a órgão, ao som da «Marcha Fúnebre», da Constituição ao Cemitério de Paranhos, milhares de pessoas, chorando ao longo das ruas. No «Jornal de Notícias», de 22 de Maio, contou-se: «Muito antes da hora marcada para a saída do féretro, que estava colocado numa das dependências do balneário do clube, já o Campo de Jogos da Constituição regurgitava de pessoas. Depois de dar a volta ao campo, o féretro, conduzido pelos jogadores do team de que o finado fazia parte, foi colocado ao centro do campo, mantendo-se o público em silêncio durante cinco minutos, que foram observados religiosamente. Findo este recolhimento que impressionou, a Direcção do F. C. Porto procedeu à colocação da bandeira do seu clube sobre o féretro. O capitão da equipa, Hall, conduzia sobre uma almofada de cetim preto as medalhas oferecidas ao falecido jogador.» Uma nota final: o Académico do Porto, na impossibilidade de adquirir um «bouquet» de flores, entregou à Direcção do F. C. Porto a quantia de 100 escudos, a qual, por sua vez, a fez distribuir por cinco jornais desta cidade, para os pobres seus protegidos. Sabiam que um dos maiores prazeres de Velez era ajudar desafortunados da vida.
In «abola»
 
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A angústia de 100 «leões».

Com Viana vestida de azul e branco, os sportinguistas tiveram entradas e saídas de sendeiro. E o F. C. Porto recuperou o título. Em homenagem a Velez

A final do Campeonato de Portugal da época de 1924/25 seria, por via da morte trágica de Velez Carneiro, marcada por profunda emotividade. Os portistas, num impressionante culto de energia, querer e sentimento, prometeram a si próprios ganhar, para que Velez ganhasse também. E foi com essa tenção, forte vontade e do coração que partiram para Viana do Castelo.
Na baliza, o F. C. Porto apresentava Siska, que se estreara algumas semanas antes, em partida com o Celta de Vigo. Sob maus prenúncios, já que os portistas seriam goleadíssimos, perdendo na Galiza por 9-2 (!). Contudo, desta feita, em mais uma final contra o Sporting, o húngaro acabaria por ser factor de desequilíbrio... Apurados portistas e sportinguistas para a final, levantou-se rija polémica em torno da escolha da cidade onde se fizesse a disputa. Os lisboetas preferiam Coimbra ou, em segunda escolha, Santarém, mas os nortenhos, recusando Coimbra, propuseram Viana do Castelo. E foi por sorteio que os poderes federativos marcaram o jogo para o Minho.

48 Carruagens do Porto e apenas 100 «leões».

A seis dias apenas do dia marcado para o desafio não havia em Monserrate recinto capaz para desafio de tal categoria. Pois, apesar disso, em apenas seis dias os vianenses montaram o campo, com 101x65 metros, um ground lindíssimo, com peões, tribuna central, 16 camarotes e bancadas laterais, que foram construídas em menos de uma semana, tendo custado 12 contos de réis.
De cinco mil pessoas que se acomodaram em volta do terreno, três mil foram do Porto em dois comboios especiais com 24 carruagens cada um. Os comboios ordinários foram, também, pejados de gente e pela estrada alcançaram Viana centenas de automóveis, todos eles a abarrotar e com bandeiras tremulando ao vento. Assim, Viana vestiu-se de azul e branco. De Lisboa tinham ido pouco mais de 100 pessoas. Por isso, os sportinguistas queixaram-se do árbitro e do... ambiente.
Na crónica que publicou em «O Sport de Lisboa», Ricardo Ornelas sintetizou assim o jogo que valeu ao F. C. Porto o seu segundo título de campeão de Portugal: «A vitória portuense foi merecida porque o F. C. Porto jogou efectivamente melhor de que o representante de Lisboa e porque, a par dessa superioridade técnica, lutou pela vitória com entusiasmo e com alma e demonstrou, a cada momento da partida, uma perfeita compenetração do encargo que lhe cabia pela representação da sua cidade. O Sporting, pelo contrário, jogou sem convicção. Saiu ao campo vencido por factos que devia desprezar ou esquecer. Inferiorizou-se, deixando-se dominar por factores que lhe deveriam dar coragem e ânimo. Preocupou-se com o público, portuense na maioria; influenciou-se com a alma dos adversários; e desmoralizou-se com os erros do árbitro.»
A arbitragem coube ao galego Rafael Nunez e fazendo fé em Ricardo Ornelas «a grande penalidade que deixou o Sporting K.O. foi simplesmente bárbara», errando assim e errando também ao anular um golo ao Sporting, alegando mão de Portela, que não existiu, mas «em compensação validou o ponto de Jaime Gonçalves, apesar de a bola ter sido aconchegada com a mão, antes de atirada».
Os golos portistas foram apontados por Norman Hall e Coelho da Costa, tendo o F. C. Porto alinhado com Siska; Júlio Cardoso e Pedro Temudo; Humberto, Coelho da Costa e Floriano; Freire, Balbino, Flávio, Hall e Nunes.
In «abola»
 
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Caro Dragão Palmela, a NOSSA história é para ser partilhada por todos os PORTISTAS, mais não faço do que a minha obrigação. Como certamente sabes, há várias versões da história do FC PORTO e esta aqui, apresentada sob a forma de fascículos, é de tal maneira rica em pormenores que vale a pena lê-la e guardá-la.
Saudações.
 
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Notas secretas e gillettes de ouro!

Pela reconquista do título, os jogadores do F. C. Porto receberam gillettes de... ouro. Era prémio mais apetecido do que as (secretíssimas!) notas de 100 escudos.

Com a vitória, em Viana do Castelo, do F.C.Porto na final do Campeonato de Portugal, Domingos Almeida Soares ganhara a aposta arrojada que fizera como presidente, contratando, para substituir o mítico Adolphe Cassaigne, o húngaro Akos TezIer, pagando-lhe mil escudos por mês de ordenado. Heresia, clamaram alguns fundamentalistas do amadorismo sem mácula, mais se arrepelando ao saber-se que muitos dos jogadores portistas eram profissionais em jeito de tartufo. As críticas calaram-se na euforia da vitória. É sempre assim. E o Porto, na febre da glória reconquistada, saiu em festa, no prolongamento de São João, num sentimento alucinante, que se tornava ténue ardor à flor da pele, formigueiro no corpo, palpitar no sangue, como se, de súbito, a cidade descobrisse novos heróis, os heróis da bola.
Num tom épico, a (portuense) revista «Sporting», em cujo cabeçalho se exaltava a divisa «Pela Raça», retratou assim o ambiente da cidade: «Não podiam as Festas da Cidade ter como remate melhor acontecimento — e assim numeroso público se dirigiu a gare de São Bento, acompanhado de uma banda de música, a aguardar a chegada dos comboios. Ao entrarem nas agulhas a multidão que enchia a gare rompeu unissonamente em palmas e vivas, saudando nos recém-chegados o F. C. Porto. Fora da estação imensa multidão aguardava igualmente os recém-chegados. Um grupo de populares, empunhando archotes, improvisou um cortejo que com a referida banda de música à frente percorreu várias ruas, vitoriando e aplaudindo o campeão de Portugal. O povo do Porto, que enchia as ruas do percurso, associou-se à manifestação correspondendo com calor e entusiasmo às manifestações de regozijo».

Os incrédulos lisboetas boato e o placard do Rossio.

