Estamos a 2 dias do 25 de Abril e partilho aqui convosco um post feito hoje pelo meu amigo Rodrigo Sousa Castro militar de Abril e responsável pelo levantamento a norte.
A ÚLTIMA VIAGEM AO NORTE AMORDAÇADO
Eram 18h00 do dia 23 de Abril de 1974.
Otelo surge no seu modo despachado, descontraído, falador. Esperava-o juntamente com o major Luis Arruda no Parque Eduardo VII onde concertamos encontrar-nos.
Os dois constituíamos uma das quatro equipas de oficiais, que na antevéspera do dia escolhido para a operação “viragem histórica” partiriam para as diversas unidades militares que ao longo do País se tinham comprometido com a revolta.
Iriamos juntos até Leiria , eu seguiria para os quarteis da Figueira da Foz, Aveiro e Porto e o Luis Arruda contactaria os quarteis de Leiria e Coimbra.
A cada um de nós Otelo entregou envelopes dirigidos aos revoltosos de cada unidade e que continham as ordens finais, o grupo data hora do lançamento das senhas rádio, as senhas rádio, o grupo data hora do inicio das operações militares, as frequências rádio em que operariam as unidades revoltosas e finalmente a Senha e a Contra Senha da operação que era “Coragem-Pela Vitória”.
A minha primeira paragem foi no café Nicola na Figueira, onde estava o capitão Fausto Pereira. Sem me dar a conhecer pedi um café ao balcão e saí discretamente para o meu carro estacionado perto. O Fausto saiu de seguida e recebeu os envelopes , um destinado ao seu próprio regimento, o RAP3, regimento de artilharia pesada 3, outro ao Centro de Instrução de Condução Auto também da Figueira, outro para a Escola de Sargentos de Águeda que seria entregue ao capitão Martelo, outro que encaminhou para o Regimento de Infantaria de Viseu a entregar ao capitão Gertrudes da Silva e ainda outro que seria entregue ao capitão Valente da Infantaria da cidade da Guarda.
De seguida marchei para Aveiro onde fiz a entrega ao capitão Rodrigo Pizarro.
Todas estas unidades, à excepção da infantaria da Guarda, que se deslocou para a fronteira de Vilar Formoso, vieram a constituir o “Agrupamento November” que marchou para Lisboa.
Finalmente cerca das duas da manhã cheguei ao Porto onde fiz a entrega as ordens ao major Corvacho. Este por sua vez deveria mandar oficias da guarnição do Porto entregar as ordens ao capitão Piteira dum batalhão sediado em Viana do Castelo e ao capitão Delgado da Fonseca em Lamego que marcharia com uma companhia de atiradores especiais.
No Porto pedi a ajuda ao meu cunhado Silvio que morava na Arca DÁgua e o qual retirei do seu pesadíssimo sono para me ajudar a encontrar a casa do major Corvacho. Missão cumprida levei-o de volta a casa e a minha irmã Rosa Cândida, intrigada com a minha visita nocturna e com a minha intenção de logo regressar a Lisboa perguntou-me.: - Mas que é que se passa ? Vais já para Lisboa, sem descansar ? Eram cerca das cinco da manhã, disse-lhe que tinha mesmo que vir.
Mas sem dormires? Diz-me qualquer coisa, porque não estou a perceber nada ,desta vez. Era hábito verem-me por lá nas lides da conspiração mas de dia e sem tanta pressa.
Liguem o Rádio Clube Português a partir da próxima meia noite, não posso dizer mais nada.
No regresso parei no posto de abastecimento que havia nos Carvalhos à saída do Porto. Aí dois cidadãos pediram-me boleia e ofereceram-me como era hábito naquelas circunstâncias pagar parte do combustível.
Disse lhes que não queria dinheiro e os trazia sob uma condição. Qual condição ? perguntaram;
- Não me deixarem dormir durante a viagem.
Cumpriram bem, tagarelaram até Lisboa, apercebi-me que vinham de “férias” e se preparavam para explorar o que de melhor haveria em Lisboa para dois homens do Norte. Quando os deixei, cerca da Encarnação , não resisti e disse-lhes:
-Obrigado pela companhia, espero que tenham uma boa estadia em Lisboa e que não tenham o azar de regressarem ao Porto mais cedo do que estão a contar.
Ainda hoje gostava de ver a cara deles e ouvir os seus comentários passados que foram 24 horas.
Silva e Costa,Engenheiro.
Pseudónimo utilizado nas lides conspirativas pelo
Sousa e Castro, capitão.