Porque é na alegria que mais se refina a ironia, numa das suas edições seguintes, a mesma revista publicava (deliciosa) nota do seu (anónimo) correspondente em Lisboa: «Causou sensação (em Lisboa) a notícia da vitória do F. C. Porto. 0 público orientado pelos jornais daqui julgava fácil a vitória do Sporting e daí quando chegaram as primeiras notícias não acreditou nelas e resolveu aguardar mais informes postando-se em frente ao placard de «O Século», no Rossio. Já passavam das 21 horas quando o boato foi confirmado e não se pode imaginar a decepção dos lisboetas. Até bastante tarde a aglomeração foi grande em frente do referido «placard», o único que deu esse informe às gentes desportivas de Lisboa. Sic transit gloriae mundi.»
E mais anunciava que os senhores João Machado da Conceição e Companhia Limitada, de Lisboa, como representantes da importante fábrica de máquinas Gillette, de New York, ofereceram por intermédio dos seus agentes nesta cidade, os snrs. Pacheco, Barros & C!\", onze máquinas Gillette de ouro aos onze azes do primeiro grupo do F. C. Porto, campeão de Football na época de 1924-25, as quais se encontram em exposição na casa dos snrs. Alfredo Couto & Cª, à Rua de Sã da Bandeira, 121».
As máquinas Gillette eram o prémio mais apetecido dos campeões de Portugal, fazendo fé no que se escreveria, por essa altura, em o «Eco dos Sports»: «Um dos melhores brindes que se costumam distribuir aos jogadores do «team» vencedor do Campeonato de Portugal é sem dúvida o das onze máquinas Gillette, gravadas em ouro, estojo completo com espelho, pincel, sabão e lâminas. No primeiro ano em que a firma João Machado da Conceição e C.ª pôs em disputa os onze valiosos estojos saiu vencedor o Sporting Clube Olhanense. Tal sucesso causaram as maravilhosas máquinas de barbear que a Direcção do simpático clube algarvio comprou-as aos seus jogadores por onze mil escudos, figurando hoje os estojos na vitrina destinada aos grandes troféus ganhos pelo Olhanense.»
Talvez. Porque nos sussurros dos cafés do Porto, onde as notícias do sport se mercanteavam, nos deliciosos canais da tertúlias, se dizia que pela vitória sobre o Sporting, os campeões de Portugal tinham recebido simbolicamente... 100 escudos! Mas em segredo, porque ninguém queria vestir a pele de profissional do futebol.
As festas e as homenagens sucederam-se umas às outras. Tempo houve ainda, contudo, para o sentimento, quando em Junho de 1925, com a época no fim, F. C. Porto e Boavista se defrontaram, empatando 3-3, em partida para recolha de fundos para a construção do mausoléu de Velez Carneiro, que, entretanto, passara a ter o nome na que fora a Rua do Covêlo. Em sua memória.
In «abola»
 
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Lisboa, a ofensa e a humilhação.

O Marítimo bateu, no Campo Grande, o F. C. Porto por... 7-1! Rasgaram-se cartões, abalaram-se consciências — e clamou-se contra o público de Lisboa

A Kos Teszler ganhara aura de mago. Como se pela magia do futebol que impusera no F. C. Porto permitisse todos os sonhos — ou fosse o comburente deles. Não seria preciso esperar muito tempo para que a chama bruxuleante que ardia em todos os jogadores, todos os dirigentes, todos os portistas, se afogasse num mar de desespero. Nas meias-finais do Campeonato de Portugal de 1925/26, o céu como que desabou sobre a suas cabeças. O F. C. Porto perdeu com o Marítimo, no Campo Grande, por resultado expressivo: 1-7(!). Inimaginável.
Foram sete! E, segundo todos os jornais de Lisboa, mais teriam sido, não fora... Miguel Siska. Em «Ecos dos Sports» escreveu-se: «Esta é a verdade: Siska não foi batido só pelo ataque do Marítimo, mas, sobretudo, pela sua própria defesa. Siska foi no grupo do Porto o único que jogou. Ele teve, na realidade, um trabalho extenuante, porque os avançados da Madeira atiraram ao goal quase quando e como quiseram. Assim desajudado qualquer guarda-redes sucumbiria. A arbitragem de Ilídio Nogueira foi, quanto a nós, muito acertada, não se perturbando ante as ruidosas manifestações do público que, a todo o transe, queria fouls contra o Porto».

Esperanças assassinadas.

Os portistas, inesperadamente, crisparam-se de nervos, afundando-se na peleja, como sombras de si próprios. Assassinadas todas as esperanças pela vozearia das gentes de Lisboa que (naturalmente ou talvez não) colocaram os seus corações e os seus gritos ao lado do Marítimo. Nenhum jornal o escondeu e o «Eco dos Sports» anunciava: «O público mostrou-se de uma parcialidade um tanto ou quanto exagerada para com os homens do Funchal. À parte Siska, raro se ouviu um aplauso aos rapazes do Norte. Não concordamos, mas não temos na nossa mão o remédio imediato para evitar essas manifestações de multidão. Mas como no Porto o Belenenses jogou numa atmosfera idêntica à do Porto em Lisboa, ficamos cientes de que a lei das compensações não é um mito e que, afinal, como sempre, os extremos se tocam ».•
Apupos e cartões rasgados

E adiante: «Na Invicta parece que carregaram um pouco as cores ao quadro dos factos ocorridos no Campo Grande. Não vimos que a assistência hostilizasse de princípio ao fim do jogo, os homens do Norte. Estes foram saudados pela assistência, assim como o Marítimo, embora os madeirenses o tivessem sido mais calorosamente, é inegável. Pelo decorrer do jogo, sim, o público manifestou-se desagradavelmente, rindo das jogadas infelizes dos portuenses — especializando Balbino — facto que os deveria ter enervado, mas que não podia dar causa a tão grande desastre. Não ouvimos insultos, não vimos agressões, nada. Só isto, o que já não é pouco: parte do público escarnecendo das más jogadas do F. C. Porto, gritando fouls contra o F. C. Porto, e bastantes incitamentos e aplausos aos homens da Madeira».
Registos ainda de como a humilhante derrota deixou o Porto a naufragar em desespero. «A estrondosa derrota que o F. C. Porto sofreu parece ter espalhado uma certa confusão no espírito dos portuenses. Assim, houve sportmen que bramaram, indignados, contra o seu representante, calcando aos pés os emblemas, etc. Quer-nos parecer que esta atitude, sendo absolutamente injusta para com um clube que tem honrado brilhantemente, não só a região a que pertence, mas também o próprio sport nacional, não é própria de «sportmen».
A abracadabrante goleada deixou, naturalmente, os portuenses de nervos em franja. Por muito tempo. Acamara já a poeira, esquecera-se já a dor do tempo da penumbra das esperanças perdidas — e eis que a Direcção do F. C. Porto, em jeito de catarse e... autodefesa, já que perdido o fianco, Domingos Almeida Soares começava a ser abertamente contestado, acusado de gastos exorbitantes com o futebol, talvez mais de 200 contos em dois anos apenas, recuperou o bode expiatório... lisboeta. «Fornos vencidos por um pesado «score», para o qual vários factores concorreram, que abstemos de analisar em toda a extensão e em todas as suas causas derivantes, passada que é já a prova, e sem que dessa análise possa resultar qualquer benefício. É, contudo, indispensável acentuar, uma vez mais, a urgente necessidade das próximas Direcções encararem o problema e estudarem-no a fundo junto da Federação Portuguesa de Futebol, na questão que se refere a estes desafios se realizarem, de futuro, em campos que ofereçam seguras garantias de neutralidade, e não sujeitar mais um vez, não os representantes desta cidade nem deste clube, mas do Norte, porque foi como tal que nos apresentámos em Lisboa, aos vexames que mais uma vez sofremos por parte do público que assistia ao desafio, e num ambiente hostil criado por todo ele. Tratando-se de grupos, ambos estranhos a essa cidade, era natural, era justo e era lógico, que não se manifestasse mais uma vez, tão profundamente, essa antipatia formidável que o Sul mantém pelo Norte. Lastimamo-lo sinceramente, porque desejamos não vão cavar cada vez mais fundo o abismo das malquerenças que vai continuamente separando os desportistas das duas regiões; e sentimo-lo especialmente, pois gostaríamos de ver a família desportiva dar o exemplo da união que faz a força, e da qual depende, em grande parte, o bem da Nacionalidade. O sport deve ser uma escola de valor e lealdade, alheia a paixões mesquinhas que não enobrecem mas aviltam, e tornam estéril o esforço de tantas dedicações. O orgulho, quando limitado, é uma virtude e não um defeito, e portanto não poderemos ser nós tantas e tantas vezes ultrajados, que vamos esquecer e menosprezar a dignidade da nossa terra, que é a nossa própria dignidade. Ponhamos, pois, um dique à onda tremenda de dissenções que ameaça destruir toda a nobreza de um Ideal, e se não desejamos ferir, agravando um mal já de si tão grande, ponhamos ao menos nestas palavras o nosso veemente protesto e que ele seja ouvido pelos dirigentes do futebol nacional, onde estão representantes desta terra, não permitindo uma submissão e uma escravatura deprimentes, que nos colocam num férreo círculo de inimizades. Se não podemos contar com uma amizade leal, haja ao menos uma neutralidade e um respeito mútuo que se impõe. Assim deverá ser e terá de ser».
Nesse jogo-fatídico, o F. C. Porto alinhou com Siska; Júlio Cardoso e Pedro Temudo; Flávio Laranjeira, Ambrósio Gama e Coelho da Costa; Alexandre Cal, Artur Freire, Balbino da Silva, Norman Hall e António Oliveira (Noise).

Viajar da Madeira escondido num... beliche!

E o dia de mágoa dos portistas foi o dia mais emocionante da vida de um garoto madeirense de 14 anos, de nome Vasco Nunes, que fugindo do Funchal, escondendo-se debaixo de um beliche do paquete Lima, que transportou os madeirenses que, nesse ano, haveriam de se sagrar campeões de Portugal, contou assim a sua epopeia: «Comprei um quilo de bolachas e uma garrafa de groga numa venda onde a minha mãe tem confiança, agarrei nos embrulhos e na trouxa, deitei a correr para o cais, meti-me numa lancha e fui para bordo, onde me escondi debaixo de um beliche. Já o barco tinha levantado ferro, senti-me agarrado pela grenha e pus-me a chorar. Era um criado, um malandro, que me bateu e levou ao comandante. Já o barco ia nas laturas de Porto Santo. Depois levaram-me para a 3.ª classe, onde os rapazes do Marítimo, sabendo do meu caso, me iam levar de comer. Quando cheguei a Lisboa é que foi o diabo. Queriam entregar-me à polícia marítima e chegaram a meter-me no porão, onde tive medo de uma vacas muito grandes que lá estavam. Quem me salvou foi o José Ramos e o Domingos, o «capitão» do Marítimo. Foram ao comandante e pediram a minha liberdade, dizendo que se responsabilizavam por mim.»
Vasco tornou-se mascote da equipa. E na festa do título também foi primus inter pares. Dera sorte, como prometera, quando os futebolistas o foram libertar ao gabinete do comandante do Lima.
A final do Campeonato de Portugal, entre o Marítimo e o Belenenses, foi marcada para o... Porto. A Direcção do Belenenses ameaçou boicotar a partida, «temendo que os seus jogadores fossem agredidos pelos portuenses». Os jogadores exigiram disputar a partida, a Direcção cedeu e demitiu-se.

Quase assaltaram o restaurante onde estava o premio.

O Marítimo acabaria por ganhar o Campeonato de Portugal, em jogo em que andaram mosquitos por cordas, os lisboetas abandonaram o campo mais cedo, a polícia a cavalo teve de intervir para repor a ordem. E os madeirenses receberam os estojos Gillette, que, segundo o «Ecos dos Sports», estiveram em exposição no Café Restaurant Golden Gate e tanto entusiasmo despertaram entre o público e os jogadores, que estes, «impacientes por se tornarem proprietários das máquinas exigiram em massa do dono do estabelecimento a entrega imediata do interessante e utilíssimo brinde, quase que assaltando a casa»!
In «abola»
 
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A analogia da guerra.

Cerca de um mês antes da humilhação — Marítimo, o F. C. Porto bateu os campeões da Baviera, que em Lisboa tinham ganho todos os jogos. A façanha tomou contornos épicos.
Para compensar as agruras do plano interno, o F. C. Porto logrou resultados brilhantes a nível internacional. Em Lisboa, a 1 de Janeiro de 1926, os portistas enfrentaram a equipa sueca do Halsingborgs, campeão nacional, perdendo por 4-3, sendo o golo que ditou a derrota apontado no último minuto. Mas a coroa de glória alcançar-se-ia a 5 de Abril, cerca de um mês antes da humilhação - Marítimo, ante o Verein Razenspiele Furth, campeão da Baviera, que em Lisboa tinha ganho todos os jogos disputados, sucumbindo no Campo do Covelo, no Porto, 3-2.
A crónica de «Os Ecos dos Sports», muitos anos depois do Armistício, era, ainda, uma metáfora da Guerra, ponteada de analogias mais ou menos deliciosas: «Com uma assistência boa e um tempo explêndido, travou-se uma verdadeira batalha de pontapés à bola entre Aliados, como na Grande Guerra de há memória, e autênticos, genuínos, boches. Juntaramse no campo, que sem dúvida serviu de batalha, nada menos do que checos (Siska), ingleses (Hall), brasileiros (Gama) e portugueses (nós ...), com o encargo de vencerem o Furth, e conseguiram-no. O Furth, grupo de aparência esplêndida, pôde fazer-se aplaudir com alma. Numa marcha olímpica, rítmica, avançou aos dois lados do campo e cumprimentou respeitosamente a multidão. Logo ficou de boas simpatias. Somente não se podia esperar que lhe desejasse a vitória ali, onde ia pelejar, tal como quando se batia contra nós, por outros princípios e por outros meios... Vinham precedidos de um reclame imenso, toda a gente aguardava outro trabalho do seu conjunto, da sua técnica apregoada. Com boa vontade não se lhe pode reconhecer maior valia do que ao seu adversário — e por isso custaria que o campeão de Portugal se deixasse subjugar por eles. Marcaram dois pontos, nós três. Nós tivemos, ainda desta vez, a supremacia sobre os alemães. Resta-nos saber se, como na Grande Guerra, eles é que vieram a lucrar. Não sabemos das condições financeiras — mas oxalá que os organizadores desta prova hajam sido mais felizes do que... os outros — da outra».
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Mecânico-dentista — a viver de quê?!

De súbito, voltaram as guerras intestinas. Soube-se que Simplício pedira 4000 escudos para jogar — e houve lisboetas renegados, por causa de uma reunião no balneário.

A derrota estrondosa com o Marítimo abriu feridas profundas no F.C.Porto. Recrudesceram as guerras intestinas. Mas, antes ainda da eleição de Afonso da Silveira Freire Themudo para a presidência, crepitou o jogo da polémica em trocas de cartas azedas. Em Outubro de 1926, publicaria «O Sport de Lisboa» uma «sensacional missiva» de Carlos Reixas que se considerava a si mesmo «tripeiro inimigo do profissionalismo futebolístico do Norte», da qual respigámos apenas as passagens mais salientes: «Não será muito pior (do que condenar o profissionalismo das equipas lisboetas) o F. C. Porto ir à Hungria contratar jogadores para fortalecer o seu 19 team, como sucedeu com Siska e Gesa, para os quais despendem grossas quantias, como sejam mil e duzentos escudos mensais para o grande e fenomenal guarda-redes? Ou ir ao União da Foz buscar o jogador Álvaro Pereira, a quem estão pagando 600 escudos mensais e tomar o compromisso de realizar um jogo em benefício do mesmo clube? Ou pagar a Resberg (jogador sueco) o bastante para as suas extravagâncias, sem o qual ele disse não jogar? Ou vestir e calçar alguns jogadores, entre eles um muito conhecido no meio natatório do país? Ou, ainda, por último, o célebre caso Augusto Ferreira (Simplício), que, publicamente, desmascarou o clube a que hoje pertence, exigindo a módica quantia de 4000 escudos, que agora lhe deram para que ele fizesse parte do seu 19 grupo?»

As calúnias dos Seixas e o mistério do dentista.

O F. C. Porto replicaria, igualmente por carta, acusando, a talho de foice, o. «O Sport de Lisboa» de irresponsabilidade por ter lançado a público tamanhas atoardas: «A Direcção do F. C. Porto afirma a Vexas. e a todos os Seixas que se dão ao mau gosto de caluniar, que não pagou, não paga, nem pagará a jogador algum do clube qualquer importância para se inscrever ou para jogar o futebol, nem tão-pouco contribui de qualquer maneira para o seu vestuário. E mais se vangloria porque nunca recebeu dos jogadores e seus muito dignos consócios exigência nesse sentido.»
O jornal, pela pena do seu director, Neves Reis, retorquiria: «E já que a Direcção do F. C. Porto admite que certas pessoas honestas possam ter dúvidas, dir-lheemos que, no dia em que a quiséssemos visar, fá-lo-íamos frente a frente, perguntando-lhe, por exemplo, como explica ela que o húngaro Siska tenha abandonado o seus país, a sua família e os seus amigos, para ir viver numa terra em que nem sequer pode exercer a sua profissão de mecânico-dentista, por não existirem no Porto oficinas do género? Tanto é o amor do grande guarda-redes ao F. C. Porto que se sacrifica a viver numa terra estrangeira e a exercer a profissão de electricista, por hão poder exercer a sua?»
Por essa altura, andava por Lisboa, Balbino da Silva. Treinava-se no Casa Pia. Era como que um regresso às origens. A uma mesa do Martinho da Arcada, BaIbino da Silva, o ganso que fora campeão de Portugal, e de quem se suspeitava ter sido um dos profissionais mascarados do F. C. Porto, deitou ainda mais achas para a fogueira, revelando segredos de arrepiar da vida interna portista, que, se calhar, explicavam bem as razões do insucesso em que a equipa de futebol se engolfara. «Saí do F. C. Porto por causa da incompetência do director Sr. José Guimarães, secretário. Os jogadores da 1.ª categoria do F. C. Porto não concordavam com a reeleição dele, por lhe reconhecerem falta de capacidade para tal lugar, e combateramno. Eu, Floriano e Júlio Cardoso fomos mais longe porque, tendo sido derrotados na Assembleia-geral, entendemos que não podíamos, desde então, estar no clube de que aquele indivíduo é director. O Sr. Guimarães é duma absoluta incompetência técnica e associativa. Pertencera à Direcção anterior, à que deixara o campeão do Porto a braços com uma série de problemas graves, debatendo-se com uma administração caótica. Pois foi o único desses directores que conseguiu ser reeleito, tendo usado para isso todos os processos. Nessa Assembleia-geral quase se chegou à compra de votos ne fez-se com que até menores votassem! Enojados com isso, alguns homens maiores e revacinados, tomaram o partido de não votar.»
As leis do futebol português proibiram, então, a prática do futebol nos meses de Julho e Agosto! E em todos os jornais da época, quer a Norte, quer a Sul, poderiam ler-se coisas assim: «Evidentemente que este princípio, verdadeiramente moral e até pedagógico, merece o nosso inteiro aplauso e o daqueles que por cima do espectáculo ou dos interesses materiais colocam sempre o princípio basilar do sport como escola do complemento físico do homem, anteriormente educado sob um aspecto racional da educação física. Infelizmente, porém, a grande maioria dos clubes de Lisboa e da Província continuam a jogar futebol nesta época de tórrida canicular, prejudicando-se fisicamente e dando margem a que os detractores do sport, e nomeadamente do futebol, se entretenham nos seus costumados ataques à causa que todos nós defendemos, com um espírito idealista que sinceramente não lobrigamos nos arautos ou defensores de outros quaisquer princípios ou doutrinas. Ora desde que esses clubes, esquecendo lamentavelmente a sua nobre missão, olvidando a sua finalidade moral e social, continuam a infringir os bons princípios da educação física e do sport, entendemos que é ao Estado que compete legislar sobre o assunto, promulgando um diploma proibitivo da prática de futebol no Verão. Bem sabemos que esta ideia poderá parecer antipática, por atentatória da liberdade individual. Mas se tomarmos em vista que se trata dum bem colectivo e de que já os latinos diziam que a salvação do povo é a lei suprema, nem necessário sera como reforço argumental, dizermos aqui que o suicídio é proibido por lei do país»!!!

Polícia, jogadores de Verão — e a rebelião no balneário.

Mais desconcertante ainda: não é que a Polícia de Lisboa decidiu abrir caça a todos aqueles que jogassem, organizadamente ou por recreação, futebol no... Verão, prendendo-os e envíando-os para os calabouços, como se estivessem, de facto, a violar a ordem pública?!!!
No Porto não se chegou a tanto. Mas BaIbino da Silva e Júlio Cardoso haveríam se ser vítimas do desejo de levar o futebol para além da época oficial. Negando que fosse sua intenção formar um novo grupo, para enfraquecer o F. C. Porto, BaIbino asseveraria. «De uma reunião de jogadores, no balneário, saiu a ideia de se formar um grupo para fazer jogos durante o Verão, em várias terras. Era aquilo uma simples brincadeira, mas a Direcção arreliou com o facto. Fizemos ainda um jogo em Vizela, com homens de várias categorias do F. C. Porto, mas nenhum estava disposto a abandonar o clube. Veio, então, o castigo porjogarmos fora da época, mas é preciso ffizar que só depois de nos termos demitido de sócios é que a Direcção do F. C. Porto enviou notas aos jornais, comunicando que castigaria os jogadores que nos acompanhassem nas tournées. E o castigo veio, porque só então também a Direcção, no intuito de nos tolher, a mim e a Júlio Cardoso (este o organizador do tal grupo de verão) participou o caso à Associação de Futebol... Alguns sócios do F. C. Porto propalaram que a Direcção não nos queria porque havíamos exigido dinheiro. Ah, mas eu desafio altivamente a que me provem isso! Convido mesmo a Direcção do F. C. Porto a dizer se lhe fiz, alguma vez, qualquer exigência. Augusto Ferreira (Simplício) declarou ao tempo ao «Sporting» que não reentrava no F. C. Porto por não querer alinhar com profissionais. Perguntei-lhe se se referia a mim aquilo e ele disse-me que não. O Simplício reentrou e os jogadores são ainda quase os mesmos. Porque quis ele alinhar agora com eles, ao lado de Siska e dos outros?»

As dívidas de 66 contos por causa do futebol.

Quinze dias depois, surpreendentemente, Balbino ressurgia no Porto. Começou por ser fiscal de linha de um jogo da A. F. Porto. Ao F. C. Porto só regressaria como jogador após a saída de José Guimarães, que, rebateu assim as acusações que o avançado portista lhe fizera — ao ataque e desvendando ainda mais segredos, alguns comprometedores para os rebelados, fazendo profissão de fé no amadorismo redescoberto, garantindo que agora eram outros os rumos do futebol portista, para evitar o abismo: «Essa reunião do balneário foi fresca! Imagine que houve quem lembrasse de fazer um pedido à Direcção para lhes ser concedida uma percentagem nos jogos que se realizassem. E claro que isso foi combatido pela maioria dos jogadores e o caso não passou dali... Quanto às exigências de dinheiro... se elas não houvessem existido, não estaria, no fim da última época, tão cheia de dificuldades a vida do clube. Mas isso são contos largos que não vale a pena falar. A retirada de alguns elementos deve-se a más vontades e, por certo, ao pouco amor à camisola que envergavam. A actual Direcção resolveu tomar um rumo que não agradava a certas criaturas, porque defendendo os legítimos interesses do clube, talvez os prejudicasse. E daí a retirada de dois ou três elementos. Floriano não os acompanhou e continua a ser sócio do clube. Pelo menos tomou uma atitude mais nobre... Júlio Cardoso não volta a ingressar no clube, pelo menos enquanto eu lá estiver e mais alguém. Ele a entrar e eu a sir, no que seria acompanhado por grande número de sócios... Quanto à entrada de Simplício para o clube, depois de ter afirmado não o fazer enquanto lá houvesse profissionais, quer dizer que... entrou na altura devida. Agora ninguém, absolutamente ninguém, faz exigências, porque se as fizessem não seriam atendidos. A Direcção do F. C. Porto está resolvida a tomar um novo caminho. E do défice, da última gerência, que era de 66 contos, já pagámos 30.»
O F. C. Porto receberia, por essa altura, um convite para se deslocar a França para jogar com o clube de Cette, oferecendo para essa deslocação (inclusive despesas) a estupenda quantia de 5000 francos. Comentário de «O Sport de Lisboa»: «Um clube que faz tal oferta, pouco mais ou menos 3500 escudos, dá-nos a impressão que ou desconhece a situação e o valor do clube convidado, ou então está a chuchar com a tropa».
O tempo era de crise, mas havia limites.
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500 escudos abafados pela FPF!

O F. C. Porto foi escandalosamente afastado do Campeonato de Portugal pelo Belenenses. Era o tempo dos... «roubos de igreja» dos «árbitros do Sul».

Não se varreram da memória colectiva do futebol nacional, os sinais cruclantes da derrota do F. C. Porto, ante o Marítimo. O fantasma perseguia os próprios jogadores, que, fora do Porto, partiam para a liça como que tocados pela febre dos deserdados da fortuna, perdido já o sentido da descoberta das reservas de coragem que, antes, foram como que o comburente para as grandes vitórias portistas.
Ao empolgamento sucedera a amargura. Depois do fel, as palavras vinham todas encharcadas de sentimento de vitória moral — ou de busca de um bode-expiatório qualquer, mas quase sempre o «eixo sulista» que na crença deles teimava em debilitar o «campeão do Norte», que apesar dos ventos e marés não deixara de sê-lo.
De facto, a Imprensa de Lisboa descria do F. C. Porto, quase lhe desprezando talentos mínimos. Por exemplo, o «Eco dos Sports» de Março de 1927 inseria nota seguinte na sua edição: «Descansam, agora, os clubes do Campeonato de Portugal. Só no primeiro domingo de Abril recomeçam as partidas, realizando-se, então, alguns desafios que devem provocar o maior interesse — entre eles o F. C. PortoBelenenses. Belém vê bastante dificultada a sua marcha, não neste jogo em que não lhe deve ser difícil ganhar, mas na sequência da prova, em que terá de se defrontar com o Marítimo e talvez com o Vitória de Setúbal. Este ano vamos pois ter um final de época cheio de desafios à sensation e não será difícil verem repetir-se alguns matchs na disputa dos dois troféus. Se Marítimo, Vitória e Belenenses são os três favoritos do Campeonato Nacional, os dois últimos parece-nos que ainda se terão de bater mais uma vez, mas para o desempate do Campeonato de Lisboa».

Rebuçados perdidos e... injustiça!

Como bem se vê, em relação ao F. C. Porto só faltou dizer que de pouco valia gastar-se cera com ruins defuntos. Era este o tom geral na Imprensa de Lisboa.
Confirmaram-se os prognósticos. O F. C. Porto quedou-se pelos oitavos-definal do Campeonato de Portugal de 192627, batido pelo Belenenses. Dolorosamente. E sem as facilidades aventadas. Antes pelo contrário. Só após prolongamento os lisboetas deram um passo mais para a esperança, ganhando por 3-2. Segundo Rodrigues Teles, na sua História do F. C. Porto, «a imprensa da capital reconheceu que o golo do empate belenense, marcado aos 90 minutos, havia sido feito em deslocação nítida, e ainda que o mesmo defeito técnico havia precedido o golo do triunfo, nos 30 minutos concedidos para o desempate. 0 próprio árbitro, muito desportivamente, confirmou o erro. Porém, ontem como hoje.»
O Belenenses haveria de se sagrar campeão de Portugal, batendo na final o Vitória de Setúbal, por 3-1, contando na sua equipa com dois génios do futebol nacional: Pepe e Augusto Silva. E, pela vitória, a cada um dos jogadores da cruz de Cristo foi oferecido, pela firma Manoel António Rosa, uma lata de sete quilos dos «afamados rebuçados Sport-Football»...
Mas de boca amarga ficaram os portistas todos, uma vez mais, a ponto da a sua direcção, no relatório de gerência de 192627, ter escrito: «Este Campeonato serviu apenas para demonstrar as competências tacanhas a quem o futebol português está entregue. Segundo o seu regulamento nenhum grupo pode alinhar com mais de dois jogadores estrangeiros, mas como entendêssesmos que o sr. Norman Hall é moralmente um jogador português, fizemos por intermédio da nossa Associaçao uma exposição à Federação Portuguesa de Futebol, citando que Norman Hall há 15 anos vem disputando pelo nosso clube os Campeonatos do Norte e tem sido incluído no grupo representativo da cidade desde, 1918, isto é muito antes da formação da FPF, acrescendo ainda a circunstância de residir em Portugal desde a idade de oito anos. Esta exposição, aprecíada e discutida numa reunião do Comité Executivo do Campeonato de Portugal, teve resolução favorável, sendo qualificado o referido sr. Norman Hall como jogador português. Depois de termos jogado e vencido o Estrela de Braga, fomos indicados adversários do Belenenses, para os oitavos-de- final, a realizar em Lisboa, no dia 3 de Abril. Alinhámos com Norman Hall e depois duma exibição superior ao nosso adversário e em que o resultado deveria ser de dois golos a um, a nosso favor, o árbitro, sr. Flecha, de Beja, conseguiu, no final do tempo regulamentar, um empate de 2-2. Jogada a meia hora do desempate, fomos mais uma vez prejudicados com uma bola off-side, que deu o resultado de 3-2 a favor do Belenenses. A arbitragem deste desafio, que indignou o público lisboeta, levou-nos a um protesto junto da Federação Portuguesa de Futebol, protesto que foi acompanhado de 500 escudos e sobre o qual a mesma Federação, até hoje, nenhuma resposta deu, parecendo-nos que nenhuma resolução tomou, visto reconhecer que teria de anular o jogo, em face das declarações do árbitro — «que involuntariamente nos tinha tirado uma vitória bem justa».

500$00 abafados pela FPF e a acta... deturpada!

Mais sofridas ainda outras palavras de catarse — ou, quiçá, gritos de revolta de injustiçados: «Os dirigentes da FPF, sabendo isto, abafaram o protesto (e consequentemente os 500 escudos que até hoje não devolveram) e alegaram que o F. C. Porto tinha transgredido do seu Regulamento — «que não permite alinhar com mais de dois estrangeiros. Compreendese, portanto, que a célebre resolução do caso Hall foi uma traiçoeira armadilha preparada por habilidosos, muito práticos no métier, para assim terem absolutamente segura a vitória do grupo de Lisboa, visto que em campo e com um juiz imparcial não a conseguiriam. Apesar da nossa Associaçao se ter imposto, perante esta flagrante injustiça, não houve processo de fazer valer os nossos direitos, visto que a acta da reunião atrás referida tinha sido deturpada, não correspondendo à verdade da resolução tomada, motivo porque nem sequer foi assinada».
Nesse jogo o F. C. Porto alinhou com Siska; Pedro Temudo e Flávio Laranjeira; Álvaro Sequeira, Coelho da Costa e Álvaro Pereira; Valdemar Mota, Acácio Mesquita, Fridolf Resberg, Norman Hall e António Oliveira (Noise).
In «abola»
 

ssm

Bancada central
6 Maio 2007
2,088
0
Golos em fora-de jogo, 500$00 abafados, eu até era capaz de dizer roubados, mas não o faço. A única diferença para os dias de hoje está nas moscas porque a porcaria é a mesma.

FANTÁSTICO TÓPICO.
 
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hast

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As barreiras do sonho.

Em 1928 e 1929 o F. C. Porto voltou a quedar-se, dolorosamente, pelos oitavos-de-final do Campeonato de Portugal. Trágica seria a eliminação aos pés do Salgueiros.

Instisfeito com o ambiente que se vivia no futebol português e porque o clube, tentando, desesperadamente, afastar os ventos do profissionalismo, se recusara, em Assembleia Geral para tal convocada, aumentar-lhe o ordenado de mil escudos por mês — quando, em Lisboa, havia já quem ganhasse o dobro! —, Akoz TezIer, o treinador húngaro do F. C. Porto, acabou a época, despediu-se, partindo para os Estados Unidos, dizendo, assim, definitivamente, adeus ao futebol — e ao F. C. Porto.
A crise de resultados mantinha-se e era, se calhar, fruto da crise de tesouraria. A temporada de 1927/28, então, seria trágica. O F. C. Porto quedou-se, uma vez mais, pelos oitavos-de-final do Campeonato de Portugal, batido pelo... Salgueiros, por 2- 1. De falta de sorte se queixaram todos. E, em jeito de desforra, os portistas desafiaram o Salgueiros para antagonista no primeiro jogo nocturno disputado no Porto. A 28 de Junho, na Constituição. Os portistas voltaram a não vencer. 2-2. Perderam também a aposta, já que as bancadas estavam quase desertas, os portuenses preferiram ficar em casa.
Na época seguinte, voltaram a ficar-se pelos oitavos-de-final do Campeonato de Portugal, vencendo como tinham vencido antes, o Campeonato do Porto. Jogaram pelo F. C. Porto Síska; Avelino Martins e Jerónimo de Sousa Faria; Álvaro Sequeira, Álvaro Pereira e Euclides Anaura; José Balbino da Silva (que regressara, enfim, à equipa, depois do polémico afastamento dois anos antes), Valdemar Mota, Acácio Mesquita, Norman Hall e Francisco de Castro. O carrasco fora... o Belenenses.

Cinco horas de ardor e outra vez a angústia.

Voltaram a desenrolar-se queixas do árbitro, mas caladas ficaram já denúncias de tramóias. Antes pelo contrário, no relatório da gerência, os directores do F. C. Porto exararam: «Apesar de vencido, não será esquecida facilmente por todos aqueles que se interessam por assunto de futebol, a acção brilhantíssima da nossa categoria de honra, no Campeonato de Portugal. Quis o azar do sorteio que, logo nos oitavos-de-final, nos batêssemos com o mais rude de todos os adversários, o fortíssímo grupo do Belenenses. As vicissitudes dessa luta de gigantes, através de três jogos realizados, representam qualquer coisa de formidável que não poderá facilmente varrer-se da memória daqueles que a esses jogos assistiram. Um primeiro empate arrancado em Lisboa, em condições dificílimas, com uma arbitragem a tal ponto parcial que se permitiu validar as duas bolas marcadas pelo nosso adversário, em circunstâncias absolutamente irregulares, conforme a própria Imprensa de Lisboa reconheceu, deu-nos fundadas esperanças de seguir avante na conquista do título. No segundo desafio, realizado no Ameal, uma onda de infelicidade permitiu que em escassos minutos e no início do encontro, o Belenenses marcasse três bolas duma maneira incompreensível. Mas os nossos bravos rapazes não se deixaram vencer pela adversidade. Ainda no primeiro tempo conseguiram minorar a derrota para 1-3. E quem não assistiu à formidável reacção dos nossos jogadores no segundo tempo não presenciou um dos espectáculos mais belos e emotivos que o desporto nos pode proporcionar. Foi tão grande o seu esforço, tão intensa a sua vontade de vencer, que durante esta segunda parte foram donos absolutos da situação, dispondo por completo do seu valoroso adversário, que só por verdadeiro milagre se salvou duma merecida derrota. A cidade indicada pela FPF para o desempate foi Santarém, a dois passos de Lisboa. E mais uma vez a arbitragem nos prejudicou, validando uma bola ao Belenenses, claramente ilegal, o que lhe permitiu chegar aos 90 minutos com um empate de 1-1. No prolongamento, os nossos jogadores, verdadeiramente extenuados, sucumbiram pela mínima diferença de 2-1, tendo-se batido galhardamente durante cinco horas pelo prestígio do seu clube e da sua terra. Embora vencidos, para eles vai o nosso mais profundo reconhecimento e admíração».
O Belenenses acabaria eliminado pelo... Barreirense, nas meias-finais. Na final, o Benfica, ao bater o Barreirense por 3-1, no Campo Grande, conquistaria o seu primeiro título de campeão de Portugal.
Nessa época, os portistas empataram, em jogo particular, com o Benfica (3-3) e bateram, de ambas as vezes, na Constituição, o Sporting, por 4- 1. Por via disso, reacenderam-se esperanças, numa untuosa sensação de voltarem a poder (ao menos) sonhar. Mas, para isso era preciso uma grande volta no futebol. E a perca de sentimentalismos. Ou de romantismos...
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12 contos pela Constituição.

Desfeito, outra vez, o sonho de novo estádio, renovou-se o contrato de arrendamento da Constituição, ficando o F. C. Porto, sujeito a algumas insólitas obrigações
Um campo de jogos que reflectisse a grandeza incontestável do F. C. Porto, alimentada pelos êxitos estupendos entretanto rubricados, continuava sonho ardente dos seus dirigentes. Mas havia já quem temesse que se tomasse espécie de suplício de Tântalo, tantas as ilusões despertadas, tantas as falências delas. E, assim, como que em instinto de defesa, ainda sob a presidência de Urgel Horta, o clube renovou o contrato de arrendamento do «prédio rústico formado por um campo com três moradas de casas térreas para a frente da Rua da Constituição».
O arrendamento do Campo da Constituição era feito por três anos, mediante o pagamento de uma renda anual de 12 contos, pagáveis em duas prestações de seis. Isso mesmo se determinou no acto da celebração, constando do documento assinado entre as partes outros preceitos, aparentemente insólitos, tais como «todas as reparações de que o prédio carecer, tanto nos seus muros e paredes de vedação e suporte como nas casas térreas e demais dependências, tanto interiores como exteriores, ficam exclusivamente a cargo do arrendatário» ou «findo o arrendamento todas as benfeitorias feitas no prédio arrendado salvo aquelas que respeitarem propriamente ao F. C. Porto como sejam bancadas, barracas e instalações exclusivas de madeira ficam a pertencer ao mesmo prédio arrendado sem que o clube tenha o direito de exigir por elas qualquer importância». O F. C. Porto ficava igualmente proibido de «cortar árvores ou deitar entulho no prédio» e obrigado a «dar seis bilhetes de entrada pessoal aos titulares do prédio para eles por si ou por quem entenderem poder entrar em todos os espectáculos que o clube realizar»...
Entretanto, a nível directivo notava-se ambiente de quase putrescibilidade. Urgel Horta fora denunciado pelos seus próprios associados de se ter apandilhado em trapaças, na sua qualidade de vice-presidente da FPF, para benefício do clube a que presidia. Houve quem cachoasse de irritação e clamasse pela moralização de Direcção, processo por vezes caricato que culminaria com a greve de directores suplentes, que se tinham demitido na ânsia de fazer cair o órgão em bloco.
Augusto Fernandes Sequeira sucederia a Urgel Horta, através de uma Comissão Administrativa empossada em Março de 1929. Já sob o seu consulado o clube abriria uma escola de natação na praia do Aurélio, em Gaia, introduzindo o hóquei em campo e o andebol no seu plano de actividades — duas modalidades que acabariam por refulgir e fazer história .
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Szabo, Pinga e as falsificações.

Dumont Vilares contratou para treinador do F. C. Porto um jogador húngaro do Nacional. Do Funchal viria outro génio: Pinga. Para jogar foram precisas habilidades — ou pior.

Seria na presidência de Eduardo Dumont Vilares, eleito em Agosto de 1930, que o F. C. Porto arrancaria, com determinação, a conquista do futuro, sobretudo no futebol. Para o Funchal lançaram os portistas dois cantos de sereia. Com êxito.
Primeira aposta, que então muitos portistas julgaram ser tiro no escuro, a contratação para treinador da equipa de futebol de um dos jogadores húngaros do Szombately que alguns meses antes tinha deslumbrado Portugal com a maestria do seu futebol e, ninguém imaginava porquê, jogava e treinava o Nacional da Madeira. Chamava-se Joseph Szabo e haveria de se tomar mágico revolucionário no futebol português.
Segunda aposta, que então se soube ter sido feita por caminhos esconsos, a contratação de um jogador que começara a espalhar o perfume do seu talento pelos campos de futebol do País. Chamava-se Artur de Sousa, mas como Pinga se tornaria herói e génio.
O madeirense, que chegou abrupta e timidamente ao Porto a dois dias do Natal de 1930, não demoraria muito a revelar os seus atributos: fazia o que queria da bola, como verdadeiro virtuoso do esférico, hábil em malabarismos, chutador potentíssimo. E a propósito da sua apressada ligação ao F. C. Porto haveria de se escrever na revista «Stadium»: «Sousa deixou de jogar no Marítimo para ficar no Porto. E vale dizer aqui que foi necessário fazerem-se umas falsificaçõezinhas, umas tratantadasitas — para ele começar desde logo a exercer a sua acção de esplêndido jogador. Uma troca de retratos... uma malabarices na Associação... E aquela carta lavrada no livro da Associação em que constatando-se que Pinga estava preso pelo Funchal lhe era vedado jogar no Porto mas, por interferência de alguém que apareceu um dia, depois foi dada como não existindo pelo menos directores que, transigindo, lapisaram-na e Pinga já jogou? Oh! a Associação de Futebol do Porto é fértil em mistérios..»
Coisas que se faziam nos bastidores.
 
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Salvador e os bastidores.

Szabo estreou-se com uma goleada: 8-0. O Boavista era ainda ameaça na luta pelo Campeonato do Porto. Para árbitro de jogo decisivo escolheu-se um cómico... Salvador

Ainda sem contar com Pinga, o F. C. Porto de Szabo arrebatou, pela 14.ª vez consecutiva, o título de campeão da AFP. A estreia do jogador-treinador ocorreria em partida memorável na qual os portistas bateram o Leixões por 8-0, alinhando numa equipa em que as estrelas eram, sobretudo, Valdemar Mota (o primeiro olímpico do F. C. Porto, dois anos antes, em Amesterdão), Acácio Mesquita e Avelino Martins.
O sonho do Boavista dissipou-se quando, na última jornada, o F. C. Porto bateu o Salgueiros (que lhe ganhara na primeira volta) por 3-0. Derrota dos portistas obrigaria a jogo de desempate entre eles e os boavisteiros.
A propósito disso, em «O Az», jornal de Lisboa, escreveu Silva Petiz, por esse tempo um dos mais ilustres jornalistas desportivos portuenses: «O clown da tarde, porque teve a sua parte cómica, foi o F. C. Porto-Salgueiros. Salvador Vieira, o árbitro, meteu-se numa rascada que lhe há-de ficar memorável para toda a vida. Absolutamente às aranhas, ora prejudicando um ora prejudicando outro, era um autêntico autómato que pulava, que saltitava por aquele grande rectângulo, sem noção nenhuma do que andava a fazer. O Salgueiros jogou mal, o F. C. Porto jogou melhor — e com a escora do árbitro, o seu melhor elemento, ganhou pelo pequeníssimo score de 3-0. Na véspera, numa jantarola de homenagem à Direcção do F. C. Porto, o Salvador, que assistiu como bom consócio que é do clube da Constituição, foi interrogado, pelas alturas do champanhe, sobre o que pensava do encontro que ia arbitrar. E o Salvador respondeu: \'O Boavista não há-de medir com o nosso clube! Ou deixarei de ser Salvador ou hei-de salvar o F. C. Porto! Sei arbitrar pouco, conheço pouco as regras, mas para aquele efeito é que aceitei o encargo. E cumpriu à risca. Arbitragem perniciosa e hilariante — salvou-se o F. C. Porto.»
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Orgulho e estatueta nas mãos da «miss».

O F. C. Porto foi o primeiro clube português a bater uma equipa brasileira de futebol. Os emigrantes mandaram a sua «miss» cheia de medalhas de ouro e com uma estatueta de 30 contos.

Nunca antes nenhuma equipa portuguesa lograra bater uma brasileira, em futebol. 0 F. C. Porto conseguiu-o, em Março de 1931, vencendo o Vasco da Gama, recheado de alguns dos melhores jogadores cariocas, por 2- 1. A façanha fez com que os portugueses do Rio de Janeiro crescessem pinchos de brio e honra. E, assim, decidiram abrir uma subscrição pública para compra de um troféu que simbolizasse e perpetuasse aquele momento. Amealharam mais de 30 contos de réis e mandaram fabricar, num dos mais reputados e afamados artesãos brasileiros, uma estátua de bronze, que fosse «obra magnífica e de muito apreço da colónia portuguesa por um clube onde sempre palpitou a alma nervosa do mais puro desejo de dignificar a sua Terra e o seu País».
Mais de um ano depois, Leopoldina Mendes Belo, que havia pouco conquistara o título de Rainha da Colónia Portuguesa do Rio de Janeiro, trouxe para o Porto a estátua para o clube, medalhas de ouro (e todas elas em ouro de lei) para distribuir por todos os jogadores que participaram na tarde épica do Lima, para além ainda de «uma arca com motivos alegóricos dos Descobrimentos Portugueses».
Houve festa, houve lágrimas de emoção, houve assomos indescritíveis de bairrismo e de portismo na Constituição e, em retribuição, o F. C. Porto ofereceu a Leopoldina Mendes Belo uma pasta de pele e uma salva de prata estilo D. João V tendo gravado a azul e branco, no centro, o emblema do F. C. Porto.
Na pasta de pele, segundo Rodrigues Teles, uma mensagem do F. C. Porto que rezava assim: «A associação desportiva Foot-Ball Club do Porto, detentora do Campeonato de Portugal, quer afirmar à Rainha da Colónia Portuguesa do Brasil, flor de graça que pela beleza conquistou uma soberania, que lhe foi docemente grata a sua visita encantadora e a missão conjuntamente patriótica e generosa que junto dela veio desempenhar numa gentileza inexcedível. Da grande república transatlântica, com uma heróica história que se confunde intimamente com a de Portugal dos séculos gloriosos e que tem com o nosso país íntimas afinidades mentais e espirituais, trouxe-nos ela, efectivamente, as saudações entusiásticas dos que tanto nobilita, na excelsa pátria americana, o nome lusitano, e a valiosa oferenda de arte que simboliza a sua admiração pelas vitórias do F. C. Porto, especialmente a que, no ano findo, alcançou sobre o clube carioca Vasco da Gama, que tem um renome internacional. A oferta maravilhosa vai ser um permanente motivo de orgulho para nós, menos pelo seu valor artístico, muito elevado, que pelo significado para o nosso sentimento. Parecendo inerte, tem todavia uma sonora voz de ouro que a nossa alma entende e que nos fala dos que vivem longe de nós, lidando infatigavelmente para a prosperidade de uma nação que foi iniciada pelo portugueses, que lhe deram, com uma civilização, a língua harmoniosa e rica de ritmos e coloridos que hoje fala.»
In «abola»
 
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Os boicotes e a marcha.

Sporting e Belenenses boicotaram o Campeonato de Portugal de 1931. Por isso foi sem surpresa que Benfica e F. C. Porto se encontraram na final.

F. C. Porto não precisava, contudo, dos bons empenhos de Salvadores para impor o seu futebol cada vez mais enleante, cada vez mais... Szabo. Proválo-ia na final do Campeonato de Portugal de 1931. Já com Pinga. Os jogadores portistas moviam-se, de novo, numa constelação mágica em que cada um deles era um sol de confiança na reconquista dos grandes títulos que começavam a ser nostalgia. O adversário era o Benfica. Szabo optou por ficar apenas no banco. E como, nessa época, o F. C. Porto não tinha, sequer, sofrido uma única derrota, para Coimbra partiram os seus adeptos na doce sensação do sonho, bruxuleando-lhes nos corações quentes luzes de esperança, estralejando risos de fé nos comboios especiais que os conduziam, tremulando nas bandeiras que levavam o entusiasmo de que seria, outra vez, a hora. Não foi...
A final disputou-se em Coimbra, em véspera de S. Pedro, num campo de belíssimo piso, o do Amado, mas de instalações mais que precárias. Segundo Ribeiro dos Reis, Ricardo Omelas e Tavares da Silva, em «História dos Desportos em Portugal», a acomodação do público foi muito difícil e as estacas dum sector reservado à imprensa começaram a dar sinais de fadiga mal acabou a primeira parte do desafio. Tiveram alguns críticos de sair, mas um deles, ironia sempre na ponta da língua, não se conteve sem dizer ao encarregado da organização: «Afinal os senhores não contaram com o peso do nosso talento!»
A partida decorreu com raros períodos de despique ardoroso e, segundo registo daquela tríade de históricos jornalistas, os portuenses criaram uma jogada perigosa para as balizas dos lisboetas nos primeiros lances do desafio, mas de então em diante praticamente não apareceram mais ao ataque com jeito de ameaça. «Os jogadores do Benfica entraram no desafio com mais apego, mais velocidade sobre a bola e grande número de concepções vistosas e de embaraço para os adversários e assim se puderam manter. A vantagem de 2-0 ao terminar o primeiro tempo terá sido mesmo moderada, pois outras vezes estiveram a ponto de marcar. Esses golos foram obtidos aos 37 e 44 minutos, o primeiro por Vítor Silva, em recarga dum remate seu, aproveitando o ressalto da bola de um dos postes da baliza de Siska, e o segundo a seguir a um pontapé de canto mandado com força por Manuel de Oliveira — Dinis adivinhou o ponto de queda da bola e, com a cabeça, deu-lhe o caminho da baliza do Porto; Siska, carregado no momento preciso em que recolhia a bola, deixou que esta lhe escapasse das mãos e tocasse na rede. A meio do segundo tempo o Benfica passou a 3-0. Foi muito interessante o lance que o precedeu, pois o golo nasceu de um pontapé livre contra o Benfica. A defesa deste aliviou e a bola foi ter a Vítor Silva; todo o resto foi obra deste famoso jogador, que, captando a bola a meio campo, correu de viés com ela sobre o flanco esquerdo e em plena corrida, com uma das suas geniais simulaçoes, obrigou Siska a mover-se de forma que lhe desguarnecesse um dos flancos da baliza; conseguindo isto, foi para esse ponto que de longe mesmo, pois não fazia questão da distância, tão certa estava a entrada da bola, ele apontou e conseguiu o golo. Os aplausos gerais que coroaram a obtenção deste terceiro tento disseram tudo ao jogador sobre o que ele havia provocado de admiração.»
A vitória do Benfica, principalmente pela clareza da marca, desolou muito os adeptos do F. C. Porto, de forma que, depois do desafio, enquanto se esperava a partida dos comboios especiais de regresso a penates, a exuberância dos partidários era diferente... Os portuenses, que tinham acreditado firmemente na vitória da sua equipa, retiraram nos seus comboios especiais, tristonhos e desiludidos, ao contrário dos lisboetas, que, como é natural, se mantiveram durante a viagem até à capital em constante bulício.
Esse foi Campeonato de Portugal com pouco Sul, já que ficaria marcado pelo boicote do Sporting, Belenenses, Carcavelinhos, União de Lisboa, Barreirense e Luso, que, solidarizando-se com a AFL no conflito com a FPF, se recusaram a participar em qualquer iniciativa federativa. O Benfica violou o boicote dos lisboetas dizendo que, em nome da honra, deveria defender o título que estadeava.
In «abola»
 
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Inutilizar Hall para ganhar.

O Benfica ganhou o Campeonato de Portugal de 1931 ao F. C. Porto. Aníbal José diria que o seu «capitão» lhe pedira para agredir Norman Hall, inutilizando-o!

Aquele foi, também, o Campeonato do punhal escondido em lenço de seda. Anibal José haveria algum tempo depois de confidenciar, em entrevista à «Stadium»: «Deixei o Benfica quase por imposição de Vítor Silva — a pretexto de ser indisciplinado, incorrecto... Eu era acusado de incorrecto e de não querer obedecer-lhe, mas, aquando do desafio entre o Benfica e o F. C. Porto, em Coimbra, na final do Campeonato de Portugal, era o Norman Hall o melhor jogador portista, podendo estorvar o Benfica. Vítor Silva, o capitão de equipa, veio ter comigo e disse-me: \'Ó Aníbal, dá uma grande pancada no Hall, inutiliza-o, quando não estamos perdidos! \'Eu imediatamente fui ao seu encontro e desanquei-o de tal maneira que os rapazes no campo disseram: \'Lá mataram o Hall!\' O certo é que logo a seguir o Benfica fez dois goals, de nada valendo vir o desgraçado do Hall para ponta esquerda, visto que nada podia fazer... E na outra parte metemos outro goal, ficando o resultado em 3-0.»
Apesar da jogada subterrânea de Aníbal José, os benfiquistas enviaram, após a vitória, uma comovente mensagem ao F. C. Porto, felicitando o clube pelo seu desportivismo — e salientando a beleza das cordiais relações que entre ambos existiam, numa altura em que Sporting, Belenenses, Carcavelinhos e demais clubes de Lisboa tinham decidido cortar todas as relações com o Benfica e o Casa Pia, coibíndo-se até de defrontá-los em iniciativas que tivessem carácter de solidariedade.
In «abola»
 
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Norman Hall

O «português» que afinal não o era.

O protagonista desta história jogou no FC Porto há 88 anos, o que equivale a dizer que foi inscrito na época de 1919-1920. Nasceu em Inglaterra, chamava-se Norman Hall e, juntamente com Abel D´Aquino, é o único atleta de antanho a figurar na galeria dos sócios honórarios do clube.
Numa altura em que os atletas eram inscritos por categorias (o FC Porto chegou a disputar os campeonatos de quartas categorias), Norman Hall, embora inscrito a meio da época (20/12/1919), passou desde logo a integrar a 1ª categoria, o plantel de elite, na altura constituído apenas por António Lino Moreira, José Magalhães Bastos, José Ferreira da Silva, Harrison, Joaquim Couteiro, Floriano Pereira, Hamilton, Joaquim Reis, Edward George Bull e Alexandre Cal, vindo revelar-se um grande jogador e um excepcional desportista.
Foi seu o golo da vitória por 2-1 (de grande penalidade) frente ao Sporting, no campo de Monserrate, em Viana do Castelo, a 28 de Julho de 1925, na final do Campeonato de Portugal de 1924/25, campeonato dedicado a Velez Carneiro «half center do Foot-Ball Club do Porto» como se escrevia a terminologia da época), morto a tiro de pistola, logo após um jogo com os espanhóis do Desportivo da Corunha, na travessa dos Congregados, para onde o atraíra um colega seu de trabalho, escriturário, casado, de seu nome Carmindo Ferreira Duarte.
Razões? Reza a história que se tratou de problemas de alcova, um crime passional, uma questão de adultério. Adiante. A história que queremos hoje contar é outra. Vem preto no branco no «Relatório e Contas do FC Porto» de 1926/27, refere-se ao jogo dos quartos de final do Campeonato de Portugal daquela época quando, a 3 de Abril de 1927, o FC Porto defrontou, em Lisboa, «Os Belenenses, e gira, à volta da utilização do nosso Norman Hall na qualidade de cidadão Português.
Este campeonato, organizado pela «Associação Portuguesa de Football Association» e disputado segundo um novo figurino, tinha no seu regulamento uma alínea que impedia qualquer equipa de alinhar com mais de dois estrangeiros.
Embora o FC Porto entendesse que Norman Hall – porque residia em Portugal desde os oito anos de idade, jogava pelo clube há 15 e pela equipa representativa do Porto-Cidade desde 1919 – era, «moralmente» um jogador português, não quis correr riscos e tendo no seu «eleven» habitual dois jogadores estrangeiros (Siska, um húgaro que o treinador Akos Tezler, seu compatriota, recrutara no Vasas de Budapeste, e Fridolf Resberg, um norueguês que, tendo abraçado a carreira diplomática no seu país e sido colocado Consulado da Noruega no Porto, surgiu um dia na Constituição para teinar e…tornar-se num avançado de categoria) fez seguir para a Federação, via Associação de Futebol do Porto, uma exposição no sentido de saber se Norman Hall seria ou não considerado jogador português para cumprimento do regulamentado.
Apreciada e discutida a exposição em reunião do Comité Executivo do Campeonato de Portugal – à qual assistiu Manuel Mesquita, representante do FC porto, entre outros delegados – a decisão final foi coincidente com o ponto de vista Azul e Branco, qualificando Norman Hall como jogador português.
Atingidos os quartos de final após ter levado de vencida o já defunto «Estrela de Braga», coube ao FC Porto viajar até Lisboa para, como se disse, defrontar «Os Belenenses».
No onze ao lado de Siska, Pedro Temudo, Flávio Laranjeira, Álvaro Sequeira Júnior, António Coelho da Costa, Álvaro Pereira, Valdemar Mota, Acácio Mesquita, Resberg e António Oliveira, lá estava Norman Hall.
A vencer por 2-1 o FC Porto viria a sofrer o empate mesmo em cima do minuto 90, quando o árbitro de Beja, Flecha de sua graça, sancionou um golo em claro fora de jogo, levando o encontro para um prolongamento de meia hora, durante o qual o clube da Cruz de Cristo se colocaria na posição de vencedor (3-2), com novo golo em fora de jogo, como, de resto, unanimemente, a imprensa da época reconheceu.
Os erros foram tão flagrantes e grosseiros que o FC Porto se sentiu obrigado a protestar o jogo junto da Federação, acompanhando o protesto dos 500$00 regulamentares.
O árbitro reconheceu os erros, pelo que não parecia haver outra saída que não fosse mandar repetir o jogo. A Federação, sabendo isto, abafou o protesto, considerou sem qualquer justificação os 500$00 perdidos a favor dos seus cofres e, numa cambalhota impensável, tirou o coelho que tinha escondido na cartola. Alegou que o FC Porto tinha transgredido artº 36 Cap. IV do Regulamento ao alinhar com tês estrangeiros (Siska,Resberg e Hall) e, como tal,deveria ver a derrota confirmada.
Reproduzindo o que na época foi escrito, e sempre citando o referido relatório da gerência do FC Porto, dir-se-á que a resolução do caso Hall foi uma traiçoeira armadilha preparada por habilidosos muito práticos no metier para assim terem absolutamente segura a vitória do grupo de Lisboa, visto que, em campo, e com um juiz imparcial não a conseguiriam.
Apesar da nossa Associação se ter imposto perante esta flagrante injustiça, não houve processo de fazer valer os nossos direitos, visto que a acta da reunião atrás referida tinha sido deturpada, não correspondendo à verdade da resolução tomada, motivo por que nem sequer foi assinada.
Resumindo: mais uma vez os dirigentes lisboetas da Federação Portuguesa de Football Association conseguiram os seus fins não olhando a meios».
É caso para dizer agora: decorridos mais de oitenta anos, o protesto genuíno ficou sem decisão e a massa sem ser devolvida!
In «Revista dos Dragões» Outubro de 2007
 
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A vingança quente...

O F. C. Porto ganhou ao Benfica nas Amoreiras, nas meias-finais do Campeonato de Portugal de 1932. Houve mosquitos por cordas e agressões a Vitor Silva

A vingança servir-se-ia quente no ano seguinte. Nas meias-finais do Campeonato de Portugal de 1932, F. C. Porto e Benfica reencontraram-se. Os portistas, demonstrando a sua raça, ganharam nas Amoreiras por 2-1. Oito dias depois, no Ameal, nova vitória, por 3-0 — e como quem com ferros mata com ferros morre, Vítor Silva teve de haver-se com os maus fígados de Avelino Martins, que já soubera o que o capitão benfiquista tramara um ano antes, em Coimbra, para abater Norman Hall, que se despedira pouco antes dos campos de futebol mas continuava a espalhar o seu fascínio por toda a equipa.

Avelino até esbofeteou Vítor

Na crónica da «Stadium» pôde ler-se: «Avelino desbaratou sem piedade toda a acção de Vítor. Nesse ponto foi mesmo violento, até à incorrecção. Entrou sempre devastadoramente, indo à bola sem se preocupar saber se entre ela e ele havia um adversário. 0 embate foi sempre duríssimo, chegando Avelino a esbofetear Vítor. Para este gesto nada pode o agressor alegar. Foi nítido, claro, inumano, derivado exclusivamente da própria violência com que jogou. E, coisa pasmosa, o árbitro nada deliberou como sanção! Nada! Infelizmente, houve ainda outra atitude menos cortês por parte de um portuense. Nunca se empurra pelas costas, brutalmente, como Valdemar fez a Correia, junto da linha de touch, do lado das bancadas.»
O contraponto de Carlos Silveira, o cronista da «Stadium», que vituperou ainda o comportamento do «público que esteve delirante, desmoralizando pouco, humanamente os adversários»: «Agrada registar, como exemplo e motivo de louvor, a forma de Pinga actuar. É o homem que nunca pára. Que está sempre na defesa e sempre no ataque. Que dribla, intercepta e passa... nunca cometendo violências. E, no entanto, não é nada frágil... Pinga representa o jogador completo: à maestria da técnica alia a maneira mais elegante de jogar.»
In «abola»